Number 8 - Like Fire, It Burns
Like Fire, It Burns
Se Louis Tomlinson vivesse em um desenho animado, com certeza teria fumaça saindo por suas orelhas, estaria com os dentes expostos em um rosnado animal e, provavelmente, seu rosto estaria pintado com cores que iriam do vermelho ao roxo. Talvez, a raiva poderia, até mesmo, despertar poderes misteriosos nele e transformá-lo em um magnífico herói, o qual, com toda certeza, poderia pegar fogo.
Infelizmente, o mundo não era um desenho animado e tudo o que Louis podia fazer era franzir as sobrancelhas e vestir-se de uma careta mal humorada. Bom, talvez a parte do fogo fosse verdade também, pois o sentimento odioso que ele estava sentindo naquele momento parecia ter colocado fogo em suas veias.
Louis estava puto. Essa era a verdade.
Carregando seus livros e a mochila pesada pelos corredores da Universidade, ele se obrigava, no entanto, a resguardar toda aquele mau humor para si mesmo. Era uma segunda-feira de manhã e as paredes frias antigas da Universidade - as quais mantinham as características originais do século XVI, incluindo as pedras escuras e as colunas de inspiração grega - sempre foram um consolo para a agitação diária da vida de Louis. Andar naqueles corredores, repletos de brasões, armaduras medievais e salas de aula, trazia conforto à alma do jovem de vinte anos. Era por isso que o regime de internato daquela instituição, o qual somente permitia a ida dos alunos para casa nos finais de semana, nunca pareceu ruim para Louis. Na verdade, era um dos únicos alunos a realmente amar esse sistema.
Porém, naquela segunda em especial, nada parecia correto. O final de semana em casa fora tudo, menos relaxante, e nem mesmo o domingo de sol com a família mudou isso. Na verdade, as irmãs mais novas de Louis tinham uma boa parcela de culpa no mau humor do jovem naquela manhã.
Quando finalmente chegou ao corredor dos dormitórios, bufou. Todo início de semana era exatamente o mesmo ritual: jovens vindos de um final de semana com suas famílias, reencontrando seus colegas de quarto, compartilhando as aventuras dos dois dias separados. As portas ruidosas de madeira abriam e fechavam a cada dois segundos e Louis era obrigado a deslizar entre as pessoas, sua grande e pesada mochila balançando de seu ombro, seus livros ameaçando irem de encontro ao chão, seu espírito raivoso ganhando combustível. Seguiu pela Ala Sul - quase sendo acertado com um tênis, que, misteriosamente, saiu voando da porta de um dos quartos - e parou diante da porta que continha o número 28, a penúltima naquele corredor.
Empurrou a porta com mais força que o necessário, seguindo em direção à beliche e jogando as coisas que carregava sobre o colchão. Todos os quartos tinham exatamente a mesma disposição de móveis: uma beliche de madeira nobre, duas pequenas mesas de estudo lado a lado, um armário de quatro portas e algumas prateleiras repletas de livros. O quarto de Louis, além disso, tinha as paredes decoradas com uma gigantesca quantidade de posters de bandas de rock - estes foram colocados pelo Tomlinson - e de rappers americanos - Liam Payne era o culpado por esses últimos.
Louis bufou e sentou no colchão de baixo, apoiando o rosto entre as mãos. Sua cabeça latejava de dor e ele desejava sinceramente que um meteoro atingisse a Terra e colocasse fim à sua miserável existência. Isso, assim achava, também exterminaria os dois trabalhos, as três provas e o primeiro jogo de futebol da Liga Universitária que aconteceriam naquela semana e que estavam arrancando Louis de seus sonhos. Na verdade, ele nem mais tinha a capacidade dormir para ter sonhos.
- Hello, Tommo. - A voz alta e irritantemente feliz de Liam chegou aos ouvidos do Tomlinson, que não precisou erguer muito o rosto para ver o amigo de cabeça para baixo, ligeiramente despendurado do beliche de cima. - Que cara é essa? Viu um fantasma medieval, por acaso?
