XI. A Parte Mais Sombria
Isaac Lewis tinha muitas qualidades, mas saber conviver com o luto de alguém não era uma dela. Era possível notar em seus olhos o quanto estava desconfortável ao lado da garota, que assim como todas as mulheres ali presentes, vestia preto. Essa cor a deixava sua pele quase mais pálida que o morto deitado em sua cama eterna. Teodora se manteve calada durante todo o velório, apenas encarava Emily, desejando consolá-la, mas a jovem estava sempre cercada por seus parentes nos dias que se passaram. No fundo queria que o matrimônio fosse ser adiado, mas de fato era melhor para a outra que ele acontecesse ainda mais breve, para que conseguisse se manter em um local caro e perigoso como essa cidade.
Está calada, como de costume, e sozinha no quarto do qual ficará ainda por uma semana, para o casamento. Olha contra o sol o colar de prata brilhante que simula um coração real e as partes azuis que simulam veias brilha ainda mais. Seu rosto está descoberto, mas o véu preto cai sobre suas costas enquanto ela toma um duradouro suspiro.
— Pode entrar — fala Teodora quando escuta as três batidas seguidas na porta de madeira escura, mas não se preocupa em olhar para trás quando entram. Ela sabe quem é.
Há três dias, observando Isaac perdido sobre o que deveria fazer, ela decidiu conversar com ele sobre algo mais que pudesse ocupar a cabeça do jovem galês. Ninguém que ela tem contato poderia ter mais informação sobre aquilo do que ele, mas a mulher ainda se precaveu. Quis perguntar sobre o ciclo da era de imediato, como se por algum milagre ele fosse capaz de saber do que ela falava, mas conteve-se em, cuidadosamente, perguntar se Isaac já havia escutado algo sobre o triângulo da morte. Eles estavam no jardim quando ela lhe perguntou isso e o homem, quase instintivamente, olhou para cima. O entusiasta da astronomia a olhou surpreso e liberou um ralo sorriso dentre seus lábios.
— A galáxia do triângulo — falou Isaac. Eles não se tocavam, apenas andavam lado a lado naquele frio assustador enquanto soltavam fumaça pela boca. — Ela é conhecida como triângulo da morte. Está passando muito tempo na biblioteca, não é? — Perguntou, ainda a olhando. — Já leu sobre ela?
Teodora ficou afoita naquele instante. Não parou para pensar em uma galáxia quando buscou por livros do tema na imensa biblioteca da casa de Emily. E, mesmo tendo passado quase oito dias inteiros buscando, não havia encontrado nada quando cogitou pedir ajuda a ele.
— William tem um acervo de coisas sobre ela — continuou Isaac. — Achou algum deles? — A mulher assentiu. — Eu tenho um ótimo para te recomendar. Ela parece incrível, quando comprar um telescópio podemos vê-la de verdade.
A mulher ao seu lado permanecia calada, pensando, na verdade ansiosa demais para falar qualquer coisa. Olhava para frente como se no fim do caminho pudesse haver alguma explicação.
— Na verdade eu só ouvi falar, achei interessante — falou ela. — Qual livro você me recomenda? — finalmente sua voz entalada saiu, Isaac pousou a mão sobre seu ombro.
— Acabou vindo para o melhor lugar para essas pesquisas, Teodora. William era um homem fissurado pelo que há além de nós, acredito que vai encontrar exatamente o que está procurando e, se quiser, pode ficar até depois do casamento para estudar mais e...
Isaac se calou quando recebeu um olhar de reprovação de Teo. Ela estava com as sobrancelhas levantadas e respirou fundo o encarando, sem véu. O homem olhou para os lados, sem graça, e coçou a garganta antes de falar:
— Pode pelo menos fingir que está feliz por mim? — Em pedido, ele parou de andar e ela fez o mesmo, alguns centímetros à frente. Não queria olhá-lo, mas via-se forçada a isso.
— Estou feliz por você — declarou, virando-se para ele. — Não estou feliz por mim, Isaac. E esse casamento foi rápido demais, me preocupo com o que pode dar errado com algo feito com tanta pressa. Por que me olha assim? Isaac, já está claro que aprovo e incentivo seu casamento, mas não pode me pedir que fique contemplada por ele — engole em seco. — Nada me deixa menos contemplada do que te ver se casando com outra mulher, então não me peça para ser uma boa irmã e ficar mais um pouco aqui depois do casamento. Nem sei como vou sobreviver ao evento.
