Cap 21 - O Sonho de Sofia
Dom Alkemi: observa e une materiais, formando novos objetos - alquimista
Nylda: máquina inventada por Antônio Slar
Apesar de nascer na Terra, Marguel se sentia filha de Galácena. Com as histórias de aventura que ouvia aos fins de tarde, um universo novo se formava diante de si. Ciente dos motivos de estar no planeta paterno, levava consigo o sonho de conhecer sua outra metade e crescer onde Sofia viveu.
— E porque não voltamos ainda, mamãe? — Observou a mulher sentada ao lado, enquanto trabalhava as mãos na barra acetinada da coberta. — Quero tanto pisar no seu planeta.
— Seu também, mocinha — disfarçou o nó na garganta com um sorriso meia lua. — Se fosse fácil, já teríamos deixado a Terra. Daremos nosso jeito, não se preocupe. Estamos trabalhando nisso!
A guardiã afofou o travesseiro para a filha deitar e acendeu o abajur na lateral da cama. A luz iluminou a silhueta da mulher na parede. Já passava do horário e conversas antes de dormir atrasavam o processo. Contudo, Marguel aproveitou o momento para tagarelar e clarear ideias.
— Estamos? — Os olhos se arregalaram e a pequena sentou novamente, admirada com a sombra da mãe crescendo até o teto. — E quem? Você e o papai?
— Sim, senhora — Sofia cruzou os braços, achando engraçado a fisionomia franzina se achatar em dúvida. — Mas o que foi?
A menina apoiou a bochecha numa das mãos, desconfiada que fossem capazes de resolver a situação sozinhos. A mãe suspirou e ela se animou, esperançosa por novidades.
— Você já aprendeu muito sobre Galácena, meu bem — encurralada, Sofia experimentou uma fisgada no estômago ao lembrar do último rosto que viu antes de sumir do planeta. Endireitando-se na cadeira, continuou. — Sabe o que são os banimentos?
A criança cravou a atenção nas pernas. Aquilo era assunto de gente grande e o campeão para entristecer os pais. Trabalhando as mãos na coberta, perguntou-se de o porquê tratarem do tema àquela hora. Afinal, esperava falar de coisas divertidas ou, no mínimo, curiosas sobre o lugar.
— São as viagens forçadas — a voz saiu baixinha e ela imitou a posição da mulher. Mãos na cintura e peito inflado. — E são difíceis de desfazer.
— Exato — embora o tom fosse animado, contornava um rio cheio de jacarés. — Uma pessoa banida precisa ter as coordenadas certas para voltar.
A palavra fez Marguel lembrar-se das aulas que teve com o pai no dia anterior sobre as tais linhas imaginárias. Plantou no rosto uma careta de dúvida ao fantasiar uma trilha de letras e números indicando a direção a se seguir. Com o ombro erguido, calculou ser mais ou menos dessa forma que a coisa funcionava.
— E esse processo, além de maldade tem um problema extra — disse lentamente, espiando por baixo o interesse da menina. — A resistência do viajante. — Com a revelação, sentiu o ácido estomacal arder como se estivesse no Deserto de Telfork.
A criança deslocou a sobrancelha e levou a mão à boca. Correndo a vista pela penumbra do quarto pareceu ver alguém soprando a resposta por trás da galaceana.
— Então, quanto mais negar em partir, maior a dificuldade em voltar? — O coração deu um pulo quando a mãe acenou que sim. — E se a pessoa aceitar?
— E, por acaso, tem quem queira ser banido? — A mulher esticou a coluna, mas logo esmoreceu. A questão era séria. — Bom, a pessoa pode querer viajar — feito seu pai, por exemplo. — Aí é outra história.
Marguel mexeu a cabeça de leve conforme fazia na aula de matemática em que a professora perguntava se a turma tinha entendido.
— A mágica do executor acha que está afastando alguém perigoso do lugar — os olhos embaçaram e ela mirou a própria sombra do abajur na parede. — E lembre-se, o tempo é um inimigo respeitoso.
— E a distância? — Fixou em direção ao Sistema Solar (projeto da escola), porém apenas enxergou dois planetas atrás da mulher. — Como vocês medem?
— Ah, isso não é problema — pendeu os lábios para algo trivial. — Mas se calcularmos o retorno e errarmos nas horas, poderemos acabar em um outro local.
— E é isso que mete medo no papai? — Apontou com o indicador, ciente de acertar o miolo do alvo. — Não vamos nos perder.
Apesar do assunto delicado, Marguel sorriu. Receber a confiança em algo que exigia sigilo fê-la se sentir importante e crescida. Pensando no pai, guardou a língua na boca. Ele tinha razão em temer a viagem, conquanto não daria importância. A vontade de conhecer Galácena era maior que qualquer receio.
