I. Viúva negra
Música Indicada: Say Something
S/D
1875, PAÍS DE GALES
Sente todos os ossos de suas costelas sendo pressionados com velocidade. A mulher toma um longo respiro quando puxam os dois cordões de seu espartilho como quem tenta ganhar um cabo de guerra. Sorri enquanto olha si mesma no espelho branco e bem moldado do quarto. Não se encontra sequer uma mancha em seu branco e fino rosto e os olhos de cores diferentes brilham em contraste ao vestido totalmente preto que acaba de fechar. Alisa o tecido para evitar amassos e ergue mais uma vez o queixo para se ver. O cabelo longo e vermelho está preso no alto da cabeça com um penteado que levou horas, enquanto apenas algumas mechas encostam em sua testa antes dela colocar o tecido negro e repleto de pequenos furos sobre a cabeça. Sente os olhos dele sobre si enquanto ainda coloca o véu, mas o ignora até terminar de ajeitá-lo.
— Esplêndida — diz a já conhecida voz, cujo dono da dois passos para dentro do quarto. O bigode grosso e preto faz seus olhos parecerem mais claros e o chapéu de cartola escuro teria ficado mais charmoso se o homem tivesse penteado os cabelos antes de colocá-lo, julga ela. — Mas quando será o dia que deixará de usar preto?
Por anos, Teodora usa o preto como vestimenta. Foi a forma de prestar seu luto a si mesma, a Lorenzo e todas as perdas que a acompanham. Não fala sobre isso, mas a tristeza a persegue ao longo dos anos como nenhum outro sentimento. Ela precisa do preto, de luto, e lembrar todos os dias que a vida é mais do que a terra e ela não quer voltar para a outra metade.
— Ora, não disse que estou esplêndida? — Caminha até o amigo, abraçando-o forte logo depois, porque sentiu sua falta por longos meses. — Que bom que voltou para casa, Isaac. — Retribuindo o abraço, ele, de alguns centímetros a mais a mulher, a ergue do chão enquanto aperta sua cintura.
— Ah, Teodora, não tanto quanto eu — sussurra, colocando-a no chão e encarando a mulher, ergueu o véu. — Deveria expor mais seu rosto bonito — e o rapaz de dentes bem alinhados sorri.
A dama de vestido azul no fundo do quarto corre até ele logo depois, ocupando o local antes de Teodora e o homem repete o mesmo processo.
— Você também está incrível, irmã — diz, olhando a mulher de cabelos castanhos presos e um sorriso grande, amarelado e reto estampado. Alisa o rosto de Melitta com as duas mãos, genuinamente grato por vê-la novamente.
— Isaac, deveria ter escrito mais, — repreende. O tom de Melitta é firme, carregado de certa mágoa e saudade. — Fiquei preocupada com a última carta que mandou — segura e cheia de autoridade, uma característica dela. — Teodora achou até que já viria casado — olha a mulher de cabelos vermelhos e rosto novamente coberto pelo véu, que tem as mãos posicionadas no alto da cintura bem delimitada por seu vestido.
Há quase três anos, o irmão havia deixado seu país e ido para a Inglaterra, tentar lá construir sua sonhada vida e carreira. Sempre que volta para casa, poucas vezes ao ano, traz consigo belas histórias e um sentimento que finge estar adormecido, mas se mostra cada vez maior pela mulher de cabelos vibrantes. Porém, dessa vez é diferente. Faz três meses que, em sua última carta, avisou que havia encontrado uma moça incrível no país vizinho e com a qual pretendia se casar e construir uma vida. Isso é algo bom para sua família, ver o filho mais velho prestes a tomar um rumo familiar, mas também enfia um lança no peito daquela ocupa um local dentro da família também, além de um muito grande dentro do coração do galês.
Desde sua família adotou a estrangeira órfã, o garoto que só tinha dezessete anos na época ficou encantado com sua beleza arrebatadora e sua falta de filtros na língua. E, mesmo tendo se passado quase dez anos desde então, Teodora nada parecia ter mudado. Os vestidos pretos continuam, em luto por alguém sobre o qual nunca falou, e até o sorriso meigo ao chamá-lo de irmão, termo que ele odeia vindo dela. Por algum tempo, antes de partir para a Inglaterra, Isaac teve certeza de que se casaria com ela um dia, mas foram muitas rejeições e argumentos que ele não via razões suficientes, notou que aquela não era uma mulher comum. Isaac é encantador, o tipo de homem que todas as mulheres se sentem ansiosas em conhecer e torcem para escolherem como seu futuro marido. É alto, bonito e rico, dono de uma herança extensa, mas a única mulher que amou, não o ama de volta.
