Má Influência | Capítulo Dezoito
— Seus pais não se incomodaram de você dormir aqui? — Nicholas deixou-se cair ao seu lado no sofá, Noah continuava afundado nas almofadas com um olhar inexpressivo. É claro que Nicholas percebeu e tentou lhe puxar para mais perto, então afundou o rosto no pescoço dele e buscou sentir seu perfume, colocar ondem nos pensamentos.
— Eles estão com Beth, acho que até ficaram aliviados por eu não estar no meio da bagunça — explicou, sem conseguir mudar o tom vazio. Nem sua mãe e nem seu pai contestaram quando pedira para dormir na casa dele, por mais que sua mãe insistisse para que deixasse o celular sempre por perto e o tirasse do silencioso para que pudesse ouvir qualquer ligação. — Ninguém me diz nada, ela não acorda. É um inferno ver eles se fecharem entre si e me tratarem como uma criança. — Estava um tanto exausto depois de tudo aquilo, de ver seus pais e tios discutindo em voz baixa como se algo grave tivesse acontecido. E Bethany... Ela continuava desacordada, Noah não entendia como ou por quê.
Não era como se sua tia tivesse explicado com detalhes o que acontecera na campina, sobre o que seria o sétimo governante e por qual razão aquele homem queria que sua mãe assumisse o cargo. Nem explicara como ele pudera desaparecer no ar daquela maneira, mesmo que não fosse um fantasma.
Todos o viram, disso tinha certeza. E todos viram quando ele sumira diante de seus olhos, envolvido por uma névoa escura e assustadora.
— Beth vai ficar bem. Tenho certeza de que eles só estão preocupados e focados nela — disse Nicholas, e Noah podia sentir o conforto do corpo dele contra os travesseiros do sofá, os braços ao seu redor. — Encontrei-a matando aula na cafeteria esses dias, a chamei para ir na cabana do cemitério — comentou, e isso fez o loiro rir, voltando-se para Nicholas. As mechas escuras caíam sobre os olhos dele, Noah resistiu ao impulso de arrumá-las.
Odiava que ele mantivesse o cabelo tão longo, achava que ofuscava os olhos, mas Nicholas insistia que era muito mais dramático quando seus cabelos cobriam seu rosto e balançavam quando estava cantando e dançando no palco.
— Do jeito que você é, ela deve ter pensando que estava dando em cima dela — zombou, sem conseguir segurar a risada. Nicholas fingiu uma expressão indignada, puxando uma das almofadas de estampa geométrica e lhe atingindo com ela.
— Só estava sendo legal com minha cunhada — retrucou, enquanto Noah tirava a almofada de sua mão e tentava se proteger com os braços. Finalmente conseguiu tirar a almofada das mãos dele e derrubá-la no tapete felpudo que cobria o piso da sala. — A única pessoa de quem eu dou em cima é você, idiota. — Ele fingiu um tom revoltado, mas estava rindo também.
— Ela não sabia que era sua cunhada — contestou Noah, levantando as sobrancelhas. Nicholas sorriu daquele jeito provocante que só ele conseguia reproduzir, os lábios rosados curvados em um sorriso enlouquecedor.
— Talvez seja hora de dizer a ela — desafiou, o que fez Noah falsear por um segundo. Aquilo seria um passo a frente, uma pequena revolução na relação tão secreta deles. Gostava de como as coisas estavam, de manter tudo tão particular.
— Você acha? — perguntou com receio. Se começassem a contar para as pessoas, talvez as coisas mudassem e não queria estragar o que já tinham. Teriam todos os olhares sobre si, não sabia se estava preparado para lidar com todos os julgamentos, os comentários e olhares reprovadores e preconceituosos que surgiriam depois.
— Há algum problema? Seus pais reagiriam de forma negativa? — Nicholas se revirou no sofá para que pudesse lhe encarar, a face pálida sumindo ao redor dos cabelos tão escuros quanto a própria noite.
— Não, seria tranquilo. Mas, se eles soubessem, duvido que deixariam o filho adolescente passar uma noite com o namorado em uma casa completamente vazia e sem supervisão — argumentou.
— Eles não sabem que os meus pais não estão? — Nicholas perguntou, espantado com a constatação. Noah riu, negando com a cabeça e balançando os cabelos loiros brilhantes na escuridão. — Noah, seus pais nem me conhecem e garanto já me odeiam — disse, muito seriamente, mas percebeu que ele se segurava para não rir.
