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Primeiro o Chocolate

  Arthur acaba de presenciar a briga de um casal de adolescentes. De alguma forma isso o afeta tanto que ele está pensando em saltar da janela do décimo andar.

  Seus olhos vêm observando um casal de jovens há algum tempo, são dois garotos que parecem estar no ensino médio, eles pegam o ônibus na frente do seu prédio e por isso não é tão assustador quanto parece Arthur estar os observando. 

  Em sua cabeça, Arthur os chama de Romeu e Julião, R e J se estiver se sentindo com preguiça de pensar nos nomes completos. Eles são fofos juntos. Romeu é o mais falante e está sempre gesticulando enquanto andam e esperam o ônibus. Julião parece falar pouco, mas sempre que abre a boca arranca risinhos e sorrisos do outro garoto.

  Da sua janela, Arthur viu a amizade deles acontecer, eles iam e vinham da escola juntos, conversando sobre tudo e nada, sorrisos trocados e olhares roubados. Um dia eles apareceram de mãos dadas e um dia eles se beijaram. E os dias continuaram assim, os dois tão claramente apaixonados que qualquer um conseguia ver.

  E então hoje aconteceu. Hoje Romeu não pegou na mão de Julião e Julião não fez Romeu rir como sempre faz. Hoje eles não conversaram, não se abraçaram como costumam fazer e não trocaram olhares. Arthur está abalado. Ele gostaria de dizer que está surpreso, mas realmente não está, namoros juvenis não duram, ele sabe disso... Ele sabe. Ainda assim, algo em Romeu e Julião o afeta, porque ele se vê nos garotos, quando era jovem, e perdeu amores, e agora, que é um adulto e continua perdendo amores.

  Ele está no décimo andar e a cada dia que passa a decisão de colocar um fim em seus dias fica cada vez mais atraente. A solidão faz isso com as pessoas. Conheça-se e se odeie. Esse tem sido o lema dele desde que se mudou para um apartamento no centro da cidade, onde passa os dias observando as pessoas da janela, comendo comida gordurosa e avaliando a forma menos dolorosa de acabar com tudo. Ele não toma banho há três dias, está acima do peso e sua barba está tão longa que ele não duvida que esteja abrigando uma cidade de ácaros. A vida tem sido dura com Arthur.

  É sufocante. Não ter com quem conversar. Arthur passa tanto tempo sem ouvir a própria voz que quase não a reconhece mais. Não apenas a sua voz, ele se olha no espelho e não consegue se ver. Ele costumava se achar bonito, um nota 6 em um bom dia e um 8 quando as pessoas estavam bêbadas. Arthur prezava por um bom visual, ele costumava ter um black power! Seu lindo cabelo deixava as mulheres e os homens loucos, mas agora ele tem calvície e não tem certeza de qual foi a última vez que foi ao barbeiro. Arthur ia à academia e estava tentando ser vegetariano. Ele praticava esportes, saia todo final de semana com seus amigos e passava as noites com sua família. É claro, tudo isso foi na época em que Arthur tinha para quem voltar. Quando ele era esperado em casa para o jantar e seu celular estava sempre cheio de notificações. Quando Arthur era feliz. Ele sabia que era. E ele ainda assim conseguiu estragar tudo.

  Arthur se inclina na direção da janela, observando as pessoas felizes com suas vidas lá embaixo e algo nisso o irrita, deve ser a parte do felizes.

  Respirando fundo, Arthur olha para os dois lados, um pouco para se certificar de que não será atrapalhado, um pouco porque ele quer que alguém o impeça. Ele sente as lágrimas mancharem sua visão quando coloca sua perna direita no parapeito da janela e ele soluça quando não consegue colocar a esquerda. Ele grita porque não quer morrer. Arthur não quer desaparecer.

— Você já foi mais inteligente do que isso — alguém diz atrás dele e Arthur suspira de desgosto com a companhia indesejada. — Já pensou em quem vai ter que limpar suas tripas da calçada?

— Kaleb — Arthur sibila em alerta, porque ele não sabe se consegue lidar com isso agora.