A risada do garoto fez a dor de cabeça de Louis atingir um nível extremo, o que lhe deu a impressão de que seu cérebro estava sendo esmagado por uma bola de demolição. Antes de mandasse Liam se foder em voz alta - já o fazia mentalmente seguidas vezes -, ergueu-se da cama e seguiu em direção à porta.
Por que porra as pessoas não entendiam a expressão fechada e repulsiva de Louis como um sinal para se manterem afastadas? Será que teria que carregar uma placa neon com os dizeres ME DEIXEM EM PAZ nas costas? A raiva, o cansaço, a preocupação e a angústia borbulhavam no interior do garoto, corroendo-o aos poucos até que estivesse desejando somente um buraco escuro e silencioso na qual pudesse chorar em paz.
- Sorria, Lou! - Uma voz rouca gritou assim que Louis pisou fora do próprio quarto e, antes que pudesse esboçar qualquer reação, seu rosto foi inundando pelo flash de uma câmera fotográfica.
Aquele foi o estopim. Louis era um enorme tanque de gasolina e haviam jogado um fósforo aceso nele. A explosão foi imediata, lançando chamas em todas as direções.
- VÁ SE FODER! - As palavras saíram com um grito rouco e seco da garganta do jovem. Com um único e rápido gesto, Louis tomou a câmera fotográfica das mãos do dono e socou-a contra a parede, causando um ruído metálico.
Ofegante e transtornado, Louis somente percebeu a gravidade do que havia feito quando ouviu um arfar assustado ao seu lado e o silêncio que, de repente, havia se espalhado pelo corredor por completo. O Tomlinson tremia quando baixou o braço, olhando para a câmera fotográfica em sua mão, agora com a lente trincada em mil minúsculos pedacinhos de vidro, parecendo a teia de uma aranha. O pior de tudo era que ele sabia a quem pertencia aquele objeto.
No entanto, nada doeu mais que a imagem que teve ao erguer o rosto.
Parado diante de Louis, com os lábios trêmulos e abertos, os grandes olhos verdes arregalados e avermelhados, a expressão de mais puro assombro, estava Harry Styles. Ele mal respirava, o rosto congelado e as mãos paradas ainda no alto, onde a câmera fotográfica repousava antes. E então, para completar a miséria de Louis, o queixo de Harry começou a tremer fervorosamente enquanto o garoto fazia de tudo para reter as lágrimas, as quais se acumulavam sobre sua palpebra inferior.
Louis abriu e fechou a boca várias vezes, buscando as palavras, mas nenhuma se fez presente. Após a tempestade, veio um momento de calmaria e o Tomlinson podia sentir seu corpo inteiro entrando em transe, como se tivesse sido anestesiado. A raiva desapareceu, como um dos fantasmas mencionados por Liam, e o que restou fora somente o vázio profundo, como um vácuo escuro, corroendo lentamente o garoto de dentro para fora.
Sem dizer nada, Harry Styles fungou uma vez, pegou a câmera fotográfica quebrada das mãos de Louis e deu as costas, caminhando entre as pessoas - as quais, curiosas, ainda observavam a cena - de cabeça baixa e cachos cobrindo o rosto. E Louis, por sua vez, ainda buscou voz para pedir perdão pelo o que fez, mas não ela não existia mais. Tudo o que pôde fazer foi continuar parado diante da porta de seu quarto, o corpo e a alma dormentes, e assistir enquanto o triste e magoado Harry desaparecia no fim do corredor.
••••
Louis era um grande merda.
Ele simplesmente não conseguia abandonar a imagem dos tristes olhos de Harry Styles, que o perseguiu a manhã toda e o obrigou a estar onde estava naquele momento. Assistir aulas depois do ocorrido no corredor parecia impossível, então Louis fugira para o exterior da Universidade, matando aula pela manhã toda. Estava escondido sob a sombra de uma árvore, esta distante o suficiente do prédio para que ele passasse despercebido.
