Cap 19 - Um Adeus Diferente
Dom Íris: visão noturna
Pico Marto: local para amadurecer dom recebido
Rapés: árvores extremamente altas
Beirando a um estado catatônico, Alex se atrofiou em amargura e tristeza. Vez ou outra, o corpo respondia de forma violenta ardendo de dentro para fora numa raiva misteriosa, desgovernada.
"Domine a fera interior, meu caro" as palavras do professor circulavam o sangue quando pressentia uma explosão corroer os músculos. "Respire até lotar os pulmões e tranque o ar..." dizia e, em seguida um tal de "engula o monstro..." que ele não gostava, mas sabia da importância em o fazer. Na maioria das vezes dava certo e a influência interior — como apelidara — adormecia.
Sem notícias da amada há mais de seis meses, o único sentimento a manter os punhos intactos era a esperança de que Jalef localizasse seu paradeiro. Àquela noite, uma mensagem relâmpago o saudou de braços abertos. A busca por Sofia cessara.
Embriagado de felicidade correu ajeitar seus pertences. Jogou algumas roupas dentro da mochila e foi direto ao gaveteiro. O coração acelerou ao se deparar com a madrugada em que cruzou com a morte e as manoplas da esposa, estraçalhadas por um arqueiro, reluziram no olhar felino.
Gysco havia forjado o metal como prometido, sanando sua dívida com a guardiã. Estavam novinhas em folha, apenas aguardando a oportunidade em receber os braços da dona. Alex fechou os olhos quando os lábios sentiram o frio do objeto. Sabia ser coisa da cabeça, mas jurou sentir o perfume da mulher. No silêncio do quarto, esperou derramar as últimas lágrimas de dor. O momento do reencontro se aproximava.
— Você é um tolo, duna! Sabe disso? — Traium correu para alcançar o adversário na saída do aposento, porquanto adorava os monólogos com ele. Certificar-se de que só tristeza vertia do rapaz era melhor que receber aplausos do pai. — Foi e sempre será um mísero terráqueo, um praga-viva. Não importa o que agreguem a você, hã!
O forasteiro queria paz e tentou se esquivar, mas o sujeito se colocou na frente. Após o exílio da esposa, virara uma espécie de atividade favorita, sobretudo porque não revidava às provocações. Experimentou uma queimação no estômago ao pensar que a ausência da galaceana de alguma forma também massacrava seu algoz. Inspirando fundo, desamarrou-se da ideia que poderia vir a se tornar um obstáculo e dos grandes. Mordeu os dentes.
— Foi interessante! — Sem medir o desprezo, o jovem Terók apontou o dedo a milímetros do rapaz, fitando-o numa frieza que o congelou de cima a baixo. — Como Sofia suplicou pela vida na hora do banimento, hã?
Alex acirrou os olhos. Nunca descobrira sobre o auge do momento na Floresta de Aycol, portanto, via-se castigado duplamente. Com a conversa malandra de Traium na porta do quarto, entretanto, supôs que o sujeito desrespeitaria a regra do chefe da SOTE. Afinal, fora a primeira vez que comentou sobre a captura dos dois.
"Melhor não o despertar por inteiro." — O provocador engoliu a seco ao lembrar das palavras do pai.
O rosto do terráqueo, contudo, já se acomodava em uma seriedade demoníaca. Cara a cara com o galaceano, a pupila felina virou um risco mínimo e a raiva adormecida estourou as correntes invisíveis. A íris azulada nitidamente passou a um tom arroxeado como o céu em dia de tempestade. Logo, os punhos sufocaram as veias que engordaram com a inconsciência enlouquecida.
— O que aconteceu com ela, seu verme? — Alex engrossou a voz e dobrou o tamanho dos ombros em segundos. — Ela sofreu? Sentiu dor? Agonizou até desaparecer? Conte, agora, seu patife!"
A respiração começou a oscilar, ora forte, ora leve, imprevisível conforme o clima entre os dois. Fraco, fraco — uma queixa alheia cantarolou feito um disco riscado. Alex tampou os ouvidos e a vista focalizou o nada, transpassando o peito do outro. As palavras internas, no entanto, continuaram com a acusação.