— Desça daí, Arthur — a voz diminui um pouco, soando preocupada. — Tem um parquinho na frente da sua janela, você não quer traumatizar um monte de crianças.

  Kaleb é tudo que Arthur gostaria de ser e ter, mas nunca conseguiu. Ele é um homem atlético, esbelto e ágil, com um sorriso vibrante e dois lindos olhos pretos que brilham como turmalinas, eles combinam com sua pele parda e com a suavidade da sua voz.

— Você está morto — Arthur fala com a voz fraca, incapaz de conter um soluço de dor.

  Kaleb sorri para ele, aquele sorriso de diversão que costumava dar quando tinha uma ideia idiota e um plano na cabeça. O mesmo sorriso de quando Kaleb o pediu em namoro, mesmo sabendo que era uma péssima ideia.

— E mortos não aparecem no apartamento dos outros assim — Arthur gesticula exasperado para Kaleb, que está parado na sua frente como se nada de anormal estivesse acontecendo. — É deselegante.

  Kaleb olha para o seu próprio corpo, como se analisasse sua existência.

— Eu pareço bem vivo — ele conclui.

— Mas não está — Arthur discorda, conseguindo abaixar sua perna do parapeito e sentindo uma ligeira dor nas articulações com o esforço. — Você está morto, você bateu a cabeça, passou dois dias no hospital e morreu de traumatismo, eu sei porque eu estava no hospital, tenho certeza de que não alucinei a morte do meu melhor amigo — divaga enquanto anda pelo apartamento com as mãos na cabeça em nervosismo.

— Melhor amigo? — Kaleb cruza os braços, erguendo uma sobrancelha.

  Arthur para de andar. Ele parece perdido. Kaleb dá de ombros, andando até a cama de Arthur e se jogando no meio do colchão.

— O que vai fazer hoje, melhor amigo? — Kaleb pergunta com sarcasmo na voz.

  Arthur respira fundo e não responde, indo até o lugar onde guarda seus remédios, Arthur pega um comprimido e  se aproxima da cama devagar, tentando não tocar Kaleb quando se inclina para pegar a garrafa de água em sua mesa de cabeceira.

— Eu não vou te atacar — Kaleb exclama com impaciência.

— É claro que não, você é uma alucinação — Arthur zomba, abrindo a garrafa.

  Kaleb parece não ter gostado da fala, porque ele se levanta rapidamente da cama, balançando as mãos e fazendo um barulho de susto tão repentino, que Arthur pula para trás com um grito e derruba o comprimido no chão.

— Kaleb! — Arthur repreende, irritado com o homem e irritado consigo mesmo por se assustar com algo que nem está lá.

  Não reprimindo um bufo irritado, Arthur se ajoelha no chão para procurar o medicamento, achando terrivelmente difícil enxergar com a luz apagada, a única iluminação vindo da janela aberta. A lâmpada queimou no mês passado e ele nunca se lembra de comprar outra.

— Você já foi mais divertido — Kaleb lamenta, rastejando na cama para ficar de frente para Arthur enquanto ele faz sua busca pelo comprimido no chão. — Quando foi a última vez que você saiu?

— Eu não tenho tempo para isso, sou um adulto, tenho responsabilidades — o tom de Arthur saí ríspido e ele se repreende mentalmente por continuar respondendo.

— Você trabalha em casa, tem os finais de semana livres, não tem família e não estuda — cita nos dedos, sua boca curvada em um sorriso convencido por ter pego Arthur em uma mentira. — Com o que você gasta tanto tempo? — Arthur se senta no chão para olhar Kaleb de forma imparcial. — Acho que você poderia pelo menos varrer o chão — Kaleb sugere, seu rosto contorcido em uma careta de pena que causa náuseas em Arthur.

— Você não tem que achar nada — ele se levanta do chão com dificuldade, batendo em suas roupas quando vê que estão sujas depois de sua pequena expedição.

— Eu sei que você tem bronquite e toda essa poeira não pode estar fazendo bem para você — Kaleb rebate, rindo quando Arthur não encontra uma resposta e apenas sai do quarto com pressa.

