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XXVIV. CORVOS BRANCOS

— E por isso quase essa terra deixou de existir.

Paulo está sentado ao lado do destruído Lorenzo, que encara o nada enquanto escuta o ocorrido neste dia tão complexo para ele. O céu está limpo e sem estrelas e ambos estão em seus corpos espirituais.

— É absurdo pensar que, dentre tudo que descobri hoje, o que acaba de me falar é o menos assustador — sussurra o de cabelos castanhos e escuros caindo nos ombros.

Os chifres de Lorenzo agora estão em sua metade, em um preto profundo e sem marcação alguma, com seis centímetros. Em seus olhos brancos, agora nota-se pequenos lapsos alaranjados e avermelhado á medida que seus cílios batem no rosto. Ele suspira e olha diretamente para o loiro, de chifres amarelos e enormes, que se curvam para o meio em suas pontas. Dos olhos amarelos de Paulo, Lorenzo enxerga compaixão e mesmo assim não se sente merecedor desta.

— Eu só consigo pensar no Isaac e no quanto ele deve estar sofrendo nesse lugar estranho — comenta com de olhos amarelos. — Caos. Foi assim que você chamou? — Paulo assenti. — Tudo isso é culpa minha — engole em seco e encara o céu mais uma vez. — E não sei como concertar.

Sorri de maneira desacreditada ao ver mais uma vez os animais brancos sobrevoando o céu escuro.

— Os corvos brancos são seus — deduz, e depois encara os próprios pés, afundando-se na grama verde e morta ao seu redor, fruto de sua dor. — Eloísa falou como se todos nós tivéssemos corvos, mas não é verdade, não é? Eles só seguem vocês dois — deduz. — Cara e corou da moeda da... Existência? — Paulo assente e ele continua. — De forma prática, você nem existe?

— Exatamente. Eu estou sempre com ela. Eloísa. Como um animal, uma planta ou o simples ar que ela respira. Como seu irmão, Caim. Eu estava lá quando você a convenceu a matar Seth. Eu estava lá quando a primeira lança de ouro foi criada e quando você enfiou uma lança de diamante em Lilith — sussurra Paulo e toca o ombro esquerdo de Lorenzo com sua mão direita, o outro está assentindo. — Você lembra, isso é bom.

— Não tenho tanta certeza de que lembrar é bom. Antes me sentia confuso e agora... — Engole em seco. — Agora sinto um culpa que me impossibilita de levantar daqui desde que me sentei. Desde que levei Rebeca até vocês e fugi, estou na mesma posição. Como você não me odeia?

— Pelo menos agora sabe toda a verdade que sabemos — consola Paulo. — Estamos todos no mesmo patamar para ajudar. Sabe, Lorenzo, eu sou o lado bom da moeda e te garanto que não tem nada de bem de fato em estar aqui. Porque em apena um erro nosso, como o de Seth, e tudo pode virar pó. Estamos sempre na beira do abismo, o observando de cima e sem cordas de proteção. O perigo de cair é constante e terrível.

Lorenzo o encara e nota que todas as palavras tidas são carregadas de verdade e suavidade. Paulo olha para o céu, suspira alto e fala:

— Pelo menos você a tem — sussurra. — A Eloísa — olha para Lorenzo. — Pelo menos ela está do seu lado, uma alma gêmea dedicada como ela, mesmo com tudo contra vocês, é uma benção.

— Quem é sua alma gêmea? — Ousa perguntar e Paulo sorri, balança a cabeça negativamente. — O que?

— Eu não tenho uma — revela. — Eu sei, pra você todo mundo tem uma alma gêmea. De forma indireta eu também, claro, mas tudo aconteceu antes da gente se conhecer. Sabe... — Ainda estão se olhando, o moreno aguarda respostas mais esclarecedoras. — No Inferno... Novos seres são criados de maneira constante. Não encontrei a minha ainda.

— Calma... O que? — Sua voz se afina.

— O universo material tem o mesmo peso desde que foi criado. Por isso, seria impossível essa visão de passado, presente e futuro de fato existir. Escuta — suspira e se ajeita melhor no chão, cruzando as pernas cobertas por calças brancas. — Se uma pessoa fosse capaz de viajar no tempo, existiria uma versão dela de passado e futuro, logo duas dela, e logo mais peso do realmente existe. — Está rindo do rosto confuso de Lorenzo. — São sempre 144 expansões de uma mônoda e fim. Os seres humanos viajam entre as terras e até para a lua, mas são sempre 144. O que Seth fez, quando se quebrou, foi criar uma nova terra. Ela está presa lá, e aquele lugar é uma aberração. Porque com nossas versões naquele lugar... São agora 145 ramificações. Nós, como seres completos, temos nossas 144 dentro da gente, logo estando na terra tudo é equilíbrio, ou quando estamos no Inferno as liberamos para que isso seja mantido, mas então Teodora está vivendo em uma terrar ímpar que ameaça tudo. Material e espiritual. Das mais diversas formas, mônodas novas estão sempre chegando e as almas gêmeas precisam se olhar diretamente para que se encontrem. Era mais complicado achar a minha, pensando que estava sempre ao lado de Eloísa.

— Eu me lembro — responde Lorenzo. — Agora me lembro de Seth. Mesmo que seu corpo espiritual seja como o da Teodora, eu sei que não é só ela. Que era completa. Quase posso tocá-la — fecha os olhos, apalpa o nada.

— Por isso é o único com autorização para matar as expansões dela — complementa Paulo. — Você sabe o que precisa fazer, Lorenzo, só não tem coragem. O ponto, meu irmão, é que agora não é mais questão de coragem ou não. Se não começar a viajar pelas terras novamente, vamos todos habitar o Caos ao lado de Isaac.

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