Numa sequência de engasgo e tosse, a inspiração se intensificou e foi a vez do pescoço se alargar. Traium deu um passo para trás.
Faiscando as pupilas verticais, o transmutado o agarrou pelas vestes e, aproveitando a ajuda da parede, confinou-o. Arrancaria uma confissão nem que perfurasse os olhos do maldito.
— Calma, calma. Não houve sofrimento — os pés do galaceano saíram do chão e ele enrugou a testa com a mentira. — Eu não permitiria tal selvageria com a nossa guardiã!
O forasteiro esmagou as costas do provocador mais um tanto e o desceu num solavanco. Os pulmões arfaram duvidando da conversa e os pulsos vibraram parecendo ter vida própria, loucos para se estatelarem no conjunto de ossos a frente.
— Desembuche logo — Alex voltou a pressioná-lo, deixando o punho fechado a centímetros do nariz do insolente. — Antes que eu te arrebente, canalha!
Então, notou a verdade se escancarar num sorriso nervoso, um que o torturaria quando encontrasse a resposta que procurava.
— Bom — estudou o entorno num ar preocupado e dirigiu-se ao terráqueo —, ao contrário de meu pai, eu acho que você tem o direito de saber...
— Saber o quê, seu imundo? — O mutante deu um baque que estralou as costas do sujeito. Segurando-o pela roupa, empinou-o novamente. — Vamos, fale!
— Ela suplicou pela vida — apesar de não tirar a ironia do rosto, imaginou uma bofetada vindo na sequência. — Não a dela, mas a do bebê que carregava no ventre.
Alex piscou várias vezes e o ar chegou a lhe faltar com a notícia-bomba. A situação se avolumou no peito feito um tsunami que sobe a praia sem aviso e devora o mundo ao redor. A raiva disputou as veias com o sangue e os pulmões arderam a cada inspiração. A mulher e o filho exilados, vivendo sabe-se lá onde. Trincou os dentes enquanto decidia o que fazer. Não havia um pingo de dignidade na dupla Terók.
Ordinários, ordinários — a voz rosnou na cabeça e ele mirou no galaceano como se fosse algo sujo.
Largando os pensamentos, viu Traium escorregar para o lado e, em meio segundo, enrolou as unhas no pescoço do rival. O resultado do puxão foi um rasgo na camisa e um vergão na pele. O homem praguejou e Alex acompanhou um sorriso indecente nascer na silhueta cadavérica do inimigo. Os lábios se alongaram e uma gargalhada ardida dilatou o corredor. Decerto pensava que acabaria apenas com o arranhado.
A provocação, no entanto, foi intragável e o transmutado sentiu os dedos dos pés amortecerem. Olhou para baixo, preocupado, e encontrou unhas afiadas saindo do sapato. Sem nada a perder, içou as pupilas escuras ao filho de Taurim.
— Bandido asqueroso — aplicou uma sequência de socos no sujeito até o ar faltar. — Pagará caro por isso!
Rosto, pescoço, peito, barriga incluiu na pancadaria. Alex foi descendo e subindo, repetindo os golpes até uma vontade de escalpelá-lo circular a mente. Os dentes incisivos pareceram gostar da ideia e aumentaram de tamanho.
O ataque parou quando três estudantes o puxaram pelos ombros, livrando o corpo esguio da morte. Num átimo de sobriedade, o terráqueo percebeu o estrago. A face inchada da vítima se escondia no sangue fresco vertendo da testa, nariz e boca. Com os hematomas já não suportaria nem mesmo um tapa.
Apesar de abrir a própria cova, o transmutado gostou do tamanho do buraco. Riu com desdém ao remoer que quem cairia nela estava a um passo de distância.
Ciente da desordem do corpo, recuou por sua conta. Os alunos apenas deram o alerta. A impressão era que, se quisesse, poderia derrubá-los em um único lance. Optou, entretanto, em mantê-los fora da partida. Não era bandido.
Abandonando o moribundo à sorte, agarrou a alça da mochila nos ombros e rumou ao escritório de Jalef. Não aguentaria esperar até o dia seguinte.