  Arthur não precisa ouvir isso de uma alucinação para saber que é verdade, ele se diz isso o tempo todo. "Arthur, seu quarto cheira a mofo, daqui a pouco seus pulmões vão despejar você do seu próprio corpo", mas ele não consegue sentir vontade de limpar, se mover, até pensar é demais às vezes. Ele tentou. Algumas vezes. Quase sempre desistindo no início. Por desânimo. Por preguiça. Por ansiedade. Quem sabe?

  Kaleb o segue até a cozinha, um pouco mais clara que o quarto, a cozinha tem uma lâmpada funcional e não cheira como se um ecossistema próprio estivesse devorando as paredes. No entanto, existe uma pilha de louças sujas assustadora, o chão tem manchas de sujeiras que parecem estar ali há meses e a geladeira de Arthur está praticamente vazia.

— São oito da manhã — Kaleb informa quando vê Arthur pegar uma caixa de pizza da geladeira e a jogar em cima da mesa. — Não pode comer isso.

  Arthur sabe que Kaleb está certo. Encarando a pizza com desgosto, ele larga a caixa em cima da mesa e volta para o quarto, onde fecha as cortinas e se joga em cima da cama, embalando-se em seus cobertores. Ele não sente o peso afundando o colchão quando Kaleb se senta ao seu lado.

— O que está acontecendo? — a voz de Kaleb é preocupada e isso parte o coração de Arthur. — Por que está agindo assim?

  Arthur fecha os olhos, sentindo lágrimas voltarem a pinicar sua visão. Dói ouvir essas perguntas. Kaleb não é real, mas se fosse, se o verdadeiro Kaleb estivesse ali, Arthur sabe que seria exatamente isso que ele perguntaria. Talvez com alguns puxões de orelha a mais, mas exatamente nesse tom.

— Fala comigo, Art — insiste e o apelido de infância quebra Arthur.

  Agora ele está realmente soluçando embaixo dos cobertores como uma criança, apertando tanto o lençol da cama que ele quase pode sentir os pontos da costura se desfazerem. Sua garganta queima e sua cabeça lateja em protesto, enquanto seu corpo luta para respirar entre os soluços quebrados que saem dos seus lábios rachados.

— Eu sou patético — Arthur consegue dizer.

— Você não é patético, só está sendo patético nesse momento — Arthur funga ao ouvir isso, meio ofendido, meio risonho. — Você precisa sair mais, dar um jeito na sua vida, procurar ajuda.

  Arthur suspira, ouvir a voz de Kaleb é ótimo, é como voltar a ser adolescente, quando sua maior preocupação era se alguém veria as cartas de amor que trocavam.

— Você tem que se cuidar, Art, agitar um pouco — Kaleb continua, fazendo Arthur soltar outra risada confusa.

— Não preciso que me diga o que fazer — Arthur tenta soar indiferente, mas sua voz não tem forças para isso. — Eu sei o que eu tenho que fazer para consertar minha vida, Leb

— Por que não faz então?

  Arthur encolhe os ombros. Por que ele não conserta sua vida? Ele se faz essa pergunta todos os dias. Por que ele não levanta, lava o rosto e dá bom dia para o sol? Por que ele não faz um café da manhã saudável? Por que ele não sorri mais? Por que uma caixa de lenços de papel não dura mais que uma semana? Por que tem tanta coisa errada com ele?

— Eu não consigo — confessa e se sente quebrado. — Eu quero mudar, é que às vezes eu não consigo levantar da cama.

  Eles ficam em silêncio por alguns minutos, ouvindo a respiração áspera de Arthur e, tanto quanto Arthur odeia o silêncio, dessa vez parece confortável, depois de falar o que o sufoca. Falar é bom, Arthur percebe enquanto fecha olhos, falar é muito bom.

— Eu odeio te ver assim — ele ouve Kaleb murmurar antes do sono levá-lo.

  Arthur adormece sem nem perceber.

  Arthur acorda sem nem perceber.

