Parte 3 (Final)
Era intensamente assombroso. Giorgio estava parado no meio do salão principal do castelo, ansioso pelas conversas e cerimônias das quais logo iria participar. Ele era um escritor, sim. Do tipo que adorava observar os detalhes e sempre tinha um papel e uma caneta em mãos. Naquele tipo de visita, a um castelo em plena época de coroação após um pequeno escândalo, ele estaria anotando o que se passava ao seu redor. Nem mesmo a agitação dos criados e o desespero dos insetos que eram finalmente expulsos do recinto passariam despercebidos pelo autor.
No entanto, ele estava ali relutando ao ímpeto de olhar ao seu redor, sem caneta, sem papel. Somente um dedo que não parava de bater contra sua coxa, por mais que ele desejasse que seu nervosismo pudesse se esconder sob a máscara de força e relutância que ele plantara no rosto. Ele fora obrigado a se vestir impecavelmente, pois era uma afronta chegar ao castelo com suas roupas surradas e cheirando a mofo de tanto que ele ficava dentro do quarto em sua casa. O tecido pinicava e ele reclamou tanto sobre a cor que seus pais quase o amordaçaram antes de mandarem o valete terminar de vesti-lo.
Quando finalmente desistiu de se comportar adequadamente e levou a mão até a gola da camisa para tentar afrouxá-la de seu pescoço, Giorgio foi surpreendido pelas portas que se abriam para a figura mais inquietante que ele já vira na vida.
Seu apelido na cidade era Plutarco. Uma ofensa para quem repetia e um elogio para aquele que era vítima do insulto. Giorgio era fascinado pela vida na corte, tanto que adorava escrever sobre as figuras ilustres e ansiava por colocar no papel as histórias daqueles que viviam no castelo, cercados de guardas bem vestidos e atenciosos, tão misteriosos quanto públicos. Escrever sobre a realeza, porém, era algo impensado de que as pessoas sempre riam. Somente aqueles de sangue azul conhecem outros de sangue azul, essa era a filosofia daqueles que não podiam entrar no castelo.
Giorgio queria conhecer a vida na corte, falar sobre os que estavam no poder e dizer, com suas próprias palavras, o quanto era possível acreditar em seus monarcas e nas suas decisões. Ele queria ser capaz de apenas observar e colocar no papel o que ele já pensava: que o castelo e a coroa eram apenas um símbolo da ostentação e do descaso, que protegia pessoas que pensavam muito bem sobre si mesmas para se envolverem na vida dos verdadeiros trabalhadores e provedores do reino. Apesar de querer escrever sobre a realeza, Giorgio não era muito fã dela. A visão que tinha naquele momento, porém, colocava tudo o que ele acreditava em cheque.
Carlo, um rapaz que ele conhecera no mercado – com quem nunca mais se encontrou, porém foi apenas com ele que Giorgio compartilhou suas ideias secretas sobre a avareza e altivez da família real –, disse-lhe que, um dia, Giorgio ficaria frente a frente com um nobre e seus pensamentos e ideias seriam modificados, se não, talvez, rasurados por completo das páginas de sua mente. Como não era de seu feitio mudar de opinião apenas por ouvir um pensamento distinto de outro alguém, principalmente de alguém que acabara de conhecer, Giorgio ignorou as palavras de Carlo.
Ele estava errado.
Claro, ela não precisava saber.
Giorgio sabia quem ela era. Ele a vira muitas vezes nos cartazes e pinturas sobre a família real. A jovem dama, filha do irmão mais novo do rei, que falecera quando sua filha ainda tinha 8 anos, deixando a criança nas mãos competentes e reais do irmão mais velho e sua esposa. Nicola De Rosa era a segunda na linha de sucessão ao trono e a queridinha da família real. Pelo que Giorgio ouvira falar, ela era a mais mimada de todos. A roupa de montaria da fina moda em um encontro formal como aquele deveria confirmar os pensamentos de Giorgio.
No entanto, os olhos de um azul elétrico transbordavam curiosidade e sagacidade, a firmeza dos passos demonstravam confiança e equilíbrio, os cabelos soltos – que balançaram levemente quando as portas por onde ela havia entrado foram fechadas – revelavam rebeldia e cuidado. De todas as conclusões a que ele poderia chegar ao ver a princesa desdenhar da apresentação formal entre uma futura rainha e seu futuro esposo, Giorgio não esperava concluir que ela simplesmente queria ser ela mesma.
