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Maldito Suco de Morango

  Em uma época que não vem ao caso; em um país que ninguém sabe o nome; em um vilarejo que desapareceu do mapa... É assim que nossa história começa.

  Nesse pequeno vilarejo existiu uma pequena população com pessoas pequenas. Essa foi a casa de um jovem Garoto. Seu nome se perdeu no tempo, mas sua história ainda é bastante lembrada.

  Seus pais morreram por uma dessas pragas que levam metade da população em um piscar de olhos. Eram boas pessoas, mas, como a maioria das boas pessoas, eram muito pobres. Deixaram ao seu único filho apenas uma humilde casa e uma pequena plantação de morangos. Infelizmente a casa era muito fria e a plantação muito inútil.

  Crescer em um ambiente assim fez com que o Garoto estivesse sempre sonhando com mais, pensando em quartos onde a chuva não caísse do teto e comida que não obstruísse sua respiração. O Garoto sonhava em conquistar o mundo, mas pouco fazia para tornar isso realidade.

  Trabalhava na padaria local em troca de comida. Vestia sempre a mesma camisa marrom furada e uma horrível touca de lã. Sonhava muito e o tempo todo.

— Pare de fantasiar e vá trabalhar — seu chefe gritava quando via que ele estava parado há muito tempo. — Não te pago para ter esperança.

  O Garoto guardava seus pensamentos para mais tarde e voltava ao trabalho, como catar gergelim do forno para reaproveitar depois e roubar as receitas das padarias vizinhas.

  Se você perguntasse as pessoas o que achavam do garoto, receberia respostas como:

— Oh, ele é um jovem humilde — diria uma robusta senhora segurando uma cesta de roupas sujas. — É ele quem cuidar das minhas crianças quando preciso sair.

— É um garoto burro! Trabalha vinte sete horas por dia em troca de dois pedaços de pão — seu chefe confessaria. — E nem são frescos.

— Garoto é um doce de garoto, ele carrega minhas sacolas pesadas — uma adolescente contaria entre risadinhas.

  Isso deve dizer muito sobre quem é o Garoto. Não, ele não é inocente ou prestativo, é um idiota, um trouxa que deixa as pessoas o usarem como um serviçal. Sempre disposto a ajudar, sempre aceitando críticas, sempre disposto a melhorar. Estúpido! Burro! E também, devo confessar, muito ingênuo. E é aqui que eu interfiro.

  Garoto estava saindo do trabalho quando apareci, caminhando ao seu lado como se não quisesse nada até ele me notar. Nada aconteceu. Caminhamos juntos por todo o caminho sem trocarmos nenhuma palavra.

  Na verdade, ele só percebeu minha presença quando estava deitado em sua cama, olhando para o teto pensativo, como se não houvesse uma estranha ao seu lado.

  Então ele gritou. Levantou assustado, tropeçando nos lençóis e derrubando os poucos móveis espalhados pela casa.

— Quem é você? — gritou em tom agudo. — Não pode estar aqui.

— Olá, Garoto — cumprimentei em toda a minha glória, com um vento misterioso balançando meus cabelos e uma luz ainda mais misteriosa iluminando meu corpo lindamente trajado com um vestido preto esfumado. — Sou Amber, a ambiciosa.

  Essa pareceu não ter sido a melhor forma de me apresentar, já que o garoto arregalou seus grandes olhos de jabuticaba e então desmaiou. Caiu no chão com um barulho tão baixo que me fez questionar se ele pesava mais que uma pena.

  Sem muito o que fazer, além de observar o Garoto dormir — o que eu não fiz, porque seria estranho — o dia voltou a clarear, as galinhas a cacarejar e as pessoas a tagarelar.

  O Garoto abriu seus olhos, incerto, levantando-se do chão e examinando a casa com cuidado.

— Bom dia! — disse do meu lugar no teto.

  Ele voltou a gritar, encolhendo-se num canto como todo bom covarde faria.

— Quem é você? — falou o mais alto que sua coragem permitiu.

— Já disse, sou Amber.

— O que é você?

— Sou uma Influenciadora, estou aqui para ajudar!

  Seus olhos me examinaram cuidadosamente. O fato de eu estar andando pelo teto deve ter sanado qualquer dúvida do tipo: Como entrou na minha casa? Por que está fingindo ser uma entidade?  Acredite, o número de pessoas que fingem ser entidades divinas é preocupante.

  Obviamente o garoto sabia o que eu era, mas Garoto não pareceu interessado em descobrir porque eu estava ali.

— Então, Garoto, não que você tenha perguntado — comecei meu familiar discurso enquanto ele estava saindo de casa, não se preocupe, não aconteceu nada desde a hora que ele acordou até esse momento, a vida do Garoto era baseada em dormir e trabalhar, nada de interessante aconteceu, confie em mim. — Mas estou aqui para tornar todas as suas ambições realidade — ele encolheu os ombros, conformado o suficiente para concordar sem fazer objeções. — É sério? Sem perguntas?

— Não estou interessado, Amber; gosto da minha vida — foi o que ele disse, desviando da longa rua de doentes pedindo por comida, optando pelo caminho dos pobres pedindo esmolas. — Mas não vou impedi-la de realizar seu tra... Ei, por que eles não pedem ajuda a você? — se referiu as pessoas nos becos e vielas com suas mãos erguidas.

