Cap 18 - Um Impasse A Vista
Adarves: caminho no topo dos muros de um castelo
Chaves-peças: estruturas leves, feitas de ouro e zaca, abrem portais a longas distâncias
Duna: estrangeiro, pessoa não galaceana
Guarda de Gala: conjunto de guardiões da SG
Pactum: dom de apartar brigas e discussões
SG: Sociedade de Gala
SOTE: Sociedade Original Terók
Zaca: metal resistente, exclusivo de Galácena
Divergências à parte, o foco do Conselho de Glacídeo era o resgate; às chaves-peças, tão cobiçadas como o último suspiro da vida e a possíveis prisioneiros, desenganados nas masmorras da SOTE. A programação deveria contemplar, inclusive, a proteção dos demais membros da SG. Afinal, a maior parte da população permaneceria desinformada e, portanto, vulnerável à periculosidade à qual viveriam.
Manter a discrição de uma operação marcante e delicada exigia suma prioridade. Sigilo, a se evitar caos e desespero; planejamento sensato, a garantir apoio aos guardiões e um retorno ileso e vitorioso foram os três pontos importantes frisados por Jalef.
Ideias entorpecidas e soluções malabaristas jorraram aos montes, prejudicando o curso do evento. E, sem oferecer trégua ao cansaço, o relógio correu outra hora. O entrave central, entretanto, situava-se em dois galaceanos: Marguel e Optos. Tão divergentes quanto os próprios projetos, ambos resistiam, imunes ao resto.
_Você está bem, querida?
Uma voz rouca cruzou os pensamentos da mulher que num breve sobressalto virou-se. A abordagem inesperada, contudo, dispunha-se de uma aparência serena. Os cabelos, encaracolados e ruivos, contracenavam com o fogo na noite. Não obstante, redondos e acastanhados, os olhos mediam cada centímetro da guerreira.
_Ah... sim, estou – respondeu a mãe de Ninah, num sorriso acanhado e um tanto surpreso pela recepção. – Apenas com sede.
Levantar-se para refrescar a garganta e beliscar um quitute resultou no assédio de uma conselheira. Por um instante, pensou ter transparecido insegurança à tal avaliação silenciosa.
_Essas discussões mexem com os nervos, não é? – Admitiu Sarah, encarando o copo de água nas mãos alheias. A simpatia fazendo Marguel relaxar na conversa. – Eu deveria estar acostumada, mas sempre me surpreendo com certos indivíduos.
A referência veio ornada em um relance discreto e direto a Optos que papeava com partidários, numa aresta da sala. Mais à vontade, a galaceana devolveu um leve sorriso, concordando com a cabeça; falar, àquela altura, era arriscado. Qualquer deslize poderia pôr um fim ao plano de Jalef. Além disso, a senhora tinha acertado no alvo. O nervosismo travava uma luta desenfreada no corpo e na alma da guardiã. Com a função que exercia, a calma e a confiança precisavam, desesperadamente, triunfar em qualquer ambiente adverso. E aquele era um.
Sem tardar, despediu-se com gentileza. E o olhar curioso, acompanhando o caminho de volta da convidada, perdeu-se, quando ela se misturou ao fundo da sala.
A voz exacerbada de Zincon logo aquiesceu o espírito preocupado. Animado, trocava ideias com os participantes em pé de igualdade.
_Não vamos ser coniventes com as ideias absurdas de Traium! – Exclamou com fervor, erguendo um dos braços. As veias azuladas saltando na direção do punho cerrado. – Nossos princípios serão defendidos. Os guardiões estão aqui para isso!
_Sabemos que sangue foi derramado no passado, – lembrou um conselheiro da roda. A fala ardente ecoando sobremaneira. – Não vamos permitir que tenha sido em vão.