Ao notar a alegria se sobrepor ao juízo, Sofia interrompeu os pensamentos da filha:
— Se errarmos a rota, teremos de voltar à posição inicial. E isso traz novas consequências. Voltar ao ponto de partida é uma delas.
Marguel fez um bico e as sobrancelhas acusaram o incômodo da realidade. Não soube dizer se entendeu a explicação. No entanto, refletiu que dessa forma talvez muitos conterrâneos desaparecesse, extraviados feito uma reles bagagem. Abraçou os joelhos ao se imaginar largada — sabe-se lá onde — e, pior, sem os pais. O resultado da cena foi um suspiro tremido. De repente, dormir passou a ser o item prioridade do momento. Com um quê de arrependimento, desejou não continuar no tema, torcendo para que nenhum pesadelo viesse atazaná-la durante a noite. A mãe, contudo, seguiu com as explicações:
— Eu sei de dois galaceanos que tiveram a infelicidade de se perder. Dois guardiões! — Picotando os próprios sentimentos, Sofia resolveu abrir o leque de respostas sobre o assunto. — A única consolação são mensagens recebidas de Jalef.
Marguel estampou uma cara de susto como se zumbis acorrentados rodeassem sua cama. Guardiões banidos? Isso era novidade e das ruins.
— Como ele faz isso? — Como coração tamborilando, o sono morreu e as vistas se arregalaram maiores que bolas de gude. — Já falou com ele, mãe?
— Uma vez — exalou um ar pesado, temendo ir fundo demais com a filha. — O professor tem um poder especial e falou comigo num sonho.
— Ah — sem se preocupar em esconder a suspeita da confissão, revirou os olhos. — E o que disse? — Bocejou, desta vez, soando descrença total.
— Você sabe que já se passaram sete anos desde que Taurim me baniu — pausou para corrigir e deu um sorriso de prisão de ventre — nos baniu. Mas...
— Mas o quê? — Erguendo o corpo magro da cama, a pequena expôs os cabelos loiros amarrotados.
— Jalef descobriu um jeito de voltarmos — camuflou um vestígio de ansiedade ao acariciar dedinhos miúdos. — E essa maneira tem nome: Antônio Slar. Só precisamos achar um meio de receber as coordenadas certas. Eu não consegui entender a sequên...
— Slar! E quem é? — Cheia de interesse, a menina alterou a voz de rouca a um agudo dolorido. As vistas brilharam querendo se despedir da Terra para sempre. — Por que não me contou antes?
Marguel escondeu metade do rosto na coberta. Quando a mãe mordia o lábio era sinal de ter passado dos limites.
— Você não estava preparada, filha! —Uma lágrima escapuliu e ela abraçou a menina. Era seu próprio reflexo, só que menor. — Mas agora, tudo será diferente!
Agradecida por se inteirar da nova perspectiva brotando entre eles, deu um beijo na mãe. E decidiu que, dali por diante, dormiria tranquila, sonos repletos de aventuras e conquistas, em um lugar tão distante quanto querido.
Por fim, o árduo desejo em viajar à Galácena despontou radiante na linha do horizonte. Mal imaginava que o alquimista se instalara numa cidade próxima à qual morava. Era a única oportunidade concreta das duas desde o dia em que a guardiã pisara na Terra.
A menina quis saber mais a respeito do sujeito. A hora, no entanto, avançou a galope pela madrugada. Pensou em adiar a conversa ao dia seguinte. Em vão, enrugou a testa tentando intimidar a mãe.
— Assim que falar com ele, eu conto — deu uma piscadela e ajeitou-a na cama. — Agora, hora de dormir.
— Tenho um assunto importante a tratar — Sofia segurou os braços parecendo prender o conteúdo dentro do peito. Recuou dois passos com a agitação do marido. — Ontem, contei sobre Tom a nossa filha, sobre o sonho que tive com Jalef e a chance de nos enviar de volta.
— Certo — o terráqueo se sentou e afrouxou a gola. Precisava formular perguntas assertivas que o deixassem tranquilo. — E ele pode mesmo nos ajudar? E o principal, por que está aqui?
— O professor disse que tem o dom Alkemi — o rosto sereno escondeu o receio de alguma negação da parte do transmutado. — Consegue analisar e manipular diversos materiais, uni-los e formar um novo objeto. Uma espécie de reciclagem avançada. — Deu uma risadinha tentando melhorar o humor das pupilas verticais. — Depois de ser banido, passou a auxiliar conterrâneos que o procurem.
Alex içou a ponta do lábio e o coração de Sofia acelerou. Sabia que o gesto não era de alegria e sim desconfiança. Acirrou a vista no alvo, temendo ficar presa na questão por horas.
