ventidue
— É estranho eu já ter fabricado e vendido drogas e armas e essa ser a primeira vez que me sinto realmente um criminoso?
Olho para Dante com as roupas nas mãos, após entrarmos em mais uma viela, a quinquagésima desde que o carro acabou a gasolina, além de tarado o dono do carro deve ser mão de vaca, e tivemos que andar a pé a noite pelo centro histórico de Roma, até começarem a reparar no meu moletom rasgado e manchado de sangue e o rosto de Dante cheirando a álcool após limpar seu rosto com ele para tirar o sangue.
Tivemos então que entrar em uma viela de casinhas históricas com varais de roupas penduradas entre elas e acima de nossas cabeças. Encosto o corpo cansado na parede e com os olhos vejo Dante tirar o moletom, jogar no chão e olhar com desgosto para uma camisa florida em mãos.
— Retiro o que eu disse, essa camisa é um crime – Solto um riso e tento tirar a única manga inteira do meu moletom, impossível por ser a manga do meu braço bom. – Quer ajuda?
Solto um suspiro e deixo minha mão cair inerte, Dante exibe uma blusa de manga longe de oncinha e reviro os olhos enquanto ele se aproxima, ergo as sobrancelhas quando ele aproxima a mão para pegar meu braço como se tomasse cuidado para fazer carinho em um cão raivoso.
— Vai levar muito tempo? – Ele revira os olhos, apoia a blusa no ombro e ergue meu braço.
— Tenho medo de você chutar minhas bolas. – O moletom sai pela minha cabeça e Dante passa com cuidado ele pelo meu braço machucado, mordo os lábios para não gritar.
— Você só está me ajudando, tudo bem.
— Não tá tudo bem – Ele suspira e puxa minha blusa para cima, o mesmo ritual doloroso de antes se repete – Se eu não tivesse te largado lá, você não teria levado um tiro. – Olho para ele confusa, que tem o olhar focado em desenrolar a blusa em suas mãos, o ar quente de Roma encontra minha pele nua, só coberta pelo sutiã, mas felizmente, nós dois ignoramos isso.
— Dante, se não fosse por você, eu estaria morta – Seus olhos se fecham e ele desiste da blusa. – Tudo bem, eu merecia depois de...
— Não – Ele me interrompe – Eu estava com raiva e por isso não pensei duas vezes antes de te deixar sozinha, mas... – Ele suspira e seus olhos encontram os meus – Se você morresse... porra, não sei o que eu faria. – Sua mão segura a minha e passa a alça pelo braço.
— Você encontraria alguém que não mentiria para você, que valesse a pena, viveriam juntos e... – Sou interrompida pela blusa passando pela minha cabeça e sua risada.
— Você não percebeu ainda que estou apaixonado por você? – Perco o ar, enquanto ele sorri e segura meu braço ferido, agora, nem sinto mais a dor – Te perdoo porque também demorei para perceber, na verdade, só notei que sentia uma queda por você quanto foi embora de Suvellié. O mais idiota é que quando paramos de receber noticias suas, acho que fiquei mais afetado que Anabela.
Meus olhos acompanham chocados ele se afastas e vestir a blusa florida de antes.
— Pois é, nenhuma garota em Suvellié chegou aos seus pés, mesmo estando longe – Sinto meu rosto esquentar – Quando tive que fugir, sabia que nem pensei duas vezes em ir até você? Foi por ajuda, sim, mas também porque já me passava na cabeça em ir atrás de você há meses. E quando te encontrei e te conheci melhor... porra – Ele termina de abotoar a blusa e ergue o olhar para mim, seu sorriso faz meu corpo todo esquentar. – To apaixonado por você, e seria melhor morrer pelo menos sabendo o que você sente.
Minha boca age mais rápido que meu cérebro.
— Se eu não estivesse ferida, fedendo e não estivéssemos sendo perseguidos, eu pulava em você agora. – Seu sorriso aumenta.
— Mesmo estando na rua? – Assinto e respiro fundo, sabendo que o devo sinceridade.
— Escuta, eu... só tive um namorado em minha vida, e você pode ver o quão merda ele era – Ele fica sério e assente. – Não vou dizer que não sinto nada por você, porque seria mentira, mas...
— No seu tempo Zoe – Ele assente, entendendo – Por você vale a pena esperar o tempo que for – Meu peito se enche de um sentimento raras vezes sentido e abro um sorriso.
— E acho que você também precisa de um tempo para... assimilar tudo o que aconteceu. – Ele assente.
— Vamos devagar ok? – Assinto e olho para o céu, vendo que está quase amanhecendo, é mais difícil de fugir à luz do dia.
— Precisamos ir. – O clima bom some.
— Não sei se é uma boa ideia visitar ela Zoe.
— Ela entende mais da Regno do que qualquer um.
— E porque ela nos ajudaria? A garota que a prendeu e o filho que ela queria morto. – Engulo em seco e sinto a dor no braço voltar com força, porra, não quero o alarmar, mas eu daria tudo por analgésicos.
