XVII. Estrelas do Triângulo
1911, FRANÇA
Chegou em Paris há quatro anos, logo depois do casamento de Louis, o rapaz por quem tem apreço como se fosse um filho. Sente tanta falta dos olhos grandes e serenos daquele que criou que chega a doer. Ter uma vida guiada por despedidas é uma das piores coisas da imortalidade.
Teodora saiu do País de Gales após a morte repentina de Melitta e Ethan, vítimas de tuberculose em 1896. Perder a companheira foi tão duro quanto achou que seria e ainda pensa nela todos os dias. Em tudo o que viveram e o que poderiam ter vivido. O sentimento das duas nunca ruiu e só as afastou como irmãs. Ficou cada vez mais difícil escondê-lo ao ponto de Teodora sair da casa de Litta, contra a sua vontade, e usufruir de uma solidão imprestável. Elas já não se falavam muito quando Melitta pediu que a chamassem e, em prece, implorou que a mulher de cabelos vermelhos olhasse por seu filho, de apenas dez anos na época. Foi dessa forma que Louis acabou sob seus cuidados.
Ela então partiu para a Inglaterra com o jovenzinho astuto de bochechas rosadas, cabelos castanhos e olhos doces como os da mãe. Lá viveu sem trabalhar, apenas com as heranças, de maneira simples e calma, até que Louis se engraçasse com Niamh, uma irlandesa de cabelo laranja e dentes tortos, com quem se casou aos vinte e dois anos. Foi então que se viu só em uma grande mansão de muitos quartos e rodeadas de vizinhos fofoqueiros que se perguntava quem era a bela e sombria senhorita solteirona, e especulavam sobre seus defeitos para que nunca tivesse se casado. Alguns a chamavam de vampira, por seus cabelos, outros acreditava que Teodora era uma princesa distante que fugira do casamento. No fim, nenhum deles foi capaz de acertar que aquela era uma renascida do inferno. Visitou o tumulo de Isaac até seu último dia na Inglaterra, sentia em seu coração que devia isso a ele. No fundo, tinha pleno conhecimento de que a loucura que assolou o jovem antes doce e gentil, que viria a se tornar um assassino, foi fruto da magia que usou com o colar que ainda está em seu pescoço. Azazel tinha avisado, mas o medo dela foi tamanho que ignorou e condenou alguém que amava. Quase nada é tão maior que sua culpa desde então. Já não usa mais preto desde o Natal de 1888, exceto para velórios ou quando ia ao túmulo de Isaac, mas de certa forma sente falta. Por dentro, ainda está de luto e sabe que ele não irá abandoná-la.
Um demônio, no entanto, nunca a deixou em paz. Desde que se conheceram, em 1875, Pitt faz visitas em um intervalo de tempo de doze anos. Ela, de maneira que se surpreende, gosta de quando ele aparece. Trás sempre notícias de Lorenzo e foi dessa forma que ela soube da Americana com quem ele se casou e não falou sobre no último encontro. Teodora quer sempre mais. Tudo que Pitt fala sobre Enzo nunca é o suficiente. A saudade é latente e não morre.
Agora está sentada em um bar mal frequentado em Aubazine, uma comuna francesa. Está com uma taça cheia em mãos e envolta pela bela voz que atinge seus ouvidos. Ao contrário do ocorrido no México, aqui está por espontânea vontade. Um chapéu azul, que tem tecido suficiente para cobrir pelo menos três cabeças como a dela, está bem ajeitado, deixando que parte da frente de seu vermelho cabelo fique à mostra, combinando com a cor dos seus lábios. O vestido se ajeita quando Teodora se coloca de pé, com pouquíssimos babados brancos apenas na região dos ombros cobertos, o tecido azul marinho encosta em suas pernas e se escorre até os pés, é muito bem cintado e de mangas longas.
Quando nota que a mulher de cabelos acima das orelhas e vestido semelhante ao seu, mas amarelo, está vindo em sua direção, prepara-se para subir no palco. Retira o chapéu e espalha os longos e ondulados cabelos no meio das costas e sobre os ombros. Neste instante, a dona de gordas bochechas e olhos verdes a alcança.
— Eles estão pagando bem hoje — sorridente, com dentes pequenos como os de uma criança e sobrancelhas grossas que quase se juntam, a mulher de cabelos pretos passa a mão em seu ombro em sinal de sorte. — Vai cantar apenas duas, certo?
