Cap 20 - Caso SLOC
Chaves-peça: estruturas que abrem passagens secretas
Híbrido: meio galaceano
Morro do Uivo: local preferido de Traium para realizar banimentos. A 4km da SOTE.
Ouvinte lateral: dom de audição supersensível
Pântano Sherper: ambiente beirando os muros da SOTE
Ribou: pássaro da Floresta de Aycol
SG: Sociedade de Gala
Abandonando a biblioteca reservada, após revelações significativas, o grupo de galaceanos ganhou os corredores gelados da SG. Apressados, atribuíam passos largos e firmes à marcha matinal conduzida à sala de reuniões. A julgar pelo silêncio e rostos reservados, o clima instalado entre eles era de seriedade e ordem.
Surpreendente, o ar fresco do lugar resfriou a garganta de Marguel, afinal o sol imperava lá fora. A chuva vertiginosa, do mesmo modo que veio, se dissipou e os pássaros já começavam a tingir novamente o céu com suas penas coloridas e exuberantes.
Chegando ao local marcado, Ella brecou, se admirando. Duvidosos, olhos esverdeados toparam com os seus; a porta conservar-se fechada.
_Não pode ser – respondeu a guardiã, estranhando o cenário calado à volta ao calcular os pensamentos da amiga. – Ele disse às nove em ponto! Estava agora com a gente!
Sem demora, a especialista em satélites naturais apanhou seus óculos singulares e esticou o pescoço, constatando estarem adiantados.
_Temos mais vinte minutos de folga – concluiu, enquanto guardava o pequeno objeto no bolso lateral da calça.
Zincon tentou imitá-la, franzido a testa, apertando-se contra a claridade impiedosa. De imediato, desistiu, preferindo preservar as pupilas intactas.
_Bom, vamos entrar! – Comentou Marguel, aliviada pelo tempo de sobra.
Ella assentiu, instigando o galaceano mais próximo da entrada a atacar a maçaneta. Atendendo ao pedido, o homem pressionou o dispositivo, torcendo passar desapercebido do outro lado.
O ranger das dobradiças, contudo, denunciou o quarteto e meia dúzia de cabeças presenciou sua chegada. Para alívio de ambos, não demorou aos participantes voltarem às conversas, tão triviais quanto interessantes, antes que o tempo se esgotasse.
Com um sorriso amistoso, cumprimentaram poucos curiosos, ao passarem por um lote de cadeiras aveludadas. Seguido por três cabeças, o guardião alcançou a outra ponta com certa ligeirice, pensando em causar o menor dos alvoroços. Ombro a ombro, se acomodaram, já nos primeiros lugares vagos da fileira da frente; as mulheres entre os maridos.
_A sala está diferente – comentou Marguel, capturando cada detalhe, colada no ouvido à esquerda. – Que agilidade de quem trocou tudo por aqui!
O galaceano arqueou a sobrancelha, confirmando as palavras da esposa ao dar meia volta com o pescoço.
_Até as cortinas foram substituídas, meu bem! – Completou o homem, apontando ao tecido branco a tremular rente às janelas, dando um efeito realístico às águias bordadas. – Parecem estar voando!
Próximo a Petry, uma estante repleta de ciências e história exibia, imponente, diversos exemplares. E pela larga espessura, um deles se destacava. Ninguém sabia ao certo qual sua finalidade, apesar de já terem visto Jalef, inúmeras vezes, entretido com a obra. Zincon prendeu-se ao objeto, assim que se ajeitou e, sem desviar os olhos, empenhou-se em ler o título. O esforço, em vão, o intrigou, com letras que reduziram a cada investida. Impressionado com a sutileza do ilusionismo, cutucou a mulher, quando da leitura se ateve à insígnia na base: V.R.
Em silêncio, os cônjuges se entreolharam e a galaceana ocupou-se numa expressão de tristeza. Vieram à tona as lembranças da infância, açoitando os pensamentos femininos. A autora, Vânie Richtor, descrevera um importante estudo de transmutação, manuseado por Sofia e Alex, antes da filha nascer. Saudosa, Marguel enxugou as lágrimas com discrição, sem querer se estender em explicações.
_Um dia, querida, você os verá novamente! – disse Zincon, acariciando mãos alongadas ao compreender a situação. –Tenha certeza!
Ela concordou, apesar das fartas e cruéis dúvidas a magoarem dia e noite. Empático, o marido correu a sala em busca de uma distração, deparando-se com alguns quadros à frente. Dois deles pôde identificar com facilidade e, assim, deixar o assunto doloroso, abandonado junto à estante. Também fazia parte da lista, impressionar Ella e Petry; isso não poderia esconder.
_Vejam, aquele bem à direita é o senhor Catalón Merles – indicou, com orgulho, a imagem de um homem de olhar penetrante e sério, com um bigode abastado. Calvo, a exceção ocupava a parte próxima das orelhas. – Um dos primeiros Guardiões de Gala a que se tem notícia. Um bravo guerreiro da SOTE que se bandeou para o nosso lado!
Por instantes, os quatro admiraram a figura pitoresca. Em segredo, Petry permitiu-se imaginar ainda fazer parte do conjunto. Não pôde se estender nas divagações, entretanto, pois o outro logo o atropelou com mais uma de suas elucidações:
_A senhora de cabelos grisalhos, enfeitados com penas de ribou e colar de pérola é a guardiã Mara Dasto; tia-avó da minha esposa!
Com certa vaidade, Zincon concluiu apontando o retrato ao centro e lançando um sorriso largo à mulher. Sentindo-se acanhada, mesmo entre eles, ruborizou-se num rosto satisfatório, em questão de segundos. E, contemplando o quadro, disfarçou um orgulho comedido.
