Três da Tarde
Tudo aconteceu às três da tarde. Lá estava eu, fumando passivamente, porque minhas vizinhas acham conveniente jogarem toda fumaça em direção a minha casa. Estava sendo um belo dia de sol. Cigarro, calor e música pop de 2010, porque eu sou uma desocupada apegada demais ao passado. O teto parecia interessante para se olhar, enquanto eu refletia sobre todas as minhas escolhas ruins, debatendo se era inteligente começar a basear todas as decisões importantes da minha vida no resultado de apostas de rinhas de insetos. Não era inteligente.
Minha música foi grosseiramente interrompida com o toque estridente do celular. Era minha vó. Provavelmente queria me desejar um feliz aniversário, mas eu havia apostado que o escorpião venceria o besouro, o escorpião perdeu, então eu deveria passar o dia sem atender o celular.
Não era como se eu estivesse ansiosa para ouvir as mensagens de felicidade da minha avó, ela é sempre tão pessimista nelas. Ela diria algo como: "Feliz aniversário, minha netinha! Fico feliz por estar completando mais um ano de vida, mas fica esperta, olha bem por onde anda, aniversários costumam ser dias cheios de azar, então toma cuidado e não fale com estranhos.". Sério, eu não preciso de mais paranoia na minha vida, então ignorei a ligação e deixei a voz vibrante da Lady GaGa invadir os fones de ouvido, a mente vagando para outros lugares além das quatro paredes em que me encontrava, a visão perdendo o foco da mancha no teto, a respiração ficando lenta, profunda, relaxada...
Em algum momento a música parou de tocar, minhas vizinhas pararam de fumar, minha mente se calou e eu estava vivenciado um raro momento de paz interior... Até ser interrompida pelo celular.
Quem liga para as pessoas às três da tarde? Aparentemente minha mãe.
Dona Diana estava me ligando e se todos aprendemos uma lição com a vida é nunca ignorar a ligação de uma mãe. Atendi a contragosto:
— O que deseja?
Quer dizer, ela não estava no trabalho? Não é hora de ficar perturbando a sua única filha.
— Olá, Bi, o que está fazendo?
— Nada demais — olhei para o teto entediada. — Sabe como é, fumando uma maconha, tomando um vinho...
— Ai, ai — ouvi ela rir. — Quando eu chegar aí espero que a festa tenha acabado.
— Vou me lembrar disso — falei ainda sonolenta.
— Bi? — mamãe chamou. — Sua vó quebrou a perna.
Acordei na hora.
— O quê? Como assim quebrou a perna? Quando? Onde? Por quê?
Minha voz saiu fina e incomodada, o tom engraçado da conversa sendo esquecido. Sentei-me na cama, a consciência começando a pesar ao lembrar que havia rejeitado a ligação da Véia mais cedo.
— Sim, por que ela quebraria a perna? Que imbecil... — zombou sarcástica.
— Certo, pergunta idiota — admiti com um encolher de ombros. — Mas e todas as outras perguntas?
— Eu não sei, sua tia Tati vai me contar daqui a pouco — houve um barulho de portas, como se ela estivesse procurando algo em um armário.
A culpa começou a me sufocar, e se minha vó tivesse precisado da minha ajuda e por isso me ligou? E se ela tivesse tropeçando enquanto tentava me ligar para desejar feliz aniversário? E se de alguma forma eu fosse a culpada? O que eu diria para minha vó? O que se diz quando alguém quebra a perna? De repente uma memória antiga subiu a superfície: Eu estava com oito anos, tinha acabado de chegar da escola e estava exausta depois de passar o dia copiando, copiando e copiando a matéria.
— Ei, se lembra de quando o vô quebrou o dedo? — perguntei e ouvi minha mãe murmurar algo sinalizando que estava ouvindo. — Eu dei uma risadinha e disse que pelo menos ele não quebrou o braço.
E minha mãe começou a rir, já imaginando aonde eu queria chegar.
— O que eu digo para a vó? Pelo menos não foi o quadril?
— Ela vai ficar brava se você falar isso — mamãe alertou entre risadinhas.
— O que ela vai fazer? Levantar e me bater?
Rimos muito. Antes do silêncio culpado voltar a permear a ligação.
— Ela me ligou hoje de manhã — minha mãe segredou. — Eu não atendi.
— É, eu também não.
Silêncio, exceto pelo som da minha mãe tentando organizar alguma coisa no trabalho.
— Sabe, eu juro que dessa vez eu não joguei nenhuma praga nela — ela disse.
Um sorriso surgiu no meu rosto, uma lembrança ainda mais distante aparecendo. Minha mãe havia acabado de terminar um namoro, ela estava tão triste que mandou várias mensagens xingando o homem, desejando que ele pagasse pela traição de alguma forma. Bem, quatro dias depois o cara sofreu um acidente de moto e quebrou a perna. Estranhamente, desde então, todas as pragas que minha mãe vem jogando nas pessoas acabam pegando:
— Mamãe — brinquei em tom reprovador. — A senhora precisa controlar essa boca.
— Eu nem estava brava — resmungou em sua defesa.
— Não? Engraçado, eu me lembro de você bem irritada ontem porque a vó e tia Tati não responderam seu convite para virem jantar aqui em casa.
Minha mãe ficou em silêncio, já podia imaginar suas bochechas vermelhas de vergonha.
— Tenho que ir, a Vaca da Ilza está aqui — comunicou. — Fica atenta ao celular, pestinha — despediu-se carinhosamente antes de desligar.
O silêncio voltou ao ambiente e eu só pude bufar irritada quando minhas vizinhas voltaram a fumar. Droga de casas coladas...
Não me aguentando, decidi fazer algo que nunca pensei que faria e fui até a lista de contatos do meu celular. Odiava ligações, mas precisava fazer isso. Procurei pelo nome da tia Tati e esperei muitos segundos até ela atender a ligação.
— Oi, oi, oi, Bibi! Feliz aniversário — a sempre doce e alegre tia Tati atendeu. — Como está?
— A vó está bem? O que aconteceu? Minha mãe disse que ela quebrou a perna? Tem algo que eu possa fazer? Foi por isso que ela me ligou?
Minha tia demorou para responder, confusa com a horda de perguntas.
— A perna? Não, sua vó só torceu o nervo do joelho — riu alegre. — Já fomos no médico, vai ter que ficar sete dias de repouso.
— O nervo do joelho? — gaguejei incrédula.
— Sim, está até andando de bengala — tia Tati soltou um palavrão quando bateu em algo. — Você pode vir aqui ver ela, fizemos torta e deixamos um pedaço para você.
A palavra "torta" me tirou do meu estado embasbacado.
— É de maçã? É de maçã? — perguntei animada.
— Hum, frango.
— Oh! Legal — embora não tão legal quanto seria se fosse de maçã. — Estou indo assim que brigar com a minha mãe.
— Por quê?
— Ela é muito exagerada, disse que a vó quebrou a perna, me deixou toda preocupada.
— Da próxima vez atende o celular — titia disse sabiamente.
— Da próxima aposto no besouro.
— O quê? — ouvi tia Tati perguntar antes que eu desligasse.
Dessa vez não iria ligar, mandei uma mensagem cheia de carinhas irritadas para minha mãe contando a real situação da vó.
Mas... A Tati disse que a Veia machucou a perna e estava até de bengala
Vc é doida mãe
Só o joelho 😊
Revirei os olhos com a audácia. Só o joelho... Pelo menos não foi a perna.
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