Teodora e Coco se conheceram um ano antes, nesse mesmo bar. A fugitiva descobriu a existência do local graças a um dos homens que a cortejavam, antes se contentava em cantar em cabines privadas para aqueles de muito dinheiro, mas atualmente vai ao bar três vezes por semana e ganha o suficiente para viver confortável com a amiga em um lugar perto daqui.
A relação delas foi algo inevitável. Coco parecia mais com Teodora do que ela mesma, chegava a ser muito estranho às vezes. Quando a escutou cantar, o encantamento foi tanto que Teodora precisou procurá-la depois que saíram do bar. O sentimento havia sido mútuo e elas começaram a se revezar e cantarem juntas às vezes, aumentando o público do decadente lugar em mais de duzentos porcento em um mês. São estrelas por aqui.
A fugitiva não sorri em direção à mulher mais baixa e Coco sabe exatamente o porquê.
Há alguns meses, um dos oficiais para quem cantam a convidou Coco para viver com ele e a francesa aceitou. Já estavam apaixonados há um tempo e isso era esperado, mas gerou o total desagrado da mulher de cabelos vermelhos. Coco sabe todos os mais sombrios segredos da amiga e tem muito medo de vê-la se afundar na tristeza que reconheceu no instante que trocaram suas primeiras palavras. Teodora foi convidada para ir junto para o castelo e, mesmo fervendo de raiva e se sentindo abandonada a ponto de se recusar a trocar qualquer sílaba com a outra por duas semanas inteira, foi.
A mulher de vestido azul sai andando em direção ao palco onde pretende cantar, o único local realmente iluminado, e se põe de frente aos mais de quarenta homens fardados e ansiosos para apreciar seu talento. Ela gostar de estar aqui, mas não com o tremendo medo que está sentindo.
Coco, Teodora e o oficial foram morar em um castelo de altos padrões há seis meses. Nathaniel as introduziu à burguesia francesa e ao seu concorrente, pelo qual seria trocado em pouco tempo. Foi assim. É isso que irrita Teodora, mesmo que ame Coco. A francesa tem uma mania de trocar as pessoas como se estivesse em um jogo e Teodora repudia isso porque o desejo que mais dura em seu peito é aquele de poder viver com seu melhor amigo e vê-lo sempre, mas Coco desperdiça seu privilégio.
Ama Coco, sabe disso, e adora todos os momentos que compartilharam nos últimos três anos. Depois de Lorenzo, ela foi a primeira grande amiga, e só amiga, que conseguiu ter. Bebiam, riam e cantavam juntas. Ela se sente um pouco mais completa ao lado de Coco, como se já se conhecessem há séculos. Essa é a pior parte. Despedidas estão por vir e dessa vez vai doer pra caramba.
O oficial foi trocado por Josh Charles, um astrônomo que havia acabado de conseguir seu doutorado e seria professor de Harvard, e estava apenas de férias no país em questão, há um mês. Voltará para casa em dois meses, mas Teo sabe que a amiga irá trocá-lo por algum outro homem mais interessante antes disso, mesmo que ele abandone tudo pela morena.
Josh a atormenta.
Não necessariamente por ser o novo namorado de Coco, mas porque não para de falar sobre um assunto específico que a enlouquece. O americano é um especialista na galáxia do triângulo. Por destino ou acaso, o homem de trinta e quatro anos, cabelos e cílios extremamente loiros e que age como uma chaminé fumando tabaco, tem respostas para algo sobre o que Teodora quer, mas não pode perguntar. Azazel deixou claro que ela estava proibida de fazer isso e não existia espírito rebelde e livre que fosse maior do que sua vontade de permanecer abaixo das asas dele, protegia dos demônios que poderiam mandá-la de volta para o inferno.
O que Coco ainda não sabe, e é o real motivo da face crua da fugitiva, é que Josh revelou a ela, sem querer, uma coisa amedrontadora.
