ventiquattro
A cafeteria está cheia quando empurramos a porta, o cheiro de biscoitos recém saídos do forno fazem meu estômago roncar e aperto a alça da maleta, será que irão achar estranho abrir uma maleta cheia de notas para pagar? Uma garçonete passa por nós segurando um prato com uma pilha de panquecas típicas americanas, dou um passo automático em direção a garçonete e a mão de Dante me impede.
Me viro para ele e o vejo acenar em direção a uma mesa aos fundos, seu maxilar trincado não é um bom sinal. Respiro fundo antes de levar meu olhar até o lugar, primeiro encontro um cara magro de cabelos pretos que nos encara, deve ser Fillipo, mas o homem de cabelos loiros escuros a sua frente me faz prender a respiração, Romeo está aqui.
Dou um passo para trás e meu corpo esbarra em outro, não preciso olhar pra saber que são capangas, meu corpo é empurrado e somos obrigados a dar passos em direção a mesa. Romeo não se vira para nos receber, mas sou empurrada para a cadeira ao seu lado e a pasta com dinheiro é arrancada de minhas mãos, Dante senta-se na cadeira a minha frente e sua pasta com documentos é jogada em cima da mesa.
— Você está péssima. – Romeo saúda enquanto toma um gole de café, sua mão empurra um prato com meio sanduíche em minha direção, meu estômago ronca, mas prefiro morrer de fome do que aceitar caridade e restos dele.
— Graças a você. – Ele ri.
— Sabe, quando pedi para meu irmão marcar um encontro com você, pensei que havia ficado subentendido que era pra vir sozinho. – Dante olha com raiva pro cara ao seu lado, que parece ser um ou dois anos mais novo que ele.
— Somos sócios, acha que ele não me contaria? – Romeo responde. – Ele me ajudou a trazer vocês até aqui, e em troca eu...
— Conseguiria os documentos que passariam Ghostins para o nome deles. – Completo.
— Lamento dizer, mas esses documentos já eram. – Fillipo olha para Dante.
— Então parece que você não serve pra mais nada.
Vejo pelo canto de olho, um dos brutamontes perto de nossa mesa, super sútil, levar a mão a cintura e quando vejo Fillipo se levantar, me apresso:
— Espera! – Ele para os movimentos e me olha. – Temos algo melhor do que os Ghostins.
— Assim eu fico ofendido. – Lanço um olhar raivoso para Dante.
— O que vocês teriam a oferecer? Você está marcada pra morrer bionda, o irmão dele vai pra cadeia e ele pro quinto dos infernos. – Fecho a mão em punho, mas não deixo as palavras de Romeo me abaterem.
— Dante é o herdeiro legítimo da Regno. – Fillipo parece surpreso enquanto sinto Romeo ficar tenso ao meu lado.
— Como...
— Daniel dormiu com a herdeira da Regno e eu nasci, legal né? – Dante zomba, mas Fillipo se senta, atento. – Ela foi presa, então sou o legítimo herdeiro.
— Besteira, não os ouça. – Romeo faz um aceno de cabeça e sinto uma mão na minha cadeira, desvio o olhar de Dante para a pasta.
— Pegue a pasta, nele tem a certidão de nascimento de Dante – Um braço passa pelo meu pescoço e me levanto, o mesmo acontece com Dante, não antes dele empurrar a pasta para Fillipo, tento continuar: – Tem um contrato passando a gangue de Dante para quem ele qui... – O aperto aumenta e perco a respiração.
Vejo Romeo se levantar e tentar puxar a pasta de documentos, mas Fillipo se levanta e se afasta, sendo cercado por dois seguranças seus que o protegem enquanto ele abre a pasta e vê os documentos.
— Isso é ridículo, deem um jeito neles.
Os clientes da cafeteria se afastam enquanto somos arrastados pelo pescoço em direção a porta tento me espernear, mas o movimento me tira mais o ar. Romeo segue conosco e pelo seu olhar, sei que quando sair pra rua, levarei um tiro na testa.
— Espere! – Não paramos de ser arrastados, mas dois caras surgem bloqueando o caminho, e ouço Romeo xingar. – O que eu ganho com isso?
Bato no braço do cara, querendo falar, mas ele não diminui o aperto.
— Isso é ridículo – Ergo o olhar quando suspiros soam e vejo uma arma nas mãos de Fillipo em direção a Romeo. – Fala sério, acha mesmo que isso é verdadeiro?
