
Elo De Sangue | Capítulo Onze
Se tornara comum encontrar Clarissa na biblioteca. Se acostumara a ver o emaranhado de cabelos loiros presos em um coque alto e desajeitado, a loira perdida no meio de pilhas e pilhas de livros que formavam uma muralha e a cercavam como um castelo.
Na maioria das vezes, Lena só conseguia ver o topo das mechas presas e os cachos loiros descontrolados por cima dos livros, indicando onde ela estava.
Além das pilhas no chão, algumas flutuavam no ar como se sustentadas por prateleiras invisíveis, Heathcliff dormia enrolado em cima de um dos livros suspensos, perto do que parecia uma escada com degraus de livros empilhados.
Lena riu e se aproximou.
— Você devia fazer uma pausa — disse, fazendo Clarissa se virar. Lena precisou se aproximar e lhe encarar por cima dos livros. Ela estava sentada em posição de lótus, com um livro aberto no meio das pernas.
Sabia que, no início, a loira usava todo esse trabalho como uma válvula de escape. Conheceu uma Clarissa acuada, quieta e melancólica. Uma Clarissa que definitivamente não parecia satisfeita e nem feliz, com raiva do destino e de todos.
E então aconteceu aos poucos. Foi como ver o sol se abrir depois de um dia nublado e Clarissa passou a sorrir mais, parar de se esconder nos livros. Seus olhos brilhavam quando ela falava sobre os livros que estava catalogando, sobre todas as pesquisas e textos inexplorados.
Levara tempo, mas ela finalmente começava a se adaptar depois de achar um lugar ali.
— Provavelmente — disse, rindo enquanto se levantava. Avançou com cuidado, evitando os livros espalhados pelo chão ao movimentar-se lentamente pelo pequeno labirinto. Pegou Heathcliff com delicadeza, ele miou e se ajeitou no colo de Clarissa quando ela o tirou da pilha de livros flutuantes.
Colocou o gato no chão e fez um gesto com a mão. No mesmo momento, as pilhas suspensas no ar abaixaram-se lentamente e Lena pôde ver melhor as enormes estantes se erguendo como túneis, engolindo-as.
Quando todos os livros já estavam no chão, Lena ofereceu a mão para a loira, que a aceitou com um sorriso. Com cuidado, ela saltou a pilha de livros em sua frente sem derrubá-las, Lena a ajudou a se equilibrar no outro lado, colocando a mão ao redor de sua cintura para mantê-la de pé.
Clarissa riu, mechas encaracoladas escapando do emaranhado de cabelos presos e os olhos se iluminando. Lena a puxou para si, hipnotizada com o brilho ofuscante que lhe rodeava e encostando seus lábios nos dela.
Era engraçado o quão rápido passara a conhecer cada toque, som e gesto de Clarissa. Conhecia o movimento de seus lábios, sua risada baixa, o ritmo de seus dedos contra a sua pele enquanto estavam ali e a envolvia pela cintura, Clarissa lhe puxava para si e lhe beijava.
— Vem comigo — sussurrou contra os lábios dela.
— Para aonde? — Não lhe respondeu, já puxava Clarissa pela mão e lhe guiava pelo labirinto de livros. Sempre se sentia uma criança no meio da biblioteca, tão pequena e impotente contra as grandes estantes impecavelmente organizadas.
— Surpresa — disse, ainda lhe puxando para fora do lugar. A loira não protestou, Lena continuava sentindo os dedos entrelaçados nos seus, as mãos coladas.
Avançando pelos corredores brancos e salões iluminados, finalmente chegaram a duas portas duplas esculpidas em madeira, como quase todas ali. Havia uma trinqueta estampada em seu centro, se ramificando em diversos galhos e entalhes de folhas.
Empurrou-as, revelando um cômodo espaçoso e iluminado. Era arredondado, com estantes cercando todas as paredes e seguindo sua curvatura. Tinha dois andares, o segundo andar era aberto e com lindas estantes de madeira branca, livros organizados meticulosamente com capas de couro e tecido.
As colunas que sustentavam o teto abobadado estavam lotadas de cipó, onde pequenas flores desabrochavam em uma tonalidade de branco resplandecente. Tudo ali era branco e luminoso, de uma delicadeza surpreendente e tão angelical quanto os cachinhos loiros de Clarissa.
— Era um lugar abandonado, falei com o Concílio sobre revitalizar — explicou quando viu os olhos da loira brilharem em chamas roxas de admiração. O lugar tinha o cheiro de livros e o perfume suave das flores que estavam espalhadas em grandes vasos perto da escadaria e entre as mesas de mármore.
Havia sofás com almofadas e um tapete felpudo em um canto, formando um espaço de leitura e descanso, mesas para estudo do outro lado.