No trajeto, notou a respiração se equilibrar a cada passo e o resto do corpo dar sinais de normalidade. O coração, contudo, martelava quase saindo pela boca e os dedos permaneciam inchados. Virando-se para trás, viu Traium num último suspiro de consciência dar seu risinho estúpido e desmaiar.
Alex bateu no aposento do amigo e o som da argola de ferro soou desespero. O semblante escancarava a briga anterior enquanto examinava o corredor deserto. Em dois segundos, encontrou o professor.
— Que houve com os sapatos? — O anfitrião o avaliou de cima a baixo, puxando-o para dentro.
Numa palidez doentia, o meio galaceano revirou os olhos e soltou um rugido baixo.
Girando-o feito peão, o homem continuou com o interrogatório:
— E esse sangue, de quem é? Quem você feriu? Alguém viu?
— Não é meu. Eu só... ah — o terráqueo vasculhou o cérebro, analisando as unhas e o dorso da mão. A desculpa não veio e ele esfregou a sujeira na calça, indo até a janela.
— Descontrolou? — Uma risadinha se escondeu nos lábios de Jalef e Alex se virou com as pupilas arroxeadas.
— O que você queria? — a voz esganiçada explodiu e os braços estapearam o ar. — Traium consegue tirar qualquer um dos trilhos! Acabou que deu com os burros n'água, se quer saber.
— Eu sei, conheço-o bem — o galaceano abrandou o tom, ainda surpreso com a investida do rapaz. Reparando um pedaço da gola rasgada, deduziu também ser parte da performance raivosa. — E o que ele fez?
Com a cabeça rodando, esfregou as mãos no rosto. A sensação misteriosa vez ou outra avançava o portão sem pedir licença. Em seguida, verificou a camisa alargada parecendo três números maior. Estranhando o ir e vir do professor pelo escritório, não mensurou que sumiria dali antes que Taurim soletrasse seu nome ao descobrir a surra que dera no filho. A brecha à fuga, no entanto, queimava feito fogo em palha.
— Ele me provocou... e não foi o que fez, foi o que disse — mergulhou a vista num globo terrestre ao afogar-se em lembranças dolorosas. — Acho que quase o matei.
O homem franziu o cenho, abrindo e fechando a boca como se decidisse o que falar.
— Nesse caso, você agiu no tempo certo, sim? — Deu uma piscadela marota e pegou duas capas no armário. — Vamos, definitivamente não temos tempo a perder. Você voltará à Terra, meu caro.
Num gesto involuntário, Alex colocou a veste preta, estranhando receber um elogio ao invés de uma bronca. Por um momento, contudo, temeu sobre as ideias do amigo. Retornar ao planeta natal, sem Sofia, apenas para poupá-lo da ira de Terók, seria o maior desastre da vida. Nesse caso, preferiria ficar e enfrentá-lo. Um corpo a corpo até as últimas consequências. Não se importava. Riu por dentro quando uma fagulha sonhadora o provocou ao se fantasiar vencedor da luta.
— Você... sabe onde ela está? — Cruzou os braços, pois dependendo da resposta recusaria a partida. — Disse que a busca acabou.
— Sei — comemorou como se erguesse um troféu e o forasteiro soltou o suspiro entalado na garganta por meses. — Antônio Slar foi a chave da investigação.
— Quem? — Os olhos se afunilaram cheios de interesse.
— Um galaceano alquimista que vive na Terra desde a juventude — apressou-se, brigando com a touca da capa que insistia em tampar a visão. — Levou um tempo, mas consegui me comunicar através do meu dom.
Alex ficou com cara de bobo, imaginando a melhor forma de abordar o que gostaria de dizer. Seu querido planeta acolhera seu amor e agora estava prestes a encontrá-lo.
— Traium disse que... — o coração deu um salto e ele encarou o amigo desejando ouvir outra afirmação —, ela está grávida!
— Sim, meu caro. Sofia está esperando um filho. Meus parabéns — entregou o melhor sorriso ao mais novo pai meio galaceano. — No entanto, acredito que ele não saiba de nada. Foi só uma suposição para o atormentar.
