Memorial | Capítulo Quinze
Uma parte das aulas da segunda-feira foi dedicada a um memorial para Ally.
Foi na quadra de esportes, um lugar gigantesco e fechado que seria perfeito para acolher todos os estudantes, então podia ouvir vozes baixas que vinham das arquibancadas lotadas. Geralmente havia muito tumulto, gritos e vozes altas ali, mas ninguém se arriscava a falar mais alto do que um sussurro quando se tratava do memorial de uma aluna.
Bethany suspirou. Sentia-se desconfortável, queria que tudo isso tivesse ficado para trás. Já fazia quase duas semanas desde a morte de Ally, mas eles demoraram um pouco até organizar o memorial, buscando reunir pessoas para discursos e também algumas fotos, cartões e flores dos alunos.
Agora, havia um projetor e uma tela branca com sua imagem sorridente, cheia de vida como ela costumava ser. Aquilo era como um soco no estômago e até poderia pensar que era uma homenagem feliz, se não fosse pela mesa cheia de cartões, retratos e flores logo abaixo do palco.
Noah estava sentado ao seu lado e pareceu perceber seu desconforto, pois pegou sua mão e lhe puxou para mais perto de si, lhe abraçando de leve.
O diretor falou, a pedagoga falou. Os dois fizeram discursos genéricos sobre manter a esperança em tempos difíceis e prestaram sentimentos aos amigos e famílias, se disponibilizando a ajudar os alunos. Tudo como esperado.
Começaram os discursos dos alunos. Alguns nem eram tão próximos de Ally, mas Bethany sabia que queriam visibilidade para serem representantes de classe, ou os destaques coroados nos bailes que a escola organizava. Aquilo lhe deu ânsia. Ver todos aqueles alunos populares falando coisas genéricas sobre como Ally era uma boa amiga e aluna lhe fez querer vomitar.
Ela era real. Com todos os defeitos, todos os pontos fortes. Não era essa figura perfeita de quem eles falavam. Era Bethany quem a conhecia e a amava com todos os traços de uma pessoa não perfeita.
Aqueles discursos lhe irritaram e teria se levantado para sair se Noah não tivesse sussurrado para que ficasse calma, que era só uma homenagem e logo acabaria.
Ficou perplexa quando Nicholas subiu ao palco, pegando o microfone. Tudo aquilo havia acontecido durante uma festa dele, então talvez não devesse estar tão surpresa com ele se manifestando no memorial. Só torceu para que ele não dissesse qualquer palavra vazia, que não falasse nada gentil apenas por se sentir na obrigação.
Mas Bethany surpreendeu-se ainda mais quando ele pegou um violão conectado às caixas de som e começou a cantar.
Se eu morrer jovem, me cubra com cetim
Deite-me em uma cama de rosas
A voz dele, sempre cantando tantas músicas agitadas de ritmo rápido, se tornara uma melodia suave e afinada enquanto seus dedos deslizavam pelo violão. A melodia flutuava como o canto de um pássaro e o ginásio inteiro se silenciou quando Nicholas começou a cantar If I die young, todos olhando para o menino de cabelos escuros e jaqueta de couro sozinho no palco, admirando sua canção.
Senhor, faça de mim um arco-íris, eu brilharei sobre minha mãe
Ela saberá que estou segura com o Senhor quando ela estiver sob minhas cores, oh e
A vida nem sempre é o que você acha que ela deveria ser, não
Nem está grisalha, mas ela enterra seu bebê
Bethany sentiu um aperto no peito. Pensou em Ally. Pensou em Eric, o pequeno menininho que via em algumas fotos na casa de seu pai. Seu irmão gêmeo que morrera tão jovem que mal conseguia se lembrar dele.
Ao contrário de seu pai, sua mãe era muito fechada sobre o assunto e não via fotos ou lembranças de Eric pelo apartamento dela. A música lhe fez pensar sobre ele, sobre a criança que estava junto de si nas fotografias de quando ainda usava fraldas e tinha bochechas rosadas e gorduchas. Nenhum dos dois lhe explicara como aconteceu, o porquê de ele não estar ali hoje.
Quem teria pensado que o para sempre poderia ser interrompido pela faca afiada de uma vida curta, bem
Eu tive apenas o tempo suficiente
Os alunos cantavam junto, acompanhando a voz de Nicholas em um coral delicado. Bethany sentiu os olhos arderem, uma vontade enorme de se encolher e fechar os olhos para ouvir aquela melodia para sempre, soluçar até dormir.