— Seus pais nunca estão aqui! — defendeu-se, levantando as mãos em um gesto rendido.
— Mas, na visão dos seus, eu sou o jovem delinquente que leva o filho inocente deles para tocar música alternativa até de madrugada, beber e se drogar. — O loiro não conseguiu conter a gargalhada, relaxando nos braços dele e pousando a cabeça em seu ombro, deixando que Nicholas lhe abraçasse.
— Exagerado! Não estamos fazendo nada de errado — contestou.
— Deveríamos — falou Nicholas, puxando Noah para si. Podia sentir o corpo dele contra o seu, o pulsar rítmico de seu coração quando o beijou e seus lábios quentes arderam em sua pele, fazendo tudo despertar com cada toque.
O loiro riu baixinho, os olhos brilhando no escuro quando lhe encarou.
— Então meus pais estão certos ao te considerar uma má influência — sussurrou contra os lábios dele, mas não resistiu a nenhum beijo.
Não sabia se era bom ou ruim, mas Nicholas tinha o poder de lhe fazer esquecer tudo, de desviar seus pensamentos das preocupações. Esqueceu-se de ficar checando o celular, para ver se seus pais mandavam notícias de Bethany, esquecera-se do cara sinistro que aparecera na campina, do sétimo governante e de como Bethany desmaiara em seus braços. Só existia Nicholas, a escuridão, o sofá pequeno demais para os dois.
Foram dormir tarde, Noah demorou um pouco para se orientar quando acordou no quarto dele, estranhando o local até se dar conta de onde estava. Ainda estava completamente escuro e Nicholas estava sentado na cama, segurando um caderno e rabiscando algo com uma caneta azul.
— Nick? O que foi? — perguntou, preocupado. Havia alguns livros e cadernos logo ao lado, na mesinha de cabeceira, mas não entendia como ele conseguia escrever no escuro e muito menos imaginar o que poderia ser tão importante para anotar em plena madrugada.
— Eric pediu para entregar. — A voz dele foi quase como um sussurro, mas fez Noah ofegar como se uma pancada atingisse seus pulmões. Virou-se para trás, acendendo uma luminária com lâmpada amarelada que ficava na escrivaninha ao lado da cama.
Piscou quando a luz fosca iluminou o papel. Nunca havia falado de Eric para ele. Nicholas nem sequer sabia que tinha um irmão que havia morrido quando criança.
Assustou-se mais ainda quando percebeu que ele ainda parecia dormir, como se numa crise de sonambulismo. Com cuidado, puxou o caderno de suas mãos e logo ele deslizou para os travesseiros e lençóis, deitando-se novamente e inspirando fundo.
Nicholas não disse mais nada, se revirou levemente na cama e se encolheu entre os lençóis, voltando a dormir como se nada tivesse acontecido. Só então Noah voltou-se para a folha de papel rabiscada, percebendo que havia apenas uma frase escrita — e com uma letra tão mal feita que Noah precisou se esforçar para ler os garranchos.
O que estava escrito só lhe deixou mais confuso.
A resposta está na ira, não na avareza.
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Visitar a dimensão humana era um tanto estranho, mesmo que Elisa estivesse ao seu lado para lhe passar segurança.
Estava tão acostumada à perfeição de Onyx que ver poeira, poluição, bagunça e coisas trincadas ou quebradas era um tanto estranho, então olhava ao redor e tentava guardar cada detalhe das ruas, cada pedacinho de lixo, cada reflexo de sol e cada sensação. Era tudo mais vívido, pensou Clarissa. As coisas não morriam ou quebravam em Onyx, não eram imperfeitas. Era tudo organizado, limpo e geometricamente planejado. Perguntou-se como não havia enlouquecido com tanta perfeição.
Foi bom reencontrar Sara, um tanto estranho sentir o calor de seu toque, observar sua respiração e as batidas cardíacas. Lhe deixou um tanto desorientada, mas estava feliz em vê-la. Somente ela e Liam estavam no apartamento, eles lhes guiaram para o quarto da menina.
Não pôde deixar de se impressionar. Bethany era ainda mais parecida com Sara enquanto dormia, os cabelos escuros espalhados pelo travesseiro e a pele pálida, as bochechas avermelhadas destacadas e os lábios delicados bem contornados como se fosse a própria Branca de Neve.