— Por que não me contou? — A voz maciça, quase animalesca, irradiou o local. Disfarçando, deu um impulso no globo terrestre, parando o dedo no Brasil. — Ele acertou! Mesmo assim, não me arrependo. Teve o que mereceu, desgraçado.
— Preferi dar as boas novas pessoalmente, sim? Por ser mais seguro — receando um novo chilique, analisou-o por inteiro. — Lembra das aulas de Dominação? Você tem praticado?
Alex assentiu quieto, as mãos enfiadas nos bolsos escondiam a vergonha projetada em unhas afiadas.
— Sei o que sente, meu caro — ciente da energia poderosa adormecida no próprio sangue, Jalef revelou braços marcador por vários riscos atravessados. — Apenas não se deixe influenciar, sim?
O rapaz examinou as cicatrizes por baixo e murmurou um sim. As pupilas verticais, contudo, refletiram angústia e incerteza. Parte da resposta era mentira, mas o amigo só saberia se invadisse a mente.
Agradecido pela ajuda, abraçou o professor. No gesto, recordou do próprio pai. Pensar em rever os familiares também aqueceu o coração. Então, os nervos relaxaram o corpo e os dedos voltaram ao normal. Uma arfada profunda escapou ao ponderar a Terra o lugar ideal para cuidar da família. Um grande recomeço longe da perversidade de Taurim e sua corja de simpatizantes.
— Bom, eu me organizei para amanhã, mas com o desarranjo que teve no corredor, sugiro embarque imediato — abriu a porta do escritório para espionar. — Vamos buscar Tilly à meia noite, eh.
Alex concordou com vontade. Despedir-se de Galácena após um voo na gote do amigo seria reconfortante. Além de tudo, a viagem despontava na hora certa. Com a surra em Traium, nada melhor que desaparecer como um fantasma. Observando o relógio, calculou terem menos de meia hora de intervalo.
— Nós voltaremos de alguma maneira. É uma promessa — embora firme, a voz tinha um quê de dúvida. — Será ótimo ver a cara de pastel daquele dois quando retornarmos. Vão dar com os burros n'água, isso sim.
O comentário arrancou um riso tímido de Jalef. Não era fácil passar por cima da dupla familiar.
Alex caminhava ao lado do galaceano pelos corredores da SOTE e lutava contra o silêncio, seus pensamentos azucrinavam as ideias. Nunca vira alguém ser banido e agradeceu por isso. Receava, porém, o meio de seu funcionamento.
— Desculpe a minha ignorância, mas como vai ser? —, Os olhos refletiram a luz das velas, conforme as de um felino. — Sempre pensei que fosse difícil banir uma pessoa...
— E é, meu caro — o homem sustentou um ar indiferente de quem explica algo corriqueiro a um aluno. — E quem disse que farei isso?
As pupilas verticais se espremeram ao focar o amigo. Se era difícil exilar alguém, de que forma ganharia sua passagem de volta? Um nó amarrou o cérebro e o aperto doeu a cabeça. A viagem programada como cientista estava a meses de distância.
— Você pode ir à Terra no instante que quiser, meu caro — com a voz ligeiramente embargada, sondou o final da escadaria. — No caso de Sofia, deve ter sido difícil, reconheço. — Apesar de andar num campo minado, decidiu arriscar na justificativa. — Havia a negativa de sua parte em viajar. Isso dificulta — e muito — a ação.
Alex pressionou os maxilares. Imaginar o sofrimento da esposa era um ácido a corroer os nervos. De repente, a surra dada em Traium pareceu pouca e desejou presenteá-lo com um murro final, um que paralisasse o coração.
Contendo a onda de raiva, seguiu o professor, engolindo o sentimento de vingança. "A razão deverá prevalecer ao instinto." Soube disso, desde o momento em que ingeriu a poção.
Após passarem por um grupo de estudantes, aproximaram-se da saída. O rapaz espiou para trás, garantindo que os três conversavam sem se importarem com suas presenças. Mesmo assim, o coração acelerou algumas batidas e a voz traiçoeira dentro da cabeça o instigou à briga.
