8. Gives you feelings that you don't want to fight
Silêncio. Eu podia ouvir os barulhos de insetos. Nós estávamos deitados na grama do parque, a caixa de pizza, já vazia, entre nós. E eu estava me sentindo em paz, apesar de estar longe de casa, com a perna machucada, do lado de um praticamente estranho e estar jurada de morte pelo meu pai. Sim, eu consegui achar paz olhando para o céu, deitada sem dizer uma palavra.
- Você está melhor? Tem certeza? - ele parecia meu pai
Ok, foi só uma expressão. O pai que eu tenho – ou tinha – nunca se preocupou mesmo comigo.
- Estou perfeitamente bem agora. Pelo menos estava antes de você abrir a boca.
Ele riu. Eu estava sendo grossa, por que ele estava rindo?
- Você ficou um pouco atordoada com tanto movimento, não é? Ansiosa? Perdida?
- Eu estou deitada na grama e não em um divã.
- É que eu realmente me interesso por psicologia. Já li alguns livros sobre ansiedade e síndrome do pânico.
- Que ótimo - eu falei sem interesse - Mas eu não tenho isso.
- O que você teve na praça de alimentação me pareceu uma crise... Você ficou perdida com tanta coisa nova para prestar atenção, tanto barulho e tanta gente junta. Você não deve estar acostumada, eu sei lá, a reação me pareceu um sintoma mais grave.
- Quanto eu te devo por essa sessão inútil e completamente errada de terapia?
Ele riu. E o assunto parou por aí. Parou pelo menos por uns cinco minutos.
- Meu nome realmente é Zach - ele disse e eu não disse nada - Você pode conferir minha carteira de motorista se quiser. Eu não estou mentindo.
- Tudo bem, Zach. Já que estamos nessa hora de confissões, quando é que você vai claramente me explicar por que raios está me seguindo? E não venha com a história da Chevy!
- Eu só preciso de um pouco de aventura. Eu estou dirigindo pelo país, sem rumo, tentando entender um pouco mais do mundo, um pouco mais de mim mesmo.
- Tudo isso é muito filosófico, mas eu não acredito.
- Meu pai queria que eu fizesse advocacia. Eu odeio Direito. Eu o convenci de que queria conhecer o mundo antes de entrar em uma faculdade e passar o dia inteiro em um escritório. Já faz quatro anos.
- Você está na estrada por quatro anos? Sem voltar para casa?
- Só volto para o Natal.
- E como você consegue dinheiro?
- Meu pai não sabe, mas eu estou gastando quase todo o dinheiro guardado para pagar a faculdade.
Eu não aguentei e gargalhei.
- Sim, eu sei, é engraçado. Eu não gostaria de estar fazendo isso, mas ele não me deu escolha.
- Então você está fugindo?
- Sim. E aparentemente você também.
- Meu pai também não me deu escolha - eu disse, olhando pro céu
- Eu não tenho muito o que reclamar. Eu gosto de viajar, de dirigir, de conhecer culturas e pessoas diferentes.
- E analisá-las psicologicamente - eu concluí e ele riu
- Você é um belo caso a ser estudado - eu ignorei essa frase dele - Quem imaginaria? Uma francesa que não sabe nada de beijo francês.
- O quê? É claro que eu sei - eu ri - E você é um quarterback profissional que não sabe nada de futebol!
- Eu posso fazer um touchdown qualquer dia desses para provar que sei sim.
- Quarterback fazendo touchdown? - gargalhei - Eu retiro o que eu disse. Você mente muito mal.
Ele se levantou, correu para um lado e fingiu estar carregando uma bola, depois pulou, rolando pela grama, como se tivesse atravessado a endzone. Eu ri de vergonha por ele.
- Viu? Eu sei jogar futebol americano.
- Sem bola e sem time adversário é fácil.
- Agora a pergunta é: você, Liberté, uma autêntica francesa - eu o encarei rindo por ter traduzido meu nome para francês - sabe algo sobre beijo francês?
- Pode parar, eu sei o que você está fazendo e não vou cair nos seus joguinhos. Eu não preciso te mostrar que sei.
