ventitre
O plano teve que ficar para o dia seguinte, já que eu acabei ficando dopada de tanto medicamento, acho que Dante exagerou na dose, mas eu não podia reclamar quando ele conseguiu trocar uma tornozeleira de ouro -ouro- que ganhou de seu pai, com o farmacêutico em troca de um local para dormir, uma ligação e os devidos cuidados médicos.
O farmacêutico não parecia especialista, mas disse que Dante fez o que poderia com meu machucado e apenas me deu remédios. Já o quarto, era em uma pequena sala de descanso dos funcionários com um colchão com travesseiro no chão, um cobertor, dois pacotes de sanduiches e uma garrafa d'água. Lenta, pelo meu estado deplorável que quase me fez cair no banho de água fria, me sento ao lado de Dante no colchão e aceito o sanduiche que me oferece.
— Gostou do banho? – Olho para ele, que treme tanto quanto eu pelo frio surpreendente da madrugada.
— A-adorei. – Minha voz sai lenta e tremula. Dante suspira e se estica, pegando o cobertor dobrado.
— Foi mal, dei mais remédio que o recomendado porque você ficou muito tempo sem tomar nada – Abro um sorriso, ou tentei abrir, quando ele abre o cobertor e nos cobre. – Consegui que o farmacêutico nos deixasse fazer uma ligação amanhã de manhã.
— Bom – Tento não encarar os ingredientes de meu sanduiche, o gosto é estranho, mas não nem me lembro a ultima vez em que comi. – Seu cabelo é bonito.
Vejo Dante erguer uma de suas quatro sobrancelhas.
— Obrigada, mas eu raspei... – Ele suspira e me estica a garrafa de água pela metade quando termino de comer, acho que já comeu seu sanduiche quando estava no banho. – Não foi uma boa ideia ter lavado o cabelo nesse frio.
— Tava fedendo – Dou de ombros e quase engasgo, esqueci que é levei um tiro. – Meu Deus, eu levei um tiro.
— Ok, hora de dormir. – A garrafa some de minhas mãos e sinto meu corpo ser empurrado com calma até sentir as costas contra o colchão, me encolho no canto da parede.
— Conchinha? – Ele parece engasgar.
— Hm... não, seu ombro ficaria contra o colchão, eu posso dormir no...
— Vem logo. – Puxo sua mão, e seu corpo cai ao lado do meu.
Dante suspira e o espero puxar o cobertor até nos cobrir, e apoio a cabeça em seu peito, demora poucos segundos até sentir seu braço abraçar meu corpo.
— Espero sonhar com uma cama enorme, lençóis de seda e um banquete de café da manha. – Ele solta um riso que faz seu peito vibrar.
— Eu te prometo isso vai ser realidade em pouco tempo.
Acordo por causa da dor em meu ombro, não sei que horas são e nem se já amanheceu, já que quando abro os olhos, o quarto continua da mesma forma que horas atrás: escuro, úmido e cheirando a álcool.
Ergo a cabeça do corpo quente de Dante que ressoa barulhos pela boca, não quero o acordar, mas preciso dos meus remédios e botar o plano em prática. Quando faço menção de me sentar, a mão em minha cintura se aperta e ergo o olhar, vendo os olhos castanhos em mim.
— Oi. – Sussurro.
— Bom dia – Sua voz rouca junto com os olhos pequenos e o rosto amassado me faz sorrir. – Você é linda.
— Com bafo, olho com remela e cabelo parecendo um ninho de passarinho? – Ele solta um riso.
— Se não fosse pelo bafo eu te beijava. – Chuto sua perna e ele gargalha enquanto levanta e me ajuda. Sua mão se estica e me oferece os frascos de remédio, os tomo com a ajuda do resto de água.
— Será que o cara nos descola uma balinha de menta?
— Acho que ele vai oferecer quando sentir meu mau hálito quando for pedir o celular.
Solto uma risada enquanto Dante se levanta e ajeita a roupa, ele avisa que irá pedir o celular e já volta. Encosto o corpo contra a parede fria atrás de mim e encaro o frasco de remédio em mãos, me sinto exausta, física e mentalmente, gostaria de deixar tudo para lá e descansar, mas não posso, se eu quiser sair viva e quiser que Dante também saia, preciso engolir o cansaço e a dor assim como engulo esses remédios.
Dante passa pela porta, um celular em uma das mãos, e na outra um copo grande e fumegante de café junto com um pacote de bala de menta.
— Boas noticias, o cara de ontem vazou e tem uma garota no lugar, felizmente com meu charme, consegui ligações a vontade e um copo de café. Não sinta ciúmes. – Reviro os olhos e peço o celular. – Qual o plano?
— Bem – Respiro fundo. – Precisamos nos livrar de Romeo e Filipo, então que tal matar dois coelhos com uma cajadada só?
— Estou acompanhando. – Tola um gole do café.
— Filipo se juntou com Romeo para nos encontrar e conseguir a parte dos Ghostins, mas acho que ele ficaria bastante feliz em ganhar um território maior, e sinceramente, melhor. – Ele ergue as sobrancelhas.
