Estou aqui
JASPER
Foram doze dias de lua de mel. Doze dias de paz e conversas despretensiosas, risadas e desaforos. Eu me aproveitava da companhia de Lucille, passava as mãos em seus cabelos sedosos e a mantinha presa em um abraço constante. Não posso dizer que estou apaixonado por proibição, mas... é.
Quando ela me beijava ou me abraçava de volta, não tinha mais nada no mundo. Eu não precisava de mais nada. Não tem nenhum outro lugar no mundo que eu prefira estar se não aqui, com ela e com o perigo.
Rodamos o Canadá sem a menor pressa. Ficamos mais de um dia em cidades pequenas que conhecemos e roubamos coisas que nunca usaríamos, enchemos uma mochila de cartões de visita e coisas típicas que só turistas se importariam de pegar. Era burrice, destacando que vivemos atravessando a água de rios ou do mar, mas não deixava de ser divertido.
Era nossa forma de criar boas lembranças, ainda que estas fossem ser destruídas em breve.
Hoje, estou tão acostumado a roubar que não faço a mínima ideia se algum dia serei capaz de me livrar deste hábito.
— Preciso caçar.— contei a ela. Imediatamente, Lucille olhou para o lado, como se esperasse que eu atacasse o pescoço do velho que via discos de vinil atrás de mim— Luci.— chamei sua atenção e levantei as sobrancelhas.
— Oh— foi sua resposta. Foi tão inocente que quase soou cômica.
— Vem— peguei sua mão depois de roubar um chaveiro escrito "eu amo o Canadá" do balcão e o enfiar no bolso da minha mais nova jaqueta de couro. Estávamos evoluindo, arrombando lojas de roupa no meio da noite para pegarmos roupas que realmente combinam conosco. Pegar roupas do varal dos outros não estava dando certo mesmo.
O engraçado é que Lucille está vestindo peças extremamente parecidas com as minhas, com exceção da camisa azul e com decote por baixo da jaqueta de couro preta. Fora isso, estamos parecendo um casal que faz tudo junto, inclusive as compras.
Não seria mentira, no fim das contas.
A arrastei para fora da cidade e nós fomos correndo na direção das montanhas congeladas quando tivemos certeza que não seríamos vistos. Mais um dia calmo estava chegando ao fim, e eu planejava ficar aqui com ela, assistindo as estrelas o resto da noite.
— O que foi que você matou da última vez? Até que durou bastante— ela cruzou os braços e ficou uns passos atrás enquanto eu fechava os olhos e deixava meus instintos se aflorarem. Sei que ela também se alimentará em breve, seus olhos estão tão escuros quanto os meus.
— Um bisão europeu— respondo tentando ouvir qualquer ruído que não seja emitido pelos pés impacientes de Lucille caminhando na neve— Shh— censurei e ela parou. Senti o cheiro forte de um alce e segui aquele rastro invisível bosque adentro. Lucille manteve uma distância segura e me acompanhou. Não levamos mais do que cinco minutos para encontrar o enorme alce que erguia a cabeça com o chifre direito partido no meio para cheirar uma pinha da árvore.
Ele levou menos tempo ainda para nos notar, no entanto, ataquei antes que o animal conseguisse olhar na nossa direção. Depois de tanto tempo, continuo detestando seu cheiro de herbívoro mas ainda assim, um alimento é um alimento. O sangue quente dele me preencheu e eu me afastei de seu pescoço, reabastecido. Quando me levantei, olhei na direção de Lucille e senti a sua repulsa contra minha dieta da mesma forma que eu tinha da dela.
— Diga de uma vez.
— Você tem pena de humanos, mas não de animais majestosos como este?— ela perguntou, cruzando os braços.
— Cães também são majestosos e você tentou matar um esses dias.
— Eu ia matá-lo, não provar seu sangue.
— O fim é o mesmo— retruquei e ela franziu o nariz. Uivos romperam pela floresta e nós olhamos na direção do som. Lobos. Estão perto... provavelmente caçando também já que é a sua hora. Escureceu, as estrelas estavam começando a iluminar o teto escuro sobre nossas cabeças. Lucille e eu nos olhamos, ia perguntar se ela estava pronta para voltar, porém, fiquei confuso com a cara pensativa dela— O que foi?