— Então porque não deixa eles falarem?
Minutos se passam em silêncio, enquanto eu e a plateia de pessoas assustadas amontoadas nos cantos encaram Romeo analisar a situação, levo o olhar para Dante, que parece tentar me dizer algo com os olhos, seu olhar se arregala e olha pros meus...pés?
— Falem. – O aperto diminui e desvio o olhar para Fillipo.
— Eu passo a gangue para você – Dante fala, vejo seu pé balançando e franzo a testa. – Em troca, você nos deixa e minha família em paz, e inocenta meu irmão.
Ouço Romeo rir, sua mão está em sua cintura e ele balança a cabeça.
— Sério? Você passa a Regno para ele? E eu faço o que? Abaixo a cabeça e deixo o cargo que é meu por direito?
— Não é o que o contrato diz – Afirmo – E pelo que eu saiba, os aliados da Regno são da antiga, inclusive alguns membros da gangue também, ou seja eles levam contratos a sério, não levam? – Romeo fecha a cara – Então ele só precisaria acabar com seus apoiadores e com... você? – Abro um sorriso.
— Isso é ridículo, eu posso te dar uma parte da Regno Fillipo. – Seu olhar vai para ele que permanece em silêncio, ouço um resmungo de Dante e quando o olho, ele olha para meus pés de novo, que porra é essa?
— O que? – Murmuro sem fazer som, ele revira os olhos.
— Sabe porque eu queria os papéis de Dante? Acontece que lá em Suvellié – Os olhos de Dante se arregalam e ouço uma arma ser engatilhada. – Também fazemos da moda antiga.
— Ah entendi. – Piso com força no pé do cara e me jogo no chão na mesma hora que escuto um tiro.
Gritos começam a doar e olho para o lado, encontrando Dante se arrastando para perto do balcão. Tento ir atrás dele, mas alguém pisa em minha mão e solto um grito de dor, um corpo cai ao meu lado e me arrasto para debaixo da mesa.
Tudo se torna uma grande confusão, corpos caem e são pisoteados enquanto gente tenta sair do lugar e outros armados tentam entrar. Tenho vontade de me encolher como uma bola, levar as mãos aos ouvidos e gritar, mas quando um par de olhos femininos e inocentes me encaram do chão, respiro fundo e me arrasto para fora da mesa.
Um dos caras que nos enforcava está caído a poucos centímetros de mim no chão, sua arma ao seu lado então me rastejo e tento proteger a cabeça ao mesmo tempo, em direção a arma. Alguém ou algo cai em cima de minha perna e tenho que chacoalha-lá para me livrar, algo respinga em meu cabelo e outro corpo cai ao meu lado.
— Inferno – Um tiro passa por cima de minha cabeça e a bala entra na parede a minha frente. – Deus se eu sair dessa vou precisar de muita sessão de terapia com a Jade.
Estico minha mão, tentando alcançar a arma, meus dedos encostam no metal fino e consigo segurar a arma a tempo antes de ser arrastada pelas pernas para trás. Fecho minhas mãos na arma, engatilho e quando o movimento para, me viro e miro, nos olhos arregalados de Dante. Suas mãos, trêmulas, se erguem e vejo uma bala voar por cima dele.
— Porque você me arrastou?
— Porque você estava prestes a ser esmagada por um corpo morto, baleada ou pisoteada! – Ele se encolhe quando um tiro atinge uma geladeira próximo a nós e vidros se espalham pelo chão.
— Você tá bem? – Pergunto ao ver seu estado, ele engole em seco e assente. – Mentiroso.
Me sento a sua frente e travo a arma, a situação toda está um desastre, mas nunca vi Dante assim.
— Você... está bem comigo ter dado a Regno de mão beijada pro Fillipo? Achei que não se importaria e... – Sua risada me interrompe.
— Eu não ligo pra isso.
— Então o que foi?
— Eu... – Um corpo quebra em cima do galpão e ele se encolhe. – Não gosto de tiroteios
— Achei que você já tinha dado um tiro em alguém.
— Dei, e fiquei um pouco... porra! – Ele grita quando um corpo cai atrás de mim, não sei de qual gangue é.
— Ok, fique aí agachado e vou tentar ver quando a barra ficar limpa pra sairmos daqui. – Não espero uma resposta.