— Doeu – Me estica o copo de café que aceito. – Então... você quer passar a Regno para o Filipo?
— Sim, mas para isso, o herdeiro precisaria passar, e para aceitarem, precisaria de reforços... – Dante assente, entendendo.
— Acha que ele vai aceitar?
— O que ele e nós teríamos a perder? – Estico o celular. – Sabe o número de alguém da sua família de cor.
— Para que?
— Precisamos contatar Filipo. – Ele respira fundo e pega o celular.
— Sei de Matteo, mas não sei se irá nos ajudar...
— Ei – Com uma mão em seu queixo, ergo seu rosto, o olhar cabisbaixo vem até o meu. – Ele é sua família, te ama, não irá negar ajuda.
— Certo. – Ele respira fundo, e juro que vejo suas mãos tremerem quando liga o celular, digita uma senha e começa a teclar os números de celular.
Não preciso pedir que coloque no viva voz, ele faz no mesmo instante, e ouvimos o celular chamar, e chamar, e chamar, até cair.
— Tenta de novo.
— Zoe...
— De novo. – Repito.
Dante tenta de novo, e de novo, a cada vez mais entristecido, na quarta tentativa, ele quase desliga a ligação, mas uma voz o para.
— Quem é o idiota que tá me ligando porra? Vai passar trote em outro.
— Matteo! – Exclamo antes que desligue. – Sou eu, Zoe.
— Zoe? – Um barulho é soado, ao fundo até que tudo fique em silencio e ele retorne. – Dante está com você?
— To.
— Puta que pariu onde vocês se meteram seus filhos da puta? – Quase arregalo os olhos, nunca vi Matteo estressado, depois de Dante, ele é o mais tranquilo. – Rodamos a cidade toda atrás de vocês, fomos no hotel onde estavam e estava tudo largado lá, que porra tá aconteceu?
— Fomos sequestrados – Dante suspira. – O líder da Regno nos raptou e nos trouxe para Roma.
— O que? O que você tem a ver com isso?
— Hm... digamos que sou o herdeiro da gangue. – A linha fica em silencio por cerca de um minuto, até Matteo rir.
— Tá, agora fala sério.
— Ele ta falando sério – Me interfiro. – Julia Martinelli é a mãe biológica de Dante, ela é a líder da Regno e por estar presa, Dante é o único herdeiro por direito, mas um... cara que assumiu o posto não quer que passar o trono.
— Então iria matar Dante? – Murmuro em concordância. – E você?
— Bem, eu sou uma traidora, traidores pagam com a morte. – Ouvimos Matteo suspirar.
— O que precisam?
— Que você nos consiga um encontro com Filipo.
— Filipo? Estão brincando.
— Ela tem um plano irmão, confia nela. – Olho agradecida para ele.
— Meu problema não é ela, é esse psicopata, além disso, ele deixou a cidade... na verdade, no mesmo dia que vocês sumiram. – Solto um riso.
— Quer apostar quanto que ele já veio para cá cobrar o acordo com Romeo?
— Quem é Romeo? – Matteo pergunta.
— É uma longa história Matteo, prometo que te conto tudo se sairmos vivos dessa – Dante franze a testa. – Mas precisamos mesmo que você consiga fazer eles nos encontrar, é o único jeito Matteo.
Mordo o lábio apreensiva enquanto encaro o celular, se Matteo não aceitar, não tenho outro plano, não sei o que faremos.
— Eu prometo que vou dar um jeito, na verdade, terei que pedir ajuda para Ettore, eu to atolado por causa do julgamento de Dean. – Dante engole em seco.
— Como tá indo? – Ele pergunta.
— A audiência é em dois dias, ta todo mundo pirando, e não ajudou vocês terem evaporado também – Ele suspira. – Me falem o que querem que Ettore diga aos capachos de Filipo.
Passo para ele devagar o ponto de encontro e o horário, um café, público, próximo ao banco de onde teremos que pegar o contrato, e que, se tivermos sorte, Romeo nunca irá desconfiar.
— Ok, iremos providenciar isso.
— Obrigada irmão.
— Me agradeça ficando vivo Dante.
— E Matteo? – O chamo – Eu te prometo que se der tudo certo, iremos também livrar a barra de Dean. – Dante me olha confuso.
— Vocês têm dois dias.
A ligação termina e me levanto, minhas energias recarregadas pela ligação.
— Não entendi essa última parte.
— Depois te explico, agora levanta logo que temos pouco tempo para chegar até o banco do outro lado da cidade, se dermos sorte, conseguimos carona em algum transporte publico.
— Mandona do caralho.
— E você adora. – Cantarolo enquanto roubo uma bala.
Me sinto fora do lugar quando passamos pela porta do banco. Após conseguir carona, chegamos no banco faltando uma hora para nos encontrarmos com Filipo em um café do outro lado da rua, então, apesar de sentir um segurança sair de seu posto e nos seguir, vou em direção a recepção.
Uma mulher bem vestida, com os cabelos presos em um coque apertado no alto da cabeça, perde um pouco do sorriso ao nos ver.