Eles não viviam juntos, Coco e Teodora vivem só entre as duas novamente, mas o homem branco a procurou horas atrás, com um pedaço de livro em mãos e uma face espantada. Na folha velha, a imagem do colar que ela carrega no pescoço estava estampada. Ele foi até lá discutir a relíquia sob posse a mulher, já que era associado a mitologias do triângulo da morte. A mulher só escutou, não seria sua culpa saber de nada já que não havia perguntado. Só que, quando Josh explicou que a peça era ligada a Lilith, a renegada de Deus, Teodora teve uma sensação de já saber disso. Algo muito forte lhe apareceu, como se aquilo fosse real e não parte de uma teoria. O homem contava sorridente, inspirado pelo vínculo daquelas informações, e disse:
— É uma história antiga, entre Lilith e Caim, as pessoas não são criativas? — Apontou para o colar dela. — Aqui falam que existem duas peças que conectam os dois — sorriu mais uma vez. — Colocam eles aqui como as primeiras almas gêmeas e, presta atenção Teodora, diz que há uma energia de ligação que se renova a cada cinquenta e dois anos. Sabe quando isso acontece? — Ela permaneceu calada, imóvel, assustada, e Josh nem pareceu notar. — Na reunião das estrelas do triângulo. Deus, eu deveria escrever um livro sobre isso. É tanta mistura sem noção uma teoria.
Ela se sentou para não cair. Tinha certeza de já havia escutado aquilo antes, mas nunca tinham lhe contado. Sabia não ser culpa de Josh, mas a assustava com tamanha intensidade que ficou difícil olhar para o homem.
Encontrou Coco já no bar, pronta para cantar, e não teve coragem para compartilhar algo sobre o que não tinha certezas, apenas sentimentos incontroláveis. Guardou para si, mas a verdade é que, depois de terminar suas músicas, não pretende voltar para casa com a amiga. Está tão triste e confusa, quer tanto encontrar Lorenzo e lhe contar a parte que escondeu daquela história. Teodora, decepcionada, só pensa em fugir. Sabe onde Louis vive na Irlanda e acha que o melhor seria ir para lá, ficar junto dele.
Sua voz está saindo, mas seu espírito não está na canção. Ela está em um plano de desespero intenso antes de notar um rosto conhecido na plateia. Pitt está aqui, sorrindo e aplaudindo aquela que acaba de cantar e segue o corpo trêmulo de Teodora até a parte de fora. Ela respira o ar com força, apoia-se na porta que Pitt acaba de fechar e encara o rapaz que está a poucos centímetros dela. O demônio alisa seu rosto gelado.
— Eu não perguntei nada — sussurra, entalada de ansiedade. — Juro que não perguntei nada. Fala para o Azazel que não quis saber.
Pitt a encara calado, calmo e sorri sem mostrar os dentes, enquanto ainda alisa seu rosto com as pontas dos dedos. Ele também está encostado de forma lateral na porta preta que os levou para fora do bar, para a rua gélida da comuna.
— Não estou aqui por isso, Teo — fala Pitt, e desencosta.
Ela repete seu movimento, ainda se tremendo. O demônio está de costas para ela e, quando se vira, Teodora da um passo para trás em um susto.
— Você foi contra Azazel — fala ele, de maneira firme, e olha para os lados da rua escura e degradante. Depois a encara. — Os demônios podem te achar no momento que ele desejar, deveria ter mais medo.
Ela balança a cabeça e sinal positivo com velocidade e sem perguntar, agradecida. Pitt volta os passos que deu outrora e olha o semblante de pavor da fugitiva mais de perto.
— Da próxima vez que falarem do triângulo da morte com você, tape os ouvidos — aconselha e ela suspira com pesar.
Pitt então a abraça, de forma que Teodora não entende no início, mas está assustada o suficiente para não recusar. Quando o demônio de olhos amarelos se afasta, diz:
— Lorenzo mandou — e, em um piscar de olhos de Teodora, desaparece na noite.
Teodora aperta seus braços um no outro, os esfrega em busca de calor e olha Coco vindo em sua direção pela pequena janela de vidro da porta. Quer se desculpar, contar a verdade, mas sabe que será mais doloroso. Por esse motivo, sai andando antes que a amiga a encontre. Sabe que Coco irá se preocupar e repensa com seriedade suas escolhas ao se apegar tanto em humanos. E esse gelado na barriga, o enjoo provocado pelo medo, é algo rotineiro para Teodora, mas ela odeia que seja também para as pessoas que se importam consigo.
Eu preciso de você. É só no que pensa, mentalizando Lorenzo, mas não sabe quando terá uma nova chance de encontrá-lo e muito menos como irá suportar esconder as descobertas recentes do melhor amigo. Teodora então cogita que de fato é muito egoísta em não falar. Sente-se ainda mais triste ao se encostar em uma das paredes que largam terra das ruas francesas. O frio a ataca como um animal faminto e ela quer chorar. Respira com rapidez, seu nariz está avermelhado e os pelos arrepiados. Teodora então enxerga, como um vulto, mas muito familiar, e agora se considera puramente insana.
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