— É nossa única chance. – Dante me encara por longos segundos, mas desvia o olhar para meu braço e assente.
— Eles não têm contato com a polícia? Não podem nos prender?
— Eles a prenderam por minha causa, eu tenho um bônus – Ele me encara cético. – Ela está em uma penitenciária, a Regno não tem controle sobre elas, só nas delegacias locais.
— Ok, melhorou, vamos lá.
Não sei quem está mais nervoso enquanto encara a penitenciária a nossa frente, do outro lado da rua, as vezes acho que posso ouvir o coração de Dante bater tão alto quanto o meu. Tivemos que pegar duas caronas para chegar até aqui, o lado bom é que a penitenciária é em uma área isolada que Regno nunca teve muito controle, por isso passo pelas portas do local tranquila.
— Ei – Dante segura meu cotovelo. – Como vamos entrar sem termos documentos?
— Esse é o menor dos problemas, hoje não é dia de visita.
— Porra. – Ele resmunga e desvio o olhar, olho ao redor, procurando algo ou alguém que nos ajude.
Não encontro ninguém conhecido, mas na parede atrás do guichê de entrada, encontro algo. Me aproximo da mulher do outro lado do balcão sentindo os passos de Dante, receosos, atrás de mim.
— Olá – Saúdo, seus olhos se erguem cansados para mim. – Gostaríamos de visitar a detenta Julia Martinelli.
— Hoje não é dia de visita. – Dante solta uma tosse atrás de mim, abro meu sorriso mais doce.
— Sabe o que acontece? Faltamos aula na faculdade na Inglaterra para chegar aqui, nos atrasamos para pegar o três após uma parada e perdemos a bagagem, só chegamos aqui por causa de carona.
— Garota você não me ouviu? Além disso, não parece portar nem documentos.
— Eu sei, mas fazemos jornalismo e se não conseguirmos uma entrevista com ela, iremos reprovar.
— E eu com isso? – Ela revira os olhos e ergue a mão, chamando seguranças. – Isso aqui é um presidio garota.
— Eu sei, mas... – Sinto duas mãos em meus braços e solto um grito, Dante resmunga algo e as mãos deixam meu corpo, sinto vontade de me encolher em posição fetal.
— É isso que a garota que prendeu a líder da maior gangue da Itália ganha? – A voz de Dante é alta, e sinto olhares em nós imediatamente, mas meus olhos permanecem fechados, sentindo a dor – Olhe para a reportagem atrás de você, ta vendo quem é na foto? É, deve ser a garota mais nova a conseguir um feito desses e sabe o que acontece com quem consegue isso? O grito de dor dela deve dizer algo. – Fico agradecida por ele ter notado a mesma coisa que eu.
Abro os olhos, encontrando olhares em Dante e no meu braço coberto por uma blusa, mas a dor é óbvia.
— Passamos o inferno para estar aqui e não estamos sem documentos por vontade própria – Sua voz diminui para falar apenas com a mulher atrás do balcão e os dois seguranças próximos a nós. – Então, acredite quando eu digo que se não encontrarmos essa mulher, as coisas irão ficar feias e vocês verão dois corpos mortos na televisão.
Um silencio reina no local, e me ergo, me preparando para correr quando prenderem Dante por desacato, sinto soar frio quando a mulher ergue a mão.
— Por ali fica a área de revista.
— Obrigada. – Dante se vira para mim e vejo que segura um sorriso enquanto me guia pela cintura até o local.
Felizmente, a mulher da revista não me questiona quando digo que não consigo levantar o braço, e o momento humilhante acaba rápido.
Encontro Dante perto a porta de entrada que leva a um pátio vazio, e nos encaramos brevemente antes de um barulho soar, a porta abrir e sermos guiados para dentro. O policial que nos acompanha diz algo sobre o tempo, mas meu olhar está focado na mulher a poucos metros de distancia de costas para nós, seus cabelos loiros, agora com fios grisalhos, estão maiores do que da última vez.
Meus pés me guiam até ela, enquanto ouço meu coração em meus ouvidos, dou a volta na mesa e me sento a sua frente, quando seus olhos se erguem e encontram os meus, sinto que vou desmaiar.
Seu olhar me analise inteira, não consigo decifrar sua expressão, e enquanto a analiso, percebo Dante paralisado atrás dela, ele mal se moveu, sinto vontade de levantar e o abraçar, mas ela começa a falar.
— O que faz aqui traidora? – Não me lembrava o som de sua voz, mas ela ainda surte o mesmo efeito em mim: medo e vontade de fugir.
— Vim conversar.
— Conversar? – A risada que sai de sua boca faz as rugas em seu rosto aparecerem, ela parece ter envelhecido dez anos em dois – Eu não tenho nada para conversar com uma ingrata filha da puta como você. – Ela se levanta, as algemas fazem barulho e revelo algo que atrai seu interesse:
— Romeo tomou o poder da Regno – Seus olhos voltam aos meus. – E tentou me matar para continuar com ele.
— Merecido não acha? Ao contrario de você, ele sempre levou os negócios a sério.