A grama recém-cortada emanava um perfume delicioso e relaxante, mas tudo o que Louis conseguia pensar era que ele era um merda e que, provavelmente, as nuvens cinzas que recobriam Londres iriam descarregar sua fúria sobre ele. Bom, era merecido. Ele merecia ficar do lado de fora, congelado até os ossos. Ele merecia que todas as pessoas do mundo o ignorasse. Ele merecia a queimação desagradável em seus olhos.
Como já foi dito, Louis era um merda.
De todas as pessoas com quem ele poderia ter perdido a cabeça, tinha que ser Harry Styles, a criatura mais doce e meiga que o Tomlinson já conhecera. Styles tinha entrado no curso de Fotografia no ano anterior, quando Louis ainda estava no seu terceiro período em Música, e logo se tornara o garoto prodígio convidado para acompanhar o time de futebol da Universidade. Ele era responsável por documentar todos os jogos em fotografia e fora assim que Louis o conhecera.
Desde o primeiro segundo, Louis soube que estava perdido. Harry tinha aquelas bochechas com covinhas, um sorriso maravilhoso, uma voz profundamente rouca e o espírito de rockeiro. Observar o garoto cuidadosamente tirar suas fotos, capturando toda a vida do momento em um click, tinha se tornado o novo hobbie de Louis, que poderia passar horas apenas seguindo os movimentos lentos e até atrapalhados do outro garoto.
Gostar de quem magoara fazia tudo ainda pior. Louis bateu a cabeça na árvore atrás de si seguidas vezes, grunhindo e fechando os olhos. Harry não tinha culpa alguma pelo seu mau humor naquela manhã. Harry não tinha terminado o namoro com Lottie e obrigado Louis a ficar consolando-a durante a madrugada anterior. Harry não tinha feito Louis deixar para estudar na semana das provas, procrastinando tudo para a última hora. Harry não tinha culpa pela dor de cabeça intensa de Louis. Harry era um anjo e Louis havia quebrado sua câmera fotográfica.
Bufou mais uma vez e olhou para o céu cinza, desafiando as nuvens a chorarem também. Sim, haviam lágrimas de angústia, dor e remorso escorrendo pelas bochechas de Louis e ele sabia que elas não parariam tão cedo. Ele era uma péssima pessoa, alguém que havia destruído algo que outra pessoa amava. A câmera fotográfica quebrada em um puro e inconsequente ato de irreflexão não era somente um objeto que tirava fotos. Para Harry Styles, era uma paixão, um momento de felicidade, algo tão importante quanto um violão era para Louis.
Oh, Deus! O coração de Louis estava apertado e ele mal conseguia respirar devido à intensidade dos soluços. Abraçou as próprias pernas a afundou o rosto entre elas, suas costas tremendo enquanto mais e mais lágrimas eram formadas. Ele se sentia a pior criatura do mundo, o lixo que deveria ser descartado, a pessoa que deveria ser ignorada. Depois do que fez, Louis deveria ser abandonado sozinho para morrer em um deserto, pois o mundo estaria muito melhor sem sua presença.
- Mas que porra! - Xingou baixinho e, como se as nuvens finalmente estivessem zangadas o suficiente, começou a chover.
Ergueu o rosto, vendo o pátio da Universidade sendo invadido pelas gotas fortes caídas do céu. Em um dia comum, Harry estaria despendurado de alguma janela, capturando magníficas imagens da chuva, e então, logo depois, ele correria até Louis com suas maravilhosas covinhas expostas e mostaria as fotos orgulhosamente. E, como sempre, o Tomlinson ficaria impressionado com a capacidade do outro garoto de capturar o movimento e a vida em algo parado. No entanto, isso não aconteceria naquela manhã de segunda porque Louis era um ser ridículo e havia quebrado a câmera fotográfica do menino que gostava.
Louis desejava sinceramente poder bater em si mesmo. Espancar-se, para ser mais exato. A dor que sentia internamente parecia ter colocado fogo em seus pulmões e nem a chuva forte e o frio eram capazes de apagá-lo. Ele nunca havia se odiado tanto quanto naquele momento em toda a sua vida.