— Não podem me ver — peguei uma das duas moedas no chapéu de um velho senhor idoso ancião.

— Ei, não faça isso! Isso é tudo que essa pessoa tem — esbravejou.

— É — concordei, girando a moeda entre os dedos. — E ele acaba de roubar o seu pão, o que até onde eu sei, é tudo o que você tem.

  Garoto parou de andar, olhando para suas mãos vazias.

— Mas... Como?

— Às vezes tudo o que temos é roubado, você não vê o prefeito? — apontei para a praça central, onde o pomposo e sempre alegre prefeito recolhia os impostos de quem passava.

— Tudo bem, aquele velho senhor idoso ancião precisava daquilo mais do que eu — Garoto tentou se convencer, dando um sorriso forçado e apalpando os bolsos para achar uma moeda. — As pessoas não têm nada nesse lugar e o prefeito continua pedindo mais e mais.

— Esse é o seu problema, Garoto; você deixa todo mundo pisar em você — entreguei a ele a pequena moeda de bronze que roubei. — Confie em mim e no final desse dia você será o prefeito.

  Garoto olhou para mim hesitante em ceder as suas ambições e me deixar tomar o controle da situação.

— Eu não sei, Amber — balançou no mesmo lugar, os olhos vagando pela praça.

  Um cenário de derrota e desgraça desenhado a sua frente. Muitas pessoas chorando, crianças com sarna correndo e buracos para o purgatório sendo abertos, tudo como o cheiro de mil cachorros molhados presos em um lugar abafado.

— O perfeito está indo embora, você tem alguns minutos para decidir se vai dar essa moeda ao prefeito ou me deixar torná-lo o rei dessa cidade.

— Somos uma democracia.

— É nisso que eles querem que você acredite.

  Os minutos que se seguiram foram extremamente entediantes para mim. Já o Garoto pareceu ter entrado em uma crise interna, lutando entre ser um bom cidadão e ir pagar seus impostos ou ceder a sua mania de grandeza e se tornar soberano do pequeno buraco que chamava de casa.

  Não demorou muito para que tomasse uma decisão, algumas pessoas só precisam do incentivo certo.

— Certo — disse um pouco alto demais, atraindo olhares dos loucos próximos. — Aceito sua ajuda, mas não quero que me force a fazer nada ilegal.

— Tudo bem — isso dependeria da sua visão do que era ilegal, é claro, mas eu não disse isso a ele.

— E eu sou uma boa pessoa, não importa o que você diga, vou fazer isso pelas pessoas, para tornar esse lugar melhor— afirmou, batendo o pé no chão, fazendo uma nuvem de terra e poeira subir ao seu redor.

  Ergui uma sobrancelha, duvidosa.

— Se é mais fácil para você achar que suas motivações não são totalmente egoístas...

— Elas não são!

— Eu acredito — levantei as mãos em rendição.

  Silêncio. Ficamos observando as pessoas da praça se lamentarem.

— E como fazemos isso? — perguntou como quem não queria nada.

— É simples, vamos dar ao povo o que o povo quer.

  Com sua aprovação – não que fosse algo necessário, mas, você sabe, consentimento é sexy – arrastei o Garoto em direção ao centro da praça, onde uma fonte implorava para que alguém subisse ali e começasse a discursar.

— Amber, o que estou fazendo aqui? — questionou incerto, olhando seu reflexo fracassado na água suja. — Tenho que trabalhar.

— Não seja burro, está pensando como um pobre.

— Eu sou um pobre.

— O segredo do sucesso é pensar como se já estivesse no topo — sorri confiante. — Agora, comece a gritar que vai realizar milagres.

— O quê? Como assim realizar milagres? — gritou surpreso. — Não posso dizer isso, é mentira.

  Felizmente, alguém já tinha ouvido.

— Realizar milagres? — Quem pode realizar milagres? — Aquele garoto disse que pode fazer milagres! — Milagres? Onde? — O garoto na ponte! — Milagres! — Milagres! — Milagres — as pessoas ao redor começaram a se aproximar, curiosas para ouvirem a palavra d’O Garoto.

  Ele me olhou raivoso.

— Desculpe senhoras e senhores, não posso fazer milagres — Garoto sorriu sem graça, descendo da fonte. — Não sou mágico — fez gestos amplos com as mãos, buscando dispersar a multidão.

  Mas ninguém o ouviu. A sinfonia de perguntas e respostas vindas de todos os lugares recomeçou:

— Ele disse que é mágico? — Sim! Foi isso que ele disse! — Isso é inacreditável! Faça meu marido voltar para casa! — Você pode me dizer se vou ter uma festa surpresa ou todos simplesmente esqueceram do meu aniversário? — Consegue fazer minha mão crescer de volta? — Faça alguma coisa — as pessoas o cercaram.

  Assustado, Garoto colocou as mãos em frente ao corpo para se proteger, sendo cada vez mais pressionado pela multidão.

— N-não, vocês entenderam errado... Eu não posso... Eu não... Esperem — tentou explicar.

— Ei! Esse garoto não é mágico! — É apenas um garoto mentiroso! — Garotinho mentiroso! Sempre o vejo andando sozinho pelas ruas! — Hoje de manhã o vi falando sozinho! — Mentiroso! — Uma farsa! — Vamos embora — as pessoas gritaram quando não viram nada sobrenatural acontecer.