Ergo devagar a cabeça e vejo uma imensa confusão, corpos caídos, vidros quebrados, comidas espalhadas pelo chão e sangue, alguns ao redor de corpos e outros em lugares que prefiro desviar o olhar para não vomitar. Felizmente os civis, que bem, não estão no chão, parecem terem conseguido sair, provavelmente pela saída de serviço, mas ainda há pelo menos dez membros de gangues pelo lugar, inclusive Fillipo e Romeo, um em cada ponta atrás de alguns estofados.
Franzo a testa e olho para a mesa onde estávamos sentados, a pasta com dinheiro continua lá, bem no centro de todo o tiroteio, olho para o outro lado, o caminho até a saída tem apenas um cara atrás de um estofado próximo trocando tiro. Se Fillipo não cumprir o acordo, ou perder para Romeo, aquela pasta que fará nós sairmos daqui, mas chegar até ela é morte na certa, enquanto isso, o caminho para saída está livre, mas estaríamos presos em Roma e sem nada.
Um cara próximo a Romeo cai e percebo que ele está em desvantagem, ele parece perceber também, já que desvia o olhar para a porta. Mordo o lábio, se Romeo cair, Fillipo vence e teremos que lidar apenas com ele, se ele tiver palavra e querer a Regno, estaríamos livres dessa merda.
Vejo Romeo se afastar, milagrosamente entrando em minha linha de visão, seu olhar se cruza com o meu, e ergo as sobrancelhas, tento erguer a arma, mas sou puxada de volta para baixo, Dante me olha assustado.
— O que pensa que está fazendo?
— Nos livrando dessa merda, desse merda.
— Você ia matar o idiota?
— Tem outra ideia? – Ele se afasta, como se levasse um tapa, respiro fundo. – Eu não gosto disso ok? Acha que quero matar alguém? Não quero, mas se quisermos sair daqui vamos...
Suas mãos arrancam com tudo a arma de minhas mãos e em segundos, vejo ela sendo erguida, destravada e levo as mãos aos olhos quando ouço o tiro, sinto como se a bala se passa ao meu lado pela proximidade, mas só sei que não fui atingida, e que se faz um silêncio pelo local. Afasto as mãos, trêmulas, do rosto e quando abro os olhos, vejo Dante ofegante encarar um ponto atrás de mim.
Viro o rosto devagar, temendo o que encontrarei, e meus olhos encontram olhos verdes pelos quais cresci junto, me apaixonei e me decepcionei, olharem para mim, no corpo sem vida encostado na parede com o sangue que saiu da bala que atravessou a parede. Não sei porque solto um soluço, mas ele sai de minha boca, seguido de lágrimas que nublam minha visão enquanto desço o olhar por seu corpo imóvel até parar na arma em sua mão.
Olho para Dante, quero perguntar o porque, e quero me bater por estar me sentindo mal pela morte de Romeo, quando ele quase nos matou, nos fez passar dias na merda e eu mesmo estava disposta a matá-lo a segundos atras.
— O que...
— Ele ia atirar em você – Ele solta a arma e ergue o olhar pra mim. – Tive que atirar nele antes que... ele atirasse em você.
— Você... – Olho para a arma no chão, e depois para suas mãos trêmulas. – Você disse que não conseguia...
— Prefiro enfrentar meus medos do que deixarem ferirem você – Ele respira fundo. – E olhando seu estado, melhor eu ter feito isso do que você.
Abro um sorriso, mais lágrimas caindo de meus olhos e não ligo se esse é um momento inapropriado, voo em sua direção, passos os braços em volta de seu pescoço e colo meus lábios nos seus, Dante é pego de surpresa e cai, nos levando para trás.
Beijo Dante como nunca beijei ninguém antes: com carinho, agradecimento e acima de tudo amor, porque infelizmente tive que passar por toda essa merda para encontrar alguém que valesse a pena.
As mãos de Dante agarram minha cintura e ele retribui o beijo com ferocidade, arrasto as unhas pelo seu pescoço e quando meu corpo começa a se acender, ouvimos um pigarro e me afasto de Dante, olho para cima e vejo seis pares de olhos nos olhando desconfortáveis.
— O que? Não ficam desconfortáveis de ver corpos mortos, mas ficam de ver duas pessoas se beijando? – Solto um riso com as palavras de Dante, mas quando nós levantamos, o clima volta a ficar tenso, ainda mais quando Fillipo abre um sorriso medonho.
— Vamos aos negócios?
Merda.
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