_É sério? – Perguntou Ella, pasma com a novidade, arrancando-a da solidão proposital. Afinal, sabia apenas que a mãe dela, exercera o cargo. – Porque você nunca me contou?
Marguel deu de ombros. Não convivera com a galaceana do elenco acima, embora soubesse que Sofia tinha se espelhado nela durante a juventude e, por isso, investido na carreira.
_Essa menina tem categoria! Vem de uma linhagem de guardiãs! – Brincou o padrinho de Ninah inocente, sem notar o rosto próximo refazer-se em nostalgia. – Mãe, tia-avó, sabe-se lá quem mais na família pertenceu a este posto...oof!
O homem resmungou baixinho ao se contorcer com o safanão de Ella. Cutucando as costelas masculinas com o cotovelo, devolveu numa careta de desculpas, ao desconforto causado pelo marido.
_Foi mal, Marg – disse ele, abreviando a infração no nome feminino. – Não tive a intenção de...
_Tudo bem, Petry – interviu a mãe de Ninah, ainda arrastando um semblante lamentoso. – Nunca irei me acostumar com a ausência dela, nem do meu querido pai. E também jamais me conformarei com tal situação!
A galaceana protestava de braços cruzados, colando as costas no encosto da cadeira. A atitude irritada reforçava o sentimento de injustiça. Observando a sala, apressou-se em fugir dos próprios pensamentos e de quaisquer lembranças do passado. Não era momento de dar espaço à melancolia, muito menos de transpirar fraqueza.
Petry fez o mesmo, posicionando-se secamente em seu lugar. Preferiu encarar os pés, contudo, remoendo-se com o descuido nas palavras.
À frente do quarteto, uma mesa retangular aguardava por ocupantes específicos. Os lugares, reservados com plaquinhas, receberiam cinco membros do Conselho de Glacídeo.
C. Sarah, C. Orduc, C.,... Marguel empacou a respiração ao ler o terceiro nome. Incrédula, apertou a vista e esticou o pescoço, pensando ter lido errado. Num passe único de incompreensão, revirou os olhos, aborrecida, constatando a presença "ilustre" do digníssimo Senhor Optos Chato (como se referia ao homem), à reunião dos Guardiões de Gala.
Sério? Aquele do contra foi chamado para decidir quem irá fazer parte da missão? O que Jalef está maquinando, afinal? Por que não me avisou? Será que Optos o coagiu? Impossível!
E logo, fantasias ferozes se organizaram, bombardeando a mente da guerreira. Melhor seria evitar a surpresa desagradável a Zincon, já no início do evento, refletiu um tanto atormentada.
_Suspeito, não é? – Sussurrou ela, indignada e impaciente com a descoberta. – Prepare seu psicológico.
_E o que foi? – Perguntou no mesmo tom, embora o galaceano analisasse, com atenção, a indisposição da mulher.
_Já leu os nomes dos conselheiros convidados a participar da reunião?
Afoita, ela torceu o nariz, inclinando a cabeça em direção às plaquinhas à mesa.
Ligeiramente exasperado, e com razão, ele bufou. Teria de se esforçar em expulsar resquícios remanescentes de raiva que pudessem pular desgovernados sobre o tal sujeito ao ouvi-lo se pronunciar. E, demonstrando total insatisfação com o futuro encontro, concentrou-se em pálpebras fechadas e rosto carrancudo.
Ella e Petry também desaprovavam os conceitos catastróficos do professor e, assim que souberam da convocação, revelaram expressões enjoadas.
_Vamos agir com naturalidade e sermos cordiais para com todos – propôs a nova guardiã, lançando um ar convicto a Zincon; afinal, a rixa maior era com o galaceano. – Optos não pode querer nos atormentar à vontade, pode?
Atiçando-o a discordar da amiga, a lembrança da reunião anterior beliscou o cérebro masculino. E, por um momento, a dúvida o assombrou, ressecando o semblante viril.
Transparecendo desconforto por igual, Marguel ergueu os ombros, sem saber o que dizer. Há pouco sobreviveram ao Sr. Chato e, agora, lá estaria ele outra vez; a inflamar o ambiente. Ela presumia que possivelmente viessem a ter problemas no encontro, caso o professor teimasse em algum ponto importante. Manteve-se calada, entretanto, guardando as considerações para si, evitando piorar o humor do marido.
A guardiã, além de patrocinar as ideias de Jalef, desejava, e muito, participar da operação na SOTE. Optos divergia, no entanto, da linha de pensamento da mulher e não fazia pose em disfarçar a antipatia para com Zincon. A objeção do conselheiro poderia arruinar os planos da guerreira, em enfrentar Traium, o maior rival, junto do companheiro.
Ao exame de seu afeto, disfarçou qualquer medo sobressalente, sorrindo com simplicidade. Compartilhar considerações pessimistas o afetaria numa indisposição desnecessária, antes mesmo de ver as cadeiras da frente sendo ocupadas.
_Vamos torcer que o cara tenha tido uma noite de sono incrível! – Argumentou Petry descontraído, alisando o cavanhaque ao fitar a dupla de amigos. – Isso pode fazer diferença!
_Ele sabe que votou no melhor à sociedade! – Comentou Marguel, tentando se convencer com as próprias palavras, ao encarar a placa com o nome do opositor.
Apesar de não gostar de se beneficiar de uma guerra corporal era evidente que, se algo fugisse do controle àquela missão, seria necessário armar-se até os dentes.
Um interessante assunto tomava corpo na fileira detrás do quarteto. Curiosos e intrigados com o debate, a conversa paralela chamou a atenção dos pais de Ninah, que se espiralaram para acompanhar o falatório.