Como viveria sem os sorrisos de Harry Styles todos os dias? Como poderia conviver com o fato de que o havia machucado? Era impossível esquecer os olhos injetados de Harry, o queixo trêmulo e o choque estampado em sua expressão. E... Ah! Louis era o culpado por Harry não estar sorrindo naquele momento, andando pelos corredores e espalhando sua beleza e graça para o mundo. Qualquer coisa ficava melhor com Harry Styles feliz.
Por que um relâmpago não poupava Louis de sua miséria de uma vez por todas e o trasformava em churrasco? Com o vento frio e a chuva, ele nem mais sentia os próprios dedos e o tronco grosso machucava suas costas, mas isso não importava, pois as lágrimas continuavam vindo. E, é claro, as memórias dos momentos bons com Harry tornava tudo ainda pior.
Lembrou-se de duas semanas antes, quando o garoto de cachos havia dito sim quando Louis perguntou se ele queria sair em um encontro. Foram cinco meses de tortura e falta de coragem por parte de Louis até que finalmente conseguisse bater na porta do quarto de Harry e fazer o pedido. Nunca esqueceria a forma como as bochechas do garoto ficaram coradas, pintadas do mais puro vermelho, e como ele havia sorrido amplamente antes de encher o coração de Louis de alegria ao dizer sim. Eram momentos assim que faziam o Tomlinson ter mais raiva ainda de si mesmo.
- Por que v-você tinha q-que explodir, imbecil? - Perguntou a si mesmo, o queixo batendo de frio.
Bateu a cabeça contra a árvore mais algumas vezes, exigindo que seu corpo prestasse mais atenção na dor física do que na emocional. Sentia seu estômago revirando, seus pulmões queimando a cada respiração, sua mente fervilhando com as possibilidades das coisas que poderiam ter acontecido naquela manhã. Harry poderia ter dito que, finalmente, teria tempo para irem ao tal encontro romântico. Louis teria falado alguma bobagem somente para fazer o garoto das fotos gargalhar e encher o mundo de amor. Antes de partir, Harry pousaria um beijo na bochecha de Louis, um hábito que havia ganhado após o pedido para sair.
Mas, eram possibilidades. Somente e nada além de pensamentos de Louis. Nada daquilo havia acontecido realmente porque ele tinha sido um grande babaca irritadinho, um dos piores existentes. Como poderia fazer parar aquele remorso terrível que consumia cada pedacinho de si?
Olhou para o céu mais uma vez e percebeu que as nuvens cinzas dançavam para longe, levando embora a chuva. O sol não apareceu, ainda escondido sob as nuvens, mas era possível ver pinceladas azuis do céu novamente. Essa imagem, de alguma forma, fez Louis se sentir ainda mais triste. Os momentos pós-chuva eram sempre os preferidos de Harry, pois era quando ele podia capturar em suas fotos o brilho das gotículas de água sob o sol, o qual retornava sempre.
Louis enxugou o nariz que escorria e se ergueu do chão, apoiando seus mãos trêmulas no tronco da árvore. Estava completamente molhado, suas roupas encharcadas, e ainda batia o queixo de frio, mas ainda não tinha coragem de voltar para o interior da Universidade. Então, caminhou até o alto muro que cercava o campus e passou a seguí-lo, andando devagar sob as árvores. O jardim era enorme e, nas horas livres, ficava repleto de alunos, cada qual com seus grupos de amizade. Perto do muro - escondido pelas árvores antigas e altas -, Louis viu cigarros, latinhas de cerveja vazias, camisinhas usadas e, até mesmo, uma calcinha rosa presa em um galho. Aquela era a região reservada aos momentos ilícitos da vida acadêmica e às fugas em dias proibidos. Louis mesmo já havia fugido as aulas com alguns amigos e saído da Universidade por uma passagem secreta que poucos conheciam.