A pequena turma concordou. Os corpos magros esbravejaram juntos, tais soldados frente à batalha. Entre eles, Marguel respirou aliviada, pois sabia que havia vários corações sinceros, batendo ao redor. Dentro do peito, porém, algo lhe afrontava. Uma mescla de tormento e satisfação. Desejar fazer parte da equipe invasora era algo tão secreto quanto a própria missão da noite; e a reação do marido muito lhe intrigava. Na certa, ele a posicionava longe do conchavo, imaginando-a protegida no interior da propriedade. Contudo, a ilusão logo se encerraria, conforme a guerreira assumisse sua posição por definitivo.
Atento, Jalef notou que Optos, por vezes, se desconectava, a fim de buscar um fio de fraqueza no casal estimado de guardiões. A dupla, entretanto, concentrada nas discussões, não sentia qualquer ameaça do professor. O ancião também observou a movimentação dos demais presentes. Pendendo a generais e militares prontos ao ataque, desvinculavam a audiência da ordem. Alguns, ali, pareciam querer extravasar o pânico, a realmente refletir um plano contra Traium Terók.
Então, pela segunda vez, um barulho ensurdecedor rasgou o ambiente, alinhando-se ao vozerio, na intenção de acalmar os ânimos. O êxito alcançado trouxe-os de volta à realidade.
_Senhores, tenho certeza que nossas opiniões são semelhantes, – disse o anfitrião, recebendo a atenção de olhares brilhantes e cheios de preocupação. – O combate será feroz. No entanto, vamos nos concentrar, por hora, nas estratégias a dominar esse mal crescente, sim?
Resmungos tímidos ecoaram o recinto. A maioria dos participantes concordava com as palavras ditas, anuindo com a cabeça. Mesmo assim, era evidente haver divisões no grupo.
_Sugiro que vocês escolham alguém para elucidar as propostas de ataque – anunciou alisando a barba, decidindo ser preferível avançar com a reunião. – Creio já termos uma solução ao impasse!
Marguel manteve a expressão séria, cruzando os braços em sinal de protesto, quando, ao se apossar do cenário, seu oponente se levantara.
_Eu e meus colegas discutimos muito, – iniciou o irmão gêmeo de Tittus, lançando um olhar calculista ao casal de intrusos. – E resolvemos que atacar com todo o exército nos trará vantagem no processo. Vamos pegá-los de surpresa!
A guardiã curvou a cabeça de imediato e bufou, esquentando as coxas com o ar quente exalado. Reunindo forças, venceu a ânsia em se manifestar e interferir na fala agressiva daquele homem. Roer as unhas, pareceu-lhe ser outra opção conveniente no momento. O que ele pretendia com aquilo? Acabar com um jogo perigoso num único lançamento? Fuzilar, na íntegra, a defesa da SG? Mandar heróis à morte por capricho?
Optos ainda sugeriu que uma parte da população da SG fosse abrigada no salão principal da propriedade; enquanto outra fosse enviada às entranhas da Floresta de Aycol, antes da partida dos guardiões.
Chegando a fervilhar os neurônios, tamanha insanidade alheia, Zincon suspirou o mais contido possível que a indignação permitia. Os dedos tamborilando no apoio da cadeira, descontavam a tensão por ouvir aquelas ideias absurdas. De relance, encarou o galaceano ao lado, notando que ele também se contorcia em aflição.
Com vigor e astúcia, Optos explicou, de maneira enxuta, o plano estratégico de seus seguidores. A eles, nada melhor do que enfrentar o inimigo adotando a violência máxima por aliada. Devastar quem se opusesse no caminho.
Todos conheciam a sua natureza; um tanto furiosa e delirante, nem por isso ineficaz. Em vários episódios se livrara de inusitadas situações perigosas com o do dom da volitação. Muitos conselheiros, entretanto, acreditavam que a batalha contra a SOTE, necessitava mais de espírito presente e raciocínio, do que um destacamento militar; ao menos àquela ocasião.