— E como faz isso? — Recostou-se na cadeira, atropelando o tema traumático ao amassar o miolo do pão. Erguendo o queixo tal um Terók, investiu no segundo conteúdo. — Ele tem as coordenadas? E você disse que Jalef revelou? Sabe que só sairemos daqui com as ditas cujas em mãos!
— Eu sei, calma — a guardiã esticou as mãos, porém manteve a fala mansa. — Não temos os códigos, ainda, mas me escute. Quando jovem, esse tal Antônio iniciou a construção de uma máquina capaz de tele transportar coisas. — Coçou a nuca antes de entregar a parte incômoda da história. — Jalef garantiu que ele deu "um grau" em Nylda e que, agora, pode enviar pessoas.
— Em quem? — Esmagou a vista, empoleirando-se na cadeira como se prestes a entrar numa piscina gelada. A dele, no entanto, era lamacenta. — Não podemos dar com os burros n'água, sabe disso.
— Em Nylda — subindo os ombros, mostrou quase todos os dentes num sorriso amarelado. — Foi assim que nomeou a invenção.
Alex não respondeu. Ao invés disso, ouriçou os cabelos num ritmo que Sofia julgou perigoso. Então, afrontaram-se em olhares paralisados, desses que ardem até o indivíduo lacrimejar e piscar. Ela cruzou os braços, ciente de que não iria se acomodar no fundo do poço enquanto a corda passasse raspando ao lado. Embora não conhecesse o galaceano, sentia uma linha tênue a amarrar ao sujeito. Uma cheia de nós e com a ponta sustentada pelo mesmo algoz. Quando os dentes manchados de Taurim surgiram na memória, soube que seu destino com o alquimista selaria a vitória.
— Ele foi banido na adolescência depois de se envolver numa briga — esperando que o assunto não lançasse espinhos ao redor, baixou o tom da voz no final. — Adivinhe com quem?
— Não brinca — apesar de ter a resposta na ponta da língua, o terráqueo negou com a cabeça. Ao lembrar-se dos murros que despejara em Traium, o coração sacolejou e algumas veias saltaram no pescoço. — Aquele patife, desgraçado!
— No conflito, os pais de Tom se colocaram entre os dois e acabaram — pigarreou — sendo mortos. — Largando a bomba no meio da mesa, aguardou pela reação alguns metros de distância.
Alex espremeu o rosto nas mãos e um rugido — apesar de baixo — ferveu pelas narinas. Sofia desconfiou que a própria experiência ferisse a mente do amado, não obstante, vestiu-se de coragem e seguiu em frente:
— Taurim considerou o fato ser um acidente de percurso. Jalef até suspeitou que talvez o irmão não tivesse a intenção de cometer o crime, mas...
— Mas, o quê? — Os punhos tremeram feito duas bolas de ferro e os olhos ganhariam do céu em dia de tempestade. — Mas, o quê?
Ao detectar um traço hostil escalar a feição do transmutado, desejou não precisar acertá-lo com um golpe de monca. Seguiu o trajeto em alerta, mesmo com o marido se segurando na cadeira.
— Com medo de o único herdeiro dos Slar pudesse causar danos a ele e ao filhinho — fez uma cara como se tivesse acabado de vomitar — decidiu por exilá-lo.
Em segredo — e sentindo-se a pior das pessoas — Sofia agradeceu pelo passado do galaceano e pelo dom ter viajado junto no momento do ato. Era incomum — embora pudesse acontecer — de a aptidão se romper com o deslocamento violento e se perder no meio do caminho.
— Esse homem, se é que posso falar assim, é o mal em pessoa — Alex se levantou com um calafrio percorrendo a coluna, injetando dois litros de raiva no corpo. — Alguém precisa barrá-lo.
Apesar de manter distância, Sofia se engatilhou quando ele ameaçou jogar a cadeira para longe. Não demorou muito e a respiração começou a oscilar. Logo, as unhas saltaram prontas ao ataque.
Contudo, a mulher enxergou na transformação uma resposta. O fato dela ter vivido a experiência do banimento, decerto assolava o coração do transmutado. Mordeu o lábio ao imaginar que a sensação se agravaria, caso se julgasse culpado pelo ocorrido.
Ao ver a calma retornar ao juízo, aproximou-se para abraçá-lo. Acariciando as costas, fê-lo se sentar.
— Vamos, beba um pouco de água — disse, agradecendo por Marguel estar na escola.
— Hoje a professora Patrícia me chamou na saída da escola — Sofia ficou presa na análise felina do marido. — Dias atrás, viu um casal observando Marguel e depois conversando com ela.
— Como é que é? — As palavras arderam na boca e Alex ficou em pé. — Por que não me falou antes? Quem são?
— Fale baixo. Sua filha está dormindo — a censura veio numa voz tênue e as mãos solicitaram as dele numa urgência de afeto. — Queria digerir tudo primeiro e então, te contar.
