Capítulo Único
Albus estava cansado e, de todas as pessoas, somente Scorpius sabia de seu estado mental. A mente de Potter era um emaranhado sombrio e tudo e todos o consumiam. Insônia, olheiras e olhos turvos eram comuns e isso doía, porque Albus odiava se sentir fraco.
Férias de Natal significava medo, embora não houvesse nada em sua família capaz de fazê-lo se sentir assustado. Seus pais o amavam, seus irmãos também, embora não soubessem demonstrar. Porém, Albus odiava o natal na casa dos avôs, porque isso significava risos e calores e Albus se sentia frio demais em meio àquilo.
–Eu vou com você.--A voz de Scorpius é uma promessa e Albus o ama ainda mais por isso.--Meu pai está viajando a trabalho, não vai interferir.
Então era assim. Scorpius iria passar o natal na sua casa, com toda a sua família calorosa e receptiva. Era o céu para Malfoy e isso esquentava um pouco do frio em Albus.
Há tempo que Scorpius não tinha um Natal feliz. Desde a morte de Astória, Draco de tornara frio, não o tipo de frio que acometia Albus, mas o tipo que o tornara, de certa forma, cruel. Era a maneira que o senhor Malfoy afastava a tristeza, transformando lágrimas em raiva.
–Que bom.--Albus sorriu para Scorpius, o tipo de sorriso que aparecia quando Malfoy lhe olhava.--Você vai ganhar um suéter.
Scorpius amava os suéteres de Molly Weasley. Os amava porque eles eram feitos com amor.
O sorriso de Scorpius tinha amor. Um amor que fazia Albus se sentir vivo.
***
Harry gostava de Scorpius, porque Scorpius, apesar de Malfoy, significava que Albus tinha, pelos menos, um amigo. Gina gostava de Scorpius, porque acreditava que ele precisava do carinho de uma mãe e isso ela tinha de sobra. James, apesar de fingido, gostava de Scorpius, porque Scorpius protegia a Albus, coisa que ele não conseguia fazer. Lily gostava de Scorpius, porque Scorpius deixava que ela testasse as suas novas maquiagens nele. E Albus gostava de Scorpius, porque Malfoy gostava dele pelo o que ele era, não pelo o que ele tinha a oferecer.
Até Molly Weasley gostava de Scorpius, porque Malfoy elogiava os seus biscoitos, suéteres e conjunto de talheres. Arthur Weasley também gostava de Scorpius, isso porque o jovem Malfoy fazia Estudo dos Trouxas e isso, para o senhor Weasley, significava que ele era uma boa pessoa.
Todos pareciam gostar de Scorpius, até mesmo Rony Weasley e as suas piadinhas sem graça (talvez gostasse porque Scorpius ria de suas piadas).
Albus não se alegrava de não ser muito funcional quando entrava em picos depressivos. Geralmente Scorpius o arrastava da cama e lhe oferecia as suas anotações. Em troca, Albus apenas tinha que ir para as aulas e sentar-se ao seu lado. Geralmente, pela manhã, Scorpius o ajudava com as roupas, o fazia escovar os dentes e o ajudava a meditar. Os meninos que dividiam o dormitório com eles não pareciam estranhar a dinâmica que os mantinha unidos, ou, pelo menos, não demonstravam a estranheza.
Em família era mais difícil não demonstrar a tristeza que aparecia por trás da fachada que Albus mantinha na face, mas, com Scorpius, Albus sabia ser capaz de esconder-se, porque ninguém falaria consigo se Scorpius falasse. Era assim que funcionava. Um simples bom dia e Scorpius já estava falando pelos cotovelos.
Como Albus o amava. O amava tanto que poderia passar o resto da sua vida olhando para aqueles lábios falantes e olhos acinzentados. No sol eles eram azuis. Um azul brilhante. Nas masmorras, eles eram cinzas, um cinza estranhamente tocável.
Albus queria olhar para aqueles olhos pelo resto da sua vida. Se Scorpius permitisse, Albus nunca se afastaria dele.