Se eu morrer jovem, me cubra com cetim
Deite-me em uma cama de rosas
Afunde-me no rio ao amanhecer
Mande-me embora com as palavras de uma canção de amor
Quando Nicholas terminou, todos aplaudiram por um longo tempo, alguns com lágrimas nos olhos, alguns com sorrisos. Aplaudiu também. Aquilo pareceu bonito e sincero, não foi como as palavras vazias dos outros. Bethany estava tão estática que se assustou quando a pedagoga se aproximou e disse-lhe que era sua vez.
Quando lhe ofereceram para falar no memorial de Ally, pareceu errado recusar, uma falta de respeito não falar sobre ela, já que eram tão próximas. Era por isso que havia se sentado mais próxima do palco, assim seria mais prático de ir para lá.
Suas mãos tremiam quando se levantou.
Quando aceitou falar sobre Ally e escrever algo sobre ela, imaginou que seria para ela, para Ally. Agora parecia estúpido e burro. Não era para Ally, Ally não estava ali para ouvir o que tinha a dizer e tudo aquilo parecia apenas um espetáculo onde lamentavam sua morte para que pudessem se sentir melhor à noite.
Nem que fizesse um discurso de três horas sobre ela conseguiria se sentir melhor quando fechasse os olhos.
Enquanto subia os degraus do palco baixo, tocou levemente o papel no bolso de seu casaco. Estava ali. Só precisava ler e acabar de vez com aquilo, por mais que tivesse se arrependido de ter concordado com a ideia de falar no memorial.
Foi até o centro do palco, colocou a mão no suporte do microfone e levantou a face. Todos lhe encaravam agora e se sentiu exposta. Sabia que todos esperavam algo bonito, já que Bethany-Ally-Valerie eram um trio inseparável e conhecido pela maioria ali.
Estava acostumada a se apresentar na frente de multidões depois de entrar para o time de líderes de torcida, então soube que não era nervosismo o que sentia. Era raiva. Mágoa. Era a vontade de gritar que todos estavam sendo hipócritas e que nada mudaria o acontecido, nada daquilo traria Ally de volta.
— Me desculpem, não consigo fazer isso. — Não teve certeza se sua voz fora amplificada pelo microfone ou não, mas ouviu sussurros quando se virou e desceu do palco sem dizer mais nenhuma palavra e deixou o ginásio, sabendo que não aguentaria mais uma homenagem.
« ♡ »
Os dias seguintes foram estranhamente normais. Fora aos treinos e às aulas, isso lhe ajudava a se distrair, mesmo que a ausência de Ally ainda soasse como um fantasma, o que era irônico, porque geralmente costumava vê-los. Sentia Ally na carteira vazia ao seu lado e nos intervalos, quando se juntavam com Valerie e discutiam algum assunto estranho.
De qualquer modo, sentia-se um pouco melhor e a sensação de que estava sendo sufocada passou. Algumas vezes, seu peito ainda pesava e os corredores do colégio davam a impressão de se fecharem ao seu redor, então precisava encontrar algum lugar para respirar.
Era por isso que agora estava sentada em um banco de madeira do lado de fora da cafeteria mais próxima do colégio, com um copo gigantesco de café a seu lado, um cigarro em uma mão e um lápis no outro. Havia saído entre as aulas, evitando as próximas e considerando ir para a casa de seu pai, já que estava vazia.
Rabiscava o que seria o esboço da face de Ally, começando por seus cabelos loiros e ondulados. Costumava começar pelos olhos, mas não sabia se tinha estômago para desenhá-los agora, então continuava trabalhando em seus fios enquanto sentia a fumaça preenchendo os pulmões e depois escapando por seus lábios.
Gostava de sentir o fluxo da fumaça, a lentidão da tragada.
— Café puro e cigarro para o café da manhã? Considerando que seu pai é um médico, você deve ser uma filha rebelde — comentou uma voz masculina, e Bethany se surpreendeu ao ver Nicholas com a mochila de lado e uma das vitaminas naturais que serviam ali.
Soprou lentamente a fumaça antes de respondê-lo, dando de ombros.
— Garanto que é muito mais divertido do que suas vitaminas saudáveis — comentou, levantando uma sobrancelha. Nicholas riu, as mechas desarrumadas de cabelo escuro caíram sobre seus olhos. Quando ele sentou-se ao seu lado, não soube se sentiu-se aliviada ou irritada por não estar mais sozinha.
