XXXVII - Você só precisava pedir
Quando Lilith abriu seus olhos, ela não se lembrava de mim.
Seu corpo estava caído no chão de pedra cinzenta e seus cabelos brancos a cobriam como um cobertor aconchegante Ela não reconhecia os próprios chifres e os tocava com um efervescente sentimento de pânico. Suas mãos desceram aos cabelos e depois tocaram o chão, Lilith tremia, mas não era de frio.
- Essa é a última vez que esse encontro acontecerá - informei.
Estava sentada bem atrás dela e foi só então que notou minha presença. Era um dia apático. Nem calor, nem frio. Nem úmido, nem seco.
- O que aconteceu comigo? - Ela colocou as duas mãos na boca, não lembrava nem mesmo de sua própria voz.
- Eu sou Teodora. Lorenzo não chegou a falar meu nome, mas já falou sobre mim. Eu sou a razão do encontro de vocês. - Lilith estava sentada, encarando meus cabelos como quem enxergou ouro pela primeira vez. - Eu te chamei aqui.
- Aqui onde? - Seu medo estava se tornando enfurecimento. Ela olhou para os lados apenas para ver que água era tudo o que cercava aquela pedra que ocupavamos.
- Lugar nenhum.
Ela começou a se levantar e quase sentou de novo quando sentiu que parte do seu corpo se arrastava no chão, como se fossem seus braços, mas não eram. Entortou-se como uma cobra e segurou a respiração quando notou que tinha asas.
Lilith colocou seus olhos amarelos sobre mim, que permanecia sentada, e finalmente levou a mão para o buraco em suas clavículas. Buscava algo que nem sabia o que, mas soule no instante que ergui o colar em forma de coração.
- Que merda tá acontecendo?
Comecei a me levantar e ela andou para trás depressa, tão rápido a ponto de quase cair caso minha mão não tivesse tido rápida o suficiente para segurá-la. Assisti suas asas pretas se abrindo apenas segundos depois, mas que seriam inúteis já que suas donas não sabia as usar. Não se lembrava.
- Eu morri? - Foi um questionamento válido, mas não verdadeiro. Ela teve medo de morrer ao cair da pedra, Lilith não acreditava que estava morta.
- Não. Você não morreu.
Só então a puxei de volta para a pedra. Seu coração não diminuía o ritmo, estava desgovernado.
- Azazel tentou te matar - contei a ela, com calma e a assisti lembrar do seu encontro com ele em 1979. - Não viaje mais entre as terras, Lilith, não em seu corpo humano. Azazel está te usando.
- Do que você me chamou? - Ela franziu o cenho.
- Eu te chamei pelo seu nome. Lilith.
- Okay, chega dessa merda. Eu preciso voltar, como faço para voltar? - Lilith andava de um canto a outro da pedra, descrente de qualquer palavra que eu dissesse.
- Eu salvei a sua vida. Todas as suas vidas. - Ela me encarou mais uma vez, seu descontentamento era tão grande que eu conseguia ver o fogo queimando dentro de seus olhos.
- Eu não sei quem é você.
- Teodora, já disse.
- Você tá mentindo. Eu não sei como eu sei, mas eu sei. Você tá mentindo.
Não contive o sorriso que meus lábios desejaram soltar. Eu estendi o colar em sua direção.
- Você pode ir, mas saiba que não terá as respostas que desejas vindas de Lorenzo, Lupita ou qualquer outro que não eu. Porque eles não sabem o que eu sei.
Suas sobrancelhas destensionaram pela primeira vez desde que ela acordou. Os olhos ficaram maiores e ela soltou um suspiro trêmulo.
- Antes que Lorenzo fosse ao seu encontro, eu fui capturada e colocada aqui. Para você, isso foi 2031, mas eu irei acordar em 1823 em um deserto do México ao lado de Lorezo para recomeçar o Ciclo da Era.
- O quê?
- Um Ciclo que não tem início ou fim. O espaço deturpado. No momento que você voltar, esse lugar... - Abri meus braços. - Não existirá mais. Minhas memórias e as suas serão reiniciadas.
- Lorenzo está em 2031. É impossível ele acordar com você em qualquer época.