Respingando caretas como respostas, a maioria indicou contrariedade e dúvida perante a tática colérica. Jalef sorriu por dentro, ao contemplar o semblante animado dos amigos guardiões. Eles, por sua vez, não precisavam esconder a satisfação com o aborrecimento da sala.
Quando o professor, porém, chegou a ponto de referir a utilização de bombas e catapultas à entrada dos Guardiões de Gala no terreno inimigo, foi interrompido de imediato.
_Vamos com calma, senhor Optos – contestou Zincon, freando a velocidade dos pensamentos brutais do homem, sem economizar no tom da voz. – Você quer nos levar à morte?
O guardião, chapuletando o braço da cadeira, colocara-se à altura do outro, abandonando qualquer polidez. Ouvir a quantidade de baboseiras proferidas, atacando a própria classe, corroeu seu coração audaz feito veneno. Se era guerra que desejava, então, ali nasceria uma. Dentre os participantes, ninguém melhor que um guerreiro a conhecer o assombro do sangue derramado em combate. Fosse puro ou mestiço, galaceano ou duna, defensor ou civil. Porquanto todas as almas, sem exceção, possuem pessoas queridas, uma história vivida e sonhos bons a se realizar.
O olhar afiado, mas também compassivo, acusou os nobres conselheiros sobre as medidas tomadas no passado. Cada decisão feita reincidia sobre ele e a população. Estando presente, não se calaria ao ouvir a sandice alheia sobre ataques desmedidos e inconsequentes.
Perplexo com a interrupção, o professor estudou a sala com urgência, em busca dos aliados. Desconcertado, exalou o ar com dificuldade, sem encontrar quem compartilhasse da antipatia que carregava por aquele insolente. Dessa vez, sequer os partidários o apoiaram. Isso por que os guardiões eram indivíduos muito valorizados na sociedade.
A exceção se dispunha ao lado, numa fisionomia tão nublada quanto o mau tempo lá fora. Tittus, de modo similar, afrontava o convidado especial com mesma intensidade do irmão. E, embora mudo, os olhos se anunciavam repletos de soberba.
Espremendo as sobrancelhas, Optos analisou a insolência em forma de gente. A feição amarrada de raiva pelo desvio imprevisto do percurso, distanciando seus interesses bélicos com as afirmações do guardião.
Afinal, porque a dupla foi convocada? O que Jalef vê de tão maravilhoso nesses dois galaceanos? Bastava fazerem o serviço que lhes cabe e pronto. Intrometidos! Apesar dos pensamentos martelarem impiedosos e as narinas fumegarem sem discrição, o homem manteve a compostura exigida ao cargo.
_Os ânimos precisam ser cautelosos, senhoras e senhores! – Prosseguiu Zincon, surpreso consigo mesmo ao dissipar a timidez. Aproveitando a brecha controversa do adversário, seguiu em frente. – Invadir uma edificação muito bem guardada, não é algo trivial. E não somos, nem queremos ser os malfeitores de Galácena.
_Entendo, mas veja que...
Estendendo as mãos, sem tardar, o ancião barrou a colocação mal ele interferiu no discurso do conterrâneo. Os braços cruzados e a boca torcida divulgavam a indignação comedida do conselheiro pela atitude imposta.
O visitante, agradecendo na sequência, não desperdiçou a chance dourada, avançando sem reservas.
_Se a operação fosse fácil, tenham certeza de que o inimigo é quem teria invadido primeiro! – Informou com ousadia. O rosto fechado e a mira cravada no opositor, como se ninguém mais estivesse ali. – Digo isso, porque meu posto permite!
A sala, num silêncio coletivo, reclamava por ouvir as ideias do guerreiro. Ele, perseverante e seguro, manteve a voz coesa e a expressão tão séria quanto o momento exigia.
_Traium espera que façamos algo estrondoso – acrescentou, apontando o dedo em direção à SOTE, fazendo alguns encararem uma parede de pedra. – Nós facilitaremos o contra-ataque deles, se agirmos na proporção à qual está habituado!