Em parte, com um final honroso, comentavam sobre o infeliz caso SLOC; uma abreviação das iniciais de seus participantes.
Galaceanos puros, Olívia e Caio tinham retornado ao planeta após serem banidos por Traium. O fato acontecera alguns anos atrás e deixara a classe de defensores ainda mais apreensiva quanto à segurança da população.
_Eram simples membros da comunidade. Ao que me consta, nunca foram de encontro às ideias de Terók. Mas o "equívoco" do casal, segundo o déspota, foi quando ajudaram: Silvia e Lux.
Quem narrava a história era Louisse, Guardiã de Gala a superar 25 anos de movimentação em prol da segurança. Os cabelos denunciavam certa idade, com mechas brancas a se destacar do tom castanho, pendendo soltas sobre os ombros. E o olhar perdia-se no infinito ao relembrar a triste ocorrência.
_Os pais do pequeno Kelby! – Murmurou Ella numa voz desgostosa e aflita. – Sempre me perguntei o que teria realmente acontecido com os pais desse garotinho.
À época, a amiga de Marguel não compunha o quadro de guerreiros e as informações surgiam fragmentadas, impedindo a instalação do caos na sociedade. Petry e a esposa embarcaram no time pouco tempo depois.
_Sim, eles mesmos! Traium deixou o menino órfão de pais vivos! – Confirmou a experiente veterana. O tom baixo situando apenas os bem próximos à conversa. – Corriam contra o tempo em uma missão, não obstante, foram capturados e trancafiados por Traium, em terras mais ao sul.
_E onde entram Caio e Olívia nesse drama, afinal? – Perguntou Petry um tanto malcriado, exibindo uma feição relaxada. – Digo, por que precisaram ajudar guardiões?
Com ar de desaprovação pela soberba, Marguel, Zincon e Ella voltaram-se à direção do homem que se encolheu na cadeira. Num sorriso amargo, ele arqueou o canto da boca para cima, desculpando-se em seguida.
_Eles também tinham propriedades na região e conseguiram resgatar o casal – lembrou Louisse, sem demonstrar qualquer repulsa ao comentário indevido do colega. Ela conhecia as características de cada companheiro em exercício e o galaceano, em várias ocasiões, exagerava, tanto nas brincadeiras quanto na linguagem.
_Vocês podem presumir, – continuou ela, com um trejeito sarcástico brotando no rosto, como se presenciasse a cena de desapontamento do velho maligno, – o que o chefe da SOTE sentiu ao descobrir os autores da fuga!
_Ugh, mal posso imaginar! Fico com calafrios! – Exclamou Petry, franzindo a testa. As mãos no estômago, parecendo estar enjoado. Desta vez, falava sério, desprezando seu "eu" brincalhão. – Deve ter amaldiçoado cada ser pensante deste planeta!
Marguel e Zincon se entreolharam, engolindo a seco, calculando o desespero tomar conta da mente possessiva e perversa de Traium Terók.
_Evidente que ele, ao descobrir quem eram os intrometidos, responsáveis por libertarem Silvia e Lux, tratou de lhes causar uma derrota sem precedentes!
Turbulenta, uma voz invadiu a conversa paralela. Jonas, um dos poucos híbridos do grupo, era um guardião alto, robusto e de cabelos castanhos encaracolados. Sustentava um avantajado bigode bem aparado e arredondado nas pontas, bem como sobrancelhas sobressalentes. Nunca se continha ao ouvir sobre o caso SLOC.
_Poderia ser qualquer um de nós! – Avançou o homem, estendendo uma carranca aos demais. – Pararam para pensar?
Ao contrário de Louisse, o galaceano falava sem pudor, indiferente se outros escutassem a narrativa desagradável. Acomodado a duas fileiras atrás de Marguel, cumprimentou-a com certa sutileza, assim que ela esticou o pescoço a observá-lo. Tinham sido ótimos parceiros em missões anteriores, lembrou a mulher, acolhendo-o em um sorriso cordial.
_Xiiu, quieto! – Ponderou a guardiã de cabelos castanhos, sinalizando com as mãos de modo sensato, sem querer causar alvoroço. – Não é o momento de iniciar uma discussão a respeito do ocorrido!
Considerando o pedido da amiga, Jonas se acalmou e, analisando rapidamente os companheiros ao redor, viu que conversavam entretidos em assuntos aleatórios.
_Você está certa! – Reconheceu o colega, amaciando os dedos no bigode. – Mas lembrem-se sempre: Caio e Olívia arriscaram suas vidas por nós!
Ele manteve o indicador erguido por segundos, como se o gesto os impedisse de esquecer a atitude audaz dos conterrâneos. Petry julgou o comportamento do homem um tanto exacerbado, porém preferiu ignorar. Afinal, fora algo deveras inusitado e inesperado da parte de simples galaceanos.
_Poucos meses, após a fuga do cativeiro de Silvia e Lux, o casal corajoso sofreu retaliações pelo atrevimento. – Interferiu Lessa, com um desapontamento visível a metros de distância. – Foram jogados, à força, para Rude.
A mulher carregava angústia em seu rosto jovial. O olhar permanecia grudado ao chão, como se observasse uma cena chocante. Apesar de haver bons moradores, todos sabiam que o planeta definido por Traium era considerado primitivo e insalubre.
Dilatando-se em mal-estar, um silêncio inconveniente esbarrou no pequeno grupo. Todos conheciam o déspota ao qual lidavam e a sua total ausência de empatia. Não media esforços à sua vontade imperar resoluta. Nem mesmo Petry encontrou termos descontraídos, a fim de esquivá-los da melancolia aludida ao passado.