  Antes de saírem, uma das senhoras que estava por ali empurrou o Garoto para dentro da fonte, só para mostrar sua indignação.

— Isso vai ensiná-lo a não mentir mais, moleque — e saiu rebolando sua bunda.

— Essa é sua ideia de sucesso? — Garoto perguntou para mim, impaciente.

  A água parecia gelada, uma quantidade desagradável de lodo verde grudou em seus cabelos já oleosos e seus olhos ficaram vermelhos quando lágrimas pesadas escorreram por seu rosto.

— Bom, eu não imaginei que eles fossem surtar assim — cutuquei a água com a ponta do dedo, tentando ver se havia moedas no fundo de toda aquela água suja.

— As pessoas estão desesperadas por alguma coisa boa — bufou enquanto saia da fonte. — O que esperava que fosse acontecer?

— Não é minha culpa, geralmente começam pedindo coisas mais fáceis do que “conserta minha cidade”.

— Você é uma idiota — soluçou trêmulo, correndo de volta para casa em busca de roupas quentes.

  O segui no meu ritmo, examinando as ruas sujas e pessoas melancólicas, a pobreza extrema sempre dá esse ar de tristeza aos lugares, é deprimente.

— Poxa, a grande Deusa esqueceu mesmo desse lugar — disse quando alcancei a casa do garoto.

  Garoto já havia trocado de roupa, estava sentando perto da janela, esquentando-se com os raios de sol que penetravam a cortina e teto furados.

— Deus — corrigiu. — Se fosse uma mulher teria sido mais gentil conosco.

— Como tem tanta certeza? — me juntei a ele na janela.

— As religiões com deusas têm imagens mais bonitas, com pessoas felizes e unidas em volta de um lago, colhendo frutas silvestres e cantando cânticos espirituosos — seus olhos navegaram para longe do lugar onde estávamos. — Deuses despertam o pior da humanidade.

  Eu não respondi.

— Não quero voltar para lá, Amber — confessou baixinho.

— Mas como vai assumir o poder assim? E suas ambições? Seus sonhos de grandeza?

  Ele pensou antes de responder. Eu sabia qual seria a resposta, o garoto era uma pessoa simples, conformada e confortável com sua realidade. Suspirei.

— Está tudo bem, o papel de herói não é para todos.

  Mas antes que o Garoto pudesse responder, dois homens invadiram a casa, eles mostraram um distintivo com formato engraçado e agarraram o Garoto, levando-o em direção a algum lugar.

  O lugar era a prefeitura.

  Garoto foi guiado até o escritório do prefeito, uma sala escura e abafada, cujos únicos móveis eram uma grande mesa de marfim e uma cadeira de veludo vermelho.

  O homem recebeu Garoto com um sorriso alegre, mandou que se sentasse na cadeira em frente a sua cadeira mais alta e contou mais algumas moedinhas, todas recém recolhidas do seu povo, que repousavam sobre a mesa.

— Então, é você quem está perturbando a paz? — uma voz soou do fundo da sala.

  Fazendo-se presente, Susi, a mulher do prefeito, também conhecida como Um Dos Piores Seres Humanos Do Planeta Terra, saiu das sombras. Ela se posicionou atrás da cadeira do seu marido, olhando para Garoto como se ele fosse uma verruga irritante na ponta de seu dedo.

— Meus informantes ouviram você dizer que faz milagres, isso é verdade? — tentou sorrir de forma amigável, o que não funcionou.

— Eu... — Garoto encolheu-se na cadeira.

— Você acha que é especial, Garoto? O escolhido? Enviado por Deus para salvar as pessoas da ignorância e do pecado?

— Eu não...

— Pois saiba que você não tem nada de especial! É apenas mais um garotinho com aspirações estúpidas, sonhando com algo que nunca vai realizar — inclinou-se para frente, agora de forma ameaçadora. — Esqueça essa história de milagres ou vamos ter alguns problemas.

  Garoto buscou meu olhar, sem saber o que dizer para se defender, mas eu não pude ajudar, pois estava ocupada colocando as adoráveis moedinhas do prefeito em uma sacola que encontrei em algum lugar. Não é roubo se já é roubado.

— Não faça isso — ele me repreendeu, inclinando-se para tomar a sacola das minhas mãos. — Eu disse sem roubar.

— Roubo? Quem falou em roubo? — Susi pensou que o Garoto falava com ela. — O prefeito exige do povo apenas o necessário para sustentar esse lugar.

— Não! — exclamou quando me viu pegar mais alguns sacos de moedas no canto da sala.

— Não? O que você sabe? Pelo menos eu... Digo, meu marido, estamos fazendo algo para melhorar a vida nesse lugar — Susi disse dessa forma arrogante que só ela consegue falar.

— Amber — sussurrou. — O que está fazendo?

— Esteja avisado, Garoto, você jamais vai conseguir tomar o cargo que lutei tanto para conquistar — Susi bateu as mãos na mesa, derrubando a pilha de moedas douradas que o prefeito fazia. — Agora saia da minha sala — o dispensou com um gesto de mão. — E espero que não tenhamos mais problemas.

  Garoto saiu da sala rapidamente, ansioso para me repreender pelo pesado saco de dinheiro que eu vinha arrastando.