— Incrível — murmurou Clarissa, olhando ao redor enquanto Heathcliff se esfregava em suas pernas. Estava realmente impressionada, tentando absorver cada detalhe das flores, dos arabescos dourados que compunham o corrimão da escada, das lamparinas elaboradas entre as estantes brancas.
— Achei que daria um belo salão de reuniões e você meio que precisava de um escritório para trabalhar nos livros e pesquisas, não aguentava mais passar horas te procurando entre as estantes da biblioteca — reclamou, fazendo uma careta. Clarissa riu, aquela mesma risada delicada e sincera que Lena adorava ouvir, porque era sinal de que ela estava bem.
Ela se virou e colocou os braços ao seu redor, puxando-lhe até que estivessem com os corpos colados e lhe beijou. Simples assim. Às vezes, toda essa proximidade lhe amedrontava e queria ser mais cautelosa, com receio de que estivessem indo rápido demais.
Um bom tempo havia se passado depois do retorno de Clarissa, do término dela com Elisa. Ficara ao seu lado, a ajudara a passar por tudo aquilo, mas sabia que ela ainda pensava e desejava Elisa, que alguma parte dela não havia a esquecido.
E Elisa estava distante demais para que pudesse entender o que se passava entre as duas. Distante de Clarissa e de todos os outros, raramente a viam por ali. Lena não sabia se ela estava lhes evitando, se estava ocupada com alguma missão secreta ou se estava magoada por seu relacionamento com Clarissa.
Tentavam ser discretas, mas tinha a impressão de que ela notava algo a mais nos poucos e rápidos momentos em que a viam.
— É perfeito. Obrigada — sussurrou Clarissa, sorrindo de leve enquanto lhe abraçava.
Foi a loira quem lhe puxou pela mão quando se afastaram, seguindo para a mesa quado viu uma pequena pilha de cadernos e um suporte lotado de canetas coloridas e marcadores. O mármore era branco, todos os cadernos tinham uma capa preta que se destacava ali.
Lena lembrava-se de como levara tempo para se acostumar com o fato de nada ali ter uma marca, uma embalagem que indicasse de onde viera. Fossem as canetas, cadernos ou marcadores, eram apenas cores lisas e sem todo aquele apelo para vendas. Não precisavam daquilo, as coisas apareciam magicamente ali.
— Se tem algo que eu gosto mais do que livros, são cadernos em branco — murmurou Clarissa, puxando uma das cadeiras e sorrindo ao se debruçar sobre a mesa, escolhendo uma das canetas. — O que são esses livros? Por que não estão na biblioteca? — perguntou, curiosa enquanto olhava ao redor. Lena se aproximou de uma das estantes curvadas na parede, observando a organização e as lombadas dos livros.
— É uma boa pergunta. Acho que os da biblioteca são teóricos, os daqui parecem ser literários — disse, dando de ombros. Pelos títulos e pela aparência envelhecida, julgava que fossem histórias clássicas e sabia que Clarissa desvendaria todo aquele acervo em pouco tempo. — O que acha? — perguntou, observando as estantes organizadas com volumes desconhecidos. Quando a loira não respondeu, Lena voltou-se para ela. Percebeu que Clarissa escrevia totalmente focada no caderno, concentrada demais para lhe responder. — É sério? Achei que o trabalho com os livros da biblioteca já fosse o bastante — comentou, levantando uma sobrancelha e suprimindo a risada. Ela não levantou o olhar e nem falou nada, continuou escrevendo com uma expressão séria por baixo dos cachos loiros. — Cass? — chamou mais uma vez, se aproximando e passando a mão na frente de seus olhos. Nem isso tirou sua concentração, Lena franziu as sobrancelhas e tentou controlar a preocupação. — Ei — chamou mais baixo, colocando a mão sobre seu ombro. Clarissa ofegou e levantou a face como se tivesse acordado subitamente, um tanto assustada e desnorteada quando largou a caneta.
— O que houve? — murmurou, levantando os olhos arregalados. Lena hesitou um pouco ao responder, olhando para o caderno e suas poucas linhas preenchidas.
— Você estava escrevendo sem parar, como se estivesse em transe — disse, apontando para a folha rabiscada. Clarissa ficou ainda mais surpresa quando viu os escritos, Lena deu a volta na mesa para que pudesse ficar atrás dela e também olhar os versos.
Eram palavras estranhas. Reconheceu o latim, mas as outras frases já se distorciam e algumas estavam escritas em outros alfabetos.
— Não me lembro de ter escrito isso, nem mesmo conheço bem o suficiente esses alfabetos — murmurou, espantada. Ela passava os olhos pela página, analisando linha por linha com o foco que só Clarissa conseguia ter.
— Pode ser seu inconsciente querendo te mandar alguma mensagem. Não é comum, mas às vezes seus poderes podem tomar controle, deixar certos avisos fluírem — disse Lena, tentando esconder a preocupação da voz. Clarissa já tinha muito para lidar, principalmente com o Concílio exigindo saber cada um de seus passos, e aquilo não parecia boa coisa. — Sabe o que diz? — perguntou, colocando as mãos nos ombros dela e inclinando-se para observar a folha com mais atenção. A letra estava garranchada e malfeita, muito diferente das linhas elegantes de Clarissa.