Entretanto, a turma não apresentou ameaça e o transmutado resistiu a ordem numa espremeção de punho. Ao sentir a mão de Jalef pesar no ombro, o comando sórdido sumiu tão rápido que o peito chegou a doer. O amigo sinalizou um "tudo bem" e o terráqueo sentiu as bochechas corarem. Ainda tinha dificuldades em manter as algemas no monstro.
Ao cruzarem por uma porta alta e estreita ganharam a noite. Por precaução, pegaram um atalho pelas árvores longe do calçamento. As estrelas iluminavam o trajeto e uma brisa refrescou os corpos. Andar sorrateiramente pelos domínios de Terók fez Alex transpirar feito um gote.
Nesse ínterim, os passos largos de Jalef não foram o suficiente e ele se pôs a correr. De braços abertos, pulou entre alguns rapés, desceu um barranco e, então, aguardou pelo professor. Fechando os olhos, experimentou o barulho ao redor. Não se recordava em ficar tão animado em meio à vegetação que parecia pertencer a ela.
Com a demora do galaceano, resolveu explorar o verde em volta. Não utilizava o dom com frequência e, agora, via-se maravilhado. Sem saber por onde começar, reconheceu alguns espécimes de vagalumes incandescentes que brilhavam por entre as folhas.
Assim que o amigo o alcançou, apontou insetos camuflados num tronco. O professor se afastou num pulo e, ofegando de um jeito engraçado, pôs a mão no peito. Alex riu — de uma orelha a outra — e decretou que talvez ele tivesse engolido um grito ao ver os três vindo em sua direção. Só não entendeu o porquê do alvoroço. Afinal, embrenhar-se na aventura noturna, era coisa de cientista. E ali, tinham dois deles.
— Não estou acostumado, só isso — limpando as mangas de possíveis ameaças, argumentou parecendo invadir a mente alheia. — Prefiro vasculhar esse ambiente de dia, sim?
O forasteiro ergueu as mãos em sinal de paz, embora o rosto ainda sustentasse o deboche da cena. Seguindo em frente, cortaram caminho ao transpassar duas fileiras de plantas arbóreas. Logo, Alex avistou cinco construções, todas de madeira. Supondo uma distância de trinta metros, distinguiu inclusive que uma tinha o telhado trocado há pouco tempo. O material estava conservado e se destacava na pintura.
— Está aproveitando? — O professor gostou de ver a animação. Após a partida da mulher, jamais o vira naquele estado de espírito. — Eu disse que deveria ter praticado. Lá na Terra terá de disfarçar, sim?
Alex deu de ombros. Afinal, tudo o que queria era abraçar Sofia e nunca mais se afastar dela. Sabia que a sensação do momento, entretanto, ficaria registrada na memória.
— É muito legal e bonito ver à noite dessa forma, mas eu não ligo — chutou algumas pedrinhas para o lado. — Jalef, por que você não a traz de volta? — Esquecendo-se do dom Íris, afrouxou a gola com o sufocamento momentâneo.
— Bom, quando se é banido, a energia fica incrustrada na pessoa — arqueou a sobrancelha, desconfiando da reação do amigo com o assunto apimentado — e o organismo precisa de um período para eliminá-la.
— Então, no meu caso, será um breve esforço! — A expressão serena suavizou a íris e o tom atingiu um violeta claro. — Não vou dar com os burros n'água.
— Não, não vai, meu caro — deu um tapinha das costas e, esboçando um sorriso com a desenvoltura do rapaz, abriu uma portinhola que dava acesso aos estábulos. — A ação será considerada um simples deslocamento, graças ao desejo do viajante — apontou ao aventureiro — em se distanciar de Galácena.
Alex anuiu, piscando os filetes verticais. Apesar de achar injusto Sofia ter recebido a carga pesada, respirou aliviado. Não calculava a reação que teria em caso de dor física, uma vez que a psicológica já lhe tirava o sono e rugia além do limite da razão.
Logo que chegaram na estrebaria, um dos gotes soltou um relincho demorado. O dono rapidamente a soltou, conduzindo-a ao gramado. Ao desenrolar das asas, o forasteiro estimou que a envergadura passasse dos quatro metros.
