16. Love for you is like a wild west movie
Não sei por quanto tempo deixei a água gelada cair sobre minha pele. Eu queria que a água levasse, junto com o calor, todos os seus toques ainda em destaque em mim. Era como se eu ainda sentisse seus dedos em mim e eu odiava essa sensação. Odiava porque me fazia querer seus dedos realmente de volta à minha pele. Quando saí do banho, com meus dedos enrugados, Zach estava apagado sobre a cama desarrumada. Ele tinha pelo menos colocado sua cueca, senão eu teria que respirar ainda mais fundo do que respirei quando me vesti e deitei ao seu lado. Coloquei também minha roupa debaixo, só para ter mais uma barreira caso alguma das ideias estúpidas em minha mente no momento tentassem se realizar. Tentei arrumar um pouco o lençol, mas não tinha como. Apaguei as velas antes de me deitar e assim tentei deixar o quarto na total escuridão. Talvez se eu não o visse ao meu lado, a vontade iria embora. O que os olhos não vêem o coração não sente, não é isso que dizem?
Eu olhei pela janela, tentando enxergar as estrelas, esperando meu coração, ainda acelerado, se acalmar. O pequeno colar que eu sempre carregava comigo estava passeando por meus lábios, era uma mania tola. Minha mãe sempre brigava comigo quando via eu passar a corrente pela minha boca, sem perceber. Só que agora eu ficava imaginando que a corrente era sua língua, e isso me agitava muito mais do que acostumava me acalmar. Minha pele ainda estava quente e ela não estava mais se acostumando à cama; eu me sentia desconfortável. Tudo o que eu ouvia era sua respiração lenta ao meu lado, sinal de que estava dormindo profundamente. Ter feito tudo o que fizemos não deveria também me deixar com sono? Por que é que agravou ainda mais minha insônia? Eu respirei fundo, fechando os olhos, tentando me concentrar em qualquer coisa. Mas havia uma coisa no ar, provavelmente minha consciência. Sua pele me chamava pelo simples fato de estar ali, ao meu lado, sem ser tocada. Era como se eu fosse uma abelha e ele fosse uma flor cheia de pólen, o cheiro me atraía. O problema é que eu ainda não sabia se ele era uma planta carnívora ou não. Eu respirei fundo mais uma vez, mas meu corpo não respondeu mais aos meus mandamentos e foi se aproximando cada vez mais. Minha perna se encostou na dele devagar, para não despertá-lo. Eu tateei ao meu lado devagar, encontrando suas costas. Repousei minha palma ali, em sua pele também quente. Ele resmungou um pouco durante o sono, mas não acordou. De um jeito estranho, minha pele junto à pele dele acalmou meu coração e eu consegui dormir por alguns minutos.
A claridade do céu me despertou. Eu peguei o vestido de brechó e joguei sobre meu corpo vestido apenas por um sutiã velho e uma calcinha. Quanto menos trabalho melhor. Fui até a varanda e senti falta de um cigarro. O que fumei ontem era o último em minha mochila. Eu nem gostava tanto assim de fumar, mas me distraía. Sem contar que também afastava as pessoas de mim, me fazendo menos alvo para conversas indesejadas. Mas, Deus, como era completamente delicioso vê-lo fumar. Ele tinha uma destreza, uma leveza incomparável ao segurar o cigarro com dois dedos e levá-lo à sua boca. Ontem a luz não me deixou ver todos os detalhes, mas aquela primeira vez que ele roubou o cigarro de mim no parque nacional em Illinois vinha sempre à minha mente. Eu lembrava do contorno de seus lábios, formando um círculo perfeito para acomodar o cigarro. Suas bochechas puxando o ar, formando duas fendas em seu rosto. Seu olho baixo, olhando para a brasa. Era como se ele houvesse inventado uma arte nova. E era tão desejável que a fumaça parecia ter um outro cheiro, algo só dele, algo deveria acontecer entre sua saliva e o tabaco. E só de lembrar da cena, eu começo a sentir meu coração bater mais forte no meio de minhas pernas do que no lado esquerdo do meu peito.
- Ei - sua voz me despertou de meus pensamentos num susto
Sabe quando você chega a pular quando é pego no flagra? Meu corpo tinha pulado ao ouvir sua voz justamente quando eu estava pensando em coisas que não deveria pensar sobre ele.