Lucille apertou os lábios em uma linha reta.
— Eu te odeio por isso.— ela desapareceu da minha vista em segundos. Levantei as mãos, confuso.
— O que foi que eu fiz?— gritei e corri atrás dela, subindo mais na montanha. Algumas árvores no caminho me obrigavam a correr em zigue-zague. Quando finalmente alcancei Lucille em uma clareira, ela estava atacando um lobo branco de quase um metro de altura. Parei, surpreso com a cena de uma Volturi se alimentando de um animal. Os outros lobos da matilha se dispersaram com o rabo entre as pernas. Ela não se deu por satisfeita até matar um segundo.
Quando a loira se levantou, passou a mão nos seus cabelos como se sua maior preocupação fosse arrumar os fios que saíram do lugar. Me aproximei dela em passos lentos, o queixo caído. Ela me encarou de volta e limpou a boca com a manga da jaqueta. Estava tão acostumado com Lucille com os olhos vermelhos que não soube lidar direito ao vê-la com os olhos claros como os meus. Âmbar combina com ela.
— Detestei— ela disse, mas algo na satisfação que a rondava, me dizia que estava mentindo.
— Por que fez isso?
Lucille deu de ombros, sem ser capaz de me encarar. Curiosamente, tive certeza de que ela estava fazendo aquilo por minha causa.
— Porque sim.
— Porque sim não é resposta— rebati, sorrindo, e ela revirou os olhos.
De um segundo para o outro, algo mudou. Lucille franziu a testa e cambaleou um pouco, piscando algumas vezes.
— Jazz— ela se jogou nos meus braços. Eu sabia que estava acontecendo de novo. Chinara não ia desistir e a mera lembrança da bruxa desmonta meu humor— Jasper, ela está mais forte.
Sem condições de continuar de pé com ela, me abaixei olhando ao redor e farejando o ar, sem sentir o cheiro de mais ninguém além de Lucille. Eles sempre demoram um pouquinho para chegar. Tenho que ajudá-la a voltar a si antes de mais nada.
Lucille se encolheu no meu colo e apertou minha cintura, estremecendo de medo, os olhos ficando brancos.
— Jasper. Jasper!— ela me chamou, alarmada, como se eu tivesse a abandonado ou não pudesse me sentir mais. Passei a mão no seu cabelo e a abracei.
— Eu estou aqui.— disse, sem ter certeza se ela poderia me ouvir, considerando o que ela me narrou de sua última experiência— Eu ainda estou aqui.
Identifiquei o medo e a forma como Lucille se sentia ameaçada em sua própria mente. Era bastante assustador para mim também, na verdade. Lucille tem uma armadura quase impenetrável e a usa quase o tempo todo, mas sob o domínio de Chinara, acaba sendo arrancada dela. Preciso tirá-la desse sufoco, preciso que saiba que está segura.
— Tudo bem— disse, sem saber se estava tentando consolar ela ou a mim mesmo. Compartilhando meu dom, pensei em como o clima entre nós estava leve até uns minutos atrás, e trouxe a leveza de volta, abraçando-a com um cobertor quente.
Lucille rosnou e balançou a cabeça nos meus braços, mas não a deixei se mover para longe, persistindo com o máximo de potência que podia oferecer.
— Vai, aguenta, Luci— afaguei seus cabelos e olhei ao redor de novo. Nada.
Da nossa posição, parecíamos estar em um prato gigante, prontos para sermos servidos. Os lobos mortos ao nosso redor eram os petiscos. Tudo parecia terrivelmente quieto. O silêncio era ameaçador. Me senti em um filme de terror, como se algo fosse saltar na minha cara a qualquer momento.
Talvez fossem apenas as emoções de Lucille abalando as minhas. Tenho que manter o controle, penso, sem fazer ideia se estou sendo útil para ela ou não.