Louis estancou, seus pés travados no chão quando a ideia começou a se formar em sua mente. Ficou daquela forma por alguns segundos até que, de repente, se pôs a correr, seguindo o alto muro. Teve que contornar correndo a Universidade - os tênis molhados e, agora, sujos de lama - até chegar ao lado oposto, aquele que dava para o lado Oeste do prédio. Seu corpo estava tão sofrido pelo recém choro que, quando finalmente parou de correr, buscava por ar, puxando-o com força para dentro de si.
Mas, o esforço valeu a pena quando viu a passagem secreta diante de si. O que estava prestes a fazer exigiria que Louis retornasse ao seu quarto, vestisse-se de roupas secas, pegasse seu cartão de crédito e voltasse ali. Tinha que fazer isso em menos de 10 minutos, pois os alunos e professores seriam liberados para o almoço após aquele tempo e ele correria sérios riscos de punição por 1) estar matando aula e 2) planejar uma fuga.
Mas, bem, para ter o perdão de Harry Styles, valia qualquer risco.
••••
Louis não se orgulhava em dizer que, aos vinte anos, ainda dependia do cartão se crédito dos pais e que, por essa razão, provavelmente levaria um sermão gigantesco quando sua família recebesse a fatura com um gasto tão expressivo de uma vez só. Na mochila preta que carregava nas costas, havia uma caixa, enrolada cuidadosamente em papel presente, que custara mais de 700 Libras. Então, Louis tinha mais do que motivos para ficar assustado com o que ouviria quando retornasse para casa no próximo final de semana.
Tentou esquecer esse pensamento enquanto puxava o capuz de seu moletom da Adidas para cobrir sua cabeça e rosto. Parou de andar quando chegou na esquina da calçada que caminhava. Dali, tinha somente que atravessar uma rua de paralelepípedos e então estaria novamente junto ao muro Oeste da Universidade, onde a passagem secreta que o levaria novamente para dentro o esperava pacientemente.
A misteriosa "passagem secreta" não era nada além de uma árvore extremamente alta e próxima do muro interior da Universidade. Descoberta por um veterano - o qual já havia se formado haviam anos -, a planta de galhos grossos e grotescos tinha crescido por sobre o muro. Um de seus galhos mais baixos e majestosos crescia para fora do campus, o que a tornava perfeita para um escape ilícito. Era necessário somente escalá-la, engatinhar até o fim do galho e então, como um gato, saltar para além dos muros e normas da Universidade. Claro, os veteranos logo notaram que havia uma falha no plano, pois o galho não permitia o retorno para o interior da instituição e esse era o motivo pelo qual uma corda tinha sido cuidadosamente amarrada ali.
Louis Tomlinson atravessou a rua correndo quando percebeu que a área estava com pouco movimento de pessoas. Com cuidado para que a mochila não escorregasse por seus ombros, pulou uma vez para conseguir alcançar a corda e então a enrolou em uma das mãos, testando-a uma vez para ter certeza da firmeza. E então, encostou os pés no muro da Universidade e, usando toda a força que tinha nos braços, passou a escalá-lo, chegando ao galho mais alto em pouco tempo. Engatinhou por sobre a parede de concreto e desceu do outro lado, pulando para o chão, checando para ver se o jardim estava vazio e correndo para dentro do prédio logo em seguida.
Já se passava das cinco horas da tarde e Louis sabia que este era o horário do intervalo, o último antes do final das aulas do dia. Isso permitiria que ele se infiltrasse na cantina com mais facilidade e foi o que fez, andando com passos rápidos pelos corredores de predras geladas até chegar ao local onde chá e biscoitos, principalmente, eram servidos - uma forma de manter a tradição milenar dos ingleses.
O espaço era enorme e havia uma lenda que idealizava sobre aquela sala já ter sido, em algum eventual ponto da história inglesa, usada para banquetes reais, isso porque alguns membros da família real foram estudantes da Universidade. Príncipes dos mais diversos reinos europeus, muitos que nem mais existiam, haviam sentado naquelas duas mesas majestosas e debatido sobre os problemas de suas respectivas épocas. No entanto, em pleno século XXI, a sala comprida e ordenada por duas longas mesas de madeira tinha se tornado a cafeteria, onde os alunos se reuniam em cada refeição. Os grupos de amizades já tinham seus locais delimitados, então, assim que se infiltrou entre a multidão de jovens, Louis buscou com o olhar o final da mesa direita, onde, ele sabia, Harry Styles deveria estar sentado. No entanto, não foi agraciado pela visão bonita da moita de cachos que era o cabelo do garoto.