— Pelo que consegui traduzir, está escrito elo de sangue em todas elas. É algum ritual ou algo assim? Já leu algo sobre isso? — perguntou, e Lena negou com a cabeça enquanto as palavras giravam em sua mente e a preocupação contorcia tudo dentro de si. Nunca havia ouvido falar sobre aquilo.
« ♡ »
— Tire suas roupas. É uma ordem — murmurou Clarissa, puxando-lhe contra si ao rolarem na cama. Afundaram entre as almofadas e o lençol, sentiu o copo de Lena pressionando o seu com delicadeza, as mãos dela explorando sua pele, deixando um rastro quente e vibrante por onde passavam.
— Clarissa Byers, eu não conhecia esse lado seu — riu ela, levantando as sobrancelhas quando olhou para a loira. Clarissa sorriu levemente, deixando os cachos se espalharem pelo colchão em uma maré de mechas espiraladas.
— Tenho certeza de que vai gostar — murmurou, puxando-a mais uma vez e a beijando, calando-a enquanto explorava os botões da blusa que Lena usava, uma delicada camisa de seda branca com botões prateados.
Clarissa começou a abri-los um a um, levemente.
— Já estou amando — sussurrou ela, puxando a blusa para trás e se inclinando novamente sobre a loira para beijá-la, deixando os lábios descerem até seu pescoço. Os lábios dela espalhavam uma sensação de frio e calor ao mesmo tempo, um formigar agradável que tomava a camada mais superficial da pele.
Lena insistira para que fizesse uma pausa e descansasse depois do que acontecera naquele salão, então não podia dizer que estava arrependida de ter concordado em irem para seu quarto.
Clarissa puxou a blusa para cima, jogando-a próxima da de Lena, deslizando as mãos pelas costas nuas dela e encontrando o fecho do sutiã, ainda sentindo a pressão de seus lábios em seu pescoço, o corpo dela movendo-se contra o seu.
Encontrou os lábios dela com os seus novamente, movendo-se lentamente e concentrada.
Agora suas mãos focavam-se nos botões da calça de Lena, enquanto ela fazia o mesmo e deslizava a mão pelo cós da sua, tateando sua pele e lhe pressionando, pressionando suas coxas e lhe fazendo gemer levemente.
Em questão de pouco tempo, as calças já não estavam mais ali e algumas almofadas já haviam caído no chão, Clarissa se deixava levar por ela e pelo desejo, querendo mais dela e de sua energia, mais de seus toques e beijos, como se aquilo fosse possível.
Entre os beijos, os olhos fechados e os corpos pressionados, o toque quente com rastros vibrantes, Clarissa sentia-se afundar cada vez mais naquilo. Entre um beijo ou outro, um ofegar e outro, sentiu um leve calafrio e uma imagem se formou no escuro sem que pudesse controlar, quase como uma memória involuntária.
Era uma taça prateada e fina, girando levemente no fundo de suas pálpebras fechadas como uma tatuagem em sua mente. Tentou focar nos toques, na sensação das mãos deslizando por seu corpo, nos beijos e no que estavam prestes a fazer, mas aquela imagem insistia, insistia e insistia.
Continuava fixada na imagem do cálice brilhante e resplandecente, abafando as sensações, inclusive a pressão entre suas pernas e os beijos que lhe deixavam pulsante por mais. Foi quando viu um líquido vermelho refletir luz de dentro do recipiente que soube que algo estava errado com aquela imagem que não se desmanchava.
— Elisa — sussurrou, meio sem pensar, ainda com a imagem do sangue e da taça brilhando em sua mente. Demorou poucos segundos para perceber o erro e abrir os olhos, um tanto apressada.
Era tarde demais, Lena se afastou de maneira rígida e saiu de seus braços, levantando as sobrancelhas em uma mistura de choque e mágoa. Ela desviou o olhar e riu baixinho, seca e sem humor algum.
— Uau. É sério? — A voz quase sussurrada estilhaçou o resto da barreira que lhe impedia de se desesperar, a pressão dentro de si lhe apertando e sufocando. Apesar de toda a urgência e desespero, não sabia como se explicar e Lena pegava a blusa em um dos cantos da cama, vestindo-se com rapidez.
— Lena... — Clarissa tentou falar, um tanto engasgada. Lena já havia se levantado e pego a calça, abotoando-a com as mãos rápidas e mais tensas do que o normal, enquanto as de Clarissa tremiam levemente contra o lençol.
— Só... não, por favor — disse, lhe cortando. Clarissa só conseguiu observar quando ela saiu do quarto e bateu a porta ao passar.
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