  Às vezes isso acontece. Ele abre os olhos e a névoa do sono ainda está presente, grossa em suas vistas, fazendo tudo parecer etéreo. Ele acha que está sonhando quando olha para o lado e vê Beth sentada na cama, no mesmo lugar onde Kaleb estava quando ele adormeceu. O corpo de Arthur parece pesado e ele não consegue se mexer.

   Acostumado à sensação de estar preso à cama, Arthur tenta relaxar em seus travesseiros duros e cobertores finos. É assustador não conseguir levantar, não porque o chão é lava ou porque suas pernas estão doendo, mas porque ele não consegue. Costuma melhorar conforme as horas passam e ele continua olhando para o teto, a culpa e auto-aversão fazem o trabalho.

— Você é uma vergonha — Beth debocha, trazendo Arthur de volta para a conversa antes que ele pudesse se entregar ao sono mais uma vez.

  Os olhos de Arthur miram a janela, se perguntando se é um bom momento para morrer.

— Kaleb — Arthur pensa alto, o nome rola em sua língua como mel e paira no ar como uma abelha zangada quando Beth olha para ele com desprezo.

— Oh, você está procurando por ele? — seus lábios pintados de rosa se esticam em um sorriso cruel. Em pensar que em algum momento Arthur já amou esse sorriso, teria feito loucuras por ele, apenas para ver Beth feliz, sorrindo com seus dentes adoravelmente tortos e suas covinhas. — Está procurando pelo ignóbil que arruinou nosso casamento?

— Ignóbil — Arthur repete com surpresa. — Não sabia que eu sabia essa palavra.

  Beth revira os olhos para isso e Arthur pensa com desgosto em como ela continua linda, não importa as coisas horríveis que disse ou as coisas horríveis que continua dizendo.

— Você não sabe de nada — devolve alegremente, feliz em achar um jeito de fazer a conversa ser sobre os erros de Arthur. — Não sabe cuidar de você, não soube cuidar do nosso casamento e não vai saber cuidar da minha filha.

— Não a coloque nisso — rebate em seguida, um grunhido irritado no fundo da sua voz. — E é nossa filha.

  Ele está lidando com isso. Está consertando sua vida... Aos poucos.

  Certo, talvez ele esteja ajeitando tudo a passos de bebê, mas ninguém pode julgá-lo. Ele alugou um apartamento! E, ok, ele não tem um emprego fixo, mas as contas estão pagas, as dívidas quitadas e a pensão em dia, então ele não vai aceitar Beth Alucinação falando que ele não sabe cuidar da filha deles.

— Nos separamos há um ano e você ainda não superou, vive dizendo "estou com depressão" e "mimimi, ninguém me ama" — Beth zomba, fazendo aspas no ar e imitando sua voz, o que em algum momento foi uma mania engraçada, agora é apenas desconfortável, ver Beth o imitando como se ele fosse uma piada.

— É claro que não superei, eu passei treze anos da minha vida com você — informa, mesmo sabendo que é inútil, que ele está discutindo com uma alucinação e se a Beth de verdade não o escutou, por que essa escutaria? — Eu te amei, Beth — sussurra baixinho, cansado demais para aumentar o tom ou mesmo abrir os olhos e ver o rosto da ex-mulher.

— Mas sempre amou mais o Kaleb — devolve com calma e graça, sempre elegante, é por isso que eles não deram certo, Arthur sempre se sentiu um bárbaro desajeitado. — Se me amasse mesmo eu teria sido o suficiente.

— Você sempre foi o suficiente e Kaleb está morto — não é a primeira vez que ele diz essas duas frases e não é a primeira vez que Beth gargalha ao ouvi-las.

— Eu era tão o suficiente que você ainda assim decidiu virar gay.

  Arthur respira fundo, controlando-se para não perder a linha e começar a gritar. Ele não precisava passar por outro momento constrangedor onde o síndico bate em sua porta para ver se está tudo bem, apenas para descobrir que Arthur está sozinho no apartamento.

— Eu não virei gay, as pessoas não viram gays — seu tom é comedido, as palavras saem pausadas e parece que sua língua gruda no céu da boca.

— É a mesma coisa, Arthur, você ainda é um viad...