Não era como se conhecesse bem Nicholas. Faziam algumas classes juntos, mas tudo o que conhecia sobre ele era sua reputação de rockstar e que metade do colégio já havia o beijado, além do fato de dar festas em finais de semana alternados para tocar com a banda. Essas festas eram conhecidas pelo colégio inteiro, assim como Nicholas, mas não estava realmente empolgada para puxar assunto com ele ou lhe dar alguma moral.
— O que está fazendo aqui? — indagou ele, um tanto curioso.
— Só precisava de ar. Estou considerando ir para casa porque não fiz o trabalho de literatura, ou fazer o trabalho e ir para a aula — confessou, sem saber exatamente por que dissera aquilo. Talvez realmente estivesse se sentindo solitária, afinal. Ali estava, realmente dando brechas para Nicholas Sinclair, que provavelmente não valia a vitamina que estava tomando e provavelmente tinha uma lista de garotas, garotos e pessoas com quem já havia transado. — O que é isso? — perguntou, quando ele abriu a mochila e puxou uma folha dobrada, lhe esticando.
— O trabalho de literatura. Pode copiar se vier comigo agora — ofereceu, balançando a folha como se fosse a coisa mais interessante do universo. Bethany não conseguiu conter a gargalhada, tragando mais uma vez e olhando para a rua, para os carros que passavam de um lado para o outro.
— É assim que você conquista as garotas? — provocou, levantando as sobrancelhas.
— Não. É geralmente pelado e com um violão — respondeu Nicholas, muito sério, e então sorriu com um orgulho ofuscante. — Elas adoram um adolescente sombrio metido a rockstar — complementou, como se fosse uma espécie de confidência ultrassecreta que geraria consequências desastrosas se fosse espalhada.
Bethany ainda estava rindo quando deu a última tragada, deixando a fumaça preencher seus pulmões. Tanto sua mãe quanto seu pai odiavam quando chegava em casa cheirando a cigarro e sempre se encrencava com isso, Nicholas tinha certa razão em lhe chamar de filha rebelde.
Seu pai conseguia listar pelo menos trinta doenças para tentar lhe fazer ficar longe da nicotina, não que Bethany achasse isso um método eficiente.
— Meu Deus, você é nojento — disse, apagando a brasa na parede de concreto. Havia uma lixeira ao lado do banco, jogou o restinho do cigarro ali.
— Nós dois sabemos que você não vai conseguir terminar o trabalho em uma hora e meia, é pegar ou largar — insistiu, ainda balançando a folha de papel como um atrativo. Bethany considerou sua oferta, imaginando para onde iriam e se seria uma boa ideia entrar no carro de Nicholas.
Finalmente suspirou e deu um gole no café antes de pegar a folha da mão dele.
— Para onde vamos?
« ♡ »
Sentiu-se melhor no carro dele do que na escola ou na cafeteria. As janelas estavam abertas para que pudesse sentir o vento e a música estava alta, então ouvia qualquer canção alternativa do Twenty One Pilots e sentia o vento carregar seus cabelos para trás, o sol aquecendo sua pele enquanto ele acelerava.
Não conversaram muito, Bethany tentava adivinhar pelo trajeto quais eram os planos de Nicholas. Não sabia se deveria ter aceitado aquilo, mas era tarde demais para recuar e não era como se tivesse algo melhor para fazer.
— Sinto muito por Ally. Foi um tanto inesperado — disse ele, quando já estavam há um bom tempo em silêncio. O vento ainda chiava pelas janelas, mas conseguiu ouvi-lo com clareza.
— Foi um acidente — murmurou, sem ter muito o que dizer. Ele não sabia metade da história e Bethany não estava a fim de contar, mesmo que ele acreditasse.
— Ninguém conseguiu descobrir como aconteceu. Os fios ficavam longe o suficiente da piscina e ninguém mexeu no amplificador antes disso — disse, com os olhos fixos na estrada. Bethany tensionou os lábios, focando-se nos postes e prédios que voavam do lado de fora, transformados em borrões pela velocidade.
Nicholas diminuiu a velocidade para estacionar, a garota permaneceu em silêncio sem saber omo responder.
— Por que decidiu cantar no memorial? — perguntou, em um tom genuíno de curiosidade. Ele não conhecia Ally tão bem assim, mas sua apresentação fora uma das mais bonitas e sinceras de lá. Não era idealizada ou hipócrita, era simplesmente sobre a perda.
— Só senti que devia fazer isso por Ally. Ela sempre ia às festas, eu sempre a via dançando e rindo — disse, com um leve dar de ombros quando parou o carro. — De uma maneira ou outra, me sinto culpado. Ela não merecia isso.