- Tudo bem, tudo bem. É isso o que os perdedores sempre dizem, né? Mas a gente só sabe mesmo quando a gente prova saber - ele se deitou, todo cheio de si, olhando para o céu e com a cabeça apoiada nas mãos
Eu balancei minha cabeça, também olhando para o céu. E fiquei olhando por um tempo. O silêncio havia voltado, mas eu estava me sentindo desafiada de um jeito horrível. Ou eu cedia e o beijava, provando que eu estava certa, ou eu mantinha meu orgulho e deixava ele com esse ar de vitória. Minha mente se dividiu, tentando decidir qual ação tomar. Esses joguinhos de orgulho são meu ponto fraco... Não importa o quão esperta eu seja, eu sou teimosa. Fale que eu não consigo fazer algo que no minuto seguinte eu vou demonstrar mil e uma maneiras de fazê-lo. Eu estava deitada, mas por dentro eu estava uma pilha de nervos. Ele tinha essa habilidade de me irritar. Era como se eu fosse uma vela e ele fosse fogo, cada vez me consumindo mais e mais até meu acabar meu pavio.
Virei meu corpo, pulando a caixa de pizza na qual continha um último pedaço que não conseguimos comer de tão cheios. Parei de pernas abertas, uma de cada lado do seu corpo, sentada sobre seu quadril. Inclinei meu tronco, deixando meus lábios perto demais dos dele, respirando forte, evitando ao máximo o toque de nossas bocas. Ele ia sofrer um pouco de antecipação, de ansiedade. Ele merecia. Nossos narizes se roçaram e eu passei a mão lentamente por seu rosto, sentindo sua barba áspera nas pontas de meus dedos. Ele tentou levantar o corpo, para que nossas bocas se encontrassem, mas eu me afastei, o empurrando para baixo com a palma de minha mão em seu ombro ferido. Ele gemeu de dor por um momento breve.
- Por que tanta pressa? - falei, deixando meus lábios passearem de leve pelos seus
Ele estava estático. Eu podia sentir a tortura em seus olhos. Querer e não poder... Um cliché que sempre funcionava. Na verdade, acho que ele estava surpreso. Talvez não acreditou que eu ia cair em sua chantagem. Bom, eu não havia necessariamente caído, eu só havia virado o jogo a meu favor. Abri um pouco a boca, respirando contra a sua. Fisguei seus lábios de leve com os meus e repeti o ato por algumas vezes, agarrando-os com os dentes na última vez. Eu senti suas mãos subirem pelas minhas coxas de leve e parei no mesmo momento.
- Mantenha suas mãos no chão - eu disse entre os dentes e ele obedeceu
Agarrei seus lábios mais uma vez, só que não os puxei. Abri minha boca devagar e ele me acompanhou, abrindo a sua também. Eu, obviamente, para provar que eu sabia o que estava fazendo, fui a primeira a esticar minha língua, alcançando a sua. E eu provei que sabia mais uma vez. E mais uma vez. E depois de um tempo eu mal sabia o que estava tentando provar. Suas mãos tomaram a liberdade de passear pela minha nuca, pela minha cintura, pela minha perna. Eu não impedi. Eu estava presa àquela ação num loop, num ciclo infinito. Eu parava um pouco às vezes só para respirar forte contra sua bochecha, sem deixar minha boca descolar-se da sua. Eu jurava que estava no controle, mas já o havia perdido. Ele, se cansando de ficar embaixo, me jogou para o outro lado rapidamente, mas com uma gentileza indescritível. Eu mal senti minhas costas se chocarem com a grama. Mas, a cada toque dele, eu me sentia cada vez mais impotente, cada vez mais vulnerável. E eu estava longe de ser uma donzela incapaz, dessas de filme que ficam gritando por socorro. Eu era meu próprio herói, sempre fui. E foi com esse sentimento que eu o afastei, o empurrando pelo peito, tirando-o de cima de mim.
- Já chega. Eu já provei que sabia há muito tempo - falei, ao recuperar meu fôlego
Ele estava ofegante, passando a mãos pelos cabelos um pouco já suados. Deitou-se ao meu lado, olhando para o céu com o peito descendo e subindo. Eu também estava tentando controlar minha respiração.
- Agora eu acredito - ele disse, entre golpes de ar
- Então, agora, isso não vai precisar acontecer de novo.
Ele não respondeu. Passamos algum tempo no silêncio, esperando a calma do lugar nos atingir de novo. Calma que ele tinha transformado em um tornado por alguns segundos. Talvez havíamos chegado no olho do furacão.