Observando ao redor, Optos se deparou com rostos pensativos e olhares perdidos. Dando-se por quase vencido, atropelou o guardião, com a pretensão de distraí-los, afinal, gostava de uma discussão.
_Desculpe-me a franqueza, soldado – disse em tom de desdém, lançando uma avaliação estreita e desconfiada ao convidado ilustre, – mas estou detectando medo em sua pessoa?
Apesar de transpirar, Zincon ignorava o reflexo da conversa, pois o calor e a tensão faziam parte da rotina. O que ele não estava acostumado era ter de lidar com a petulância dificultando as jogadas do próprio time.
Banal e imatura, a grosseria do galaceano revelava-se à beira dos limites com a cordialidade. Mantendo o controle, o guerreiro quase fechou os olhos por completo, comprimindo-os entre bochechas e testa enrugada; uma declaração evidente da repulsa para com a túnica impertinente a frente. Os punhos cerrados e confinados próximos à cintura, tremulavam em segredo; impedidos de se movimentar, desejavam acertar, em cheio, um rosto magro e um tanto doentio, a poucos passos de distância.
Marguel se posicionou ao lado quando as luzes da sala vibraram; um sinal de que o autocontrole do marido estava prestes a falhar. Entrar na brincadeira maliciosa de Optos apenas traria discórdia. Uma luta corporal, em tal caso, despencaria a uma derrota iminente, inclusive na visão de Jalef. Enxergando a trama calculista e premeditada do colega, os mais próximos tranquilizaram-no com palavras hospitaleiras.
Entretanto, o impasse encontrou-se em ruínas com a intervenção da conselheira Sarah, ao apartar o confronto com o dom pactum. Aproximando-se do guardião, ela nivelou a região central, alisando a testa com o polegar, acalmando um ponto crítico do corpo. Zincon notou os lábios carnudos da mulher se movimentarem numa fala inaudível. E um semblante gentil se fez no rosto feminino. Ele inspirou e soltou o ar, segundos depois, recompondo sua integridade.
_Obrigada! – Sussurrou a guerreira, apressada e meio sem jeito, remetendo-se à mesma senhora que havia a abordado com o copo d'água. – Evitou um desastre aqui!
_Ora, disponha, querida! – Respondeu a galaceana de cabelo cor de fogo, aproximando-se para repetir o gesto com a mãe de Ninah. – Você é ótima no que faz. É só seguir em frente!
A guardiã acalmou-se com a frase dita no ouvido. Era como se fosse tudo que precisasse ter no momento. Sorrindo com o canto da boca, acenou com a cabeça, retornando sóbria, à realidade que a colocava ali.
_Não temos medo, Optos! – Avisou a guerreira, arremessando olhos azuis esverdeados em sua direção. A voz serena, seguia o tom cínico do opositor. – Apenas não somos suicidas!
Ombro a ombro com a esposa, Zincon mostrou os dentes, numa reação quase simpática. Com corpo e mente alinhados já interagia em pleno controle.
_Impedir o avanço de Traium é um desejo coletivo – retorquiu ele, batendo os dedos no cinto do uniforme, contendo qualquer movimento brusco, – mas queremos o máximo de cautela e segurança!
_Concordo! – Anunciou Sarah, mostrando-se bem-humorada com o ritmo da conversa. – Apostar todas as fichas uma única vez é arriscar em demasia!
Ao perceber conquistando a sala, a mulher percorreu por entre as cadeiras estofadas. A lentidão dos passos refletia a velocidade das palavras.
_A destruição será total, se falharmos! Sem pensar o futuro sombrio que deixaríamos aos que ficarem aqui, aguardando pelo retorno dos combatentes. – Ela hesitou por um momento, imaginando a cena dos órfãos do fanatismo. – Pensem em nossos familiares e amigos!