— Desculpe — acariciou os dedos femininos, largando um rosnado baixo. Não tinha bola de cristal, mas o curso do assunto o atingiu na boca do estômago. — E o que houve?
— Eles a abordaram num dia em me atrasei — Olhos mareados confessaram a culpa e as têmporas martelaram. — Perguntaram coisas a ela. Coisas sobre outros mundos, viagens estranhas, dons. Até mágica ela mencionou à professora...
A galaceana procurou manter a calma e falou devagar. Não queria despertar a fera, adormecida desde a última conversa sobre Galácena. A respiração, contudo, entregou o estado de espírito da mulher. Estava aflita, encurralada feito um pássaro na gaiola.
— E qual o próximo passo? — Alex engoliu o café com dificuldade. Imaginar a filha abordada por desconhecidos fez o estômago virar do avesso. — Precisamos descobrir quem são!
Sofia estacionou na porta da cozinha. A mão apertando as bochechas, enquanto acompanhava o terráqueo percorrer a mesa em círculos. O terceiro rugido lembrou a um animal enjaulado, calculando cada centímetro quadrado para escapar e devorar o mundo.
"Tem gente desconfiando da origem da menina" — o pensamento triturou o cérebro e o transmutado levou a mão à cabeça. Pressionou as pálpebras, ciente que esse dia chegaria e constatando não estar preparado para enfrentá-lo. — "Devem ser perigosos assim como Taurim, Traium, Suno..." — Uma salada amarga de rostos queimou a mente e ele caiu de joelhos.
A guardiã correu atendê-lo. Manter a fera longe era prioridade. Sentados no canto do ambiente, aninhou nos braços.
— Ora, não é sua culpa, meu amor — sentindo-se um egoísta por deixá-la desamparada, os caninos afiados morderam o lábio.
— Mas eu cheguei atrasada — fungando o choro reprimido, lançou uma feição suplicante ao terráqueo. — Amanhã será sábado. Vamos falar com Tom e ver o que podemos fazer.
O indício de perigo vivido pela criança, era o prazo reclamando-se à mulher. Um item extra e poderoso para convencer o marido — isso ela gostou — a acionar o alquimista. No entanto, os ombros caíram e Sofia segurou um lamento para não o atormentar ainda mais. A advertência pipocou a memória. Precisavam das coordenadas para seguir com a aventura.
Ao apreciar a floresta do quadro pendurado atrás de Alex, aquietou-se. Ele também pareceu entrar nos eixos com a respiração se normalizando. Por alguma razão, Jalef solicitara no sonho que levassem um objeto como aquele ao encontro com Tom. Sem compreender o motivo, elegeu a tela de imediato.
— E as coordenadas? — Os olhares se cruzaram e o transmutado teve medo do fracasso. — De que adianta ir até o cara de mãos vazias?
Sofia afundou o rosto no peito do marido, copiando o movimento que a filha costumava fazer com o pai. O tempo se anunciou um vilão singular e as chances de sucesso mínimas. Contudo, a galaceana supôs que o mutante aceitaria o risco, assim que conseguissem o código.
— Todas as noites eu peço para que ele volte — lágrimas traçaram as bochechas, pingando na camiseta do homem. — Mas até agora, nada.
— Ele dará seu jeito, tenho certeza. É um Terók, afinal — brincou, aceitando a condição tão arriscada quanto necessária. Seu maior desejo, e também maior medo, caminhavam juntos em direção à amada família.
Ela concordou, porém, a angústia assolou o peito com outro prego.
— O que foi? — Percebendo o transtorno, Alex foi direto à ferida. — Não vai acontecer nada — camuflou o próprio medo na afirmação. — Você conhece as regras. Quanto mais nova for a pessoa, menor o risco. Ela será a viajante mais segura.
— Eu sei, mas tenho muito receio — o nó na garganta aumentou, impedindo a saliva de descer. — O dom ainda não aflorou por inteiro. E se perdê-lo durante o trajeto?
— Então, vamos esperar além das sete primaveras — o sorriso de orelha a orelha pareceu surtir efeito e Sofia copiou a fisionomia. — Quanto tempo levará para que o dom se firme?
— Se ela praticar, acho que em alguns meses — os olhos brilharam com a chance de a menina chegar ilesa ao planeta. — Assim terá grandes chances de pisar em Galácena cem por cento.
O casal se fitou por segundos, decididos de que a primeira a embarcar na aventura de regresso seria Marguel Redin Talini.
Os ânimos estão à flor da pele💮 com a chegada do galaceano Antônio Slar. Será que ele conseguirá ajudar Marguel e sua família? Como Irão conseguir as coordenadas📜?
Sigamos em frente ao próximo capítulo📖.
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