— Uau, ela era um bebê na última vez que a vi — admirou-se, com um sorriso fraco quando se aproximou. Sara sorriu fraco também, puxando a cadeira da escrivaninha e sentando-se perto de Liam, que estava de pé ao lado da porta.
Ela parecia exausta, e Clarissa sabia que não era pelo horário, os olhos avermelhados e as mãos tensas revelavam isso. Já passava das quatro da manhã quando apareceram, não era como se pudessem sincronizar relógios nas duas dimensões.
— Para mim ainda é, de certa forma — brincou ela, olhando para a filha adormecida. A expressão misturava afeto e preocupação, Clarissa sentiu-se ainda mais pressionada a acabar com Mamon assim que tivesse a chance.
Olhou para Elisa, insegura. Ela estava no canto do quarto, um tanto preocupada e tensa, mas sorriu de leve para lhe encorajar. Aquilo fez com que as coisas clareassem em sua mente, iluminando seu objetivo por trás das dúvidas.
Se Elisa acreditava que era capaz, então talvez pudesse acordar Bethany.
— Vou ver se consigo anular a marca, isso deve acordá-la e impedir qualquer elo entre ela e a dimensão infernal — explicou, encarando a menina inconsciente. Ninguém contestou, Clarissa observou o pulso marcado, as linhas escuras se entrelaçando.
Ajoelhou-se ao lado da cama, gentilmente envolvendo o pulso de Bethany com os próprios dedos. Fechou os olhos e tentou se concentrar, focalizar sua energia para combater a marca, imaginando-a escapando por seus dedos e cortando aquela energia demoníaca pela raiz.
Focou cada gota de energia nas mãos, no pulso de Bethany, mas seus pensamentos pareciam difusos, não conseguia força suficiente. Era como tentar alcançar um interruptor muito alto, continuava pulando e pulando, conseguia encostar no interruptor, mas não ligá-lo. Algo estava incompleto, não conseguia achar a origem do problema.
Quando abriu os olhos novamente, com uma pressão na garganta por não ter conseguido se conectar com a marca, Elisa atravessou o quarto e se ajoelhou ao seu lado, sorrindo de maneira encorajadora.
— Você consegue — disse, entrelaçando a mão na sua. O toque dela disparou leves correntes de energia, fazendo algo ondular em sua pele e causando uma sensação estranha de cócegas. Clarissa assentiu com a cabeça e fechou novamente os olhos, ainda com a mão em volta do pulso de Bethany.
Sentiu a presença intensa de Elisa ao seu lado, seu apoio e confiança. Uma leve onda eletrizante espalhou-se por toda sua pele, sentiu o desenho frio no braço de Bethany como se fosse uma cicatriz em relevo.
Deixou todo o seu calor invadi-la, seus poderes deslizando pela marca e adentrando-a lentamente. Era um trabalho minucioso, sentia a energia angelical sendo repelida enquanto lutava para conseguir abrir caminho com sua parte demoníaca. Não entendia como conseguia separar seus poderes assim, mas não lembrava-se de conseguir uni-los.
A marca brilhava como uma brasa por trás de suas pálpebras quando adentrou mais e mais a energia impregnada na garota, deslizando pelo desenho escuro e rachando-o lentamente, abrindo fissuras luminosas e fragmentando-o aos poucos.
Foi como vidro se quebrando, Clarissa sentiu o corte brusco na escuridão da marca e a luz se expandiu, as linhas azuis brilharam intensamente e se espalharam com rapidez. Abriu os olhos lentamente, a cabeça latejando e uma onda de tontura lhe tomando por alguns segundos.
A voz de Elisa era confusa e chiada em seus ouvidos, demorou um pouco para entender que ela estava preocupada, perguntando o que havia acontecido. Estava prestes a responder quando Bethany se revirou na cama, fazendo uma careta e puxando o lençol para cobrir a cabeça.
— Apaguem a luz — pediu, irritada, mas ainda estava com os olhos fechados e parcialmente adormecida. Liam e Sara trocaram olhares, sem conseguir evitar uma risada fraca nas faces cheias de alívio. Elisa também sorria, uma mistura de alívio e orgulho que deixou Clarissa feliz.
— Não sei se consegui destruir a marca por completo, mas sei que ela acordará — falou, levantando-se. — Fiz o máximo que pude, mas não consegui limpar tudo.