A sentença fez o estômago de Marguel revirar; a filha fazia parte do quadro indefeso da SG. Precisavam agir logo, porém, com moderação.
Optos, comportando-se feito uma criança birrenta, cruzou os braços, fazendo uma careta com a boca; e desviou o rosto como se não se importasse. A atitude fez Sara emitir um ruído de divertimento. Ela aderira ao debate, sem titubear, no instante em que amenizara os ânimos alterados, segundos atrás.
Farta e indignada com a petulância e a insensatez, decidiu comprar a briga dos guardiões. A feição séria, mirando o professor, apresentava marcas de uma vivência árdua. Sempre perspicaz com a fala e ágil em combate, atestava a própria reputação ao conquistar a maioria dos participantes contra um ataque militar. O fato já se constatava em cada semblante presente.
Há uma semana completara sua 52ª primavera e há trinta e quatro, decidia sobre a vida dos conterrâneos. Fora convocada, ainda jovem, a atuar no Conselho de Glacídeo, tal qual a Guarda de Gala alistou o casal convidado.
Devolvendo um olhar calmo, Zincon agradeceu à mulher de um metro e cinquenta centímetros. Era reconfortante ver alguém de alto calibre advogando a seu favor.
Com efeito, o temperamento aborrecido de Optos transbordava, numa revolta a comprimir os lábios secos. Não era a primeira vez que a colega o enfrentava durante uma reunião. O rosto se oxidava, contudo, ao ser confrontado e, numa expressão gélida, encarou a intrometida, como Traium se remetia aos dunas.
Tentando adulterá-lo, Tittus deu uma leve cutucada. Ele, revertendo a postura, manteve a respiração contida, quase indefectível. Relutou em decidir-se, mas acatou calado ao pedido de Jalef, a fim de se sentar; repetindo-se na atitude dos guardiões.
_E o que a conselheira sugere? – Insistiu o professor num tom melancólico, porém já acomodado. – Que fiquemos inertes, amarrados, observando as moscas agirem? Sendo que temos, enfim, a chance de reconquistar o que é nosso por direito?
Focando na mulher de cabelos vermelhos, ignorou por completo a dupla de invasores, embora flertasse em direção ao guerreiro, de modo furtivo. E, para ilustrar a ironia rebelde, imitava-se preso a uma camisa de força.
Sarah abriu os braços tal qual prestes a rezar, pasma com a conduta imatura. Decidiu por ignorá-lo, abanando as mãos para frente e erguendo as sobrancelhas. Felizmente, seu protegido, parecendo envolto por seu dom, julgou não valer a pena incentivar a conversa descabida.
Sorrindo com indiferença, Marguel se apiedou do adversário, tão perdido quanto os conterrâneos banidos pela SOTE. Então, sua boca carnuda pendeu imóvel, com um formigamento a lhe invadir a psiquê.
Atenta ao estado de espírito da guardiã, a conselheira curvou-se, colocando-se entre ela e o rival. Com a visão bloqueada, conseguiu disfarçar a sensação, à qual a pegou desarmada. Ao menos, o chato do irmão de Tittus não notaria o devaneio proposital ao qual Jalef era o responsável.
Segundo o relógio, a hora de avançar nas decisões chegara e o ancião, ao invés de piscar ou sinalizar, decidiu emanar os próprios pensamentos à amiga especial:
Querida, agora é com você! Estamos ganhando a batalha e vamos fechar com chave de ouro, sim? Exponha o que direi aos demais, como se fossem suas aspirações, sim?
Sem tempo para contestar, a convidada inspirou, enchendo os pulmões por completo. Com a atitude instintiva, buscava equilíbrio, a fim de conduzir os membros do conselho.
_Senhores, acalmem-se! – Iniciou ela. A voz firme, embora temesse ser descoberta. – Conforme Zincon já disse, ninguém aqui é suicida!