Prontamente, Louisse consolou Lessa em um abraço. Ao encher os pulmões, a jovem a encarou, denunciando a renúncia em se perdoar pelo descuido infeliz. Ela havia sido uma das guardiãs designadas à proteção daqueles conterrâneos.
Os quatro amigos permaneceram petrificados, administrando toda a história que passara de raspão em suas vidas. Mal imaginavam que a coragem de Caio e Olívia, despertara uma ira muito maior em Traium.
Traiçoeiro, se aproveitou do mínimo de deslize dos defensores de Gala. Correndo contra o tempo, caçou Silvia e Lux de novo, semanas depois. E, desta vez, obteve o sucesso desejado, banindo a dupla guerreira do planeta.
_Mas, Jalef... perspicaz do jeito que só ele é – continuou Louisse, parando ao pronunciar o nome do ancião e mirando ao quadro exposto na sala em sua homenagem, – desconfiou de Terók e não permitiu que o sobrinho agisse com tanta facilidade.
_E o que ele fez? – Questionou Marguel, aflita com o desfecho incerto. – Afrontou? Atacou?
Um sorriso tímido, embora vitorioso, preencheu o semblante da mulher mais experiente, fazendo os olhos brilharem de prazer.
_O tio ficou no encalço daquele imprestável – revelou, ao soquear a palma da mão num protesto comedido. – Especulou cada movimento suspeito.
A galaceana gostava de esclarecer eventos desprezados em doses mal explicadas ou deixadas na insignificância. E, no momento, não se constrangeu ao notar cabeças extras voltadas à conversa intrigante.
_Típico dele! – Considerou Zincon, parecendo ligeiramente mais animado, ao aprovar a conduta do amigo ancião. – Ainda bem que está do nosso lado!
_Um conselheiro o alertou sobre um possível banimento prestes a se realizar nas redondezas do Pântano Sherper. – Informou a mulher de cabelos acastanhados, encarando Lessa com ternura, preocupada com a reação da garota. – Alguns de nós corremos para falar com Jalef, assim que nos chamou!
Endireitando-se na cadeira e expandindo os ombros, a jovem guardiã já se recompunha do abatimento inicial.
Interessado, o quarteto se assustou com a novidade. Consideravam o lugar sombrio e muito vulnerável a qualquer opositor de Traium, pois se estendia aos domínios da SOTE. Além disso, o local predileto do déspota, para banimentos, era o Morro do Uivo. Quatro quilômetros se estendiam entre um ponto e outro.
_E quem foi a boa alma que deu o alarme? – Perguntou Petry, interrompendo a explicação com o bom humor já recuperado. Os olhos implorando por uma resposta.
_Tsc, tsc, tsc – resmungou Jonas, soltando uma risadinha censurada, ao perceber o avanço afiado da guerreira com o caso, cortando a pergunta do colega. – Vá com calma.
_Que é que tem? – Admirou-se a mulher, pondo as mãos na cintura. – Somos os Guardiões de Gala! Temos todos o direito de saber!
A objeção de Jonas fez o ácido estomacal queimá-la por dentro. Exasperada com a intromissão, estreitou a vista à direção do repreensor, intimidando-o. Com o tom desafiante a galaceana fê-lo concordar com a reflexão, apesar de não o ter convencido.
Incrédula, Marguel percebeu uma possível confusão brotar entre os dois. Tentou puxar pensamentos vagos para si, no entanto, não obteve vantagem. Concentrados na disputa sobre a verdade, ambos ignoravam o público ao redor.
_Tudo bem – concluiu o guerreiro bigodudo, esboçando um sorriso torto. E, ao subir as palmas até a altura do pescoço, ofertou uma trégua necessária. – Mas você não tem certeza!
Para o alívio da classe, ele permaneceu sereno. Guardião experiente, beirava os 55 anos, sendo destes, 35 na defesa. E pelo jeito extrapolado, parecia saber a quem Louisse se referia, a respeito do caso SLOC.
Retorcendo os lábios, contudo, Louisse o atropelou, voltando aos demais do grupo. E, mesmo adotando o sussurro na fala, não diminuiu o suspense da história. Alguns se inclinaram aproximando-se mais da mulher, enquanto Ella dublava com facilidade qualquer coisa que dissesse.
_Jalef nunca mencionou o nome dele a ninguém, tenho de admitir – disse com indiferença ao colega intrometido, que revirou os olhos e a cabeça num único gesto. – Mas tudo leva a crer que tenha sido um dos gêmeos Pronel!
_QUÊ? – Vociferou Marguel bruscamente, tão descrente quanto os outros três. – Você quer dizer Tittus ou... Optos?
De soslaio, ela observou o ambiente, detectando suspiros revoarem aqui e ali. Então, forçou o corpo a se amansar, embora repelisse um ar brusco pelas narinas, indignada com a notícia.
_Sim – confessou a relatora de forma categórica, erguendo um dos ombros, como se fosse algo simples de se assimilar. – Um deles perambula próximo ao pântano. Isso não é novidade!
A guardiã não via mal nos irmãos conselheiros. E confessou, mesmo que de modo sutil, estar perplexa com a atuação de Marguel, a julgar pelo rosto enviesado direcionado a ela.
Negando com a cabeça, Zincon validou o ceticismo respingado pela esposa. Após a noite anterior, era penoso aceitar boas maneiras da dupla Pronel. Subestimando o professor, teimava em crer que algo bom pudesse vir do indivíduo ou de um consanguíneo seu.