Não sabia se a marca retornaria ou não, mas ficou satisfeita em ver o alívio na face de Sara e Liam.
« ♡ »
Parecia que havia sido atropelada por um caminhão quando acordou, ou que havia acabado de sair do treino das líderes de torcida. Além dos músculos cansados e latejantes, sentia-se estranhamente nauseada quando se remexeu entre os travesseiros.
Olhou para as persianas e percebeu que alguns filetes de sol escapavam por elas, o que indicava que já era de manhã. Bethany procurou por um relógio para tentar se orientar e encontrou o celular na mesinha ao lado da cama, surpreendendo-se ao perceber que não passava das seis e meia da manhã.
Teria voltado a dormir, mas então lembrou-se do treinamento, do homem sinistro aparecendo repentinamente, de como todos ficaram tensos quando ele surgiu entre as árvores. E então nada. Havia apagado no meio do gramado.
Acordou no apartamento de sua mãe, ouvindo vozes vindas da cozinha. Colocou-se de pé e seguiu a conversa a passos lentos, parando ao lado da porta quando ouviu pronunciarem seu nome.
— Ela é só uma criança! Não precisa saber disso tudo, não precisa se envolver nesse drama! — Bethany achava que nunca havia percebido tanto desespero na voz de sua mãe, mas ela certamente parecia exasperada para provar seu ponto de vista. Aquilo lhe deixou espantada. Nunca havia ouvido a mãe tão preocupada.
— Beth fará dezoito anos, anjo. Não podemos protegê-la para sempre. — A voz era do seu pai, Bethany percebeu com estranhamento. Ele sempre a chamava de Sara, anjo era algo novo, principalmente pronunciado com tanto carinho.
— Podemos tentar — murmurou ela, com desânimo desta vez.
— Não, não podemos. Ela precisa conhecer toda a história e você sabe disso. — Apesar da voz de seu pai soar compreensiva, quase gentil, ele não dava muito espaço para outras opiniões. Sem conseguir lidar com a curiosidade, Bethany virou o corredor e entrou na cozinha do apartamento.
— Que história? — perguntou, e todos se voltaram para si. Seus pais estavam de pé na frente da pia, aparentemente os pegara de surpresa, pois tinham as mãos entrelaçadas e estavam mais próximos do que de costume, quase abraçados.
Sua mãe se afastou dele assim que notou sua presença na cozinha.
— Querida... — murmurou, vindo em sua direção. Ela parecia preocupada, a expressão denunciando traços de nervosismo quando lhe abraçou. Bethany sentiu seu cheiro suave de perfume entrelaçado com o aroma de café que tomava toda a cozinha. — Você está bem? Como se sente? — Foi só quando se separou que percebeu que seus tios também estavam ali, lhe encarando em busca de uma resposta. Todos pareciam tão preocupados e sérios que se sentiu acuada.
— Confusa. Faminta — murmurou, percebendo que estava há um bom tempo sem comer ao sentir o cheiro do café. — O que aconteceu? — perguntou, olhando diretamente para Sara. Ela desviou o olhar e buscou encarar Liam, ainda hesitante, como se estivesse perguntando algo.
Ele assentiu levemente com a cabeça.
— Sente-se, precisamos conversar — disse ela, puxando uma cadeira. Bethany sentou-se, Sara atravessou a cozinha e parou ao lado de seu pai, mantendo uma distância e formalidade maior.
A mesa tinha pães, geleias e queijo, então não hesitou em montar um sanduíche para aliviar a fome e pegar uma xícara de café. Se havia desmaiado na campina no início da tarde, isso significava que ficara inconsciente pelo menos umas dez horas.
— Vão finalmente me explicar quem era aquele cara? Por que desmaiei enquanto ele falava? — perguntou, encarando todos fixamente. Sabia que eles estavam juntos naquilo, que sabiam mais do que falavam sobre os acontecimentos sobrenaturais.
— Ele era Mamon. — Mesmo relutante, foi sua mãe quem falou primeiro. Bethany franziu as sobrancelhas e parou para pensar de onde reconhecia o nome, quase riu quando lembrou-se.
— Mamon? Tipo... Mamon, o demônio da avareza? — indagou, engasgando-se com um gole de café. Depois de ter desmaiado, de ter ficado um bom tempo inconsciente... Eles lhe enrolavam com uma brincadeira?