A sala se asserenou, compadecida por ser quem era, não obstante à última palavra bastasse a se ter a atenção desejada. Inclusive Optos a encarava, espremendo os olhos claros, cercado por sentimentos rancorosos e ressabiados.
Quando criança, apesar de viver com a avó materna, Traium sempre se manteve no encalço da menina, filha de seu grande amor, Sofia Redin. Educá-la e ensiná-la, segundo os próprios preceitos, muito o significava. Entretanto, com o dom fortalecido na adolescência se desvinculou do tutor postiço. Retornou ao seu legítimo lugar, a Sociedade de Gala, de onde fora arrancada, ainda no útero materno, num passado distante.
_Se optarem por atacarmos em segredo, – continuou a mulher, ignorando uma cara de deboche cadeiras à frente, – vamos estudar a rotina da SOTE e assim, saber seus pontos fracos.
Fingindo esconder os rostos, desviando-os ao lado oposto, Optos e o irmão seguiam implicando com a galaceana. Por ter vivido grande parte da infância ladeada por convicções inimigas, ambos duvidavam de seu caráter. Algo deveras inadmissível, afinal, muitos dali também viveram, àquela época, debaixo da asa de Traium e, inclusive, de Taurim Terók.
Zincon o mirou, desejando desenraizar o pescoço do presunçoso, contudo, acabou por enquadrar a cena na imaginação. Quem sabe estivesse aprendendo a se comportar melhor. O provável, todavia, era que o efeito do dom pactum ainda se irradiasse pelo corpo. Riu solitário ao julgar sendo a segunda opção a mais infalível.
_Mas Traium, afinal, é vulnerável? – Questionou Nervali, torcendo a cara ao discurso da moça. – Por que se for, desconheço!
Optos gostou da reação de alguns presentes com a colocação e, virando-se para trás, acenou ao comparsa. Este, largou um risinho disforme em troca.
Marguel os ignorou, reluzente por estar refugiada em Jalef. E, remetendo-se à pergunta inesperada, deu-se ao trabalho de apenas franzir a testa, como se a resposta estivesse na ponta da língua.
_Deixe-me esclarecer o que precisa ser feito – acrescentou ela, pondo-se em pé, denunciando-se estar no limite da razão. – Referi-me a que horas entrar no castelo: se crepúsculo, madrugada ou aurora? Quem e quantos ficam de vigia nas torres de cerca, no campanário, nos adarves, nas muralhas? – Falou contando nos dedos. – E o tempo calculado que teremos, para procurarmos por prisioneiros e pelas chaves-peças, uma vez enfiados lá! Por onde vamos entrar e, acima de tudo, sair? Essas coisinhas simples e diretas que com certeza farão total diferença entre o sucesso e a derrota da missão!
Ela também recomendou que a população ficasse em alerta a uma possível fuga do público mais vulnerável. O uso das passagens secretas, neste caso, seria essencial. Mas a hipótese era remota, uma vez que a maioria dos guardiões estariam protegendo a Sociedade de Gala.
Séria, a galaceana aguardou as supostas objeções, sem ousar encarar os rivais. O peito arfando, um pouco além do normal, com a enxurrada de pensamentos alheios despejados em sua mente. Astuto, o ancião preocupou-se em tornar o discurso proporcional à fala de um guardião. Afinal, quem melhor que a classe a conhecer as divisões de um castelo? Jalef ainda contava com a vantagem da mulher ter vivido anos nas entranhas da SOTE.
Alguns integrantes do conselho sequer ergueram os rostos, outros encontravam-se hipnotizados com as informações; os olhos reluzindo feito vidro. Por minutos a sala permaneceu quieta, absorvendo os argumentos expostos.
_Sem o mínimo de análise e prudência, aí sim, seria suicídio! – Completou a convidada, balançando a cabeça numa negativa e arregalando-se à direção do maior rival no momento. Desvinculada do mentor, aproveitou a ocasião sublime, feliz com as próprias palavras.