Bufou, segurando a mochila com mais firmeza. O capuz, ao que parecia, também tinha servido para que o Tomlinson passasse despercebido pelos seus colegas, que continuavam presos em suas conversas, risadas e fofocas. Suspirou tristemente, sem saber onde começar a procurar Harry e virou-se de costas, pronto para sair da cafeteria e andar todo o prédio da Universidade até encontrar o menino que machucara mais cedo, mas então, deu um encontrão com uma menina magra e alta.
- Louis William Tomlinson. - Eleanor Calder falou, suas sobrancelhas bem desenhadas franzidas e seu cabelo cacheado ligeiramente bagunçado. Ela bateu uma folha de papel sobre o peito de Louis e o encarou ferozmente. - Você sumiu e me deixou fazendo essa porcaria de trabalho sozinha. Espero que tenha uma boa explicação para isso.
Tomlinson baixou o rosto, pegando o papel dos dedos da garota e olhando para o trabalho ali escrito, que continha o nome dos dois na capa e a nota 10,0 escrita na ponta superior direita. O coração dele murchou, percebendo que havia esquecido totalmente do trabalho que tinha para fazer naquela manhã, deixando sua dupla na matéria, Eleanor, sozinha para fazê-lo.
- Oh, Deus. Me desculpe, Ell. Eu realmente esqueci por completo isso. - Ele falou, baixando o rosto. O sentimento de culpa estava se apronderando de si novamente e, se possível, ele se sentia ainda pior do que naquela manhã, já que, naquele momento, havia machucado duas pessoas. Ele simplesmente havia abandonado sua melhor amiga sozinha com uma atividade que valia a nota final do semestre letivo.
- Percebi. - A expressão da garota suavizou e ela arrumou a franja de Louis para ele, prendendo-a sob o capuz. - Espero que você tenha sumido porque estava procurando uma forma de pedir desculpas para o Harry.
- Você viu aquilo? - Os olhos azuis de Louis se arregalaram em susto.
- Todo mundo viu, Lou. Niall me disse que Harry também não foi para nenhuma aula e ficou no quarto o dia todo.
- Ele está lá agora? - Perguntou, o corpo trêmulo somente de imaginar o quanto Harry tinha ficado triste por sua causa. Sabia que não seria perdoado tão cedo, mas, ainda assim, quando Eleanor assentiu, faíscas de esperança aqueceram seu coração. Talvez, apenas talvez, pudesse se redimir. - E-Eu... E-Eu vou... Hum...
- Eu sei. - Ela riu do nervosismo dele e fez um sinal com a cabeça para que ele saísse da cafeteria logo. - Faça as pazes com o seu garoto, Louis.
O comentário fez o Tomlinson sorrir involuntariamente, as bochechas ganhando um tom de extremo vermelho. Tinha passado o dia todo miseravelmente triste, esmagado pelo próprio remorso e dor, e ouvir algo como aquilo o fez sorrir ligeiramente. Não era como ele e Harry tivessem algo realmente, afinal, nem mesmo tinham saído em um primeiro encontro, no entanto, o que Louis sentia parecia tão óbvio e descarado que nenhuma pessoa sequer cogitava se aproximar do garoto de cachos. Na mente dos que conheciam os dois, Harry já era do Louis - ou fora, já que, após o que acontecera naquela manhã, as impressões iriam mudar.
O Tomlinson se despediu de Eleanor pousando um beijo entre os cachos longos da menina e saiu com passos acelerados do refeitório. Seguiu até a Ala principal do prédio e subiu as largas escadaria centrais, chegando aos corredores do dormitório. De repente, sentiu-se repetindo os mesmos passos daquela manhã, mas havia uma grande diferença: naquele momento, não havia raiva em seu coração e sim o profundo pesar do remorso e do medo. Respirou profundamente, seus pés mal tocando o chão enquanto andava pela Ala Leste até chegar ao quarto com o número 13 decorando a porta de madeira.