Não conseguir dormir era rotina para mim, mas não conseguir dormir por estar pensando nos momentos anteriores e querendo que eles acontecessem de novo era novidade. É claro, eu nunca admitiria isso a ninguém, nem a mim mesma, mas eu queria sim aquele descontrole de novo. Eu agarrava o pequeno colar que eu sempre levava ao pescoço e passava o cordão pelos meus lábios, tentando compensar minha ansiedade, minha agitação. Ele estava dormindo ao meu lado, com um meio sorriso, com pose de vencedor. E como eu odiava isso. Eu o odiava por esses joguinhos e ainda não me decidira se acreditava ou não em sua história. Estar na estrada sem rumo há quatro anos? Gastando dinheiro guardado para faculdade? Não sei até que ponto isso é crível ou não.
Estar deitada na grama verde em pleno começo de verão foi uma maravilha, porém somente à noite. Assim que o Sol surgiu no céu e seus raios bateram no meu corpo, não foi agradável. Eu acordei com calor, suada. Eu queria um banho, mas não havia sinal de chuveiro disponível por perto. Zach também acordou, descolando sua camisa do corpo e abrindo alguns botões. Nenhum de nós tocou no assunto sobre o que ocorrera na noite passada, apenas nos levantamos, carregamos a caixa de pizza para o lixo do parque depois de dividirmos o último pedaço e andamos até o portão. Mas o portão do parque estava fechado.
- O que a gente faz? - ele disse
- Pulamos, eu acho.
Ele estendeu suas mãos, me dando suporte, e eu alcancei o fim do portão com cuidado. Quando eu estava passando uma das pernas para o lado de fora, um homem parou bem abaixo de mim e me encarou. Ele estava segurando um molho de chaves, abrindo o portão, e sua expressão não era nada agradável. Era provavelmente mais um zelador mau humorado, existem vários desses por aí, geralmente nos melhores parques.
- Bom dia? - eu falei, tentando amenizar a situação
- Dêem o fora daqui, seus moleques! - ele gritou
Eu olhei para Zach, rapidamente, prendendo o riso.
- Andem se não eu ligo para a polícia! - o homem gritou
Eu, na mesma hora, pulei de uma vez do portão, caindo com os dois pés no chão. Zach aproveitou o portão já aberto e correu, me puxando pela mão. Nós corremos rindo, gargalhando, por dentre as ruas do bairro, até precisarmos de ar.
- "Seus moleques" - Zach o imitou e eu ri, recuperando o meu fôlego
Nós estávamos em um bairro de classe-média alta, com casas bem cuidadas. Era uma paisagem não muito comum em Sweetwater. Mas estava muito quente para que eu continuasse reparando nas casas. Eu estava suada, morrendo por um banho gelado. Zach, me observando limpar o suor da minha testa com a barra da camisa, teve uma ideia brilhante.
- Sabe o que essas casas de dois andares em um bairro chique costumam ter? - ele me olhou animado - Piscina.
- Acho que estou pensando na mesma coisa que você está pensando - eu disse
Ele andou rápido até uma das calçadas, passando pela entrada lateral de uma casa e chegando ao quintal, mas a piscina estava vazia e suja. Zach olhou por cima dos arbustos e correu, me chamando. Atravessamos mais um quintal e nele encontramos uma piscina limpa, como se estivessem acabado de enchê-la. Ele sorriu a mim, já tirando sua bota e camisa. Eu tirei minha bota com cuidado, deixando minha arma bem escondida dentro dela. Não demorou muito para que eu estivesse só de roupa íntima mergulhando na piscina. Voltei à superfície, me sentindo bem e refrescada. Ele me olhou e riu e eu comecei a gargalhar, jogando água em seu rosto. E foi uma guerra, até que gritos saíram de dentro da casa. Olhei para a beira da piscina, limpando a água de meus olhos, e vi uma mulher gordinha e baixinha em um uniforme branco, com um pano de prato nas mãos. Ela gritava xingamentos em inglês misturados com palavras em espanhol e eu e Zach rimos mais ainda. Nós fomos até a beira da piscina, sustentando nosso corpo nela e saímos da água correndo. Eu ajudei um pouco Zach nessa hora por causa de seu ombro ainda ferido. Peguei minha bota e roupa com pressa do chão e nós corremos. Olhei para trás e a mulher também estava correndo, mas nós estávamos bem longe.
- Vamos voltar e pegar as caminhonetes - Zach gritou enquanto corria e fomos para o lado contrário da rua
Eu ainda estava rindo, correndo e tentando vestir minha camisa ao mesmo tempo. Quando alcançamos uma distância razoável da casa, eu parei e coloquei minhas botas, já que o chão estava quente e queimando a sola do meu pé. Zach fingiu não reparar na minha arma. Eu continuei a andar, mas parei para reparar na ferida do ombro dele.