— O que você pensa que está fazendo? — ele gritou assim que saímos da prefeitura.

— Escute, Garoto, essa é a nossa salvação!

— Não ouviu nada do que Susi disse? Sem planos — balançou as mãos exaltado. — Você sabe o que ela faz com as pessoas que não seguem as regras? — aproximou-se de mim como se fosse sussurrar um grande segredo. — Ela se livra dessas pessoas.

— Entendo suas preocupações, Garoto — ajeitei o pesado saco de moedas nas minhas costas. — Confia, sei exatamente o que devo fazer para dominar esse lugar.

— Mas... — não deixei que ele falasse.

— Você deve convencer as todos de que foi enviado por Deus, fazer todos acreditarem que você é o escolhido para salvá-los da miséria.

— Não vou fazer isso! Sou uma pessoa boa, não vou enganar ninguém! Pessoas boas não mentem — a essa altura ele quase parecia um maluco histérico falando sozinho.

— É por isso que todos pisam em você. Quer continuar assim para sempre? Com as pessoas sempre dizendo o que você pode ou não fazer? Trabalhando por migalhas? Um homem bom e honesto! E quer saber de uma coisa, Garoto? Homens bons e honestos não têm lugar no mundo.

— É nisso que acredita? — seus olhos pareciam prestes a saltarem de seu rosto.

— Sim! Acredito nisso, acredito fielmente que você vai continuar sendo tratado como lixo, até seu coração estar tão quebrado que você não vai aguentar e vai cometer suicídio, porque você vai estar tão vazio que até mesmo um olhar atravessado, um comentário de mau gosto, uma rejeição vai ser suficiente para quebrá-lo.

  Ele me deixou falar. Me deixou derramar toda a minha frustação em cima dele, apenas escutando calado, como o bom garoto que era. Não rebateu. Não questionou. Ou me xingou. Na verdade, Garoto me abraçou. Um abraço terno, quente e apertado.

— Você é como eu, não é? — confessou baixinho. — Já chega, Amber; vá para casa.

  Eu pisquei. Muita coisa se passando na minha cabeça, mas eu não quero contar nenhuma delas aqui.

— Não conte com isso — sorri e desapareci.

  Em todo lugar do mundo existe essa estirpe de pessoa. Pessoas boas demais para tudo isso. Pessoas que esperam o melhor, buscam o melhor nos outros e colocam as necessidades dos outros acimas das suas.

  Eu podia ter sido como Garoto, mas isso não significava que o deixaria continuar nesse caminho. O Garoto teria todos as suas ambições realizadas, ele querendo ou não.

  Quando ele retornou à praça estava pronto para ir até à padaria e implorar para que seu chefe não o demitisse. Ele provavelmente teria o desconto de 6/5 do pão que recebia, mas tentou sorrir e ver o melhor da situação.

  Ele não conseguiu chegar até a padaria.

  Epaminondas era um homem engraçado, seu corpo cresceu, mas sua mente continuou com a animação de uma criança, buscando uma nova aventura a cada esquina. Ele usava uma infinidade de relógios e sapatos verdes.

— Como pretende tomar o poder? — o homem saltitou alegremente ao redor do Garoto.

— Não sei do que está falando — Garoto continuou andando até ser inadvertidamente parado pela figura de Epaminondas. — Ei, saia da minha frente.

— Eu acredito que você é divino, Garoto — sorriu cúmplice. — Eu também a vejo, a sombra preta.

— Pode ver a Amber? — seus olhos se arregalaram.

— Ela só fala com você, mas posso vê-la também.

  E essa era minha deixa.

  Aproveitando-me que Garoto estava parado, flutuei acima de sua cabeça, jogando do alto todas as moedas que peguei da sala do prefeito, fazendo uma pequena chuva de moedinhas douradas naquela cidade pequena, o suficiente para fazer meu plano funcionar.

  As pessoas logo começaram a notar:

— É o garoto que faz milagres! — Olhem, ele está fazendo chover dinheiro! — Como ele faz isso? — Quem se importa? — Estamos salvos! — Ele é mesmo O Enviado! — É um milagre! — Milagre! — Milagre!

  As moedas caiam no chão fazendo agradáveis sons de "ding-ding" que me causavam uma alegria incontrolável.

— Amber! Amber — Garoto chamou de lá de baixo. — Desça aqui agora!

  Fiz o que ele mandou, achando um espaço entre a multidão de pessoas ajoelhadas no chão pegando as moedas como se suas vidas dependessem disso, na verdade, dependiam.

— O que tudo isso significa?

— Não é maravilhoso? Agora todos podem ver que você é O Escolhido — rodopiei no ar, ainda segurando o saco e fazendo com que as últimas moedas caíssem.

— Não, não tem nada de maravilhoso — resmungou irritado, puxando meu braço em direção a um canto mais afastado. — Isso tudo é loucura, agora pensam que eu faço chover ouro.

— Mas você faz!

— Não — discordou de novo. — Você fez isso.

  As moedas estavam começando a acabar, o que resultou no interesse de alguns pela aparente conversa que O Escolhido estava tendo comigo, a entidade que só ele – e Epaminondas, enxergavam.

— Droga, como vou explicar isso ao prefeito? — Garoto bufou inconformado.