Louis tremia. Ele tinha perdido o controle sobre seus dedos enquanto abria a zíper de sua mochila escura e retirava dela, delicadamente, a caixa. O tamanho e o peso dela já denunciava o que o papel de presente florido tentava esconder e Louis tentou segurá-la com uma única mão enquanto erguia a outra e batia duas vezes contra a porta.
Teve como resposta o silêncio. O coração de Louis afundou e ele sentiu os olhos ficarem cheios de lágrimas de novo, as quais ficaram retidas por sua pálpebra inferior. Ele sabia que Harry estava do outro lado da porta, ouvindo-o e ignorando as batidas. Podia ver a luz atravessando as brechas do solado da porta e ouvia os passos leves de alguém descalço sobre o carpete característico dos quartos. Rendendo-se, deixou uma solitária lágrima espacar por sua bochecha e encostou a testa na porta do quarto, espalmando a mão livre sobre a madeira.
- Harry, sou eu. Por favor, abra a porta. - Falou, tentando controlar a voz.
Os passos cessaram e Louis quase pôde sentir Harry prender a respiração. Houve um rangido baixo característico de alguém sentando-se sobre a beliche e o Tomlinson suspirou, percebendo que não seria recepcionado. Mais uma lágrima insistente pingou de seu rosto e encontrou o chão enquanto ele suspirava e começava a falar:
- Eu fui um merda com você, Harry. Estava nervoso com as provas, irritado com as piadinhas imbecis de Liam, morrendo de sono e dor de cabeça, mas isso não é desculpa para o que fiz. Descontei todo o meu mau humor em você e quebrei algo que, eu sei, é muito importante. O que fiz hoje de manhã foi uma das maiores merdas da minha vida e não sei se todos os pedidos de perdão do mundo serão suficientes. - Nesse momento, Louis perdeu a voz, esta subjugada pelo choro. Limpou a garganta e, com a voz mil vezes mais rouca, continuou: - Eu amo te ver tirando fotos. É calmante a forma como toma cuidado com o enquadramento, com a posição da luz, dos objetos e das cores. Adoro suas fotos em preto e branco, porque elas parecem as mais puras de todas. É como se você colocasse parte da alma em cada click e eu quase tirei isso de você hoje. Eu amo isso em você, Harry.
As lágrimas eram frequentes depois disso e Louis se sentiu frio novamente, como se ainda estivesse sob a chuva daquela manhã, batendo o queixo ao ser tocado pelas gotas geladas. Ele sentia seu coração disparado e apertou a caixa de presente entre as mãos, a testa ainda encostada sobre a porta.
- Me desculpe por ter gritado hoje com você. Queria poder voltar no tempo e sorrir para aquela maldita foto ao invés de ter feito o que fiz. Nunca esquecerei como você me olhou, como se eu fosse um monstro sem coração. Mas eu tenho coração e ele precisa do seu perdão, Harry. Por favor, abra a porta. Não me deixe aqui fora sozinho.
Ele simplesmente deixou tudo o que sentia fluir por seu corpo. Era como uma corrente de energia que o fazia querer quebrar aquela porta a afundar-se no abraço de Harry, algo que nunca fizera antes mas que desejava profundamente. Queria sentir o cheiro dos cachos do garoto das fotos enquanto tinha o seu coração perdoado. Queria apertá-lo em seus braços, colado a si. E, por isso, um soluço sonoro escapou de seus lábios quando ouviu o som da chave destravando a fechadura antiga da porta e ela se abrindo.