- O que foi? Te assustei? - ele riu
Sua voz estava sonolenta, um pouco mais grave do que o comum, um pouco mais rouca, mais vagarosa. Acho que eu acabara de arranjar mais uma coisa para fantasiar sobre ele.
- Não, só não te esperava de pé tão cedo. Não precisava acordar, o sol nem nasceu por completo ainda.
- Ah, eu simplesmente não conseguia mais dormir, sei lá.
E ele sentou também na varanda, fazendo um pouco de distância entre nós. O silêncio foi quebrado com um ronco de seu estômago.
- Eu ia dizer que eu estava faminto, mas isso já disse tudo - ele riu
- Você acha que eles já estão acordados?
- Sim, e eu espero que tenha torta de novo.
Ele riu. Entrou no banho enquanto eu continuei lá fora, vendo o céu. Depois fui buscar minhas botas e, mesmo achando que não precisava, acomodei minha arma dentro delas. Ele se vestiu e também colocou sua arma na cintura. Acho que estávamos quites com esses gestos. Enquanto descíamos até a casa dos nossos anfitriões, eu me perguntei como ele conseguia agir assim, como se nada houvesse ocorrido. Eu o imitei, é claro. Mas me intrigava como ele não denunciava nada, nem um olhar, nem um sorriso um pouco comedido. Nada. Era como se tudo o que aconteceu foi só um sonho de minha parte. Ele tinha entrado no meu jogo de que "não havia sido nada demais"? Ou realmente não tinha sido nada demais? Eu o observei calmamente para ver se ele era algum tipo de psicopata ou não.
- Por que você está me encarando assim? Tem alguma coisa no meu olho?
Antes que eu respondesse qualquer coisa, Ruth apareceu na varanda e nos cumprimentou, mandando-nos entrar. Pelo visto, já éramos de casa.
- Ficamos preocupados ontem! Fomos dormir e vocês não tinham chegado ainda, mas hoje vimos os cavalos e pelo menos soubemos que tinham voltado e não se perdido por aí! - ela disse
- Ah! Chegamos tarde e não queríamos incomodar! - Zach se pronunciou, com aquela simpatia convincente de sempre, com um sorriso de orelha a orelha
- Mas perderam o jantar! - Ruth disse - Então por isso vão ter que comer dois pedaços de torta hoje!
Eu queria dizer que eu comeria uma torta inteira sem problemas, mas sorri, tentando ser simpática também.
- Freedom, querida, você me ajuda com as tortas?
- Mas é claro! - eu sorri e a acompanhei até a cozinha
- Eu acabei fazendo duas tortas, uma de abóbora e outra de maçã. Sei que torta de abóbora é coisa para se fazer no outono, mas não resisti!
- Se eu pudesse comeria torta de abóbora em todas as estações, não se preocupe com isso! - eu disse, tirando uma das tortas do forno com a ajuda de um pano de prato
Ajudei Ruth a colocá-las na mesa. Eu me perguntei se ela havia feito essas tortas assim que acordara, o que devia ser bem cedo, já que o Sol não havia nascido há muito tempo. Pensei em minha mãe, em como ela sempre estava na cozinha, usando um avental parecido com o de Ruth. Só que Ruth parecia tão mais feliz que minha mãe. Parecia mais jovem, seu sorriso era mais verdadeiro. Minha mãe tentava sorrir, ela tinha alguns momentos de felicidade sim, só que só em relação a mim ou ao Kev, como no dia em que a surpreendemos com algumas flores colhidas pelo caminho. Minha mãe tentava não transparecer para nós que, na realidade, ela estava em uma situação miserável. Eu só fui percebendo a realidade com o tempo, fui notando os meios-sorrisos, fui notando o brilho de seus olhos apagando.
- Freedom? - Albert me chamou, me despertando
- Ah, desculpe, eu fiquei distraída por alguns minutos - eu falei com um pouco de vergonha
- Não se incomode, só perguntei se você gostaria de café.
- Sim, por favor - eu sorri
- Açúcar? - Ruth perguntou
- Não, prefiro sem.
- Ah, você é das minhas! - Albert disse - Açúcar tira toda a graça do café.
Eu diria que a graça do café estava em um colocar um pouco de uísque junto, mas óbvio que não falaria isso na frente deles.