— A culpa não é sua — falou, sem conseguir se conter. Se alguém tinha culpa naquilo, então seria si mesma e a ideia estúpida de jogar o Ouija. Às vezes desejava trocar de lugar com ela, dar-lhe mais uma chance de estar ali, pois parecia injusto que fosse Ally quem estivesse morta.
— E é de alguém? — Nicholas lhe encarava com olhos intensos, como se realmente esperasse que Bethany respondesse a pergunta. Inspirou fundo e deitou a cabeça para trás, contra o apoio do banco.
— Não, não é. Foi um acidente — repetiu, como se estivesse tentando convencer a si mesma. Seria assim pelo resto da vida? Essa culpa horrível e o engasgo na garganta quando precisasse mentir? — Onde estamos? — perguntou, tentando mudar foco.
Olhou ao redor e percebeu que estavam em uma área deserta que se abria para os bosques que costumavam rodear a rodovia. Havia alguns prédios comerciais e corporativos ali, mas estava tudo tranquilo, já que não era um bairro comercial e só se via carros vazios estacionados na rua.
Nicholas abriu a porta do carro, fazendo um gesto para que lhe seguisse. Bethany estava um tanto confusa, mas o seguiu do mesmo jeito e caminharam entre dois prédios, na direção da floresta que se abria como um manto verde.
As folhas balançavam e farfalhavam, a terra era coberta por um tapete de grama e galhos secos. Quando encontraram uma pequena trilha de terra ali, Bethany franziu a sobrancelhas, mas Nicholas continuou avançando.
— Eu deveria estar preocupada com o fato de você estar me levando para um local deserto em que provavelmente não há sinal de celular? — indagou, o seguindo. A terra estava tão seca que levantava leves nuvens de poeira quando pisava com seu coturno preto, olhando ao redor para encontrar o que ele estava procurando.
— Se te conforta, não é tão longe e há sinal de celular — disse Nicholas, rindo. Sem dizer mais nada, o seguiu.
Lembrava-se de Elisa dizendo que podia pensar nela como um anjo da guarda, de sua mãe prometendo que estava segura e que lhe ensinaria usar seus poderes para se defender. Além disso, Noah e Nicholas eram próximos, passavam horas juntos nos ensaios da banda, então não deveria se preocupar tanto.
Eles eram mais próximos do que se dera conta, percebeu. Teria uma pequena fortuna se ganhasse dinheiro a cada vez que Noah pronunciava o nome de Nicholas e a cada vez que os dois saíam juntos para fazer qualquer besteira tipicamente adolescente.
A trilha de fato era curta, recoberta por um teto de galhos secos inclinados até que finalmente se abria para uma pequena clareira com grama alta. Bethany empalideceu levemente quando viu as placas arredondadas de concreto surgirem da grama, com datas e nomes, arabescos delicados. Até mesmo estátuas de anjo se destacavam entre o mato alto, além de outras figuras religiosas. Cruzes se erguiam de alguns túmulos, de madeira ou concreto.
— Me trouxe para um cemitério abandonado? Jura? — resmungou, um tanto incrédula. Precisava esmagar a grama com o coturno para conseguir abrir caminho e seguir Nicholas, irritada por ter aceitado aquilo.
Se quisesse mais coisas sinistras em sua vida, já teria jogado o Ouija novamente.
— Não, não é para isso, apesar desse lugar ser interessante — disse, com um sorriso. Bethany tentou imaginar por qual razão precisaria passar por ali. — Foi abandonado quando a cidade começou a crescer para o lado contrário — relatou, enquanto atravessavam uma estrada de pedras que, apesar de tomada pelo mato, ainda resistia e não deixava a grama crescer tanto.
Quando finalmente o cemitério ficou para trás, avistou o que parecia ser uma edícula abandonada, com trepadeiras crescendo pela parede de madeira. Nicholas foi em frente, empurrando a porta. Ela se abriu com um rangido, revelando um cômodo de madeira simples e empoeirado, mas não tão deteriorado quanto esperava que estivesse.
Havia um violão, uma coberta espalhada pelo chão e algumas almofadas que pareciam bem limpas. Era confortável e simples, havia também uma pilha de livros ao lado das almofadas encostadas contra a parede e quase conseguia imaginar alguém ali, sentado naquela edícula abandonada e imerso nas páginas.
— Vocês ensaiam aqui? — indagou, um tanto impressionada. Nicholas negou com a cabeça.