— Então por que sempre diz as coisas pela metade? — Caminhou até ficar diante dela. — Eu te pedi em casamento por mais vezes do que sou capaz de contar, como pode ser tão egoísta em não ficar contemplada com esse casamento, se é o que sabia que iria acontecer cedo ou tarde? Por Deus, Teo, eu me caso em três dias, não pode começar a me falar essas coisas agora de novo.
— Não começarei — sussurrou, contendo as lágrimas no fundo dos olhos. — Mas, Isaac, — conteve a voz impaciente. — Você não me conhece o suficiente para me chamar de egoísta e muito menos para ter sido, um dia, verdadeiramente apaixonado por mim. — O homem deu um passo para trás, surpreso e atingido como era a intenção dela. — Não gosto quando fala comigo como se eu fosse a pior das mulheres, não tenho histeria, só não que não estou completamente feliz com um casamento.
Ela começou a andar de volta para a casa, afundando-se em seus próprios pecados nunca revelados, desejando ir para casa e nunca mais ter uma conversa dessas com o homem novamente, mas escuta os passos apressados atrás dela.
— Por que você conheceu William? — Perguntou em bom tom o homem atrás.
Teodora não parou, uma lágrima rolou de seu olho direito e ela permaneceu sua caminhada firme, mesmo que suas pernas quisessem ceder. Isaac sabia de algo. Ele continuou:
— Eu te levo o livro sobre o triângulo da morte, Teo, mas precisamos ter uma conversa. Como adultos — foi a última coisa que ouviu dele.
E então, foi para o seu quarto. Chorou com amargura até que ficasse tonta e Melitta, aflita, fosse pegar um chá para acalmar a irmã de um mal que, mesmo que Teodora não tivesse contado em alto tom, reconhecia. A última vez que a tinha visto daquela forma foi quando souberam de seu caso com Isaac e desde então a morena pediu a Deus que nunca mais se repetisse, mas reconhecia o quão árduo deveria ser para a mulher de cabelos vermelhos acompanhar as preparações para um casamento com seu irmão mais velho. Depois que Litta saiu, ela ficou estática encarando a janela, deitada na cama, triste demais para se levantar e derrotada o suficiente para não mover um dedo. Isso mudou quando uma sombra anormal se fez no quarto. Assustada, Teodora se sentou limpando as lágrimas no mesmo minuto que Azazel apareceu para ela, entrado pela janela, sem guardar suas asas enquanto caminhava até sua cama.
Ela pegou o colar guardado abaixo do travesseiro e estendeu para ele sem dizer uma só palavra, o homem sorriu em sua direção. Seus neurônios queriam explodir, mas a dor não foi tão intensa quanto da primeira vez. O tom de sua pele parecia ainda mais escuro conforme Azazel deixava o local onde o sol batia e se aproximava dela. Tomou o colar em mãos e o encarou com uma genuína aprovação.
— Está perto, Teo — sussurrou, olhando novamente para ela. — Mas ainda busca distrações. — Todo o corpo dela parecia duro feito um diamante. — O triângulo da morte é uma perdição. Sei que busca entender as coisas, mas perde o tempo precioso. Assim como sofrer dessa forma — jogou o colar sobre ela e a mulher o apertou entre os dedos brancos. O ser colocou suas duas mãos na cama e as asas brancas tocavam a madeira de seus ornamentos. — Não quero precisar te ver antes 1927, entendeu? — Ela assentiu com velocidade, assustada demais para falar. — É para o seu bem, Seth — sussurrou.
Mais uma vez a chamaram por um nome que não reconhecia. Finalmente Azazel se afastou e deu as costas para ela, mas logo lembrou-se de algo.
— Outra coisa, querida — olhou para trás. — O amor é uma fraqueza, não seja fraca.
— Espera, por favor — implorou, juntando os últimos rastros de sua coragem perdida. — Por que Enzo não pode saber do colar? — Ele já parecia esperar por sua pergunta. — Por que você e Lupita me chamam de Seth? — Azazel tampouco ficou surpreso com aquela outra.