Mais uma vez, Giorgio assentiu, demonstrando reconhecimento e respeito, como havia feito quando a vira na varanda assim que ele desceu da carruagem que o levara até ali. Dessa vez, porém, ela não fez o mesmo e os olhos perscrutadores de Giorgio não deixaram de notar o leve sorriso no rosto do cavalariço ao lado de Nicola, o mesmo que se escondera atrás da balaustrada quando os olhos de Giorgio encontraram os de Nicola pela primeira vez.
— Lorde Conte — a voz de Sir De Santis chamou sua atenção para o outro homem que acompanhara Nicola para dentro da sala. Na verdade, agora que ele não estava mais preso à figura da princesa, Giorgio podia notar que apenas o traje da dama afrontava aquela ocasião formal, visto que ela era escoltada por um belo séquito de acompanhantes, nobres e conselheiros. A rebeldia tinha seu limite, ele constatou ao sorrir para o homem que o chamou. — Esta é a princesa Nicola De Rosa, a futura rainha e sua futura esposa.
Giorgio achou irrelevante lembrar aos presentes que aquele casamento era indesejado, especialmente depois de ver a leve careta que distorceu o rosto sem maquiagem da princesa. Ele estava prestes a se apresentar àquela que seria sua parceira em sua mais nova aventura quando esta deu um passo à frente e se virou para seus acompanhantes.
— Creio que a ocasião permite uma conferência íntima e particular entre os noivos, não? — A audácia do pedido não foi deixada de lado quando, particularmente, os conselheiros que haviam arranjado o encontro se entreolharam. Mas Giorgio ficou mais surpreso pelo fato de todos terem atendido ao pedido sem questionar ou resmungar. Talvez ela fosse realmente a mais mimada da corte.
Não houve outra troca de palavras até que todos tivessem deixado a sala – nem mesmo quando o cavalariço e uma das acompanhantes femininas fingiram não ter ouvido o que a princesa falou e permaneceram parados até que a própria princesa fez um gesto nada real com a mão para expulsá-los também.
— Lorde Conte — Nicola falou antes de se voltar novamente para ele —, ouvi dizer que não deseja este casamento tanto quanto eu. — Giorgio apenas inclinou a cabeça, ansioso por ouvir o que a futura rainha teria a dizer sobre as leis e seus deveres. Sem uma resposta, Nicola suspirou e começou a andar pelo salão, observando os quadros nas paredes com os antigos reis e rainhas tão sérios quanto poderiam ficar para sustentar seu ar de superioridade. — Receio dizer, entretanto, que não tenho muita escolha, visto que a lei só pode ser modificada por quem veste a coroa e, por enquanto, ela ainda não está em minha cabeça, ou na sua. No entanto — ela se virou para olhá-lo ao dar ênfase à conjunção adversativa —, creio que podemos entrar em um acordo.
A curiosidade de Giorgio era tão ínfima sobre o acordo que ela queria propor quanto era ampla sobre a própria Nicola. Os textos que ele costumava escrever falavam sobre os encontros entre o povo e seus nobres, que raramente visitavam o mercado ou a vila, mas, quando o faziam, traziam sempre algo inédito e surpreendente para que os habitantes da cidade real pudessem aplaudir ou rir. No momento em que começasse a escrever sobre a futura rainha, os textos de Giorgio se tornariam requintados, valiosos, desejáveis.
— Em que posso servi-la, Vossa Alteza?
Uma leve careta de desgosto substituiu as sobrancelhas levantadas em expectativa no rosto delicado e régio. Nicola não gostava do título apesar de usá-lo sempre a seu favor. Por um momento, ela quase desistiu de sua empreitada, mas algo nos olhos de Giorgio Conte – e na carta de seu primo – a fazia acreditar que aquilo poderia dar certo, de algum modo.
— Pode começar esquecendo que sou uma princesa e me tratando como uma igual, Giorgio. — As palavras tinham o tom de uma ordem tanto quanto lembravam um pedido, e o sorriso que as acompanhou era tão sincero e genuíno que baixou os muros e as barreiras que Giorgio poderia ter erguido em sua viagem até ali.
— Será um prazer, Nicola — e seria mesmo. Essa era a única certeza que os dois tinham naquele momento.
NOTA: Esta parte tem 1422 palavras.
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