Harry Styles apareceu, os cachos desgrenhados, o corpo coberto por um conjuto de pijamas e os pés escondidos somente por meias finas. Ele tinha a ponta do nariz avermelhada, grandes olhos verdes focados somente e em nada além de Louis e mais parecia um anjo do que um ser humano. O Tomlinson arfou e teve que resistir ao impulso de se lançar para frente e tomar para si o abraço que tanto desejava. Ao invés disso, estendeu a caixa:
- Garanti que fosse exatamente a mesma que você tinha e também comprei uma daquelas lentes de alta resolução para distância que você vinha falando o mês inteiro. - Louis baixou os olhos para o chão enquanto Harry pegava delicadamente a caixa. Não ergueu o olhar ao ouvir o papel de presente sendo rasgado, nem quando falou novamente: - Eu sei que isso não é o suficiente para me perdoar, mas espero que seja um começo.
O silêncio reinou por alguns segundos e foi quebrado por uma risada baixa, seguida por um fungado. Louis ergueu o rosto para ser agraciado com a linda visão do sorriso de Harry Styles, suas covinhas expostas.
- Você fugiu da Uni para comprar isso, não foi? - Harry disse, abraçando a caixa, agora sem a embalagem de presente e com a imagem da carissíma câmera fotográfica destacada do lado de fora.
E Louis podia voar, tinha certeza. O peso sumiu de seus ombros no momento em que pousou os olhos naquele sorriso doce, acompanhado de olhos verdes marejados, e ele descobriu que nem mais sentia o mundo ao seu redor. Tudo havia se resumido a Harry parado diante de si e a batida intensa de seu coração disparado.
- É bem mais fácil do que sooa quando se conhece alguns truques. - Respondeu, um sorriso gigantesco surgindo em seu rosto.
Harry gargalhou baixinho e baixou o rosto, balançando a perna para frente e para trás enquanto corava. Ele era tão, tão lindo que Louis poderia se ajoelhar aos seus pés, abraçar suas pernas e chorar de felicidade pelo restante da noite.
- Acho que seu coordenador vai acabar te obrigando a ficar trancado aqui no próximo final de semana, como punição. - Harry provocou.
- Yeap. - Louis sorriu ainda mais. Ele nunca mais conseguiria parar de sorrir.
- Isso significa que adiaremos nosso encontro de novo?
O coração de Louis explodiu. Na verdade, ele inteiro explodiu em toneladas de purpurina, arco-íris, cupcakes e chocolate. Desmanchou-se de uma vez por todas diante de Harry Styles e não conseguiu mais controlar a vibração intensa de seu corpo. Aquela pequena frase, dita pela voz rouca tão familiar, era o mais belo poema de amor que já havia escutado em toda a sua vida; era a rendição total de Louis, a entrega completa de si nas mãos do garoto das fotos.
- Meu Deus! - Gritou. - Isso significa que estou perdoado?
Harry gargalhou novamente, brincando com a caixa entre as mãos. Para Louis, aquele era sem dúvidas o paraíso e, talvez, ele nem se importaria em morrer para ficar ali para sempre. Ou, talvez, o paraíso fosse quando beijasse Harry pela primeira vez, mas isso, ele esperava, ainda estava para acontecer.
- Porra, Lou. - O garoto de cachos sussurrou. - É claro que sim!
- Deus! Deus! Deus! - Tomlinson gritou de novo, os pés incapazes de ficarem quietos. - Harry Edward Styles, eu posso te abraçar?
Como resposta, sentiu o choque do outro corpo contra o seu e dois longos braços enrolando-se ao redor de sua cintura. Respirou profundamente antes de afundar o rosto no pescoço de Harry e envolvê-lo com os braços, puxando-o para que ficassem ainda mais colados. A caixa escorregou entre os corpos dos dois, parcialmente apertada entre eles, até cair de forma lenta até o chão, entre as pernas de Harry e Louis.
Naquele abraço, o tempo parou. Não havia mais nada, somente eles.
___________
Olá, meus amores.
O sentimento que serviu como base para esse capítulo foi o número 8: o remorso sobre um ato trivial de irreflexão. Espero que eu tenha desenvolvido ele corretamente.
Me perdoem pelos erros.
Até a próxima oneshort.
Kyv❤
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