— Hm, precisam de ajuda?
— Sim quero falar com o senhor Fernandez.
— E quer falar com o diretor por que...? – Ouço Dante bufar atrás de mim.
— Sou Zoela... Martinelli, vim em nome de Júlia Martinelli. – Suas sobrancelhas se erguem.
— Ela não foi presa?
— E o que isso tem haver com o dinheiro dela? Olha, você pode me deixar falar com o senhor Fernandez, ou eu posso avisar ela para pegar todo o seu dinheiro investido nesse banco e transferir para...
— Já entendi – Ela revira os olhos e da um aceno, provavelmente pro idiota que nos seguia. – Final do corredor, a maior sala.
— Obrigada. – Abro um sorriso falso e agarro a mão de Dante.
— Ele tinha que ser justo o diretor? – Resmunga.
— Ele era apenas um gerente da última vez que vim.
Seguimos até o fim do corredor e bato na porta antes de abrir-la. Um senhor de meia idade tira o rosto do computador e olha feio para os invasores, porém, acho que me reconhece já que se levanta às pressas abre um sorriso.
— Senhorita Martinelli, quanto tempo. – Ergue a mão, imito seu sorriso falso e aceito o gesto.
— Prefiro Zoela, por favor.
— Claro, sentem-se, esse é o seu namorado? – Me sento e penso se é melhor já jogar a bomba ou não, quer saber? Estamos sem tempo.
— O filho legítimo de Júlia Martinelli, e viemos atrás daquele contrato que passa o direto da gangue do herdeiro para quem ele desejar. – Seu rosto perde a cor e seu sorriso morre.
— Achei que você fosse...
— Adotada, felizmente – Me inclino em direção a mesa. – Estamos com problemas sérios senhor Fernandez, falei com Júlia e ela pediu a retirada do contrato para Dante ser reconhecido como o herdeiro legítimo.
— Entendo..., mas não posso simplesmente retirar documentos assim do cofre, a Senhorita Martinelli me informou que só poderia retirar com sua presença.
— Mas ela me deu acesso a ele também, não é?
— Sim, mas ainda precisaria de uma autorização e...
— Giulio – Solto um suspiro quando digo seu nome. – Você sabe que eu não pediria isso de brincadeira.
— Eu sei, mas...
— Fico feliz que esteja fazendo seu trabalho corretamente, você foi até promovido, meus parabéns, aposto que suas duas filhas ficaram felizes – Suas costas enrijecem – Mas você não sabe, eu tô a dias sem comer ou tomar um banho decente, levei a droga de um tiro e perdi meu carro, a única coisa que comprei com meu dinheiro próprio – Não gosto de como minha voz soa. – Então se eu precisar fazer qualquer coisa só para ter acesso àquele contrato e finalmente me livrar da merda que estamos e poder sair dessa droga de cidade, eu vou fazer Giulio.
— Confirmo tudo que ela disse. – Dante soa, seu corpo relaxado ao meu lado
Seus olhos arregalados me encaram em silêncio, um pouco de suor desliza por sua testa e quando Dante vira a foto no porta retratos em sua mesa, com sua família, em nossa direção, ele assente.
— Irei pegar o contrato.
— Ótimo – Abro um sorriso confiante enquanto ele levanta, mas choro em alívio por dentro. – Também gostaria de sacar duas mil libras, por gentileza.
Ele suspira, mas assente e se retira da sala. Assim que a porta é fechada, Dante olha em minha direção.
— Isso foi assustadoramente sexy. – Reviro os olhos e empurro a foto de volta.
— Não se acostume, odeio quando tenho que fazer isso.
— Eu sei que era tudo blefe, não se sinta mal.
— É, mas ele não sabe.
Minutos se passam e a porta volta a ser aberta, Giulio volta com uma pasta e maleta em mãos. Ele se senta na cadeira do outro lado da mesa e abre a maleta, o dinheiro não me faz suspirar, meus olhos estão no contrato. Dante é o primeiro a pegar-lo, e começa a lê-lo.
— A certidão de nascimento dele e uma cópia do seu documento estão junto, imagino que pela... situação que se encontram, não os tenham.
— Tá tudo certo.
— Obrigada Giulio por sempre ajudar a Regno, e se desejar, pode pegar um dinheiro do caixa.
— O que? – Seus olhos se arregalam enquanto pego a pasta e me levanto. – Isso não é certo.
— Você e eu sabemos que esse dinheiro não é limpo, por mim, pode pegar todo ele e fazer doação, e pegar uma parte para você, sei que o seu trabalho não era... fácil.
— Mas...
— Você decide, estamos indo. – Dante volta a guardar os documentos na pasta e se levanta, me acompanhando para fora.
Olhares nos seguem por todo o caminho e só me permito encostar em uma parede e desabar quando já estamos na rua. Respiro fundo e olho para Dante que me encara.
— E agora?
Olho para o outro lado da rua encontrando um carro escuro parado em frente a cafeteria.
— Vamos fazer um acordo.
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