— Não vai, você é o prefeito agora.

— Amber, isso não é uma brincadeira, o que eu faço para reverter essa situação?

  Mas já era tarde demais.

— Vejam! O Garoto fala com coisas que só ele pode ver! — Como ele faz isso? — Com quem ele está falando? — Deus? — Oh, sim! Ele fala com Deus! — É mesmo O escolhido! — Vamos louvá-lo — anunciou o povo animado, unindo-se todos em volta d’O Garoto Divino.

— Amber — Garoto implorou por socorro.

  Mas o que mais eu poderia fazer?

— Amber? — É o nome de Deus! — Não seja tolo, Deus não é mulher! — Só pode ser um anjo! — Todos saúdem o Anjo Amber! — Amber! — Amber! — Amber!

— Sabe que eu gostei deles — comentei contente pelas glórias ao meu nome.

— Amber! — Garoto gritou irado, sendo acompanhado por todos os seus novos seguidores.

  Todos ficaram em silêncio por um tempo, o povo esperando pelas palavras de salvação d’O Garoto Divino. Garoto tentava buscar uma solução lógica. E eu, bem, eu não poderia ser ouvida de qualquer forma.

— Mestre — uma mulher chamou O Garoto. — Realize outros milagres!

— Sim! — e o povo aprovou.

— Veja meu futuro! — Faça aquele vagabundo voltar para casa! — Desfaça minha maldição! — Diga qual será a próxima tragédia mundial! — Quando vou parar de ver espíritos?

— Ouçam — Garoto pediu e todos se calaram, ligeiramente inclinados para frente, ansiosos para ouvirem as próximas palavras. — Eu não sou mágico...

— É divino! — alguém gritou.

— Não! Sou apenas um garoto comum, por favor, não tratem isso como...

— Está sendo modesto! — Realmente O escolhido não pode ser egocêntrico! — Tão perfeito! — É O Enviado! — Nosso salvador! — Ouçam! Ele está falando!

  E mais uma vez todos se calaram para ouvir.

  Garoto gritava uma sinfonia estranha de "Não" e "Não pode ser" e "O que eu faço?".

— Garoto — tentei acalmá-lo. — Garoto, Garoto...

— O QUE FOI? — virou-se para me encarar.

— POR QUE ESTÁ GRITANDO? — gritei também. — AS PESSOAS NÃO GOSTAM QUANDO GRITAM COM ELAS.

  Ele respirou fundo, buscando se acalmar.

— Eu estou enlouquecendo aqui, Amber.

— Mestre, ajude-me, preciso de dinheiro — uma camponesa resolveu falar.

— Preciso de um novo par de olhos — o velho senhor exigiu.

— Diga algum segredo, Mestre, algo que só o senhor saiba — um homem, muito bem casado com uma mulher, agarrou a blusa do Garoto para falar.

— DÁ PRA CALAR A BOCA?! — Garoto gritou novamente.

— Ei! Por que gritou especificamente com esse camponês? — perguntei. — É por que ele é gay?

— O que? É claro que não, não é porque ele é gay — Garoto exaltou-se.

  E silêncio. As pessoas se encararam estranhas, sem terem certeza de que entenderam a declaração d’O Garoto Divino.

— SIM! EU SOU GAY! — o mesmo homem gritou de repente. — Ouviram? O Escolhido me viu como eu sou de verdade.

  E todos ficaram surpresos. Levantando do chão para se abraçarem, louvarem ao senhor e aplaudirem ao seu Mestre Garoto pela revelação.

— Espere, o quê? Ele realmente é gay? — Garoto falou em meio aos gritos de felicidade da multidão.

— Oh, calasse, todos já sabiam — resmunguei impaciente.

  Depois da suposta revelação da sexualidade de alguém, o povo decidiu levar O Garoto para um pequeno casebre que havia ali perto.

  Posicionado em uma cadeira cheia de fitas douradas, Garoto recebeu grandes pilhas de oferendas. Pães, bolos, frutas e vinho! O vilarejo inteiro se juntou para presentear O Garoto Divino, confessar seus pecados e se desculpar por todas as vezes que abusaram de sua bondade.

  Ao longo de tudo isso Garoto tentou alertar: Não sou O Escolhido! Sou apenas um garoto.

— Sim! Você é O Garoto — o povo clamava em resposta.

— Isso não é fantástico? — falei enquanto comia um de seus cachos de uvas. — Até o seu chefe veio trazer uma oferenda, e dessa vez o pão estava fresco.

— Isso é loucura — ele continuou tentando me dizer.

  Fora O Garoto, todo mundo parecia acreditar em sua santidade. Todo mundo menos Nicolás. Sempre tem que haver um cético...

  Nicolás, pastor de uma dúzia de ovelhas, seguidor/possível amante 24 anos mais novo de Susi e o maior babaca do universo. Mais babaca até que o André.

— Isso é um absurdo — dizia ele, rondando o casebre como uma serpente antes de atacar. — Como podem eleger esse homem como O Escolhido se ele nem mesmo provou ser um enviado do céu?

— Ele fez chover ouro! — tentaram lhe dizer.

— Alguém pode ter jogado isso em cima de vocês — desdenhou.

— Ele descobriu que sou gay — o homem de antes apontou.

— Todos já sabiam disso.