— Eu não fui a única que ele tentou matar. – O corpo de Dante rodeia a mesa e quando senta ao meu lado, Julia desaba sobre o assento do outro lado.
— E-ele...
— Dante Bianchi – Respondo pelo mesmo que não parece em condições de dizer algo, não pelas suas pernas balançando ao meu lado. – Romeo tentou terminar a minha missão.
— Missão? – Ela me olha, e parece se lembrar – Você iria matar o líder dos Ghostins, não... o meu filho. – Sinto meu estomago revirar, mas respiro fundo, porém, Dante toma a frente.
— O líder dos Ghostins era meu irmão – Os olhos dela vão até ele. – Então, uau, me sinto horando por saber que iria matar ele.
— São só negócios.
— Também eram negócios quando a porra daquele garoto nos sequestrou para poder nos matar no território dele? Quando ela levou um tiro? Não parece só negócios para mim.
— Romeo quer matá-lo para que não haja herdeiros para assumir a gangue e ele possa ficar livre para fazer isso. – Ela não me olha, seus olhos sempre em Dante.
— Eu nem iria querer assumir essa porra – Ele se aproxima da mesa, apoiando seus braços sobre ela e vejo um Dante novo. – Mas ele mexeu comigo, com ela e com a minha família, e ao contrario de você, eu me importo com a família.
— Eu também me importo. – Ergo as sobrancelhas.
— Se você se importa, haja como... mãe, pela primeira vez, para mim e para ela, e nos diga como acabar com esse filho da puta.
Julia encara Dante por longos segundos, que viram minutos, e quando vejo seu olhar pousar em mim, sinto algo me atingir.
— Eu tentei ser uma boa mãe para você, mas tinha que ser uma líder primeiro – Engulo em seco e desvio o olhar. – E eu nunca daria ordens para matarem o meu filho.
— Você só me teve para ter poder.
— Talvez – Ela desvia o olhar para a mesa. – Mas a cadeia nos faz pensar e... – Ela respira fundo e me olha. – Lembra da minha conta no banco que te dei acesso antes... de acabar aqui? – Assinto com a cabeça. – Lá tem o contrato original da Regno que diz que o poder só deve passar de herdeiro para herdeiro, ou para quem esse quiser, também tem a certidão de nascimento de Dante, comprovando que ele é o herdeiro.
— Giorgiana também não tinha acesso? – Ela abre um sorriso de canto.
— Não, eu era idiota e iria deixar tudo para você – Engulo em seco. – Falem com o gerente, você sabe qual é, ainda tem acesso a conta, façam um contrato passando tudo para Dante e os outros terão que respeitar.
— Só um contrato basta para tirar Romeo do poder?
— Não – Ela sorri e o olha. – Os da velha guarda respeitam o contrato, mas os da nova e os que odiavam ter uma mulher no comando... irão precisar de reforços.
— Como...
— É o bastante – Me levanto, desesperada para ir embora, a ver e a ouvir fez um turbilhão de pensamentos tomar minha cabeça, e sinto que irei surtar se não sair daqui logo. – Obrigada.
— Não fiz por você – Ela resmunga, finjo não me importar e me afasto da mesa. – Você... poderia me visitar mais vezes?
Me viro, pensando que está falando comigo, mas a pontada de esperança, esperança idiota oriunda das poucas memórias boas que tive com ela, com minha mãe, morrem quando a vejo encarando esperançosa Dante de pé.
— Você pode ter me gerado, mas minha verdadeira mãe, se chamava Isobel, adeus Julia.
Quando sinto o ar da rua, me encosto na parede de concreto da penitenciaria e respiro fundo. Ela não significa mais nada para você, não tem porque se sentir assim, não se sinta ofendida, não tenha ciu...
— Tudo bem? – Ergo o olhar para Dante a minha frente, seu olhar preocupado me faz respirar melhor, ergo um braço, e ele entende, se aproximando para me abraçar com cuidado.
— Eu não deveria me importar, mas...
— Eu sei, memórias são difíceis – Sua mão acaricia meu cabelo e sinto vontade de chorar. – Mas ela não te merece, nem você a ela, você merece uma família de verdade, que te ame e se preocupe com você, como...
— Eu sei, mas eles me odeiam e estão fodidos por minha causa.
— Nossa causa – Dante se afasta e me encara – Não se culpe sozinha – Ele bufa e suas mãos seguram minha cintura – E em vez de ajuda-los, consegui me enfiar em mais merda ao herdar uma gangue. – Arregalo os olhos.
— Porra é isso.
— Isso o que? – Ele me olha assustado. – Eles me matariam, melhor, Ana me mataria se eu surgisse com uma gangue.
— É, mas isso pode salvá-los.
— Não to te entendendo gatinha. – Solto um riso pelo apelido e me afasto dele.
— Precisamos ir.
— Ir aonde?
— Precisamos ir até o banco e de um telefone.
— E vai ligar para quem? – Uma mulher esbarra em mim e paraliso de dor. – Foda-se, precisamos arrumar remédios para você primeiro.
Fuggitivi em reta final, até logo
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