— Lucille— chamei, depois de uns minutos. Ela demorou a relaxar, mas quando chegou ao ponto de conseguir se mexer de novo, a evolução foi rápida e Lucille se sentou abruptamente como se tivesse acordado de um pesadelo. Seu olhos voltaram a ser âmbar e estavam arregalados de horror.
— Ela está aqui.
Lucille se levantou em um pulo e começou a me arrastar com ela, tentando fugir do nada. Mal tínhamos chegado a nos afastar seis metros dos lobos, o vento nos trouxe o cheiro de seis vampiros diferentes. Recuamos e fomos para outra direção. Mais seis surgiram. Do outro lado, soldados que já derrotei em Volterra também deram as caras, atrás de Alec, Demitri, Heidi e Félix. Eram vinte um ao total.
Lucille e eu colamos nossas costas uma na outra em pose defensiva, apavorados.
— A gente precisa...— antes que ela terminasse de falar, todos atacaram de uma vez. O resultado disso era previsível e nada bom para nós dois. Lutamos como pudemos. Lucille decapitou um e foi arrastada para longe de mim. Esticamos as mãos na direção um do outro, mas consegui apenas roçar a ponta dos seus dedos— JASPER!— Lucille gritou, lutando para se soltar dos seus amigos, mas eu também estava cercado e ficou mais do que óbvio que não conseguiríamos nos alcançar.
Me desesperei quando meia dúzia de mãos me puxou para a direção oposta. Foi extremamente sufocante, o filme de terror se tornando real. Paramos quando estávamos a mais de dez metros de distância um do outro e fomos virados para ficarmos frente a frente. Não importava o que viesse desse encontro, eu sabia que odiaria até o fim.
Eu vou morrer. Era isso que Alice queria impedir e eu ignorei.
Lucille foi obrigada a ficar de joelhos e eu só consegui arrancar a cabeça de mais um soldado antes de ser colocado na mesma posição submissa. Mais cinco dos nossos chegaram e a escuridão foi interrompida por tochas de labaredas azuis. Quando olhei para o lado, Tom colocava Chinara no chão. Ela continuava a exata mesma coisinha de quando nos vimos, linda, os cabelos curtos e o rosto pintado com uma maquiagem suave, como se ela fosse ter um belo encontro e não estivesse indo eliminar ninguém. Lutei para ficar de pé, preciso tirar Lucille daqui, preciso matar essa bruxa antes que ela toque na minha mulher.
Alguém agarrou meus cabelos e eu compartilhei meu desespero com todos que me cercavam, esse esforço em tal escala era completamente desgastante e eu recebi um soco em resposta. Foi tão forte e preciso que poderia ter arrancado minha mandíbula. Fiquei desconcertado enquanto as minhas rachaduras cicatrizavam.
— Sem truquezinhos! Nós sabemos o que você faz, empata!— vociferou a vampira de cabelos ruivos que me esmurrou. Ela caiu gritando no instante seguinte e eu olhei para Lucille, a loira estava completamente concentrada na ruiva que se contorcia na minha frente, um olhar mercenário que arrepiaria qualquer um.
Meus ouvidos começaram a apitar e eu senti que meu cérebro iria explodir, fechei os olhos com força e me contorci nas mãos dos nossos inimigos. Nunca me esforcei tanto para não gritar, mas sentia que lutar contra isso só estava piorando tudo.
— Se qualquer um usar o dom contra um dos nossos, o outro irá sofrer em dobro— consegui ouvir a voz de Chinara por cima do apito de enlouquecer nos meus ouvidos. Parei de compartilhar minha dor com os outros ao meu redor e a vampira que havia me agredido parou de gritar. Abri os olhos e ela foi arrastada da minha frente. Encarei Lucille e ela tremia de ódio, tentava se colocar de pé, teimosa, mas Félix e Heidi não foram piedosos ao pisar em suas panturrilhas.
Sacudi-me e tentei livrar meus braços, mas aqueles estranhos que me seguravam não foram gentis tampouco.
— A caçada acabou— disse Chinara, metendo um sorriso nos lábios carnudos— Vocês irão morrer hoje.
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