  E por todo lugar as pessoas começaram as gritar os supostos milagres d’O Garoto:

— Ele ressuscitou meu gato! — Deu vida ao meu boneco! — Graças a ele meu dedo está crescendo! — Ele me trouxe felicidade! — Milagres!

— Bobagem! Bobagem! Bobagem — Nicolás se irritou. — Não acredito em nenhuma palavra do que dizem.

— Herege! — Está duvidando do poder do Mestre! — Vamos queimá-lo! — Herege! — Infiel! — Ele quer uma prova! — Ora, Garoto pode dar todas as provas que precisarem!

— Sim! Uma prova — Nicolás aprovou a ideia, aproximando-se da cadeira onde Garoto estava sentado. — Se esse garoto é mesmo O Garoto como dizem, ele deve provar.

— C-como eu faço isso? — Garoto engoliu em seco.

— Ouçam, primeiro devemos vendar o garoto — Nicolás começou a explicar seu plano. — Devemos colocar na sua frente três taças de vinho, sendo que duas delas estarão envenenadas.

— C-como? — assustou-se.

— Não há o que temer Garoto, pois se você é mesmo divino, Deus irá sussurrar em seu ouvido qual é a taça sem o veneno.

  A multidão de pessoas se animou com a ideia, correndo de uma ponta a outra para procurarem taças, vinho e veneno.

— Vamos, Garoto, se desistir agora e admitir que não é O Messias, ainda pode sair vivo — Nicolás tentou convencê-lo.

  Garoto estava preste a confessar, ansioso com a possibilidade de acabar com toda essa história, quando Nicolás disse:

— Mas é claro que você não vai querer magoar todas essas pessoas, não é? Pobres finalmente tendo alguma esperança em suas vidas... — caminhou em direção a saída. — Imagine como ficariam se descobrissem que seu Garoto Divino é uma farsa.

  E como todo bom garoto faria, Garoto engoliu seus medos e todos os xingamentos calado, temendo magoar as pessoas que acreditavam... Não, que precisavam, de um Garoto Divino em suas vidas.

— Amber — chamou finalmente recorrendo a mim. — Preciso da sua ajuda.

  Um sorriso perverso rasgou meu rosto.

— Pensei que nunca pediria.

  Confesso que não estava muito interessada em ajudar, distraída com as deliciosas guloseimas que não paravam de chegar. Para um lugar tão pobre, as pessoas tinham muito o que oferecer, mas não é sempre assim com pessoas assim?

— Não posso beber o vinho errado, não quero morrer e não quero decepcionar as pessoas — confessou e nós dois sabíamos que o primeiro motivo era mais forte, porque embora bondoso, Garoto ainda era um covarde. — Preciso que me diga qual será o vinho sem veneno.

  Fiz um som de surpresa exagerado.

— Você quer trapacear? — reprovei, cutucando algumas castanhas dispostas em pratos dourados.

— É necessário! Ei, não faça essa cara, você queria isso desde o início.

— Bom, sim, mas não pensei que você fosse pedir — encolhi os ombros, levando uma das castanhas a boca.

— Tenho que fazer isso! Você estava certa.

— Sobre? — incentivei.

— Essas pessoas... — hesitou, respirando fundo antes de continuar. — Elas precisam de um "Garoto Divino" — confessou envergonhado. — Não me entenda mal, eu ainda acho tudo isso loucura, mas... É uma loucura boa, entende? Se está ajudando tanta gente...

— Incluindo você, não é, Garoto? — provoquei cruelmente. — Depois de passar a vida sendo invisível, é reconfortante saber que veem mais em você do que realmente existe.

— Amber? Eu sou uma pessoa ruim por... Quer dizer, eu sei que estou mentindo para todo...

— Escute, Garoto, no fundo todos sabem que isso é falso, mas às vezes não tem nada de errado em acreditar na fantasia — me levantei da cadeira, passeando pela extensa mesa de ofertas. — Você trouxe esperança e ganhou amor, o que há de errado nisso?

— Então eu não sou mau?

— Claro que não — despachei suas inseguranças. — Nossas ambições definem quem somos, qual o problema em mentir e manipular algumas pessoas para conseguir conquistá-las?

— Mentir e manipular são coisas ruins — lembrou sabiamente.

— Sim, mas — pensei um pouco, buscando as palavras adequadas. — Quando você faz tudo da forma certa, a sociedade abusa de você, acham que você é bobo e te dão um monte de trabalho inútil.

— Como o que as pessoas faziam comigo?

— Exatamente! Você ser um pouco mau, não aceitar certas situações ou machucar algumas pessoas ao longo do caminho, não te faz mal, te faz apenas... Esperto.

— E o mundo é dos espertos — completou.

— Sim, você entendeu, Garoto; então não se sinta mal por mentir — sorri um pouco, orgulhosa do meu trabalho. — Agora vou te ajudar com o vinho.

— Mesmo? — seu sorriso se abriu ainda mais. — Obrigado, Amber! Prometo ser o melhor “Garoto Divino” que conseguir, só espero não irritar Deus com isso.

— Eu não me preocuparia com isso — peguei alguns morangos de uma cesta. — Sabe, Garoto, aquela coisa sobre deus e deusa? — Fomos todos esquecidos pelo divino.