_OK, agradeço sua ilustre explanação – respondeu o conselheiro, visivelmente contrariado, embora o tom sarcástico denunciasse a insistência em não ser derrotado. – E como arrumaremos essas preciosas informações, propostas pela senhora? Vamos arremessar alguém pelo muro antes de vocês?
A guardiã continha-se ao máximo, perdendo o controle apenas ao fuzilar o oponente com o olhar. Ligeira, espionou o marido ao lado, sem entender sua impassibilidade em meio a tantas provocações. Sarah de fato era ótima.
_Ora, meu caro! – Retrucou ela, exalando um ar pesado com o que sobrava de paciência, – sabemos que nem todas as pessoas da SOTE são perversas quanto o chefe. Dessa forma, podemos sim, colher informações singelas e tão primordiais!
Meia dúzia de membros reprimiu aplausos ao breve discurso, tamanha empolgação, insinuando uma predeterminação no voto. O professor franziu a testa, sem entusiasmo, ao reparar o frenesi dos colegas; os dentes surgindo numa careta discreta e enojada.
Marguel mantinha a expressão atenta a qualquer outra pergunta ou comentário, apesar de ser os gêmeos os únicos ávidos por um ataque. Até mesmo Nervali emudecera.
De relance, viu Jalef num semblante alegre, favorável à vitória. Sinal de que tudo corria conforme o planejado.
Sem se conter, Zincon passou o braço pelo pescoço feminino, procurando algum traço de insegurança. A mulher, contudo, pareceu-lhe calma e sólida.
Como nos velhos tempos. Pensou ele, referindo-se à esposa. E o indício, de uma provável aceitação na lista de argumentos da guardiã de Gala, se exibiu na postura de dois conselheiros. Optos e Tittus, sentados em suas cadeiras cativas, permaneceram calados, feito duas estátuas mal-humoradas. Admitiam, ainda que em segredo, haver sentido no raciocínio da galaceana.
_Muito bem, meus caros! – Interferiu o anfitrião, sorrindo bondosamente, antes que alguém mudasse de ideia, pronunciando-se contra, postergando o fim da reunião. – Passemos, agora, à última fase de nosso encontro, sim?
Com a nova etapa, suspiros aliviados, risadinhas e mãos agradecidas embalaram a atmosfera do local. Com o horário avançado, vários manifestavam sinais de esgotamento físico e mental. O alongamento das costas já era visto com maior frequência e o ancião, notando a indisposição, decidiu alcançar o clímax da agenda: definir o plano a se seguir.
O intuito de convocar o casal de guardiões foi essencial. Afinal, ninguém melhor do que eles a expor o dia-a-dia da categoria. Todo o teatro, orquestrado com Marguel, serviu para encapsular o conselho, fazendo-o acreditar de que a estratégia nascia de um membro da guarda. Caso contrário, poderia ser acusado de autoritarismo pela pequena, porém, potente oposição. Dado sua vasta experiência, sabia que o melhor era serem cautelosos desde cedo. E o mais importante, por ora: havia evitado uma guerra grotesca.
_Duas propostas nos foram apresentadas – anunciou Jalef, encarando de maneira expressiva os patronos de cada uma. – Ambas perseverantes, carregando esperanças de vitória, mas que podem embarcar nosso futuro a diferentes caminhos.
Convicto da abstenção da artilharia pesada, a fim de entrarem nos domínios do sobrinho, ele encheu um copo com água; bebendo-o sem pressa. Os conselheiros, provavelmente, haviam se convencido da importância de evitar combates, uma vez que teriam galaceanos eficientes no intuito de alcançar os objetivos de modo pacífico.