- Dois dias. Faltam dois dias para o Ciclo da Era. São esses os dois segundos que meus olhos se abrirão antes dos dele, como sempre. Mais uma vez tudo irá se repetir. De novo e de novo, até que tudo acaba.
- Você disse que o ciclo não tem fim.
- Se não há existência, não há ciclo. - O rosto dela se tensionou novamente. - Se não destruirmos o Ciclo da Era, ele irá nos destruir.
Lilith fechou os olhos, mas seus pensamentos eram tão embaralhados quando um baralho. Ela perguntou:
- Eu sou a chave do inferno. O que o Lorenzo tem a ver com isso?
- Você já sabe a resposta, Lilith.
- Eloísa. Meu nome é Eloísa.
- O Ciclo é dos dois e é por isso que você não pode voltar.
Lilith estremeceu. Ela olhou de relance o colar em minhas mãos, planejando como tiraría ele de mim e fugiria, tão ingênua quanto achei que seria.
- Não estou te prendendo aqui. Você ainda quer respostas?
Seus olhos dançavam entre mim e o colar.
- Um ser me atingiu com uma lança dourada feita do seu cabelo. - Era impressionante o esforço que ela fazia para não olhar para si mesma naquele corpo que desconhecia. - Ele sabia que não fazer isso não iria destruir o Ciclo da Era. Caso um ser se recuse a fazer o seu papel, o mesmo dia se repetirá eternamente até que o faça. Ele tentou outras vezes. Ele sempre te procura antes e depois de cumprir o seu papel, mas você nunca acredita nele. Desenha os anos em sua parede enquanto conta cada detalhe, mas você ignora e então sua memória é apagada mais uma vez.
- Como assim?
- Héstia é o nome da mulher ruiva que você e Lupita explodiram com uma lança de Diamante. Ela tenta e sempre te encontra naquele prédio para te contar a verdade, mas você nunca confia nela.
- Você está falando que isso aqui já aconteceu antes? - Ela aponta o dedos entre nós duas. Eu confirmo com um gesto.
- Paulo, você lembra dele. Ele sempre te encontra sendo tão humano quanto você. O sentimento de amor adormecido está ali antes mesmo que você perceba. Ele te acalma, é tão conflitante que parece romance, mas é porque as pessoas sempre acham que o amor romântico é sempre o mais intenso quando na verdade o amor de família é o que traz paz. Ele não lembra de quase nada até que você sofre o acidente de carro. Um acidente que por mais inexplicável que fosse, ele sabia que iria acontecer. É o que o faz dirigir por horas guiado por uma intuição até que no meio da noite ele bate em um carro já acidentado. Então ele se lembra, mas já é tarde demais.
Lágrimas amarelas estão molhando suas bochechas e ela tem as duas mãos pressionando seu peitoral.
- Bragu é mais conectada a Lorenzo do que a você e por isso ela encontra os dois quando estão juntos logo após retornarem para a Universidade e antes de aceitarem, mais uma vez, irem com Lupita porque Lorenzo é covarde demais para entender as mensagens subliminares de Bragu quando ela possui o corpo de Tomas.
Os olhos de Lilith se abrem ainda mais. Ter as respostas que tanto queria, infelizmente, nunca é o suficiente para a convencer a ficar, mas ela me escuta atenta.
- Lorenzo disse o seu nome. Ele disse que você deu o colar pra ele. Como você quer que eu acredite que o Ciclo é ruim se você mesma ajudou?
- Se você voltar, minha memória será tão vazia de verdades quanto a sua está agora. Não há alma capaz de quebrar o Ciclo senão a sua, agora.
- Se eu não voltar, fico presa aqui?
A pergunta é válida, mas a resposta não é simples.
- Quione é o motivo principal de sua presença aqui. Ela entra no avião com vocês, sempre na esperança de os encontrarem antes que encontrem Pitt.
- Quem é Quione?
- Ela é sua amiga, mas você nunca lembra dela também.
- Pitt. Eu lembro desse nome, mas ainda não nos encontramos.