  Sai em busca de sabotar o vinho e quando a hora chegou, Garoto foi posicionado na frente de uma mesa. Tinha seus olhos vendados por uma faixa púrpura e três taças enferrujadas foram posicionadas a sua frente.

— Amber? — sussurrou. — Está aqui?

  Toquei em seu ombro como sinal positivo.

  Nicolás começou a falar:

— Teremos agora a prova final para saber se esse garoto é mesmo O Garoto Divino Enviado Por Deus.

  Um coro intenso de incentivo agitou o público, todos os indivíduos presentes lançando suas esperanças em cima do garoto, torcendo para que ele escolhesse a taça certa.

— Amber? — Garoto gaguejou.

— A terceira — disse. — Pegue a terceira.

  Garoto tateou cegamente a mesa, suas mãos indo em direção a última taça. Nicolás prendeu o riso quando as mãos trêmulas do garoto levaram a taça à boca, bebendo um longo e corajoso gole do vinho.

  Silêncio. Soluços e gritos de indignação presos nas gargantas.

— Vejam só, senhoras e senhores, parece que o Garoto Divino não é tão divino assim.

  E o povo explodiu.

— O que deu errado? — Ele mentiu pra gente? — Nicolás estava certo? — Nicolás nunca está certo! — Fomos enganados! — Foi tudo falso! — O que faremos?

  Garoto tirou a venda furiosamente, levantando-se da mesa e me encarando com seus profundos olhos negros.

— Mentiu para mim! Me deu veneno? Amber, por quê?

  E os sussurros recomeçaram.

— Vejam só! Está falando sozinho de novo! — É louco! — Louco e não divino! — Já deveríamos saber! — Que decepção! — Pirado! — Insano! — Maluco!

— Amber! — esbravejou.

— Garoto, acalme-se.

— Me acalmar? Você me deu veneno — apontou um dedo de forma acusadora.

— Escute, Garoto, eu sabotei o veneno, está tudo bem.

— O quê?

— Eles pensam que você pegou a taça envenenada, eu pensei, sabe o que seria mais impressionante do que você beber da taça sem veneno? Beber da com veneno e continuar vivo! — expliquei brilhantemente, vendo Garoto começar a me encarar cada vez mais como se eu fosse a louca da situação. Talvez fosse mesmo. — Veja — apontei para a multidão que começava a notar:

— Por que ele ainda está vivo? — Já se passou muito tempo! — Deveria estar morto! — Ele tomou mesmo a taça com veneno? — Veja, ele está tão vivo como nunca esteve antes! — Mas é claro! — Porque somente o verdadeiro Escolhido por Deus poderia tomar do vinho envenenado e permanecer vivo!

  E as pessoas voltaram a acreditar.

— Amber, você é genial — Garoto tentou me abraçar de tanta alegria que sentia, mas foi carregado por uma multidão de fiéis fervorosos.

  Nicolás não entendeu. Não acreditou. Se recusou a se converter quando perguntaram: E então, agora acredita n’O Garoto Divino?

  A resposta era "não". Sempre seria "não". Porque Nicolás se recusava a acreditar em um mundo tão cruel, um mundo onde Deus sempre existiu, mas decidiu aparecer somente naquele momento, no final de sua miserável vida.

— Ele duvidou! — Duvidou d’o Garoto Divino! — Devemos puni-lo! — Mas como? — Vamos matá-lo! — Sim! Queimado! — Não, não! Sufocado!

— Afogado! — gritei junto da multidão.

— Não! — Garoto tentou se fazer ouvido em meio à gritaria.

  As pessoas amarraram as mãos e pés de um silencioso Nicolás, levantando seu corpo e indo em direção ao rio. Iriam mesmo afogá-lo!

— Esperem! Esperem — Garoto tentou chamar novamente, correndo para ficar em frente à multidão.

  Quando as pessoas viram seu Escolhido em frente a elas, todas se calaram, dispostas a ouvirem o que quer que Garoto tivesse a dizer.

— Não façam isso, meu povo! Nicolás é um bom homem.

— Ele duvidou de sua veracidade! — Merece ser punido! — Vamos ensiná-lo a não subestimar O Escolhido! — Por você Mestre! — Por você!

— Mas eu não quero isso — Garoto disse o mais alto que pôde. — Não me importo que Nicolás tenha duvidado, está tudo bem.

— Ele está sendo modesto! — Somente o verdadeiro Garoto Divino poderia ser tão bom assim! — Devemos preservar sua inocência! — Deixem o Garoto protegido enquanto eliminamos essa escória.

  Foi decidido. Homens que surgiram do nada carregaram Garoto de volta para o casebre, lugar onde ele ficaria seguro da maldade humana.

— Amber, por favor — implorou. — Faça alguma coisa.

— É claro que eu vou fazer, adoro um bom assassinato em praça pública... — pisquei. — Bom, lagoa pública, eu acho.

— Não, você está maluca? Impeça isso de acontecer — Garoto chorou e esperneou... Não parecia muito celestial, se me perguntar.

— Eu deveria fazer isso porquê...

— Porque você é uma boa pessoa! Não pode deixar um inocente morrer, ele tinha razão afinal, não sou O Garoto Divino — insistiu para que eu salvasse Nicolás da morte certa.

— Eu não ligo.

— Mas Amber, eu pensei que...