— Cala a boca — interrompe antes que ela possa falar alguma besteira ainda maior. — Não existe nenhum problema em ser o que eu sou — afirma com pouca convicção, Arthur sente que não tem forças para discutir nesse momento.

  Ele tem trabalhado em sua aceitação. Ver que não é errado, que está bem ser o que é. Romeu e Julião foram importantes nisso. Ver um casal tão jovem andando por aí, felizes em apenas estarem um com o outro, livres para ir e vir.

— Se não houvesse nada errado você não teria terminado com Kaleb, seriam felizes e livres agora que todo mundo aplaude isso — Beth o provoca, sabendo exatamente onde apertar para doer.

  Ela sempre foi observadora, analisando suas fraquezas e inseguranças, usando-as quando queria alguma coisa. Beth era especialista em fazer os outros se sentirem mal. Não é uma surpresa que a Beth criada na sua cabeça consiga ser ainda pior e mil vezes mais certeira que a da vida real, no entanto, saber que é ele quem está criando essas falas não diminui a dor.

— Foi por causa da intolerância de pessoas como você que eu terminei como ele — argumenta e as palavras pesam, são pesos que puxam sua língua para baixo e não lhe deixam abrir sua boca. — Eu não queria que ele sofresse — completa com os lábios meio fechados, como se não quisesse que as palavras saíssem, porque ele sabe, no momento em que vê o sorriso no rosto de Beth se alargar, que ele disse a coisa errada.

— Por isso você preferiu deixar ele sofrer sozinho? — sua voz é como veneno para a consciência de Arthur. — Pobre Kaleb, espancado até a morte pelos próprios vizinhos, sozinho, rejeitado pela família e pelo namorado que preferiu se esconder a vida toda em um casamento de fachada.

  Arthur não chora. Não grita. Não se desespera. Fraco demais para isso. Mas as palavras de Beth cumprem sua missão de piorar ainda mais seus pensamentos. Culpa. Arrependimento. Remorso. São coisas poderosas. Rastejando pelas paredes do seu cérebro, fazendo Arthur se encolher em seu próprio corpo.

  Ele pensa em Kaleb. Um olhar carinhoso. Um toque delicado. Um elogio sussurrado. Arthur se lembra das risadas que davam e dos planos que faziam. Planos onde os dois ficariam juntos para sempre, onde fugiriam para a cidade grande, onde seriam mais aceitos e poderiam construir uma vida. Memórias boas de um tempo que não volta. E como Arthur deseja voltar. Ele precisa voltar. Voltar para o passado e se forçar a ter mais coragem. A não terminar com Kaleb quando as desconfianças dos seus pais começaram e os boatos agitaram os vizinhos. Arthur queria voltar para quando Kaleb implorou para que ele ficasse. Para que desse uma chance para os dois.

  Kaleb morreu. E a morte dele não mudou o que Arthur sentia. De todas as coisas da vida de Arthur, foi o amor que ele tinha por Kaleb que perdurou. Mesmo quando ele se apaixonou de novo. Por Beth.

  Ainda é tarde quando Arthur decide levantar da cama. Beth foi embora depois de cumprir sua missão de torturá-lo. Agora Arthur está sozinho. Apenas ele e os sons da cidade. Carros. Motos. Às vezes um caminhão. Pessoas. Muitas pessoas. Vida. Ele quer ir ao banheiro. Ele vai ao banheiro. Acredite, não precisamos de uma descrição do quão deprimente é o banheiro de Arthur, a lâmpada lá também está queimada.

  Arthur não volta para a cama, ele não quer passar mais tempo deitado sem fazer nada. Então ele volta para a cozinha, seu estômago faminto agradece, são quatro da tarde e ele só comeu um pão o dia todo. É mais do que muita gente come em um dia, mas é bem menos do que a maioria das pessoas come.

— Eu quero café — uma voz doce e infantil diz e Arthur se vira de forma brusca para encontrar uma garotinha sentada na bancada que divide a sala e a cozinha.

— Melissa — se surpreende ao ver sua filha sentada ali. — Essa é nova.