E, talvez se ela não o tivesse beijado naquele celeiro quando o jovem só tinha vinte anos, pensaria que é errado de sua parte insistir e que deveria ser cavaleiro o suficiente para abrir mão dela. Mas, aquilo o fez a querer cada vez mais, esperar por ela, até hoje. Na verdade, até o dia que conheceu Emily.
— Você tem que me contar tudo a Inglaterra, irmão — diz Teodora, levantando seu véu enquanto sorri com os perfeitos dentes, usando seu dom de balançar o coração dele. O homem assenti, está nervoso por olhá-la nos olhos, sorri de volta e a encara tão profundamente que a mulher sente seu corpo queimar.
Teodora sabe que não é o certo. Desde que soube das intenções do homem, evitou-as. Já viveu sozinha, mas encontrar essa família foi o maior presente que já recebeu. E, por mais que seu coração também palpite por esse de cabelos pretos e olhos azuis, não pode amá-lo. Acha injusto, consigo e com ele, alimentar um sentimento que baseado em uma mentira. Ela não era uma órfã de dezessete quando foi adotada e sim uma mulher com muita história na terra e no submundo dos mortos. Quando Isaac tinha vinte dois, tentou contar para ele em uma das noites que passaram juntos sem que ninguém soubesse, mas não conseguia. Não tinha capacidade de olhar no fundo dos inocentes olhos do jovem e contar que está condenada a queimar no fogo do inferno. Quando leu a carta enviada por ele meses antes, sentiu uma mistura de mágoa e alívio. Ela é sim apaixonada por Isaac, há anos, mas sente que precisa deixá-lo ser feliz em um mundo que não a envolva. Acha que ele merece uma casa perto de um lago, como sempre sonhou, filhos correndo pelo jardim e uma esposa que envelhecerá ao seu lado.
O homem estende a mão direita em sua direção e ela, que se aproxima antes de aceitar o convite, controla o coração que fraqueja.
— Melitta, vem conosco? — Pergunta, já segurando a mão de Teodora e estendendo a livre para sua irmã biológica mais nova. A dona de um metro e sessenta, uma cintura mais farta do que a maioria das outras mulheres, e bochechas muito rosadas, balança a cabeça negativamente.
— Terá tempo suficiente para chá comigo depois, quero falar sobre o casamento e não das suas aventuras — olha Teodora e sorri. — Você disse que a traria consigo, suponho que a noiva esteja cansada de uma viagem tão densa. Quando estiverem prontos, me encontre. Enquanto isso, estarei na igreja, falando com o padre — encosta a mão fina no ombro de Isaac e depois começa a sair do quarto, sendo seguida pelos outros dois.
Melitta ainda olha para trás enquanto descem as escadas de madeira, ainda se preocupa com a proximidades dos dois. Tem conhecimento de que nada bom saiu dessa relação e tampouco sairá hoje.
O homem retira o chapéu, mostrando os cabelos curtos e desorganizados ao abrir a porta da casa principal em sua herdada fazenda. O frio está forte na área externa da casa, mas as mangas longas do traje dela são o suficiente para afastá-lo do seu corpo, ainda mais porque o braço direito está entrelaçado ao esquerdo de Isaac e ele emana seu calor interno e único. Caminham pela grama recém cortada em direção à pequena fonte de água próxima à casa. O jardim bem cuidado não mostra flores no inverno, mas continua belo. O sobretudo preto de Isaac esconde seu corpo, mas com um simples olhar e toque de suas mãos, Teodora consegue saber que ele tem dúvidas do que está fazendo. Pensa se deve ou não pergunta sobre, não sabe se tem o direito de se meter em algo que promete uma extensa felicidade ao irmão. É o que ela sempre desejou a ele, mas o coração partido é incontrolável.
— Um casamento não é algo que esperei de você — sorri forçadamente, respirando fundo, fumaça deixa seus lábios carnudos. Apertando mais o braço do homem, ela o encara. — Foi rápido, não?
— Eu também não esperava — responde, a surpreendendo, alisa o bigode preto e depois coloca a mão direita sobre a esquerda dela, apoiada nos braços entrelaçados. — Mas, ela gosta de dançar e tem uma voz encantadora quando canta — justifica de maneira gentil e desconcertante para Teodora. — Quer ter três filhos e é tão independente...
Nota a mudança no tom da voz de Isaac ao falar dos dons da noiva. É com um encantamento que machuca seu peito, mas mantém o sorriso. Mesmo que seu desejo maior seja chorar. Mesmo que não se sinta pronta para escutar aquilo. Permanece. Ela aprendeu assim, foi calejada a escutar coisas que a machucam. Respira fundo.