Albus não era o tipo de pessoa que parava de comer por causa da depressão, para dizer a verdade, ele se entupia de comida. Sabia que, se não tivesse puxado o metabolismo do pai, estaria uma bola do tamanho da lua cheia. Ele não se importava o suficiente, porém, embora odiasse sentir vontade de, às vezes, comer até mesmo o reboco da parede.
Uma coisa (o maior dos motivos) que o fazia se sentir culpado pela depressão, era o passado do pai. Harry Potter nunca havia se permitido cair pelo o que o Profeta Diário falava sobre ele, nunca havia se permitido cair pela forma como os tios o tratavam, nunca havia se permitido cair pela caçada por Voldemort e pelas pessoas que morreram. Nunca havia caído por motivo nenhum. Então por que Albus tinha que ser tão fraco? Estava assim por causa de um pouco de bullying? Estava assim por causa das mentiras do Profeta Diário?
Então a mão de Scorpius estava na sua, o peru em seu prato, até mesmo as uvas passas e o purê de batata. Albus só precisava respirar, suspirar, respirar, suspirar, respirar, suspirar. Com Scorpius, tudo estava bem.
Então tio Rony faria piadas. Então Hermione iria rir somente para não deixá-lo triste. Harry contaria uma história de guerra. Gina brigaria com James por ter feito alguma besteira. Teddy apareceria para desejar feliz natal. Victoire iria embora com ele. Então tio George e tio Rony dariam Gemialidades Weasley para todos os primos e Roxane os mandaria devolver. Então Percy pegaria no sono no sofá com tia Penélope lhe fazendo cafuné, tio Carlinhos comeria o pavê quase inteiro, Guilherme brigaria por causa da língua gigante de Louis e, finalmente, sua mãe diria que estava na hora de ir.
E Albus sobreviveu a tudo. Sobreviveu por causa da mão de Scorpius grudada à sua.
Mas por qual motivo ele temia tanto que descobrissem sobre a depressão? Aos olhos de seus pais deveria ser óbvio, mas não era. Albus sabia disfarçar o rosto, sabia o que fazer para deixá-los longe. Estava se tornando difícil. Desde o terceiro ano, quando desenharam a marca negra com uma faca de cozinha em seu braço esquerdo, não estava fácil. Scorpius era a sua salvação. A salvação que mantinha os pais, irmãos, tios e primos longe da cicatriz em seu braço e da tristeza em suas íris verdes.
Não fora à Ala Hospitalar, tampouco contara a uma pessoa além de Scorpius sobre o braço. Os elfos domésticos na cozinha que o livraram da infecção.
Todos para a cama. Gina diria. E Albus, junto a Scorpius, colocariam os pijamas e deitariam juntos. Scorpius o abraçaria e eles passariam assim a noite inteira.
Alguns diriam que a amizade deles era estranha. E era mesmo. Albus sabia o que sentia por Scorpius, sabia desde o ano anterior. E Albus também sabia o que Scorpius sentia por ele, porque o Malfoy já havia contado.
A noção de que se amavam deveria ser o suficiente para Albus se sentir minimamente melhor, mas, na verdade, era que Albus se sentia pior. Se sentia pior porque não podiam engatar em um relacionamento. Se namorassem, o bullying pioraria. Se namorassem, Scorpius voltaria a se sentir mal. Quando Astória se foi, ele havia caído tanto quanto Albus, mas Scorpius sempre havia sido mais forte e, de certa forma, superara.
–Albus.--A voz doce de Scorpius pela manhã é um sorriso fraco.--Já são uma da tarde.--Pela tarde, então.--Não quer levantar?
Eles se levantariam, comeriam algumas sobras que Gina trouxera na noite anterior e se sentariam ao lado da árvore de natal. Os presentes nunca eram abertos na casa da avó, porque ela fazia questão de mandar os suéteres por coruja para a casa de cada um dos netos.