Pensativa, a mãe de Ninah alisou a testa com os dedos, validando a ajuda essencial, oriunda de um daqueles dois. Decidiu, erguendo o canto da boca, atrelar-se às palavras de Jonas. Não era certo que um deles teria sido o herói. Afinal, por alguma razão, Jalef encobriu o autor do fato. Talvez por vaguear em um local suspeito, mas quem sabe, por pensar apenas em protegê-lo das garras de Traium. Fosse quem fosse, entretanto, tinha salvo duas pessoas, admitiu em segredo.
Confiantes, Petry e Ella concordaram com Louisse. Um dos gêmeos, de fato, percorria a trilha tão controversa quanto arriscada. Se o mestre permitiu, contudo, que ambos alcançassem o Conselho de Glacídeo, era porque a dignidade os acolhia a tal cargo.
_Bom, não cabe a nós julgar! – Criticou Jonas, oferecendo um basta à conversa, ao alegar o humor atarraxado de Zincon. – E também, não vamos sair por aí tagarelando nomes soltos!
Insistindo nas considerações, ele fez uma careta à amiga, arregalando os olhos e acenando com a mão para cima, em um sinal de pare.
_Aposto que Jalef, com seu dom magnífico, alcançou uma interferência, salvando Caio e Olívia do banimento.
Divagando em voz alta, com as próprias deduções, Petry observava, imóvel, o quadro do ancião, ignorando Jonas. O caminho das revelações era tão sinuoso quanto os arredores da SOTE. Cada detalhe que pudesse completar o quebra-cabeça SLOC, fascinava-o, pois era guardião há pouco tempo e havia muito a absorver.
Louisse sorriu abertamente, expondo dentes bem ordenados. Competitiva, adorava disputas com o amigo de longa data. Notando ainda ter espaço, continuou a história dramática, sem dar atenção à solicitação anterior.
_Acertou, Petry! – Reconheceu a mulher, apressada e satisfeita. – Enquanto o sobrinho realizava os procedimentos ao ato em si, Jalef viu à qual planeta o casal seria projetado. Mas ele conseguiu agir, com rapidez, graças a esse informante.
_E de que maneira ele obteve as coordenadas exatas? – Perguntou Marguel, lembrando-se de uma conversa muito especial que teve com um quadro campestre, aos sete anos de idade. Fora a primeira vez que vira o Terók "bonzinho", como se referia ao mestre, enquanto criança. – Um dos gêmeos estava presente no banimento?
_Não, não, não! – Respondeu de imediato, ao observar três colegas atônitos, como se estivessem à beira de um abismo. – Caio, atormentado em desespero, repetiu freneticamente a codificação, salientada por Traium, durante o lançamento da magia tétrica.
_A agonia dele o alvejou feito um raio. E Jalef já estava avisado de um provável exílio forçado. – Interrompeu Lessa, animada com essa parte da história. Os olhos cravados em Marguel, arremessando um pensamento a ela. – Você sabe, as têmporas não o deixam em paz.
Anuindo com discrição, a guardiã sorriu de mansinho, agradecendo por não sentir o incômodo vivenciado pelo galaceano, cada vez que alguém o buscava em angústia; decerto, enlouqueceria.
_Assim ele registrou a localização e, logo em seguida, os trouxe de volta. – Completou Louisse piscando, ao ver que Jonas, mesmo resmungando, também continuava interessado no assunto.
Ela abordara, em poucas palavras, apenas um dos vários incidentes que estavam acontecendo nas últimas primaveras e que vinham se repetindo num curto espaço de tempo.
Aflita e inconformada com o caso SLOC, Marguel digeria as reflexões à velocidade à qual recebia as informações. Os anos em que esteve fora tinham sido dos mais agitados e perigosos às pessoas, refletiu; e nem por isso ficou à par de qualquer situação! Será que fora correto esconder dos cidadãos comuns a verdade dura à qual caminhavam dia-a-dia?
Encarando Zincon, ela devolveu-lhe uma bufada, tão logo o marido prensou-se num pedido de desculpas. A regra, contudo, fora apenas cumprida. Ao contrário, o caos se instalaria, deturpando ainda mais o trabalho dos Guardiões de Gala.
Seu estômago revirou, entretanto, ao pensar na filhinha. Mantendo a vista fixa, em um ponto indecifrável, disfarçou o assédio do próprio pânico. Ela participara de reuniões para esclarecimentos gerais, embora à época, não tivesse noção do rumo ao qual a sociedade avançava. As pessoas eram alertadas de um perigo figurado, nada comparado a sequestros e banimentos; e ainda de galaceanos puros!
Uma voz harmoniosa e conhecida invadiu a mente feminina, despertando-a à realidade pouco favorável.
_Espere! Mas explique o que aconteceu com Silvia e Lux? – Perguntou Zincon, buscando completar as informações de Petry. – Traium conseguiu bani-los, depois de uma tentativa fracassada! Onde eles estão agora?
Com certo ar de dúvida e preocupação, ele faiscava olhos sérios, presos a Louisse. Banir guardiões era algo complicado. Diferente de Taurim Terók, o filho precisava de vários adeptos para gerar uma energia poderosa, a ponto de sugá-los e enviá-los a um destino indesejado. Além disso, a força se enfraquecia e demandava tempo para ser reconstruída a cada feitiço.
A galaceana, de cabeça baixa, ouvia o questionamento do colega, sentindo a atmosfera pesada a cada frase. Pressionando o peito, uma profunda tristeza a cercava, pois nada puderam fazer para socorrê-los. À primeira tentativa, fracassaram, malgrado o curto espaço de tempo; e a segunda, veio feito uma flecha envenenada; a acertar em cheio, o miolo de cada coração guerreiro.
