Serestas & Serenatas
A câmera não era muito boa, o quarto de Polly estava com uma péssima iluminação e a reforma na casa ao lado poderia atrapalhar um pouco a gravação. Mesmo assim, aqui estavam eles...
— O que você quer que eu diga? — Polly pergunta ao melhor amigo, Mathias, escondido atrás da câmera.
— Fala sobre você — ele diz a ela, dando um zoom em seu rosto com sua câmera barata.
Polly revira os olhos castanhos, o movimento sendo pego na filmagem. Seus curtos cabelos castanhos balançando quando ela cruza os braços, os óculos de armação amarela escorrendo pelo nariz sardento.
— Eu sou uma menina — diz com impaciência.
— Alice no País das Maravilhas também era, agora diga algo novo para o público.
— Matt, isso é chato pra caralho — Polly bufa, girando em sua cadeira e jogando a cabeça para trás.
— Você não pode dizer essa palavra, isso tem que ser livre para todos os públicos — Mathias protesta, abaixando a câmera para que a garota veja seu olhar reprovador.
Mathias tem cabelos curtos e castanhos. Ele possui olhos pretos e bochechas gordinhas que Polly gosta de apertar até ficarem vermelhas.
— Minha bunda é livre para todos os públicos — respondeu com um sorriso atrevido.
Mathias solta um som chocado e vira a câmera para si.
— Peço perdão por isso, telespectadores, Polly é um pouco... — ele olha para a amiga que continua sorrindo sem um pingo de arrependimento no rosto. — Polly.
♪♪♪
— Começa falando seu nome — sussurra ao fundo, tentando não ser muito perceptível.
— Eu sou Polly — Polly diz e revira os olhos novamente.
— Bom! — Mathias suspira aliviado, esse era um bom começo. — E quantos anos você tem, Polly?
— Por que está me perguntando isso? Você sabe a resposta...
Mathias franze o cenho, gesticulando para que Polly pare de ser uma chata, a gravação vai demorar um século se ela não cooperar.
— Tenho dezesseis.
— Quinze — Mathias corrige.
— Faço dezesseis em sete dias!
— Oito dias.
— Hoje não conta — Polly berra mal-humorada.
— Conta sim — ele abaixa a câmera para corrigir a garota e uma nova discussão se inicia entre eles.
♪♪♪
Quando a gravação volta, vemos Polly digitando algo no computador, ela parece concentrada. Mathias passa algum tempo filmando, esperando que Polly fale ou faça alguma coisa. Em certo momento, ela conserta a coluna e desvia o olhar da tela, olhando para Mathias com tédio explícito.
— Não quero fazer isso.
— Vamos lá, isso é importante para mim — Mathias insiste.
Polly passa mais algum tempo sendo filmada, dessa vez olhando direto para a câmera. Ela parece pensar e depois de algum tempo ela diz:
— Tudo bem... Desculpa, vou levar isso a sério.
♪♪♪
Polly volta a olhar para a câmera, ela está sentada na cama, tem as pernas cruzadas e um urso de pelúcia marrom repousa em seu colo.
— Eu gosto de invadir casas, mas não para roubar, eu não sou esse tipo de adolescente — ela para um pouco, como se esperasse alguma reação de quem estiver assistindo-a no futuro. — Eu gosto da adrenalina, sabe? — mais uma pausa. — Eu já roubei um carro uma vez.
— É mentira! — Mathias fala no meio de sua pausa.
— Como você sabe? Você não estava lá — Polly cruza os braços de forma petulante e é a vez de Mathias revirar os olhos.
— Eu sei tudo sobre você — ele diz e os dois ficam em silêncio, porque dado os anos de amizade que eles têm e o quão próximo são, Polly sabe que Mathias não está mentindo.
Não deveria ser estranho. Eles se conhecem desde o fundamental, estão sempre juntos, se Polly roubasse um carro com toda certeza seria Mathias quem estaria no banco do carona. Ainda assim, foi estranho... Porque de todas as verdades que Polly sabe e Mathias quer esconder, é que ele está completamente apaixonado por ela.
♪♪♪
Polly ainda está na mesma posição quando Mathias reinicia a gravação.
— Eu gosto de música — Polly morde o lábio inferior e olha na direção de Mathias com olhos suplicantes. — Eu canto e toco violão.
Mathias sabe que esse olhar significa que Polly quer pedir alguma para ele, então ele desliga a câmera... outra vez.
♪♪♪
A imagem da câmera foca no violão que Polly mantém ao lado da cama.
— Ei, Polly, o que é isso? — diz de forma excessivamente casual.