- O que foi? - ele falou quando eu olhei demais
- Isso não parece estar cicatrizando... Já deveria estar melhor. Deixa eu ver...
Ele parou, me deixando analisar o machucado, e gemendo a cada movimento.
- Acho que você precisa de uns pontos...
- Desde quando você entende de medicina?
- Desde quando você entende de psicologia?
- Touché!
- Eu já tive que cuidar de um ferimento do Pelúcia uma vez.
- E quem seria Pelúcia?
- Meu cavalo de estimação - eu disse, largando seu braço - É melhor você procurar um pronto socorro.
- Eu não preciso disso - ele falou - Já já isso melhora.
- Ou piora e você vai ter que amputar. Enfim, a escolha é sua - eu falei, continuando a andar, já chegando perto da minha Chevy
Nós dirigimos, saindo de Rochester. Eu mudei a direção. Ao invés de continuar indo para o norte, decidi ir para o oeste. Eu não queria parar em cidades movimentadas, muito menos na fronteira com o Canadá. E dirigi sem rumo de novo, dando play na fita emperrada, às vezes ligando o rádio e tentando achar uma música que prestasse. Eu olhava a paisagem, bem diferente com a qual eu estava apaixonada. Eu suspirava... Sentia falta da minha mãe e de Kev. Do meu quarto. De Pelúcia. Das estradas de terra, do campo, do céu do Tennessee. Mas eu, ao mesmo tempo, não queria voltar. São memórias boas e memórias muito ruins naquela casa, naquela cidade. Eu fiz o que era o certo e, se a consequência for nunca mais voltar, tudo bem. Eu não volto.
Eu já tinha perdido a noção do tempo, não sabia que horas eram, que dia da semana era, que dia do mês era. Já tinha perdido um pouco a noção de quanto tempo eu estava fugindo.
Logo no final da tarde, quando atravessamos a divisa entre New York e Pensilvânia de novo, avistei um policial parado do acostamento, junto de seu carro. Ele fez um sinal, indicando que eu parasse, e eu obedeci. Por um segundo achei que tudo estivesse perdido, que ele me parou porque sabia da "procura" de meu "pai", porque tinha visto o anúncio, porque o desgraçado talvez tenha dado a placa do meu carro para os caçadores.
- Habilitação, por favor - ele falou quando abaixei a janela
Foi aí que percebi que talvez meu problema fosse até maior. Talvez eu pudesse perder minha Chevy. Ir presa. Ser mandada de volta para Sweetwater... De volta pro "papai". Vi Zach parar bem na minha frente e isso despertou a curiosidade do policial.
- Tem algo errado? - Zach disse ao homem fardado
- Só estava checando a habilitação para dirigir. Vocês estão juntos?
Não deu muito tempo para que eu fingisse procurar por minha habilitação, que, na verdade, era inexistente. Zach puxou o policial para o lado, falando "posso ter uma conversinha com o senhor?", levando-o para longe da minha vista e falou baixo para que eu não pudesse ouvir. Eu estava morrendo de curiosidade. Depois de mais ou menos uns dois minutos de aflição, o policial voltou à minha janela.
- Está tudo certo, pode seguir viagem.
- Certeza? Tudo certo? Não preciso mais mostrar a habilitação? Porque eu estava procurando e - ele me interrompeu
- Está tudo certo, pode ir.
E assim ele saiu da minha janela e voltou à sua viatura. Zach entrou em sua caminhonete e seguiu caminho. Eu fiquei com a maior confusão e curiosidade do mundo dentro de minha cabeça. Já estava ficando tarde e eu já estava ficando com fome, e eu sabia que, assim que avistasse um lugar para parar, eu desceria da Chevy e a primeira coisa que falaria para Zach seria "o que foi que você disse para aquele policial?".
Então, assim que avistei um lugar para parar, o local escolhido foi a cidade de Conneaut. Eu mal acreditei quando passamos pela fronteira da Pensilvânia com Ohio. Três estados em um dia? Estacionei em um posto de gasolina e, antes de pegar a pistola de combustível para encher o tanque, bati na janela da caminhonete preta que parou atrás de mim.
- O que foi? - ele disse, saindo do automóvel
- O que foi que você disse para aquele policial? - eu cumpri minha promessa, foi a primeira coisa que eu falei para ele
- Nada demais.