_Essa é a pior parte! Doa a quem doer! – Informou Louisse, erguendo-se a Zincon e devorando o ar a volta num único fôlego. – Nós relaxamos com o retorno de Olívia e Caio; e Traium se aproveitou para pegar os pais de Kelby.
Com a interferência inesperada dos conterrâneos, o déspota se beneficiou para despistar a atenção dos demais defensores, e assim, aproveitou para concluir o real objetivo: banir Silvia e Lux, com mais facilidade.
Enfim, olhos rasos d'água transbordaram em lágrimas ressentidas. A galaceana sentia-se muito envergonhada pelo ocorrido, tal qual os outros ali presentes, em especial Lessa e Jonas. Eles também compartilhavam do mesmo sentimento, pois estavam presentes no momento em que o casal desaparecera no infinito.
_Não houve Morro do Uivo, nem caçada alguma – informou o galaceano com a voz enfraquecida. – Eles simplesmente puff, sumiram.
O olhar de Silvia ficara cravado na lembrança de Louisse, denunciando uma mãe angustiada com a separação repentina do filho pequeno.
_Ninguém entende como eles foram tele transportados daquela maneira, tão... tão... – Lessa pausou, procurando a palavra certa para se expressar.
_Sutil? – Completou Marguel, tentando ligar a ideia.
Desgostos, eles acenaram um sim, de modo recíproco; os rostos apertados com a análise. A guardiã suspirou, avaliando a situação e percebeu que estavam penetrando num assunto deveras delicado à categoria. A falha era algo quase inconcebível dentre eles.
_Tenho certeza de que fizeram o seu máximo! – Exclamou Zincon com veemência. – Todos vocês!
_Lidar com a perda não é fácil! – Reconheceu Lessa, desculpando-se em seguida, erguendo os ombros. – Obrigada, meu amigo!
_ Trabalhei com os guardiões durante anos – declarou Marguel, apesar de sentir um nó crescer na garganta. – E, se o destino os golpeou com um banimento irrecuperável, não há nada que possamos fazer. – Fez uma curta pausa para acalmar o coração que batia impetuoso. – Mas não podemos esquecer de nossos objetivos e honrá-los sempre!
A voz feminina saía branda e contida, embora também carregasse a dor da ausência de entes queridos.
_Eles defenderam nossa sociedade – afirmou Zincon ao notar a dificuldade da companheira ao discurso solitário, tomando as rédeas para sustentá-la – Isso jamais adormecerá em nós!
_Exato! Sempre teremos muito orgulho desse casal tão estimado – garantiu Petry que àquela altura virara a cadeira para trás. – Não vamos mais choramingar. Lamentavelmente ninguém tem o dom de mudar o passado!
Essa era uma verdade ornada de interesses ambíguos! Assim como vários a desejavam, outros tantos, a temiam. Dentre milhares de dons que se revelavam no planeta, nunca ninguém apresentou tal capacidade. Por bem ou por mal, estavam todos fadados ao destino de suas próprias ações.
_Precisamos focar no presente e proteger quem está a nosso alcance, visando um futuro promissor a eles – finalizou Zincon de modo cirúrgico, contemplando a esposa de relance. – Nossos familiares e conterrâneos.
Marguel suspirou cabisbaixa, pois sempre manteve a esperança em rever os pais. O marido, contudo, tinha razão; o momento era de prezar aos que estavam nem Galácena.
_Mas Jalef sabe onde Silvia e o marido estão? – Perguntou Ella, investindo na conversa. – Ele sempre sabe de tudo!
_Foram enviados à Terra – Afirmou Louisse no automático, apreensiva com o desfecho. – No entanto, sem as coordenadas, não há meio de enviar ajuda.
A guardiã fez uma careta melancólica como se estivesse com uma dor de estômago aguda. Ela e os pais haviam vivenciado a situação do casal.
Várias rotas poderiam ser feitas entre Galácena e o planeta azul. Em se tratando de uma viagem forçada, porém, o tempo era o fator crucial para engatar à direção certa.
_Bom, eu tive auxílio de um conterrâneo nosso para deixar esse lugar – confessou a mãe de Ninah, apreensiva com as lembranças sombrias da infância. – Tom Slar, o nome dele. Deve ter uns 70 e poucos anos agora.
_Sim, estou a par, querida! – Respondeu Louisse com simplicidade. – Mas o fato é que Lux e a esposa não devem tê-lo encontrado. Caso contrário, saberíamos!
Numa feição desanimada, Marguel assentiu, solicitando consolo no abraço amoroso de Zincon.
Jonas receptou o raciocínio da mulher prontamente, lançando um pensamento relevante a ela: É para lá que iremos, se as coisas derem errado por aqui.
A guardiã levou um susto com a presença silenciosa do colega que pulara uma fileira de cadeiras, a fim de alcançá-la. Fitou-o por instantes, apesar de congelar o rosto em amargura. Precisava ajeitar o ritmo desenfreado de seu dom que parecia ter regredido aos primórdios com a chegada de Ninah. Controlá-lo sem perder tempo extra.
_Agora, o triunfo nos pertence! E correrá em nossas veias! – A voz inabalável de Zincon continha-se em bravura e sossegava a mente da amada, trazendo-a a uma realidade mais próxima e feliz. – Ao recuperarmos as chaves-peça, tudo será diferente!
Embora conformada, Marguel permanecia inquieta quanto a uma dúvida remanescente. Despistando-se do marido e de Jonas, ela virou-se com discrição à melhor amiga. Talvez a galaceana pudesse esclarecer algo, mesmo sem ter participado. Sendo assim, não perturbaria mentes magoadas de novo.
_Conte, por favor, qual foi o motivo do banimento de Silvia e Lux, afinal? Louisse comentou que eles estavam participando de uma missão? Qual seria?