— Oh, isso? Essa coisinha velha? — Polly aponta na direção do violão como quem não quer nada.
— Sim, essa coisinha que claramente não é velha.
— Ora, Matthew, é o meu violão — Polly brinca, forçando uma voz boba que só se vê em comerciais de TV.
— Você vai tocar pra gente?
— Eu vou tocar para você.
— Espera, o quê?
♪♪♪
Polly agora está segurando o violão, o urso jogado ao fundo. Ela respira fundo e enxuga as mãos na calça de flanela rosa que está usando. Mathias está confuso, a câmera tremula um pouco e ele se pergunta o que está acontecendo, porque Polly nunca esteve tão nervosa para mostrar seus talentos no violão antes.
Um último suspiro é dado e ela começa a cantar, uma melodia suave e uma letra cheia de lembranças, uma velha canção dos Tribalistas que os dois ouviam no fim da tarde quando iam assistir à novela.
— Você é assim, um sonho pra mim — Polly canta com a mesma voz doce e tranquila de sempre, a voz que assola os sonhos de Mathias e preenche as horas do seu dia com alegria, mas há algo diferente. — E quando eu não te vejo... — talvez fosse o olhar intenso no rosto de Polly ou a falta de um sorriso familiar em seu rosto, talvez fosse a forma como sua voz falha em ansiedade e suas mãos tremem. — Eu gosto de você e gosto de ficar com você, meu riso é tão feliz contigo...
— Polly... — e Mathias tem que interrompê-la, porque de repente tudo isso parece sério demais, mais sério do que apenas Polly cantando uma canção boba para seu documentário bobo.
— Meu melhor amigo é o meu amor — Polly continua e sua voz está tremendo e talvez haja algumas lágrimas nos cantos de seus olhos já que Mathias não está tendo exatamente a reação que ela esperava.
— Polly, para! — Mathias abaixa o braço que segura a câmera, a imagem caindo para o lado.
— Ei! — Polly reclama de algo, a música parando. — O que foi? Por que fez isso? Eu estava no meio de uma seresta aqui, sabia?
— Não pode fazer isso! — Mathias repreende irritado.
— Uma seresta?
— Brincar com meus sentimentos.
— Como assim? — ela parece confusa, mas... Não pode ser, pode?
Polly sabia que Mathias gostava dela e há muito tempo ela vinha deixando bem claro que não estava interessada em expandir o relacionamento deles, então ela não estava realmente se declarando estava? Porque Polly não gostava dele.
— Quer saber? Documentário cancelado — Mathias explode, pegando a sua câmera e saindo do quarto.
— Matt! — ouvimos Polly chamar ao fundo.
♪♪♪
Mathias se afasta da câmera assim que a liga, sentando-se em uma cadeira e começando a falar.
— Tudo bem, meu nome é Mathias e eu estou gravando esse vídeo porque minha melhor amiga é uma idiota... — ele se interrompe, o plano era não falar sobre a Polly.
♪♪♪
— Meu nome é Mathias, eu tenho quinze anos e quero ser diretor de filmes de ação um dia, mesmo que a Polly ache que eu seria melhor dirigindo comédias românticas... — ele para. — Droga, isso vai ser mais difícil do que eu pensei...
♪♪♪
— Eu... — sua voz trava, existe um nó em sua garganta. — Eu estou chateado com o que Polly fez... — confessa baixinho, quase como se tivesse medo de ser escutado. — Ela sabe que eu gosto dela e ela fica zombando disso... — ele coça a cabeça e franze o cenho de forma confusa. — Ela estava... Só brincando, não é?
♪♪♪
Mathias não aguenta passar muito tempo longe de Polly, depois de anos e anos convivendo com alguém diariamente, a ausência dessa pessoa dói como um membro arrancado. É por isso que ele começa a rever os vídeos que eles gravaram.
Esse em particular é interessante, Mathias não se lembra de tê-lo gravado, é apenas Polly, segurando a câmera de uma forma tão torta que só é possível ver os lábios dela e uma parte do pescoço.
— Oooi, Matt! E público imaginário! É a Polly aqui, quer dizer, é claro que é a Polly, quem mais seria? — ela brinca e Mathias realmente ri. — Matt, quando estiver vendo esse vídeo, espero que estejamos namorando — Polly faz uma pausa e Mathias também se engasga ao ouvir. — Quer dizer, você não precisa namorar comigo nem nada, ainda seremos amigos se não estivermos namorando — ela solta uma risada estrangulada — A essa altura eu acho que já fiz minha seresta, então você já deve saber que eu gosto de você! E eu sei que você também gosta de mim e eu sinto muito por ter demorado tanto para perceber que... — ela morde o lábio e um sorriso involuntário surge. — Você é o garoto certo, Matt, sempre foi — a imagem muda e Mathias consegue ver os olhos emoldurados por óculos amarelos na imagem. — Somos bons amigos e eu pensei... — Mathias prende a respiração, sem saber como reagir a isso. — E se fôssemos bons namorados também?