–Uma miniatura do jogo entre Holanda e Estados Unidos!--James exclama.
–O melhor xadrez bruxo já feito!--Lily quase desmaia.
Albus sorri para a primeira edição de um livro em suas mãos. O sorriso era pequeno e os olhos eram aguados. Scorpius sorri para o suéter.
–Gostou, Albie?--Harry parece tenso, talvez porque Albus tenha esquecido de fingir demonstrar a felicidade como James e Lily demonstraram. Albus amava edições raras, então seus pais faziam questão de consegui-las.
Albus cometeu um erro ao olhar diretamente para os olhos do pai. Teria demonstrado demais? O pai teria percebido alguma coisa? Albus sente o coração acelerado, a visão turva. Scorpius o olha sem saber o que fazer e, sem pensar, Albus se lança nos braços de Harry e chora.
Ele não sabe direito o porquê de fazer isso, mas tem uma leve noção de que o suéter do ano anterior que está vestindo é curto demais e que seu pulso está aparecendo.
–Albus, o que é isso em seu pulso?--Gina pergunta e Albus sabe que é a marca negra feita à faca. Sabe porque ele não se corta. Não se corta, mas afasta a tristeza através da comida.
Embora tente ser rápido o suficiente para se afastar dos pais e inventar alguma desculpa, Gina o segura e sobe a manga do suéter. A forma como Harry e Gina olham para aquela cicatriz horrível, é o suficiente para Albus chorar como nunca antes havia chorado.
E ele sabe que não tem mais como esconder, ele sabe porque Scorpius está travado, seus pais estão o olhando como nunca antes o olharam e James e Lily largaram os presentes no chão.
E, agora, mais do que nunca, ele precisa dos braços de Harry e Gina ao seu redor. Porque os braços de Scorpius não são o suficiente e, talvez, ele sempre soube que precisasse dos pais para superar a escuridão em sua mente.
Porque seus pais o amam e ele é uma fraude. Porque as fraudes não conseguem sofrer em silêncio por muito tempo.
E, de repente, Gina e Harry estão chorando e ele é o culpado.
***
Albus não sabia que o hospital St. Mungus tinha Ala Psiquiátrica, mas ele se sente seguro dentro daquelas paredes brancas.
–Então você não queria contar porque sentia que não deveria sentir essa dor?--O curador pergunta e Albus menea a cabeça.--Você se sente assim porque acredita que tem todo o amor do mundo e, por isso, não deveria sentir dor?
Albus menea cabeça e, embora não quisesse, fala:
–Meu pai sofreu a infância e adolescência inteira. Ele não entrou em depressão.
–Ele te disse isso?
–Não.
–Então você não pode ter certeza.
Albus sente uma súbita onda de raiva para com o curandeiro.
–Ele derrotou Voldemort e continuou a vida dele. Simples assim.
–Acho que vocês deveriam conversar.
Albus sabia o que o pai diria. Já havia escutado as histórias de como ele ingressou no treinamento para Auror depois de Voldemort cair. O pai, porém, contou-lhe outra coisa dessa vez.
–Depois que a folia após a morte de Voldemort acabou, eu não ingressei tão cedo no treinamento, Albie. Para dizer a verdade, eu fiquei de cama por quase dois meses. Eu era assombrado por pesadelos, tinha certeza que via fantasmas. Minha única companhia por semanas foi o Monstro, porque eu fiquei na antiga casa de Sirius. Eu não dormia. Não sabia quando era dia e noite... Foi horrível.
–Por que você nunca me contou?--Albus se sente traído.--Você só conta sobre as aventuras que viveu com tio Rony e tia Hermione.
–Não queria que vocês soubessem disso. É doloroso lembrar. Eu sinto que nunca me curarei totalmente.
–Como você melhorou o suficiente para conseguir voltar a viver?
Harry suspira e lhe lança um olhar um tanto quanto doloroso.