Sussurrando quase sem emitir voz, ela lançou os olhos esverdeados, aplicados a sugar uma explicação imediata, como num interrogatório particular. A respiração saía densa à medida que limitava a fala aos mínimos decibéis.
Ella contorceu o rosto e apertou os lábios, desejando não ter ouvido os questionamentos. Deu uma leve engasgada, tamanha a dimensão da gravidade. Ganhar tempo e escolher melhor cada palavra seria o ideal. Nada arranjou, entretanto, a não ser a resposta: simples e desprezível. E essa, qualquer guardião sabia. Pensou, numa fração de segundo, esperar que Petry ou Zincon contassem. Para tanto, faltava-lhes coragem.
Então, certificou-se da alienação dos demais para tocar no ponto extremo e crucial da história. A outra fisgou um súbito nervosismo, presumindo que algo perverso a impulsionaria ao enfrentamento de seu ex-tutor.
Certo, eu conto – mentalizou a galaceana num tom solene. Apesar do rosto dominado em bravura, mordia os lábios, preocupada. – Só que você precisa manter a compostura!
Sem querer adiar a notícia, Ella decidiu ser direta com a amiga. Conquanto silencioso, os maridos farejaram o assunto frágil no ar e, discretamente, dobraram as colunas para perto das duas.
Ainda que não tivessem vivenciado o caso SLOC, o trio havia sido notificado a respeito do propósito maquiavélico de Traium, tão logo iniciou com as atividades. A única fora do contexto, por completo, era Marguel.
_O cara não tem honra, vocês sabem! – Sussurrou a mulher sem se intimidar, ao perceber a desaprovação dos três com o estilo repetitivo da ideia. – Silvia e Lux souberam, por acaso, quem aquele velho idiota estava planejando banir... antes de tudo acontecer.
Inspirando sem pressa, ela desejou não ter de mexer numa ferida quase cicatrizada, mas já era tarde. Havia uma Marguel se despedaçando com evidentes sinais de aflição ao lado.
_Banir quem? Antes do quê? – Retrucou a guardiã, remoendo os dentes, embora cuidasse com o timbre da voz.
De forma relutante, Ella confirmou, lançando um pensamento sombrio, já que Zincon e Petry conheciam as vítimas.
... crianças! – Mentalizou, preferindo afrontar o chão, a encarar a amiga. Pigarreando em seguida, a mulher sentiu a palavra arder, mesmo sem sair pela boca.
_QUÊ? – Exclamou Marguel, pestanejando involuntariamente, meio zonza com a informação perturbadora. – Como assim? Do que você está falando?
Sem cerimônia, as perguntas saíram agudas, chamando a atenção de colegas mais próximos. Franzindo a testa, buscou absorver a insensatez, estagnada na garganta apertada. A barriga contorcendo, reclamando um soco inexistente. Com o susto da revelação insana, o corpo feminino pulsou com força, jogando a tal compostura para escanteio.
De imediato, Ella sinalizou com as mãos, num frenesi engraçado. Zincon, apesar de ciente do fato, também não se conteve. Ao menos, sua paralisia momentânea não causou alvoroço.
Lembre-se que eu pedi discrição! – Solicitou a ouvinte lateral, quase sem mexer a boca, tão baixo articulou. – Se acalme!
A guardiã lutava contra a agressão absurda à qual a história se apresentava. Inspirando ao máximo, algumas vezes, limpou os pulmões de um sufocamento silencioso. Na sequência, as bochechas arderam e as têmporas latejaram abaladas numa disfunção incontida. Levou as mãos aos ouvidos, protegendo-os da fúria abominável de Traium.
Então, os olhos, também enclausurados, não resistiram; umedecendo com rapidez. E uma brecha da angústia escorreu tímida, pelas laterais do rosto feminino. Sentia o tronco inteiro tremer; se de raiva ou desespero, não pôde identificar. A ira do ex-tutor ultrapassara todos os limites da lógica, todas as razões de sua existência. Quem ele pensava ser para atacar inocentes? O que ele planejava em seguida, se perdera de vez o autocontrole?
Num flashback, recordou das armadilhas que a mãe, Sofia, lhe contava a respeito de Taurim Terók. Um sujeito sem escrúpulos, ardiloso, vingativo e intolerante, responsável pela ruptura de sua família. Não era à toa Traium ser seu filho; a supor pelo caminho imundo ao qual escolhera trilhar.
Deu um pulinho na cadeira ao sentir mãos tentando reconfortá-la. Aos poucos, o toque reparador pareceu surtir efeito. As perguntas, atreladas à resposta inevitável, foram se despedindo, de modo brando e conciso, dando espaço a questionamentos mais analíticos.
_ Por que? Quais? Onde?
_Calma, querida! – Tranquilizou Zincon de imediato, afagando os cabelos com uma das mãos. – Absolutamente nenhuma criança foi banida!
Contendo-se de maneira notória, Petry acompanhava o drama evitando largar comentários desmiolados. Assim, permaneceu extático, desembaralhando a ideia nefasta do chefe da SOTE. Sobre o quase desastre ao qual, graças a quatro valentes galaceanos, não se viam imersos.
Marguel esforçou-se em manter a aparência tranquila, após imaginar a própria filha sendo tirada, à força, do seio familiar e ser entregue ao nada. Enxugando o rosto, revelou-se enfurecida em olhos avermelhados e coléricos, tingidos de verde ao centro. A guerreira balançou a cabeça, numa ação desesperada em se desvencilhar dos pensamentos sombrios.
_Depois desta notícia, nada irá me abalar! – Afirmou a mulher, engolindo a seco. – Alguém tem a lista das crianças?