- Nada demais?
- Disse que estava ensinando você a dirigir, que seu teste de direção seria amanhã.
- E isso funcionou? - eu desconfiei
- Sim, ele foi bem compreensivo.
- Zach, eu estava dirigindo numa rodovia interestadual a 100 quilômetros por hora. Por favor, me diz que você não o subornou.
- Eu não o subornei! Se quiser pode até contar o dinheiro na minha carteira, eu não dei nem um tostão para ele. Na verdade, ele parecia tão honesto que seria um problema maior tentar qualquer suborno.
- Eu ainda não acredito.
- Eu que não acredito que você não tem uma carteira de motorista. Ou quem sabe uma falsa.
- Eu nunca precisei.
- Aqui não é mais Tennessee, acho que você precisa tomar mais cuidado - ele disse, pegando uma das pistolas e abrindo a tampa do tanque de sua caminhonete
- Como você sabe que eu sou do Tennessee? - eu falei, já me irritando
- Eu não preciso ser muito inteligente para saber isso. É só olhar a placa da sua tão amada Chevy.
- Oh - eu expressei, sem dar continuação
Sem admitir meu erro, eu também comecei a abastecer. Em silêncio. Olhei Zach de lado. Ele sempre parecia tão calmo, como se estivesse tudo tão sob seu controle. Isso me instigava. Ele entrou primeiro na pequena loja do lado do posto para pagar pelo diesel. Eu o segui. O homem do outro lado do caixa parecia que não ia me deixar comprar bebida ou cigarro e meu orgulho estava alto demais para que eu pedisse a Zach para que comprasse para mim. Talvez eu tenha que me contentar com uma noite sóbria. Então eu apenas peguei algumas guloseimas e um refrigerante e me dirigi ao caixa. Zach já tinha saído, sem falar uma palavra.
- Seu amigo já pagou seu tanque - o homem disse, quando eu tentei dar o dinheiro do combustível
- O quê?
- Bomba número um, não é? Ele pagou pela número um e número dois. Então - ele contou meus itens - deu 15 dólares.
Eu paguei os 15 dólares sem dizer nada. O homem, que parecia ser rabugento, não viu quando eu coloquei, discretamente, em cima do balcão, um maço de cigarros. Ele, no meio de tantas balas e salgadinhos, nem viu o que estava vendendo a mim. Eu dei sorte. Saí da loja e Zach estava já dentro da caminhonete. Eu não conseguia vê-lo do outro lado do vidro, então apenas segui meu caminho pelas ruas de Conneaut. Segui pela Lake Road, enxergando o Lago Erie do meu lado esquerdo. Era bonito demais ver o céu anoitecendo e a lua surgindo, refletida na água. Eu não lembrava de ter visto tanta água assim junta em toda a minha vida. Encostei na lateral da estrada, subindo no terreno vazio bem antes do lago e fazendo uma manobra, dando ré, para que eu pudesse olhar para a água enquanto deitada atrás da Chevy. Não estava me importando muito com Zach, que estava estacionado do meu lado, mas ainda no banco de motorista, sem sair. Eu apenas acendi um cigarro do maço novo, já que o outro tinha acabado e fiquei olhando o céu, sentindo uma brisa suave que passava pelo lugar, comendo de vez em quando alguma das guloseimas que comprara. Eu queria saber como estava minha mãe e Kevin. Eu queria poder falar com eles, ter alguma notícia, saber que o animal do meu pai ainda estava longe e não tocaria em nenhum fio de cabelo deles. Mas seria arriscado demais, eu teria que me contentar mesmo com a curiosidade, a preocupação que não largaria meu peito. Suspirei, jogando a fumaça para longe do meu pulmão. Foi quando Zach saiu da cabine de sua caminhonete e andou até a beira do lago, com as mãos no bolso, olhando para a água.
- A lua está bonita hoje - ele comentou, ainda de costas
- Quer? - eu ofereci o que estava comendo e ele veio até minha Chevy e sentou ao meu lado
Compartilhamos o silêncio por algum tempo. Eu olhava o reflexo da lua nadando devagar pela água calma do lago. Ele provavelmente fazia o mesmo. Pela primeira vez, o silêncio me incomodou. Pela primeira vez, senti a tortura de querer saber o que se passava na cabeça da pessoa do meu lado.
Depois de um tempo, percebi que ele estava segurando uma risada.