— Oi, Tilly — o terráqueo acariciou o pescoço do animal. — Vamos passear?
Ao comando do professor, ela se curvou e ambos subiram no dorso. Alcançando o céu, sumiram no breu da noite.
Do alto, Alex viu o castelo da SOTE diminuir até virar uma maquete escolar, assim como pântano Sherper se assemelhar a uma poça lamacenta. Uma sensação de tranquilidade percorreu o corpo com a experiência. Parecia que quanto menor ficavam, mais Sofia se aproximava.
Quando o Planalto de Magtita se transformou um amontoado de rocha e mato, fizeram uma curva acentuada e ambos contemplaram o Pico Marto. Alex soube, então, que apenas cinco quilômetros o separava da guardiã.
Julgou a aterrissagem digna de medalha, embora desejasse ter seis braços no momento do baque. O morro era íngreme e não tinha muito espaço para manobras radicais. Alguns trotes extras e rolariam centenas de metros ladeira abaixo.
— É aqui que os bebês amadurecem os dons? — Jogando uma pergunta básica, olhou ao redor apreensivo com a ventania. — E será aqui a despedida.
— Sim, meu caro — a comoção visitou o semblante do professor e eles se abraçaram trocando um ou dois tapinhas. — Espero revê-los em breve nesse local e com seu filho nos braços, sim? — Sorriu, fazendo um gesto de súplica.
O terráqueo acenou, apesar de mirar o horizonte. Poder fortalecer o filho naquela montanha seria um presente extra. Por enquanto, alegrava-se em reencontrar a esposa.
— Você vai conseguir sozinho? — A dúvida de último instante o atordoou num riso amargo.
Terók assentiu, reafirmando que seria uma simples viagem. O rosto, contudo, denunciava certa amargura.
— O que foi? Já está com saudades? — Ergueu as mãos com a brincadeira, mas logo a alegria se desfez.
— Me desculpe, sim? — O vento tentou encobrir os olhos mareados. — Por não conseguir ajudá-los na mata. Estava fraco, debilitado com o retrocesso da poção e...
— Eu sei, Jalef, eu sei — Alex soltou um ar pesado e fechou os olhos trancando a dor do lado de fora. — Mas, agora, vamos pensar positivo!
O galaceano cravou a vista ao infinito e acenou com a feição enrugada. Em seguida, deu uns passos para trás e balbuciou algo que o rapaz não decifrou. Notando certo esforço, considerou que o corpo do amigo ainda vivia as sequelas da aventura de Vânie Richtor. Afinal, fazia pouco mais de seis meses que estava livre da mutação intrusa.
— Antes de partir, me diga quem doou o DNA? — Com a ventania teve de berrar, os olhos verticais cheios de curiosidade — Na sua transformação!
Jalef o encarou parecendo decidir a resposta. Sem querer desperdiçar energia, enfiou-se na mente do transmutado:
"O conselheiro Orduc, meu caro."
Alex encheu e esvaziou os pulmões quando a energia necessária despontou das mãos de Terók. Um fio apreensivo o chicoteou ao imaginar o membro mais jovem da família dotado do mesmo poder. Por ventura, nunca soube de um como aquele vindo de Traium.
Com os dedos englobando o feitiço, uma luz azul brilhou no alto do Pico Marto. Antes que abrisse a boca, o forasteiro sentiu um imã dentro do peito e a bola azulada chispou até ele na pressa de um raio. Agindo rápido, protegeu a vista da claridade até o impacto diminuir.
Segundos se passaram e não houve dor ou queimação. Então, o meio galaceano experimentou cada fração do corpo pesar menos que uma pluma e, em questão de minutos, evaporou. Os olhos arroxeados foram os últimos a desaparecer. Cruzando com os do professor, reluziram em uma última ânsia em ficar, em ter sido diferente.
Traium foi até a última gota🩸. Inconsequente, teve o que mereceu 👊🏽! E Alex? Será que reencontrará sua amada guardiã💘?
Nos encontramos no próximo capítulo!📖
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