Não conseguiu esconder a irritação, colocando a xícara de café sobre a mesa e batendo-a com força demais.
— Ele quer que eu assuma o posto de governante infernal — continuou sua mãe, com muita seriedade. Bethany sentia-se incrédula, irritada e magoada. Por que todos lhe tratavam como uma criança? Por que ninguém lhe dizia a verdade e preferiam inventar uma história fantasiosa em vez disso?
— Por que você? — perguntou, soando um tanto rude. O que queriam com aquela brincadeira? Já sentia-se saturada o bastante com o aparecimento repentino de Elisa e os episódios sobrenaturais na biblioteca e em seu quarto.
— Não sou completamente humana, Beth. Nenhum de nós é — disse sua mãe, e aquilo lhe chamou a atenção. Havia definitivamente algo diferente nos poderes dos quatro, ninguém nunca lhe dissera de onde eles surgiram.
Aquilo lhe fez falsear. E se os demônios fossem reais? Sabia que não seriam como imaginava.
— Então quem vocês são? O que vocês são? — Olhava para todos agora, passando o olhar de um para o outro. Rafael era quem estava de pé ao lado dos armários, iniciando o semicírculo que os quatro formavam, e ele estava um tanto sério.
— Arcanjo Miguel — disse, e Bethany viu o contorno de seu corpo iluminar-se em branco, uma luz incandescente o suficiente para queimar seus olhos e espalhar uma onda de calor vibrante. Piscou algumas vezes, perplexa ao tentar se acostumar. Suas asas brilharam em suas costas, uma imagem rápida e de apenas alguns segundos, mas que ficou carimbada em sua mente.
Sentiu tudo girar em sua mente, esqueceu-se até do sanduíche e do café que bebia. A luz diminuiu levemente e seu tio parecia estranhamente normal, mas ainda podia sentir o calor e formigamento que o clarão trouxera.
Seu pai estava ao lado de Rafael, Bethany lhe encarou como se esperasse que ele continuasse com as revelações. Foi o que ele fez.
— Cavaleiro da Morte — disse seu pai, e seus olhos escureceram até se tornarem completamente negros, uma névoa escura bruxuleou ao seu redor e deixou sua pele ainda mais pálida, os cabelos loiros reluziram.
Sentiu frio, ao contrário do calor que irradiara do clarão que viera de seu tio. Era algo mais obscuro e silencioso, os olhos totalmente escuros lhe fizeram perceber que talvez eles não estivessem brincando.
Quando os olhos de Liam voltaram ao normal e a névoa escura se desfez no ar, Bethany olhou para Naomi. Sua tia suspirou levemente, colocando os cabelos loiros atrás da orelha com cuidado e delicadeza.
— Filha de Lúcifer — disse, e ela brilhou como Rafael, seus olhos ficaram completamente embranquecidos e a íris azul sumiu no meio das órbitas. Sua energia era pulsante e rápida como um raio de sol espalhando-se pela cozinha.
Pensou na marca no pulso dela, no sangue escorrendo. Provavelmente servia para lhe alertar sobre qualquer demônio que se aproximasse. Como Mamon.
Bethany mal conseguia respirar, aliviada por estar sentada, pois sentia que não conseguiria se levantar caso quisesse. Voltou-se para sua mãe, lembrando-se dos olhos negros e das estranhas tatuagens que surgiram por todo seu braço.
Ela estava assustadora, demoníaca e poderosa. Nunca havia a visto assim.
— Espera, se você é filha de Lúcifer, então... — Não completou a frase, engasgando-se com a conclusão. Elas eram irmãs gêmeas, afinal.
Sara parecia um tanto desconfortável, o silêncio se estendeu um pouco antes que ela falasse.
— Mamon quer que eu assuma porque, quando todos nós derrotamos Lúcifer, seu lugar como regente ficou vago. Ele não vai mais voltar, então precisam que alguém assuma o lugar para que os sete poderes fiquem em harmonia novamente. Tenho afinidade com energia demoníaca, sou poderosa o suficiente para sobreviver às transformações. — Bethany estava muda, olhando para a mesa, para a xícara de café e o pão abandonado. Perdera completamente o apetite ao se dar conta da verdade, da fonte de seus estranhos poderes.