- Por favor - eu me pronunciei - me conte essa piada super engraçada que você acabou de lembrar.
- Ahn?
- Você está segurando uma risada. Eu não sou estúpida. O que é tão engraçado?
Ele me olhou, ainda segurando a maldita risada.
- É apenas engraçado...
- O que é engraçado?
- Como o silêncio estava te torturando.
Eu, ao ouvir suas palavras, senti é falta da tortura do silêncio.
- Tudo bem, você é muito orgulhosa para admitir. Assim como foi muito orgulhosa para quebrar o silêncio.
Eu rolei os olhos, tentando dissipar minha raiva.
- É um truque bem simples. Tudo o que eu tive que fazer foi agir que nem você age, fingir que não há ninguém do meu lado.
- Eu não sou sua cobaia. Você não sabe nada sobre mim, então não tente me dizer como eu sou ou não - eu falei de modo grosseiro - Nem todo mundo tem o dinheiro da faculdade do papai para desperdiçar.
Eu me levantei, descendo da caminhonete e indo à beira do lago. Se eu continuasse ao seu lado, eu provavelmente o faria engolir a bituca do meu cigarro para que ele parasse de falar merda.
- Você não é minha cobaia - ele disse - Desculpa se soou como se você fosse. Eu só me interesso por psicologia, só isso.
Ele se levantou da Chevy e ficou ao meu lado, mas eu não direcionei meu olhar a ele.
- Já que você é tão interessado em analisar comportamentos e pensamentos, o que você tem a dizer de um cara que abusou por anos da própria esposa e tratou os filhos como se fossem seus escravos? Um cara que só volta para casa para desprezar seus filhos e depois comer a comida que a sua vítima prepara todos os dias para ele? Alguém que ama mais a bebida, o jogo, o tabaco e o bordel que sua casa?
Ele me olhou sem dizer uma palavra.
- Porque eu realmente queria saber qual distúrbio psicológico esse cara tem.
Eu joguei a bituca no chão, com mais força do que o necessário. Pisei em cima dela com a ponta da minha bota agressivamente e olhei reto para frente.
- Eu não diria que ele tem um distúrbio psicólogo.
Eu finalmente o olhei, mas sem entender.
- Talvez os livros o encaixariam em um tipo de distúrbio. Eu prefiro pensar que ele é uma pessoa cruel, sem coração. Acho que é a melhor definição. Não é doença, é maldade.
Eu voltei meu olho ao céu. Ele tinha razão, mas eu era muito orgulhosa para concordar que ele, de fato, tinha razão.
- E como você acha que é a personalidade dos filhos dele? Da filha principalmente, porque ela teve o infortúnio de entrar no quarto dos pais durante um abuso.
Ele pensou um pouco, medindo as palavras. Ele não era burro, já tinha entendido que eu não estava falando de terceiros e sim de mim mesma.
- Eu diria que ela achou um jeito de se proteger contra tudo isso. E esse jeito foi se fechando e tentando proteger sua família ao invés de, de fato, se proteger. Eu diria que, apesar de tudo, isso a transformou numa pessoa que não confia nos outros, mas ao mesmo tempo alguém que quer sempre ajudar quem realmente precisa. E eu ainda diria que um dia ela encontraria alguém que a veria por quem ela realmente é e não pelo o que ela tenta parecer ser, mas isso não está nos livros, é minha opinião mesmo.
Eu não falei nada.
- Mas que tal assistirmos um filme?
- Quê?
- Talvez duas horas assistindo a história de outra pessoa ao invés de se torturar pensando na sua mesma seja bom. Para distrair, sabe? E acho que amanhã estreia o filme que eu queria ver. Falam que vai ser muito bom.
Eu considerei a opção e não me pareceu muito ruim, para falar a verdade.
- A não ser que você se importe de passar duas horas numa sala escura cheia de gente...
- Deixa eu tentar outra técnica: você pode, por favor - eu reforcei essas duas palavras - parar de me analisar? Eu não tenho síndrome do pânico ou qualquer outra ansiedade social.
- Tudo bem, mas só porque você me pediu com educação.
Eu contei até dez rápido para não socá-lo. Ele sabia ser muito irritante quando queria.
- Tudo bem, eu vou nesse filme amanhã se estiver passando aqui na cidade - eu concordei
Ele sorriu, mas logo disfarçou a alegria.
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Música do Capítulo 8: Cowboy Casanova - Carrie Underwood
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