- Minha esperança é que não se encontrem em breve porque ele é a peça mais fundamental do ciclo. Um Ciclo que é, na verdade, uma maldição. Uma sentença perpétua de caos.
O dia estava se tornando noite e o meu tempo, acabando.
- Teodora, você disse que me daria as respostas. O que acontece se eu ficar aqui?
- Eu não sei. Você nunca ficou.
Ela abaixa a cabeça, fecha os olhos mais uma vez.
- Então é sorte?
- El... Oi. - Nenhum de nós duas disse aquilo. Era uma voz masculina alta que vinha do céu. Lilith olhou para cima e o grande ponto de interrogação em sua testa quando me olhou novamente me fez suspirar.
- Precisa decidir. Precisa decidir agora.
- Como ele tá falando comigo se eu não estou lá? - A voz era amarga e penosa.
- Porque eu estou lá.
- Ele pensa que você sou eu? - Apontava para si mesma quando chegou mais perto de mim. - O que você vai fazer? O que acontece se eu não voltar?
- Eu não vou fechar o Ciclo e se encerra. É isso.
- Mas eu nunca vou voltar pro meu corpo? Nunca mais vou ver o Lorenzo?
- O Triângulo da Morte vai se fechar ao invés do Ciclo da Era e as almas gêmeas não irão mais existir. Você e ele...
- Somos almas gêmeas. Nós somos almas gêmeas.
- Precisa me escutar - disse mais alto, mas o barulho dentro da cabeça dela era mais potente que a minha voz. - Lilith!
- Eu tenho que voltar - sussurrou. - Eu tenho que voltar, me dá o colar. - Lilith me tocou de maneira proposital pela primeira vez. - Seth... - Seus olhos brilharam em um amarelo mais intenso, mas isso sumiu um segundo depois. - Preciso voltar - disse isso como se o momento anterior nunca tivesse acontecido.
- Não vai se lembrar de mim e nada do que te contei quando você acordar - relembrei, ela parou. - E tudo vai acontecer de novo.
Ela parou e me encarou nos olhos. Sua expressão era quase infantil de tanta confusão.
- Eu não me importo - proferiu as palavras que mais temia. - Preciso voltar.
- Por favor não volte.
Meu joelhos tocaram o chão no instante seguinte. Minhas mãos tocaram seus pés e minha cabeça também.
- Eu imploro que você não volte.
Eu conseguia sentir o peso de um elefante possuindo o coração dela. Em todos os nossos encontros, eu tentei maneiras diferentes para tentar convencê-la, mas estou exausta. Sinto o fim de todas as coisas da mesma forma que sinto o vento de uma tempestade chegando. Foi a primeira vez, em milhões de anos, que pedi algo a Lilith. E, dentro de seu coração, ela lembra que eu realizei algo grandioso que ela me pediu em um momento de desespero. Um pedido que foi realizado dessa mesma maneira aos pés de Seth "Eu imploro que me deixe encontrar Caim".
Ela se agachou e me tirou de seus pés. Lilith chorava a ponto de soluçar. Ela segurou minhas duas mãos e disse:
- Caim nunca precisou escolher entre nós duas, assim como eu nunca precisei escolher entre meu irmão e meu amor. Sempre existiu espaço para todos.
- Como você...
Lilith tocou os chifres que por milhões de anos não tive em minha cabeça e eles não eram físico. Eram um quase holograma, frutos da energia dela, e seu poder percorreu cada um dos seus ossos.
- Nós, eu e Caim, somos marcados pelos amor de Seth, mas você não é Seth. - Ela alisou minhas bochechas com as duas mãos. - Eu vou voltar, Teodora, mas prometo, com todo o meu poder, que será a última vez.
- Mas não vai se lembrar... Não vai se lembrar de mim ou de quem você é. Não se lembrará da sua família e nem da sua casa.
- Lilith nunca esqueceria um desejo de Seth. - Ela sorriu. - Nos encontramos tantas vezes, mas parece que nunca entendeu... Nunca fui eu aquela com a escolha de quebrar o Ciclo, essa sempre foi e será você, porque foi Seth quem o começou. Você só precisava pedir.
Ela fechou os olhos.
- Enzo... Tira ela de dentro de mim.
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