— Escute, eu já estou morta, não me importo com as pessoas que estão morrendo — cutuquei uma pilha de tecidos que haviam deixado no casebre como oferenda. — Não é meu departamento impedir mortes injustas, você causou isso, você conserta.

— Eu não fiz isso sozinho!

— Sim, mas é você quem está se importando tanto.

— Amber... — choramingou.

— Não.

— Cântico da morte! Comprem seus cânticos da morte — Epaminondas anunciou em alto tom, circulando pela praça e cobrando apenas uma moedinha por cada letra de música.

— Epaminondas — Garoto chamou. — Para onde foram com o Nicolás? Preciso impedir esse assassinato.

— A lagoa, Mestre — Epaminondas respondeu prontamente. — Quer comprar um cântico?

— Eu quero! — aceitei, ignorando os olhares suplicantes do Garoto em minha direção.

  Quando percebeu que não adiantaria e não querendo perder mais tempo, Garoto correu em direção à lagoa o mais depressa que pôde assim que se desviou de seus seguranças voluntários. Eu fui logo atrás dele, em meu ritmo meio lento, quase arrastado.

  Quando cheguei à beira da lagoa, Nicolás já tinha metade do seu corpo dentro d'água. Garoto gritava em meio as pessoas, enquanto todos cantavam seus cânticos com frases sobre morte e renascimento.

  Estava quase na melhor parte do afogamento quando Susi e o prefeito chegaram. A multidão abriu um círculo, deixando os dois passarem, Nicolás foi esquecido e O Garoto foi conduzido para o meio do círculo.

— Alguém pode me explicar por que diabos estão todos venerando esse garoto? — Susi gritou histérica.

— Ele é O Escolhido! — Nosso Salvador! — Cansamos de seus impostos! — Queremos O Garoto no poder! — É! Queremos O Garoto no poder! — O Garoto no poder!

  Susi observou a multidão fervorosa, todos gritando sobre as façanhas d’O Garoto Divino, que tomava veneno e não morria, que fazia chover ouro dos céus e era tão puro e inocente que não desejava a morte dos infiéis.

— Vocês enlouqueceram? — gritou a mulher. — Como podem querer esse pirralho no poder?

— É democracia! — Queremos O Garoto! — O Garoto!

— Qual é o problema de vocês? Esse moleque tem o quê? Quinze anos? Não podem elegê-lo.

— Democracia! — Poder do povo — Não, não, poder de Deus — É a lei divina — gritaram e esbravejaram.

— E acham que vai acontecer o quê? Comigo... Digo, com meu marido ou com o Garoto ainda terão que pagar impostos, ainda vão ser a classe operária, vocês ainda vão ter que trabalhar — discursou, dando voltas ao redor de si mesma e apontando aleatoriamente para as pessoas. — Acham mesmo que faz diferença quem está ou não no poder? As coisas vão continuar as mesmas, não importa o que digam.

  Mas o povo continuou dizendo: — Queremos O Garoto!

  A verdade é que o Garoto não iria mudar muita coisa, mas ele era A Esperança que as pessoas desse lugar precisavam e é por isso que iriam lutar por ele.

— Vai deixar isso acontecer? — Susi questionou o Garoto. — Você que sempre foi um ninguém, humilhado, usado e descartado por todos, acredita mesmo que eles te amam?

— E-eu... — gaguejou assustado, tremendo dos pés à cabeça.

— Espere só até você cobrar o primeiro imposto, negar sua primeira obra... Vamos ver até onde esse amor vai.

  Garoto se irritou. Com o clamor de tanta gente implorando por ele, Garoto não pode deixar de se sentir confiante. E Garoto, sempre o coração mole, uma alma boa, porém solitária, esperando por qualquer migalha de afeto e atenção, se ergueu com um confiança jamais vista, ele não iria deixar Susi falar assim com o povo dele.

— Não me compare a você, eu sou O Garoto Divino, escolhido por um poder superior — declarou firmemente. — As pessoas não poderão deixar de me amar.

— Claro, continue acreditando nisso, mas lembre-se que em uma semana nada que você fizer será o suficiente, e então vão substituí-lo como fazem com objetos, com pessoas e principalmente com deuses — Susi sussurrou apenas para que ele ouvisse.

  Epaminondas – recém-eleito sacerdote principal da religião d'O Garoto Divino, entrou no meio do círculo quando percebeu que a discursão não estava levando a lugar algum. O povo já havia decidido, queriam O Garoto no poder e ele era o representante da sua voz.

  Junto com o escurecer da noite, Susi e seu marido – que só queria terminar de empilhar sua pilha de moedinhas – foram levados para dormir na lagoa junto com Nicolás. Claro que não contaram isso ao Garoto, disseram apenas que o prefeito e sua mulher foram gentilmente realocados.

  E Garoto não ficou muito no poder, é claro. Depois de algumas semanas maravilhosas para ele e para todo o povo, com os impostos baixos e a paz estabelecida, houve um suco de morango e Garoto, sendo alérgico a eles, não durou muito, porque uma mentira não tarda a ser substituída por outra mentira, e Epaminondas disse a todos que Deus não precisa de um corpo na Terra, que há ele, a voz que fala por ele e todos acreditaram, porque sempre há algo em que precisamos acreditar e sempre há ambições para alcançar.

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