— Ele ainda não pode saber — falou, virando-se novamente para ela, mas já abaixo do sol. — Mas vai saber um dia, quando precisar fazer sua parte e você o ajudará de forma indireta — explicou, mas ela ainda não entendia. — E te chamamos de Seth porque não existe outra forma de chamar. Quando isso acabar, vai me agradecer — finalizou.
— O que é Exca...
— Não diga — interrompeu em bom tom. — Não com o colar em mãos — olhou para a mão dela. — Essa palavra vem do latim, usa-se para fazer os outros esquecerem de algumas coisas — disse pausadamente. — Mas, é perigosa. Dependendo de em qual ser você a usa, pode desequilibrá-lo completamente. Ela mexe com as cabeças, as cofunde, e traz o pior que há — tomou um suspiro. — Não a use, a não ser que tenha certeza de que o ser em questão não possui algo ruim o suficiente para ocupar sua cabeça fraca.
— Só precisa estar segurando o colar? — Perguntou, lembrando do quanto aquilo poderia ser crucial nos próximos minutos. — Azazel... O quão ruim?
— Muito ruim. — Sua voz era clara, sem dúvidas. Ela sabia que ele tinha respostas para todas as suas perguntas, só não respondia. — Essa energia não é sua, Teo, ela é de outra alma poderosa. Ela ainda não está entre nós, mas será essencial para o fechamento do ciclo. Usar esse poder irá atrair a parte mais sombria desse ser e, ao mesmo tempo, o condenar a algo terrível. Não te direi para não usar, pois vejo em seus olhos que irá, mas aceite as aceite as consequências quando elas vierem. E, acredite em mim quando digo que virão.
Azazel saiu voando pelo mesmo local que entrou, e deixou-a sozinha encarando o colar entre seus dedos.
Recompôs-se após alguns minutos, bebeu o chá levado por Melitta e pediu que a irmã a deixasse mais um tempo sozinha, o necessário para que Isaac fosse deixar o livro para ela. De início Litta quis recusar, mas a outra insistiu e a mulher bufou antes de deixar o cômodo. Concentrou-se em encarar a peça gloriosa em mão até agora, quando o homem acaba de entrar.
— Mentiu para mim e para toda a minha família — fala ele, com a voz entalada. — Eu encontrei isso — caminha até a mulher que nem ao menos o olhava e estende a pintura de 1863, onde ela estava em uma ao lado de William, com um vestido claro demais, mas o resto inigualável. — Dentro de um dos livros que ele não deixava ninguém tocar antes de sua morte. É você, não é? Quem é você, afinal?
— Esqueça isso, Isaac — pede, abaixando o colar. — Meu passado é turbulento, você não quer entrar nesse mar — vira-se para ele. Está séria e triste. Seu coração bate forte dentro do peito.
— Doze anos e você não mudou nada, é como se a pele tivesse adormecido — tenta tocá-la e ela o recusa. — Não via com tanta clareza, mas agora... Isso é impossível — a voz dele está tremendo, assim como todo o corpo.
— Por favor, Isaac — implora. Um medo avassalador a consome junto à uma inerente sensação de desespero. — Não posso falar — declara, balançando a cabeça negativamente.
Isaac puxa o colar de sua mão depressa e o estende em sua direção.
— O que é isso, alguma pedra mágica? — E analisa o objeto com precisão. Teodora sorri, descrente de sua situação. — Você é uma bruxa? — Ela ri mais alto. É provocado pelo mais intenso medo. Não sabe o que fazer.
Torna-se séria de uma hora para outra. Quer chorar. Fugir.
— Você não é normal — sussurra ele, dando dois passos para trás. Ela está ofendida, mas nervosa demais para sentir o desprezo em relação a ele. — Pensei que fosse um erro, mas pela sua cara não é. O que é isso? — Está afoito, em pânico, ergue novamente o colar. — Por que não fala alguma coisa? — Grita, com os olhos repletos de lágrimas e assustado demais sobre tudo o que tenta entender, mas é incapaz.
Uma lágrima finalmente deixa o rosto inchado de Teodora. Ela engole em seco, fecha os olhos e se pragueja mentalmente antes de olhá-lo mais uma vez.
— Excadescere — sussurra ela.
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