— Me lembra alguém — comenta, referindo-se a si mesma. — Vou adorar conhecê-la, Isaac — sua voz tenta tremer, mas seu esforço é o suficiente para isso não transpareça. E está sendo sincera, se alguém pode fazê-lo feliz, ela quer conhecer essa pessoa. — E cantar com ela — completa, encostando a lateral do rosto no ombro dele. Mais como uma forma de evitar que seus olhos se encontrem e Isaac note sua chateação. — Espero que seja um amor épico e memorável. Você merece um.
— Só quero que ela seja tão doce quanto é agora depois do casamento — ri alto, suspira. Teodora engole em seco. — Sabe que é a primeira vez que realmente me encanto por alguém que não seja você?
— Claro que sei — fala, soltando-se dele e se colocando à sua frente. Teodora precisa falar. É claro para si que não pode deixá-lo se casar, mas seu pensamento egoísta é freado bruscamente. Não pode fazer isso, estragar a felicidade ele mais uma vez. — Você fala do casamento com Melitta, quero saber como é a Inglaterra. Um dia, ainda irei viver lá — muda de assunto com brutalidade, Isaac nota, mas não recusa.
— Ah, você amaria tudo por lá, é um lugar incrível — diz com animação. Quando ele sorri, todos os cantos do seu rosto entram em harmonia. Os olhos se enrugam, as bochechas se enchem, o as sobrancelhas se aliam perfeitamente. — São tantas possibilidade e pessoas diferentes — conta alegre, o que excita Teodora. — As mulheres lá têm os vestidos mais lindos que já e... Você está se sentindo bem? Teodora?
O homem para de falar ao notar que uma veia e saltou a testa da mulher à sua frente, que começa a ficar vermelha à medida que seus lábios se abrem empalidecidos e Teodora leva suas mãos cobertas por luvas pretas às têmporas. Parece engasgada com alguma coisa, nitidamente não respira.
Ela não consegue falar. Uma dor atinge as laterais de sua cabeça e a faz revirar os claros olhos. Isaac ainda a olha assustado, coloca as mãos em seus ombros e chama por seu nome. O coração dela está tão acelerado e o ar para alcançar seus pulmões. É irônico pensar que mesmo sendo praticamente invencível, sente todas as dores de um humano no momento. Encanto o encarava, vê seus olhos passando de azul a vermelho e isso a deixa em um pânico ainda maior. Lança-se para trás, recusando o contato, assustada demais com o desconhecido.
Isaac olha o céu nublado e encontra o homem de pele negra banhando a terra com o privilégio de suas asas. Brancas e com detalhes dourados. O angelical ser pousa ao lado deles enquanto Isaac permanece imóvel, como se cola tivesse sido colocada em seus sapatos. O ser põe sua mão sobre a cabeça do homem assustado.
Teodora sente o vestido e molhando com a água deixada na grama pela neblina do amanhecer. Quando consegue voltar a respirar, se arrasta depressa pelo chão barroso na tentativa de se afastar daquele que tem asas. O primeiro pensamento de Teodora é correr para ajudar Isaac, mesmo que a imagem de seus olhos a deixem ansiosa. De qualquer forma, é incapaz de se mover.
Lembra-se do ser de asas, mesmo que não saiba de onde. O nome dele é Azazel. Apesar de parecer um anjo de costas e em uma distância segura, Teodora tem certeza da existência de seus olhos completamente pretos com manchas vermelhas e dos seus dentes todos iguais e afiados como os de um monstro do mar. Em sua testa, tem plena lembrança de que está marcado um triângulo vermelho de ponta cabeça. Tem medo dele, mas muito mais temor do que o fez a procurar.
— Teodora — diz, com a voz alta, marcada e grossa, a mulher arregala os olhos o encarando.
Suas asas são guardadas dentro das costas musculosas e sangue escorre da abertura antes que elas cicatrizem como se nunca tivessem existido. Suas pernas estão cobertas por calças brancas quando Azazel se vira em direção à mulher.
— Quanto tempo — sorri, mas ao contrário do que ela esperava, não há sequer um traço aterrorizante em seu rosto. Os olhos são castanhos e os dentes retos e brancos. A cabeça está raspada, mas nenhuma marca existe em sua testa.
Azazel está caminhando até ela, confiante e amigável, se agacha diante da mulher de olhos assustados e sobrancelhas vermelhas e tensas. Estende a ela sua mão direita, e a passa em seu rosto com delicadeza. Teodora não consegue se mexer, seus neurônios fritam dentro da cabeça e quanto mais perto Azazel chega, mais parece que seu crânio irá ceder e os miolos se espalharão pelo verde gramado. Abre a boca, mas a ponta do dedo indicador direito dele encosta em seus lábios pálidos e não consegue resistir à pressão cerebral, apagando completamente.
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