— Eu quero café — a garotinha volta a repetir, ela tem os mesmos olhos castanhos esverdeados e pele caramelo da mãe, cachos castanhos amarrados em marias chiquinhas.

— Ela nunca diria isso — Arthur chama a atenção do seu próprio cérebro pela representação infiel de Melissa. — Ela pediria chocolate quente.

— Eu quero chocolate quente — Melissa pede e ainda vai nascer o dia em que Arthur vai negar algo para sua menininha. — Com granulado arco-íris! — ela bate palmas e Arthur ri.

  Ele cantarola enquanto procura na cozinha por leite e chocolate, seu bom humor parece voltar imediatamente e ele quase esquece da visita assombrosa de Kaleb e Beth. Agora que está em pé e um pouco mais disposto, Arthur se lembra do remédio que deveria ter tomado, ele deveria tomá-lo agora, mas ele não quer que Melissa vá embora, sua filha é um acréscimo agradável e ele decide que não se importa em tê-la por perto um pouco mais. Melissa cantarola junto com Arthur, fazendo-o lembrar de como as manhãs eram divertidas quando os dois acordavam primeiro que Beth e iam para a cozinha preparar o café da manhã. Tudo antes de Arthur ser expulso sair de casa.

— Eu não tenho chantilly — notou com tristeza quando abriu sua geladeira pela terceira vez, como se esperasse que o chantilly surgisse ali pela sua força de vontade. — Vou comprar chantilly amanhã para quando você vier me visitar — ele decide, sorrindo na direção da garota.

  Não dura muito. Porque ele lembra que Melissa não vai visitá-lo tão cedo, não até que ele deixe o lugar decente o suficiente para uma criança.

  Às vezes, com tantos pensamentos, tantos problemas e tantos arrependimentos, fica difícil lembrar porque ele acorda todos os dias. Porque ele continua trabalhando. Porque ele continua se forçando a levantar e arcar com suas responsabilidades, a encarar seus erros, a seguir em frente. É tudo por Melissa.

  Arthur se engasga ao pensar que quase se matou mais cedo. Ele quase se jogou da janela do prédio e não pensou em Melissa. Não pensou no que ela diria, o que ela pensaria ao saber que seu pai não estava mais com ela, que havia virado estrelinha, ido para um lugar melhor ou qualquer que fosse a mentira que Beth decidisse contar. Provavelmente diria que ele a abandonou, a megera.

  Isso o faz se sentir pior. Nesses momentos, Arthur acha que Beth está certa quando diz que ele é um péssimo pai. Dói ouvir isso, porque ele não abandonou sua filha, ele não a machucou ou a negligenciou de forma alguma. A vida de Arthur só existe por Melissa. Vale a pena por ela. E ainda assim não é o suficiente.

  Em momentos assim, Arthur se sente mais obstinado do que deprimido. Ele sente essa vontade ardente de provar a todos que eles estão errados, que ele pode ser um adulto bem sucedido e feliz. Mesmo tendo perdido Beth, sua carreira e a vida que eles construíram juntos, Arthur poderia ser feliz, ele estava se reerguendo aos poucos.

  Arthur queria, de repente, dar um jeito na sua vida. Por Melissa. Por Kaleb. Por ele.

  Ele é humano, ele cometeu erros e se culpa por eles. Tanta culpa que às vezes parece afogá-lo. Mas ele era jovem e medroso quando perdeu Kaleb. E ele não traiu ou magoou Beth de propósito. Ele foi um bom amigo, um bom marido e é um bom pai.

  Arthur merece dormir em uma cama com lençóis lavados e em um quarto livre de mofo, sujeira e escuridão. Ele merece comer vegetais, legumes, verduras, frutas e todas essas coisas saudáveis que ele gosta tanto, mas não encontra mais motivação para comprar. Ele sente vontade de ir ao mercado e comprar tudo que encontrar na sessão do hortifruti. Ele quer correr pela praça e se exercitar como antes. Ele quer convidar seus amigos para jantar e contar a eles sobre seu trabalho, sua vida amorosa e sua linda filha. Porque ele merece essas coisas, desejos básicos da vida de qualquer adulto. Estabilidade.