— Polly? O que está fazendo com a minha câmera? — a voz dele é ouvida na gravação e Polly trata de desligar a câmera.
♪♪♪
A filmagem volta a exibir apenas Mathias, que consegue parecer ainda mais triste do que antes.
— Então, parece que a Polly gosta mesmo de mim...
♪♪♪
A gravação retorna com Mathias posicionando a câmera em um pequeno muro, é possível ver um grande quintal gramado, uma casa ao fundo e Mathias traz um violão em uma das mãos.
— Tudo bem — ele respira fundo. — Eu sei o quanto a Polly gosta dessas coisas românticas, então eu vou fazer uma serenata sob o luar.
Mathias se vira na direção da casa, agachando-se para pegar algo no chão. Ele se levanta com uma das mãos cheias de pedrinhas, arruma sua calça jeans que está caindo e mira uma das pedras na direção da casa.
— Polly! Ei, Polly! — ele chama e arremessa uma pedrinha na janela do quarto da amiga.
Não funciona de primeira e Mathias joga mais e mais pedrinhas de tamanhos cada vez maiores.
— Matt? O que você está fazendo? — em algum momento Polly aparece na janela.
Mathias não consegue parar o movimento a tempo, seu braço já está lançando mais uma pedra e dessa vez ela acerta a testa de Polly, que cai para trás, desaparecendo da filmagem e da vista de Mathias.
— Ai meu... Polly? Merda! Polly! — Mathias se desespera, soltando o violão e as pedrinhas no chão, ele coloca as mãos na cabeça, dá uma volta ao redor de si mesmo e pega a câmera, correndo na direção da casa e socando a porta.
— Mathias? — é o pai de Polly quem abre.
Mathias não responde nada, entrando na casa e correndo para o quarto de Polly, ele abre a porta com violência e se desespera ao ver a garota jogada no chão do quarto.
— Polly, Polly, por favor me diz que você tá bem — se ajoelha ao seu lado, a câmera rolando pelo tapete, exibindo agora apenas embaixo da cama de Polly.
— Matt? — Polly choraminga meia confusa com tudo.
— Tem sangue! Tem sangue pra todo lado! — Mathias se desespera e há barulhos de sacolejos.
É possível ver na gravação da câmera os pés do pai de Polly entrando no quarto.
— O que você fez com a minha filha, Mathias? — o homem pergunta em tom confuso, ainda tentando entender o que aconteceu para o amigo de infância da sua filha parecer tão desesperado enquanto Polly está deitada no chã com sangue na testa.
— Eu sinto muito, eu... Polly... Eu só queria ser romântico — Mathias continua a se desesperar.
E apenas porque Polly tem certeza de que vai morrer por causa da sua CLARAMENTE GRAVE LESÃO NA CABEÇA ela diz:
— Eu amo você.
Mathias se engasga e precisa respirar fundo para tentar entender o que ouviu. Ela acabou de dizer... Ela disse mesmo...
— Mas eu te acertei com uma pedra — balbucia com confusão.
— Tudo bem.
— Eu não consegui fazer minha serenata, eu... Você merecia... Eu...
Polly revira os olhos e, por sorte, o pé do pai dela bateu na câmera apenas o suficiente para vermos no canto da gravação o momento exato em que Polly se inclina para beijar o garoto. Mathias finalmente cala a boca e os pezinhos do pai de Polly batem no chão com impaciência, porque o fedelho do Mathias acaba de acertar sua menininha com uma pedra e agora está beijando ela? Quer dizer, ele é um bom garoto e tudo, mas sua menininha não é jovem demais para isso? Ele nunca mais vai deixar esses dois em um quarto com as portas fechadas de novo.
— O hospital vai adorar te ouvir cantar pra mim — Polly diz após o beijo, porque é claro que ela ainda quer ouvir a serenata de Mathias.
E apesar de não saber cantar tão bem, do seu violão ter sido roubado após ter sido largado na calçada e de sua nova namorada ter levado cinco pontos na testa, Mathias nunca esteve tão feliz com a ideia de fazer uma seresta para alguém, porque esse alguém é Polly e, como diz a letra, meu melhor amigo é o meu amor.
Você pode ver mais de Polly no meu livro Olhos de Coração.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro