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LUCILLE
Eu passei mal por dias e mais dias. O sangue de Sekani não parecia especial, no entanto, não demorei a entender que era muito venenoso. Aquele desgraçado me torturou mesmo após a morte e eu não fazia ideia de quando este inferno terminaria.
Eu não era capaz de fazer quase nada. Me visualizo como uma construção danificada por uma bomba, os destroços estão empilhados e prestes a cair com o menor esforço externo. Eu levei a surra da minha vida. Diferentemente dos dias anteriores em que tentaram apagar minha consciência — ou melhor, minha existência do meu próprio corpo — eu não gritei. A dor era mais irritante do que insuportável, e eu descobri que detesto com todas as minhas forças me sentir nauseada. A tontura demorou uma semana para desaparecer completamente.
Para não dizer que eu só reclamo talvez houvesse um lado bom de estar mal, pois assim eu não era obrigada a fingir estar triste com a morte daquela traidorazinha. Se me interrogassem demais, eu só faria cara de dor e fingiria que estava me segurando para parecer forte — porque é assim que eles imaginam que eu vá reagir se estiver sofrendo. Eles não gostam de me ver desse jeito; agindo como uma humana doente e teimosa. É patético, só que é o único jeito de não ser importunada, ou pior, descoberta.
Respondi todas as perguntas que me fizeram sem acrescentar mais nada. Manipulei a verdade, dobrei-a a meu favor, mas nada além do necessário. Eu tive de fazer isso, é claro, nem imagino o que me aconteceria se descobrissem que matei Jane para me libertar, ainda que a razão estivesse ao meu lado, eu não poderia matar um membro tão importante para a guarda sem consequências. Não sou uma qualquer, mas também não sou a peça mais preciosa da vida de meus reis. Eu tenho medo de ser substituída.
Não é possível matar um Volturi sem sofrer as consequências e tudo o que eu fiz até os dias de hoje, em toda a minha existência, só me mostram que eu não estou pronta para morrer. Eu não quero morrer. Mesmo que meu coração não bata, eu ainda estou aqui e assim vou permanecer, custe o que custar.
Bem, talvez eu devesse me sentir mal, não por Jane, mas pelo seu irmão gêmeo. Eu ainda mantenho meu carinho por Alec, já que ele não demonstrou nenhum sinal de que soubesse o que aconteceria comigo ou o que deveria acontecer. Em parte, acho que ele gostou de me ver viva e de volta em casa.
Alec desapareceu por três dias após de descobrir o que tinha acontecido. Foi até a aldeia de Sekani, aposto, mas não falamos a respeito disso. Não falamos nada nos primeiros dias, na verdade.
No quarto dia, ele veio ver como eu estava, esperei que perguntasse qualquer coisa sobre Jane e o bruxo, só que ele não disse nada. Mal conseguia me olhar. Andou pelo meu quarto e não arrumou minha bagunça como sempre costuma fazer. Não tagarelou sobre o novato, nem me interrogou, não demonstrou desconfiança do que quer que os reis tenham te contado de minha versão. Antes de ir, Alec veio até mim, os olhos mais vermelhos do que nunca, e tocou o topo de minha cabeça suavemente, desaparecendo em um piscar de olhos. Me perguntei se era possível ele ter visto o pedaço de Jane que foi enfiado na minha goela através meus olhos, mas imagino que seja só coisa da minha cabeça.
Estou acostumada com a solidão, pensei, mas é estranho ser deixada de lado por ele. Ele é o mais próximo que eu tenho de família, então não pode nunca saber que quem lhe tirou sua irmã de verdade fui eu. Não quero perdê-lo, acho, afinal, já perdi Jane.
Quando Alec não aparecia, Demitri vinha, dia sim, dia não. Ele tem um jeito estranho de mostrar preocupação, pois de todas as vezes que veio só serviu para me deixar estressada. Ele me incomoda com seus toques em minha testa e as piadinhas sem graça, porém me conta o que está acontecendo no castelo e isso o torna útil. Preciso saber o que está rolando fora do meu quarto, o que os outros estão deduzindo, o que meus reis estão pensando, se irão me punir.
Caius quer me culpar de alguma forma, mas tenho esperanças de que Aro e Marcus o contenham e eu não acabe perdendo nenhuma parte do meu corpo como punição por não ter trago Jane comigo já que o corpo dela queimou até virar cinzas. Foi por culpa de Sekani eu disse... dá para considerar isso uma mentira?
Embora eu tenha muito com o que lidar agora que Jane se foi e os meus reis perderam um de seus pilares mais antigos e adorados, eu não consigo pensar direito nem montar estratégias coerentes do que fazer. As lembranças de Jane me perturbam como abelhas voando em cima de doce e fica difícil dizer se estou fazendo isso comigo mesma de propósito ou não. Noventa por cento dos meus pensamentos são dela. Sobre ela. Ela, a maldita traidora. A minha quase irmã que eu matei...
....
Talvez eu sinta alguma coisa, mas não quero.
[...]
Interrompendo meus pensamentos penosos, ouvi ele chegando antes que a porta sequer se abrisse. Eu estava deitada em posição fetal no tapete atrás da cama, as mãos cobrindo os ouvidos e como não precisava que ele me visse assim, me sentei.
A porta do meu quarto se abriu e eu vi o seu rosto esbelto investigando se poderia ou não entrar. De todas as minhas visitas, quem estava realmente fazendo questão de acompanhar minha melhora era ele. Jasper.
Ele é estranho, mas não de um jeito irritante como Demitri. Ele age como se se importasse comigo e me fez acreditar que é algo verdadeiro; genuíno. Desde o dia que regressei para casa, Jasper tem cuidado de mim. Ele não me toca, nem me diz palavras de conforto, só vem até aqui e me mantém ocupada, falando, jogando. Ele nunca pergunta sobre Jane e é algo que eu gosto nele.
Consigo me mexer sozinha, mas não sou capaz de ingerir nada, sendo assim, estou faminta e com raiva. Manter a mente ocupada é bom. Sempre que tento me alimentar, fico mal de novo então estou esperando o sangue de Sekani deixar meu organismo. Os vômitos diminuíram a frequência, deve estar acabando. Espero que esteja acabando.
— Oi.— cumprimentou ele, entrando já que eu não o mandei ir embora. Não é um dia ruim, mas a sua companhia anda me agradando o suficiente para eu desejá-la.
O loiro caminhou até mim calmamente e se sentou na beira da minha cama, inclinando-se na minha direção e entrelaçando as mãos.
— O que está fazendo no chão?— ele perguntou. Baixei o olhar e dei de ombros.
— Pensando.— deitei-me de barriga para cima. Eu não fico tão relaxada assim perto de qualquer um.
Passaram-se vinte e dois dias, quatorze horas, dezesseis minutos e quarenta e sete segundos desde o momento que Jasper me tirou do chão quando voltei para cá. Tudo estava girando, eu tinha me esquecido de como controlar as minhas próprias pernas e ele me pegou no colo. Foi estúpido o suficiente para se meter entre Caius e eu para me defender.
Ele é louco.
Jasper deve ser o que os outros consideram um homem decente. Ele é cuidadoso quando fala comigo, vejo isso na forma como age perto de mim. É estranho ser tratada como algo que precisa de cuidado e merece respeito uma vez que eu não sinto nada desse tipo há muito tempo.
Eu gosto disso, mais do que deveria, talvez.
Quando me trouxe para o meu quarto pela primeira vez, ele limpou o lugar. Me trouxe roupas limpas depois que saí do banho, prestativo quase como um servo. Ele ficou uns dois dias sem aparecer quando eu baguncei tudo o que ele tinha arrumado, mas voltou sem ser chamado e eu não o expulsei. Deixei-o limpar meu quarto uma segunda vez, despi-me na sua frente e fui tomar um banho. Ele não fez nada nem fez qualquer comentário sem senso. Escolheu minhas roupas outra vez e talvez ele tenha um bom gosto, talvez eu não visse um moletom há muito tempo, talvez eu tenha gostado.
Na sua terceira visita, ele entrou porque eu estava vomitando, e eu o chamei para ficar e jogar xadrez — Alec tinha acabado de sair, pois era seu turno na minha torre. Foi lento, no começo, porque ele não falava nada mas eu sabia que ele queria saber como eu estava.
— Não preciso de sua pena.— falei quando ele me deu um xeque mate, foi previsível e ainda assim perdi. Eu odeio perder. Tive que me segurar para não quebrar o tabuleiro com um murro.
— Não tenho pena de você.— ele respondeu sem me olhar.
— Então porque fica vindo aqui?
Jasper deu de ombros, arrumando o tabuleiro para começarmos outra rodada.
— Não tenho nada melhor pra fazer se você não pode lutar. Todos seus amigos são fracos e eu sinto falta de ser derrotado por alguém a minha altura.
Ele foi audacioso por chamar a guarda, os meus soldados, de fracos. Eu ri, coisa que eu não faço com muita frequência.
— Pensando no que?— ele me pergunta e eu encaro o teto do meu quarto, aquele pintado como se fosse uma floresta tropical, onde as arvores são mais verdes e vivas. Eu posso ver as falhas na pintura gasta pelo tempo, só busco ignorar porque ela pode ser uma pintura bonita para olhos menos perfeitos. Foi uma das poucas legais que Demitri fez por mim quando eu agia como se não fôssemos acabar na cama. Ele mudou muito depois que eu cedi. Não é difícil acreditar que eu pensei que poderia me apaixonar por ele quando ele fazia coisas assim por mim sem que eu precisasse pedir ou sequer mostrasse que me importava.
— Se sente muito sozinho aqui, não é?— pergunto ao loiro e o encaro de rabo de olho. Jasper não desvia o olhar. Ele está com tanta fome quanto eu, se não mais um pouco. Suas olheiras estão profundas.
— O que você acha?
— Acho que sim, por isso continua vindo aqui todo dia. Acho que, por eu estar mais vulnerável e tolerante com você, você pensou que poderia se aproximar, que poderia ter uma única e real conexão nesse lugar. Você se sente sozinho e não gosta disso. Está procurando por uma companhia.
Ele ficou quieto.
— Estou certa?— levanto a sobrancelha.
— Você gosta de se sentir sozinha?— ele rebate.
— Eu estou certa?— repito, não quero responder a verdade, não quero dizer que o entendo. É claro que eu o entendo. Entendo porque me identifico.
— Talvez. Em parte.— ele disse após pensar um pouco.
— Que parte?— ele e suas charadas, gosta de bancar o misterioso, gosta de ficar sem me responder. Se tem uma coisa que me irrita nele, é isso.
— A parte em que eu pensei que poderia me aproximar de você.
— Por que pensou isso?
Jasper cerra os olhos e os volta para o teto, esfregando as mãos, faz cara de pensativo.
— Não sei.
Ele poderia se aproximar de Alec, Heidi, Félix. Até mesmo de Demitri que vive o admirando de longe, embora nunca vá admitir. Poderia tentar se aproximar de qualquer outro, mas é atrás de mim que ele anda. Por que?
Por um momento penso que ele gosta de ter alguém mais fraco por perto e que é temporário esse vai e vem no meu quarto, mas ao mesmo tempo tenho certeza que não. Eu me levanto e fico na frente dele. Visto de cima, ele consegue ficar ainda mais belo. Me pergunto se ele sabe implorar.
Seguro seu queixo e me lembro daquele nosso primeiro e único beijo que me parece ter acontecido uma década atrás. Ele sabe como me segurar.
— Você gosta de mim, soldado?— pergunto, meu tom não ultrapassa o volume de um sussurro.
— Acredito que somos bastante parecidos.
— Isso não responde minha pergunta.
— Pergunta essa que seria idiotice responder.— ele retruca e um sorriso se repuxa no canto dos meus lábios. Então ele já sabe a resposta. Aproximo-me mais um pouco me enfio entre suas pernas. Ele não reage, não tenta me afastar, só continua sentado, me encarando sem piscar.
— Acredita que somos parecidos? Acha mesmo que pode haver alguma bondade em mim como há em você? Porque nós dois sabemos que você é muito bonzinho, Cullen.— zombo e ele ignora.
— Acho, acho sim. E você odeia isso.
Com a mão livre, agarrei um punhado de seus cabelos e os puxei para trás. Sua cabeça está nas minhas mãos e eu não precisaria de esforço para arrancá-la. Ele continuava sem fazer nada, os olhos escuros fixos nos meus, como se ele fosse capaz de enxergar todas as minhas mentiras e verdades.
— Poderia matá-lo agora.— aproximo meu rosto do seu— E eu não teria que pedir desculpas para ninguém.— ele sorri de canto.
— Vá em frente, então.
Só pelo desaforo, ele merecia morrer. Eu poderia acabar com isso em segundos e meus reis não me julgariam, porque Jasper nem chegou a ser promovido. Estagiários irritantes somem o tempo todo.
Por fim, eu não o matei, muito menos o beijei, como queria. Não tivemos tempo, Alec apareceu na porta.
— Venham comigo. Agora.
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