_Ninah não fazia parte da relação! – Acrescentou Ella, deduzindo o foco principal da tormenta. – Fique tranquila!
Com a feição tímida, Marguel acenou numa afirmativa. Era óbvio não querer nenhuma criança ou pai e mãe, vivendo o caos. Não suportaria, contudo, sustentar-se um dia sequer, sem a filha por perto.
Ao subir a escala das cores, as bochechas do pai de Ninah se alteraram aparentando ter vida própria. De um tom rosa claro, passaram a um mais intenso até se avermelharem por completo. Era provável que desfrutasse dos mesmos sentimentos temerosos da esposa.
_Quem aquele maluco pensa que é? Atacar criaturas indefesas e inofensivas? – Zincon desatou a falar, à medida que o humor permitia o avanço descontrolado. – Covarde! Outro grande motivo para entrarmos na SOTE e arruinarmos com tudo!
Apesar da ira, ele vigiou ao prender as mãos nos dedos, num forte aperto raivoso. Não desejava ser detectado por ninguém além dos três a volta.
De imediato, Ella identificou o ponto fraco do homem: o comando da fúria sobre os pensamentos.
_Chego a crer que deveríamos ter apoiado o louco do Optos – continuou, atormentado e rangendo os dentes. – Arrancar aqueles vermes da toca à força e...
_Está maluco? Dessa forma você se contradiz! – Interrompeu Marguel, recuperada da notícia tão absurda quanto a reação do cônjuge. – Também há crianças lá! Como pode querer se igualar a eles nessa imundice?
Após ouvir ideias insanas saltarem da boca do marido, a guardiã reprimiu a própria crise. Afinal, o equilíbrio precisava segurar as rédeas da carruagem.
Ao levar a advertida inesperada, ele inspirou, preenchendo bem os pulmões. O maxilar inferior chegou a tremer quando exalou o ar lentamente; uma dedução do exagero e do arrependimento pelas palavras.
_Desculpe! – Sussurrou envergonhado e cabisbaixo, flagrando a indignação pelo desabafo. – Acho que foi uma válvula de escape falar todas essas baboseiras.
Lutando para encontrar os amigos, esticou os lábios num sorriso acanhado. De fato, não pensava àquela maneira.
_Bom, é melhor deixarmos essa história a um outro momento – concluiu Ella, após o choque inicial de Marguel e o declive momentâneo de Zincon. – Basta saber que nenhum inocente foi abordado pelo deturpado do Traium. Embora o preço a ser pago tenho sido alto.
_Apenas quero esclarecer de que Lux e a esposa protegiam, a princípio, os sobrinhos de Caio e Olívia. – Interpôs Petry, espelhando segurança ao grupo.
A voz masculina saía tensa ao revelar a situação. Os galaceanos eram tios de duas crianças envolvidas e quando tiveram o conhecimento de tal atrocidade, correram avisar o primeiro guardião que encontraram pela frente: Silvia Denor.
_Caio e Olívia também participaram da missão – continuou ele, reconhecendo a atitude dos dois, num olhar admirado. – Foram muito corajosos; talvez até nem soubessem, ao certo, a dimensão da loucura que Traium chegaria.
_Tsc, imaginem o susto deles – comentou Zincon, fantasiando a cena. – Levavam uma vida, digamos pacata e, de repente, bum – disse gesticulando um formato de bomba, – banimento!
_Ao todo 15 crianças, entre 5 e 11 anos, foram salvaguardadas – informou Ella, devolvendo uma fisionomia equilibrada. – Mas como retaliação, Terók tentou banir os quatro responsáveis por seu fracasso. Saiu cinquenta por cento vitorioso.
_É, felizmente ou não, jamais soubemos de alguém com o dom de alterar o passado – arguiu Marguel, encarando três pares de olhos arregalados. – Decerto essa aptidão não passe de um mito.
O Dom do Regresso era outro assunto delicado e causava certo medo na população, caso viesse a se manifestar. Por sorte, conservava-se numa espécie de profecia não concretizada, descrito apenas nos livros de lenda infantil.
_Não há dúvidas de que tudo seria diferente – pontuou a madrinha de Ninah, um tanto perplexa com as reflexões da mãe da criança. As mãos na cintura refletiam o tom desafiante. – E as mudanças? Seriam para melhor? E se a turma escolhida fosse a de Traium? Você já calculou as consequências?
_Tem razão – concordou Marguel de imediato, ruborizando as bochechas. – Não seria nada bom...
Ella sempre contestava a ideia delirante, demonstrando um certo desespero misturado em coerência. E, assim como Zincon e Petry, ficou calada. Os olhos vidrados, entretanto, acusavam-na ver algumas imagens nada promissoras percorrendo pela mente.
_Ainda bem que ninguém foi catalogado com tal poder – interrompeu Zincon, quebrando o silêncio enigmático, fazendo um aspas com as mãos. – Isso aqui se tornaria uma bagunça geral!
Apesar do assunto ser polêmico, ele arriscou falar de modo animado. Ella e Marguel o encararam num sorriso amarelado, evidenciando a divisão de opiniões. Petry preferiu abrigar os próprios pensamentos, vendo qualquer coisa a sua frente. O semblante longe de ser acolhedor.
Então, vimos aqui que Traium realmente não tem escrúpulo algum😡. Banir crianças? Até onde vai sua ira em purificar Galácena? Por sorte, os pequenos têm um time prá lá de audacioso. Sejam guardiões ou simples conterrâneos, ninguém mexe com as crianças👩🏻🤝🧑🏼!
Aguardamos vocês no próxima capítulo...😊
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