- E vocês plantam café aqui também? - Zach perguntou
- Não, não. Já tentamos, mas café gosta de lugares mais frios. Não deu muito certo.
- Então... Vocês compram? Vão no mercado e compram? - eu compartilhei minha dúvida
- Eu gostaria de poder produzir absolutamente tudo aqui, mas não é possível. Então de tempos em tempos preciso pegar a carroça e ir a um mercado rural. Lá eu troco mercadorias, vendo algumas coisas que produzimos, afinal, seria ótimo se pudéssemos viver só com o que produzimos, mas não é possível.
- Hm... - eu expressei, achando interessante
E eu que achava que eles nunca saíam daquela casa pra nada... Mas não é que esses Amish's até que faziam um tipo de comércio orgânico? E então eu ri comigo mesma. Era como viver no passado tendo que se adaptar ao mundo moderno... Só que sem realmente se adaptar. Eu ri ainda mais quando pensei em Albert em sua carroça trafegando pela rodovia.
- Mas sua terra é simplesmente magnífica! Eu poderia passar boas temporadas aqui, esquecer do mundo lá fora! - Zach continuou
- Falando nisso, não leve para o lado pessoal, e nem queremos que vocês se vão, mas vocês parecem ter gostado muito deste lugar! É realmente tudo isso? Porque a gente achou que ninguém iria querer se hospedar no nosso humilde quarto lá do outro lado...
- Albert! - Ruth o repreendeu, talvez achando muito rude
- Honestamente, era para ser só uma noite de descanso mesmo. Mas acho que gostamos demais desse lugar... E de vocês, é claro!
- Mas se estivermos incomodando, por favor, nos expulse! - eu completei
- Incomodar? Pelo contrário! Vocês deram mais uma motivação para a gente! E para nossos negócios também! Mas então vocês estão na estrada por qual razão? Viajando para algum lugar?
- Resolvemos viajar sem rumo pelo país, conhecer lugares novos, gente boa como sua família! - Zach respondeu sem pensar duas vezes
Céus, ele sempre tinha uma resposta certa para tudo. Era como se ele já houvesse ensaiado. Eu tenho que tomar mais cuidado com esse homem... E agora eu rio de mim mesma. Olha eu! Falando que preciso tomar cuidado com o homem com o qual passei a noite ontem por pura vontade própria! E de repente eu senti sua mão em cima da minha mão, as duas em cima da mesa. Ele está me olhando. Todos estão me olhando. O que eu perdi? O que foi que falaram? Por que sua mão está em cima da minha? Eu sorrio, mas sua mão em cima da minha está fazendo meu coração queimar, eu que achava que tinha um vazio no lado esquerdo do peito. Talvez ainda seja um meio-vazio, só que esse espaço incompleto palpitava agora fortemente. Eu deveria estar sorrindo? Freedom! Pare com esses monólogos! Pare! Preste atenção no que eles estão falando!
- Me desculpem - eu falei - Eu estou completamente distraída. Acho que estar aqui me fez perder a noção de tempo e espaço, estou nas nuvens.
Tentei ser o mais educada possível. Eles sorriram.
- Eu só estava contando um pouco da nossa viagem - Zach sorriu a mim
Aquele desgraçado sabia ser convincente.
- Mamãe, não vai ter aula hoje?
A voz de criança me fez perceber que, bem, haviam crianças à mesa. Elas estavam tão quietas que mal notei sua presença.
- Vai sim, Kyle. Vão pegar os seus cadernos, crianças. Eu já vou.
Eu sorri quando eles pediram licença por deixarem a mesa. Que criança no mundo faz isso hoje em dia? Era como se eles estivessem parado nos anos 50.
- Você gostaria de me ajudar na aula, Freedom? Não tem problema se não, mas você parece ter jeito com crianças - Ruth disse, amigável
O que eu ia dizer!? "Acho melhor não, sou uma péssima influência pros seus filhos, mas se um dia você quiser ensinar eles a atirar em objetos em movimento, pode me chamar!". E dar aula para aquelas crianças ia me lembrar tanto de Kev... Mas eu não soube dizer não. Então eu concordei e sorri.
Ajudei Ruth a tirar a mesa. Albert e Zach também ajudaram. Depois ficaram conversando sobre alguma plantação que eles tinham na terra deles; Zach tinha o dom de parecer super interessado nos assuntos, não importava qual assunto. Eu ainda não tinha decidido se era uma qualidade ou um defeito seu.