A guardiã, de mãos dadas com o marido, demonstrava-se despreocupada e muito confiante. Do lado oposto, uma carranca operava em sua máxima atividade, com Optos aparentando alimentar uma nuvenzinha cinzenta sobre a cabeça. O irmão, com o olhar vidrado, torcia por um milagre. A unanimidade na decisão era regra e ambos, aflitos a seu jeito, não queriam ficar com a fama de ir de encontro à vontade dos demais.
_Queridos presentes, temos o plano A: Sorrateiro, proposto por Marguel Redin Talini Abstra, – anunciou o secretário, apontando em direção à mulher. E, repetindo o mesmo gesto, acrescentou: – e o plano B: Guerra Declarada, colocado por Optos Monna Pronel.
_Lembrando que em caso de empate, teremos o voto de minerva, tomado pelo integrante mais antigo do Conselho de Glacídeo.
Sem indicar ninguém, o assistente apenas agradeceu, abancando-se ao lado do anfitrião. Não obstante, o ancião acenou confirmando o lembrete.
Conforme o costume, a indicação seria aberta, portanto, levaria alguns minutos para encerrarem a reunião. Ágil, o grupo ajeitou as cadeiras formando um círculo. O pleito começaria com o membro ao lado esquerdo do ancião, seguindo ao próximo e assim por diante.
Um após o outro, os galaceanos foram expondo seus interesses, decidindo o porvir da sociedade. E o castelo da SOTE tomou forma nos pensamentos de cada indivíduo, à medida em as escolhas eram reveladas.
Aflita e sem direito a voto, a dupla de guardiões acompanhava os pareceres em silêncio. Zincon apertava a mão da esposa, o máximo permitido, relaxando os nervos descontrolados. No momento ganhavam a disputa!
As últimas sentenças declaradas e anotadas, apontavam ao final da sessão exaustiva. A sala inteira, então, se viu observando as análises remanescentes que, enfim, concluiriam com o plebiscito.
Apesar de nada condizentes com a proposta de Marguel, os gêmeos também almejavam recuperar as chaves-peças. Logo, vinte e três cabeças voltaram-se a eles, impacientes pelo desfecho. Inclusive Nervali, aliado dos dois, havia cedido em prol da unanimidade.
_Talvez, com uma pitada de sorte, tudo ocorra como o planejado, não é? – Relampejou Tittus sem demora, a feição plácida, disfarçando o desgosto. – Dou voz ao plano da nossa guardiã.
A dupla convidada suspirou alto, desviando a atenção de poucas pessoas. Sarah e Orduc repetiram-se nos gestos, ao tamparem a boca com a mão. A um voto para fecharem o veredito, a ansiedade tomou conta dos corações.
_OK, vocês têm meu abono... – concordou Optos, de maneira direta, embora descontente. Sabia que a situação não deveria se alongar por conta do orgulho. – Sigamos em frente!
Enquanto uma parte comemorava o término do pleito com abraços fraternais, o dono da última posição afrontou Zincon rapidamente; havia certo ressentimento no olhar semicerrado. O guerreiro, contudo, devolveu-lhe um meio sorriso agradecido, fazendo o oponente sentir-se desconfortável. Assentido, de modo educado, guardou em uma bolsa preta, alguns papeis enrolados; apressando-se em sumir do recinto, evitou despedidas indesejáveis.
De início, os presentes se surpreenderam com os irmãos, visto que o plano de Marguel ia de encontro com os próprios projetos. Eles, entretanto, não se deram por vencidos, pois se algo desse errado, a campanha que desejavam não tardaria a acontecer.
Bom, agora que Optos e Tittus deram passagem ao plano de Marguel, (que na verdade é de Jalef), vamos ver o que se espera dos Guardiões de Gala🏹⚔.
Quais deles irão se arriscar nas entranhas da SOTE🏛? Será que nossa protagonista vai? Ah, tem que ir né? Mas não darei spoiler aqui.. Leiam os próximos capítulos e comentem o que acharam! Apenas seis serão escolhidos!
Até mais...🥰🥰
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