–Eu me negava a receber ajuda de todos, mas a sua mãe, de alguma forma, conseguiu entrar na casa e me arrastou para pegar um sol. Ela me salvou da depressão. Me fez procurar ajuda aqui, no St. Mungus. Eu fiquei internado aqui por um tempo. Ela vinha me visitar, saia de Hogwarts e vinha com jogos e com cartas do Rony, da Hermione, da sua avó, tios, de Luna, Neville e etc. Depois de um tempo deixei que Rony e Hermione viessem também. Não sei por que não queria vê-los. De qualquer forma, o seu pai aqui é humano e não um deus, Albie.
Albus não queria se sentir melhor por escutar que seu pai havia sofrido depois da queda de Voldemort, mas sentiu lágrimas de alívio se soltarem de seus olhos. Estivera tanto tempo se sentindo culpado por sofrer, que saber que seu pai também era humano o fez se sentir mais vivo.
–Eu proibi Scorpius de contar para vocês sobre a minha situação. Não sei como ele conseguiu me aturar por tanto tempo. Ele me ajuda a me trocar, me empurra para baixo do chuveiro e me passa as anotações dele. Até me barra quando eu estou quase explodindo de tanto comer.
–Scorpius é um bom garoto. Ele está vindo todos os dias, né?
–Nada do mundo impediria ele de vir.
Harry suspira, um pouco nervoso.
–Ontem eu vi que você e Scorpius estavam dormindo abraçados. Vocês tem alguma coisa além de amizade?
Albus sente o ar lhe faltar e a noção de que não haviam trancado a porta o faz se sentir mal. Harry o olhava de forma calorosa, sem qualquer sinal de fúria em seus olhos.
–Promete que não conta para ninguém?--Albus pergunta com um desespero tocável. Harry pisca um pouco surpreendido.
–É claro que não conto. Se vocês têm um relacionamento está tudo bem para mim. A sua mãe também apoia.
Então Gina também sabia. Aquilo era desesperador.
–Se o Profeta Diário descobrir, estamos fritos!--Albus sente o coração acelerado.--Se o pessoal de Hogwarts descobrir, estamos fritos!
Harry não parece entender o seu desespero por um tempo, mas, quando finalmente se toca, um olhar carinhoso toma conta de seu semblante.
–Albie, eu e a sua mãe nunca conseguimos processar o Profeta Diário por fofocas a nosso respeito, nem sobre você e seus irmãos, mas é cabível processá-lo por falar mal sobre você e Scorpius. Preconceito é passível de processo.
–Mas e os alunos de Hogwarts?--Albus pergunta, o rosto vermelho de tanto tentar conter as lágrimas.
–Quando você sair daqui, eu te ensino algumas azarações bem pesadas.
Albus sente um sorriso em seus lábios e, sem se conter, abraça ao pai. O abraça porque sente que finalmente o conhece.
***
Embora Albus sempre fosse se culpar por não ter procurado ajuda antes de a sua mente começar a fazê-lo travar, era bom estar um pouco mais em paz com a própria existência dois meses após o Natal.
Scorpius desenhava com o dedo em torno da cicatriz em seu braço esquerdo e Albus não se importava que ela estivesse à mostra. O clima estava agradável e o chão parecia estável pela primeira vez em muito tempo. O sorriso era fácil nos lábios de Albus, que esperava ansioso pela próxima visita ao Psicólogo. Contaria que havia engatado em um romance público com Scorpius e que não havia dado bola ao Profeta Diário e aos murmúrios pela primeira vez em muito tempo.
–No que você tanto pensa?--Scorpius soa, puxando-o até que estivesse com a cabeça contra o seu peito.
–Em nós. Nos meus pais. No psicólogo. Em você. Em tudo.
Scorpius deixa um selinho em seus cabelos revoltos e em seguida os cheira.
–Você está bem?
Albus foca no céu azul, sentindo uma revirada feliz em sua barriga. Estava bem. Estranhamente, se sentia bem. Depois de muito tempo, estava... Vivo.
–Melhor do que nunca.
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