— Não. Só gosto de vir aqui às vezes, ficar sozinho — explicou, jogando a bolsa em um canto e pegando o violão. Bethany ainda olhava em volta enquanto ele se sentava no chão coberto, apoiando-se contra uma das almofadas. — Só achei que fosse gostar, parecia precisar de um refúgio — comentou, e Bethany quase sorriu quando deixou a bolsa de lado. Ele acertara, precisava mesmo de um momento de calma e novos ares para conseguir tirar tudo aquilo da mente.
Sentou-se ao lado dele, puxando o caderno da bolsa e a olha com a lição de literatura.
Ele afinava o violão e tocava baixinho enquanto conversavam e ela copiava as respostas. Mesmo que pudesse ver os túmulos do cemitério ao longe pela porta aberta, não se incomodava. A brisa quente entrava pelas janelas de madeira que circulavam o lugar deserto.
Nicholas não deixou nada subtendido, não tentou lhe tocar com segundas intenções ou algo assim. Sentia-se mais calma com isso, não queria se sentir pressionada ou desconfortável por estarem ali sozinhos, muito menos beijá-lo.
— Por que me trouxe aqui? — perguntou, depois que um bom tempo já havia se passado. Nicholas baixou os olhos para o violão, dedilhando uma melodia suave com facilidade. A música flutuava levemente e, com o sol delicado que entrava pelas janelas e iluminava os grãos de poeira flutuando, quase podia se esquecer de que estavam praticamente em um cemitério.
— Não sei. Te vi lá e achei que precisasse de alguém, sei que você e Ally eram bem próximas — confessou, levantando os olhos para Bethany. A menina ainda tinha a caneta na mão, recostada contra a madeira velha da parede. — Para uma líder de torcida, você é bem antissocial — complementou, e Bethany riu baixo. Noah sempre ia às festas na casa dele, assim como Ally e Valerie, mas nunca achou que Nicholas fosse notar sua ausência.
Bem, talvez por causa de Noah. Nicholas e Noah viviam colados no colégio e nas festas, então fazia sentido que ele notasse sua presença.
— Barulho, pessoas e multidões não são muito a minha zona de conforto. As apresentações são diferentes, tem a adrenalina da coreografia e eu sei o que devo fazer — explicou, terminando de copiar a última frase e finalmente fechando o caderno. Esticou o trabalho dele, tirando o cabelo do rosto. — Além disso, adolescentes suados, bêbados e gritando me irritam, mas pelo menos sua música é boa. — Isso fez Nicholas rir enquanto pegava a folha de papel da mão dela, deixando-a de lado para voltar ao violão.
— Também prefiro ficar no palco do que na festa em si — confessou, o que lhe surpreendeu. Ele sempre parecia tão sociável e ter tanta facilidade em se relacionar com os outros que era difícil de imaginar. Mas Nicholas sempre parecia outra pessoa enquanto estava cantando e performando no palco, podia entender a paixão dele. — Mas agora que Noah está na banda, talvez ele possa te arrastar para as festas mais vezes. — Bethany ia respondê-lo, mas antes disso uma corrente fria lhe fez ficar calada. Conhecia bem aquela sensação, aquele arrepio que começava na base da nuca e descia pelos braços.
Desviou lentamente o olhar para a janela, foi então que a viu. Era uma menina com cara de criança, quase angelical, mas tinha uma expressão assustadora enquanto lhe encarava pela janela aberta, sem se mover.
Era absurdamente pálida e tinha os cabelos molhados, grudados contras as bochechas brancas e o pescoço fino. Bethany sentiu-se levemente sem ar, como se estivesse se afogando.
— Vamos embora — disse com um tom ríspido que fez Nicholas franzir as sobrancelhas, confuso. A menina continuava lhe encarando da janela, aqueles olhos claros e inocentes que pareciam sugar cada pingo de calor do sol.
— Está tudo bem? — perguntou Nicholas, enquanto Bethany se apressava para guardar o material e fechava a bolsa, tentando disfarçar o quanto suas mãos tremiam. Inspirou fundo, fechou os olhos e desejou que a menina sumisse.
Ela continuava lhe observando da janela, estática e silenciosa.
— Tudo, só quero ir embora — disse, e Nicholas concordou. Quando a finalmente saíram, a menina ainda estava próxima da janela, mas seu pescoço havia girado em um ângulo estranho para que pudesse encarar Bethany.
Ela ainda lhe encarava em silêncio, os lábios fechados e os olhos paralisados, sem piscar. Seus pés flutuavam, usava um vestido branco inocente e virginal que se grudava ao corpo, pingando água de forma que as gotas cintilavam sobre o sol.
Não olhou para trás quando atravessaram o cemitério, nem mesmo se sentiu aliviada quando entrou no carro de Nicholas e ele deu partida.
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