  Infelizmente já são quatro da tarde. Ele está cansado. Ele se odeia. E ele não vai conseguir. Sabe que não. Ele já tentou. Quantas vezes Arthur não acordou com desejo de mudar o mundo, mas desistiu quando viu que teria que trocar de roupa para sair lá fora? É cansativo. E ele tem tanta coisa para mudar. Desculpas para dar, pessoas para ver. São tantas tarefas. Tanta coisa errada que ele precisa consertar. E sua cabeça dói, porque ele não consegue tomar a rédea da própria vida. Arthur tenta. Arthur quer. Arthur falha.

  E ele não tem ninguém em quem colocar a culpa, ninguém além dele mesmo. Foi ele quem terminou com Kaleb e o deixou sozinho. Foi ele quem mentiu para Beth sobre sua sexualidade por todo esse tempo. Foi ele quem não conseguiu a guarda compartilhada de Melissa porque é instável demais.

— Papai — Melissa chama quando Arthur passa muito tempo em sua própria cabeça.

  Arthur olha para ela, sua postura relaxando ao ver sua filha, sua doce garotinha, que gosta de natação e odeia açafrão. Melissa é uma luz na sua vida. É por isso que ele continua tentando. Mesmo sabendo que vai falhar.

— Faz o chocolate — ela diz em sua voz alegre e inocente demais para esse mundo, sem parecer perceber o quanto isso abre os olhos de Arthur.

  Fazer o chocolate.

  Ele ri de si mesmo. São quatro da tarde e ele está pensando em mudar sua vida. Arthur gargalha de si mesmo. Ele está louco se acha que vai mudar tudo de uma hora para outra.

  Fazer o chocolate. Certo. Ele pode fazer isso. Uma coisa de cada vez. Ele pode decidir isso amanhã. Pode tentar mudar amanhã. Mas ele não se surpreenderia se desistisse na metade. É sempre assim. Ele se anima com algo, pega uma migalha de esperança e se sente no topo do mundo, é como se finalmente estivesse no controle da sua vida. Exceto que ele falha. Que ele desiste. Que ele desanima.

  Arthur suspira. Olhando para os dois copos de chocolate quente com granulados coloridos boiando de forma pouco graciosa. São cinco horas quando ele e sua filha imaginária terminam de tomar o chocolate quente (ele tomou os dois copos), os dois olhando em silêncio pela janela do quarto de Arthur, vendo a movimentação do fim de tarde.

  Arthur vê um ônibus parar no ponto. Ele prende a respiração. Romeu e Julião descem. Eles estão de mãos dadas. Sorrindo. Felizes. Que surpresa agradável! Arthur grita de alegria. Verdadeiramente feliz, dando uma volta ao redor de si mesmo e levantando os braços para cima. R e J ainda estão juntos. Seu amor sendo exibido na frente de todo mundo com tanta naturalidade que Arthur sente seu coração transbordar de simpatia.

  E ele pensa em Kaleb e pensa em Melissa. Os dois em algum lugar no fundo da sua mente. Arthur pensa neles e pensa em viver por eles. Viver nesse mundo onde Kaleb deu a vida defendendo quem era, enquanto Arthur teve medo. Agora Arthur está livre. Romeu e Julião estão bem.

  É verdade que talvez amanhã sua felicidade tenha ido embora, que amanhã talvez Arthur acorde e não consiga levantar da cama ou que ele levante e se jogue do décimo andar. Mas ele está tão cansado. Cansado de ter medo. De deixar os outros decidirem sua vida. Ele está com tanta saudade de Kaleb, de quando eles eram felizes e podiam estar juntos. E ele está com saudades da sua filha, dos dias de filmes e das noites de histórias.

  Então talvez ele acorde e queira morrer. Talvez Arthur abra os olhos amanhã e queira viver. Por Romeu e Julião, por Kaleb e Melissa, antes que Arthur possa querer qualquer outra coisa na manhã seguinte, ele decide fazer sua segunda mudança no dia, então ele pega seu telefone e marca uma consulta com uma psicóloga.

  Primeiro ele fez o chocolate, depois...

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