— Quer dizer que eu sou... — sussurrou, franzindo as sobrancelhas e parando por um instante, processando as informações. O ar faltava em seus pulmões, o coração pulava alto em seu peito, desesperado. — Neta de Lúcifer e filha do Cavaleiro da Morte. Uau — completou, a risada seca cortando-lhe a garganta. Não sabia se sentia raiva ou mágoa, mas sabia que queria gritar com todos ali, jogar aquela xícara contra a parede e acusá-los por terem escondido tanta coisa.
Ash tinha razão. Maldito Clube Sobrenatural.
— Beth... — Liam começou, tentando lhe confortar, talvez até se explicar. Não queria ouvir, não conseguia ouvir mais nada depois de todas as revelações.
— Eu quero ir para a escola — disse, ríspida.
— Você não precisa... — Sua mãe também tentou lhe acalmar, mas Bethany levantou-se bruscamente e a cadeira rangiu, a interrompendo.
— Vou me atrasar. — Não deu tempo para nenhum deles falar, foi para o banheiro e se trancou, as mãos e o corpo tremendo. Inspirou fundo três vezes, puxando mais ar e inspirando mais fundo, inflando os pulmões.
Tomou um banho rápido, se arrumou para a escola como se fosse um dia normal. E, como em qualquer dia normal, Sara lhe deu uma carona, mas, naquele dia, ficaram em silêncio durante todo o trajeto. As palavras não ditas pesavam, Bethany achou que fosse sufocar dentro daquele carro.
Foi um alívio ver a estrutura da escola, as típicas paredes de tijolos decorativos e um jardim frontal cheio de arbustos com forma de animais. Uma fonte jorrava água pouco à frente do letreiro que indicava o nome da instituição.
Ao estacionar o carro, sua mãe lhe encarava com preocupação, a face de quem tinha algo a mais pare lhe dizer.
— Beth... Não conte nada ao Noah, por favor. Podemos conversar quando você voltar da aula, ou me ligue se quiser sair antes. — Não respondeu, saiu do carro batendo a porta e não olhou para trás.
« ♡ »
— Nerd! — Assustou-se quando Noah lhe abraçou por trás, ele apareceu quando estava abrindo o armário para pegar os livros da primeira aula. Virou-se para o irmão quando se afastaram, sentindo os lábios formigarem para contar a ele sobre tudo o que descobrira naquela amanhã. — Você está bem! — exclamou o loiro, e aquilo lhe deixou ainda mais confusa. Não entendia o motivo dele estar tão preocupado com um desmaio, mas considerando que nunca desmaiara antes...
— Por que não estaria? — Era um tanto estranho estar no meio de tantas pessoas normais, sentia-se arrancada de toda a anormalidade da própria vida e depois jogada em um lugar totalmente estranho. As pessoas andavam e conversavam ao seu redor sem notar toda a loucura que estava acontecendo dentro e si e em sua família.
— O cara sinistro que apareceu na campina? O negócio de sétima regente e tal? — Noah estava um tanto exasperado, Bethany percebeu que ele provavelmente não sabia sobre o que havia acontecido naquela campina. Nem mesmo ela própria sabia, esquecera-se de perguntar qual seu envolvimento naquilo e por que desmaiara. — Eles te explicaram alguma coisa? O desmaio, pelo menos? — Por um momento, quis lhe contar tudo o que descobrira, mas então lembrou-se do pedido da mãe. Sentia-se tentada a desobedecê-la, mas ainda estava muito confusa sobre tudo aquilo, não importava o quanto se sentia enfurecida por eles terem escondido tanta coisa.
— Não. Papai deu qualquer esculpa médica que não entendi — murmurou, colocando a mochila nas costas. Noah franziu as sobrancelhas, a franja loira quase lhe cobrindo os olhos escuros.
— Mamãe mandou mensagem avisando que você acordou, mas eu não sabia se vinha para a aula — começou, e Bethany virou-se para fechar o armário. Noah pareceu ainda mais perplexo e espantado quando elevou a mão e expôs o pulso. — Quando você fez uma tatuagem? — Bethany franziu as sobrancelhas, sem saber do que ele falava.
— Eu não fiz... — Foi quando notou que Noah olhava para seu pulso, então desviou o olhar para lá e ofegou quando viu uma pequena marca, um emaranhado de linhas escuras que formava um desenho estranho que se convergia.
Definitivamente parecia uma tatuagem.
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