As crianças mais velhas, que quase mal falavam, talvez por vergonha, estavam aprendendo algo que eu não tinha aprendido. Ou seja: algo inútil que, se eu não precisei até agora, nunca vou precisar. Então decidi ajudar Kyle para não ter que admitir que larguei a escola na quarta série. Ele era o mais falante, talvez por ser criança e não ter medo nem muita vergonha de ninguém, muito menos de mim, a estranha com o cabelo mal cortado e laranja desbotado. Eu realmente preciso fazer algo com esse cabelo, a cada dia estou mais parecida com um espantalho. Ou quem sabe Kyle me via como uma criança, um moleque, por isso não tinha vergonha.
Primeiro ajudei Kyle com algumas lições de interpretação de texto, coisa que felizmente eu tinha aprendido bem. A vida acaba te ensinando essas coisas. Depois ajudei-o com algumas tarefas de ciência, tentando explicar para ele algumas coisas do meu jeito. Por exemplo, ao ensinar o que eram animais mamíferos, fiz com que ele se lembrasse das vacas que ele tinha em sua própria casa. Para ensinar o que eram répteis, perguntei se ele já tinha visto uma cobra ou um sapo e ele passou minutos e minutos me contando a história de quando pegou um sapo nas mãos perto do lago, e falou que a irmã achou a coisa mais nojenta do mundo, mas ele achou legal o sapo ser tão molhado. Eu sorri durante a história toda, tentando fazer meu coração se recompor. Eu só desejei que Kev ainda fosse tão inocente e curioso quanto ele.
E depois ele foi fazer uma colagem no livro, recortando e colando os animais, dividindo-os em grupos. Nesse momento, eu fui ajudá-lo a abrir a cola que parecia ter secado. Quando apertei o tubo já antigo, voou cola para todos os lados, mas principalmente em mim. As outras crianças ficaram paradas sem saber o que fazer. Kyle ficou em silêncio e depois riu. Eu o encarei e passei meu dedo cheio de cola por seu nariz, fazendo-o gargalhar. Eu era um desastre, eu era um completo caos, mas eu ficaria feliz desde que conseguisse fazer com que crianças inocentes como ele gostassem de mim e rissem comigo – ou, no caso, de mim.
- Oh, querida - Ruth disse, preocupada, é melhor ir ao banheiro lavar isso antes que seque!
Eu já estava rindo junto com Kyle. Por que eu haveria de ficar preocupada com isso? Era cola branca, não ácido. Mas fui ao banheiro tentar tirar a cola de meus lábios e olhos. E foi estranho. Eu tive uma sensação misturada de felicidade e tristeza. Era como se meu coração tivesse rindo do próprio tombo de escada. Machucado, mas gargalhando. Não consegui entender.
Ruth entrou no banheiro, carregando uma toalha e uma roupa limpa.
- Me desculpe, querida! - ela falou toda preocupada
Ruth era uma dessas pessoas que conseguia chamar outra mulher de "querida" sem nunca soar irônica ou arrogante. Acho que era fisicamente impossível para Ruth ser alguma dessas coisas.
- Foi um acidente, Ruth. Por favor, não se preocupe. É só cola.
- É porque vocês têm nos ajudado tanto, e quando te peço outro favor, acontece isso!
Ela parecia genuinamente preocupada em ter me incomodado ou ofendido.
- Ruth! - eu a olhei nos olhos - Vocês que tem nos ajudado. Vocês têm nos dado refeições de graça que mais parecem banquetes, vocês nos deixaram andar com os cavalos, vocês estão fazendo muito mais do que pagamos. É só um pouco de cola.
Eu me perguntei se todas as mães eram iguais. Minha mãe ficaria tão preocupada quanto numa situação parecida. Algumas mulheres tentam tanto agradar os outros que simplesmente esquecem de si mesmas, como se não existissem.
- Eu quero te ajudar no almoço hoje. Você não vai fazer nada, apenas me dizer o que fazer, ok?
- Não, mas eu não posso...
- Por favor - eu sorri
Eu estava aprendendo a ser tão simpática quanto Zach ou o quê? Eu nunca fui a criança favorita das mães de Sweetwater, digamos assim. Ela concordou e eu já fui preparando minhas desculpas por que aquele seria provavelmente o pior almoço que aquela família já viu.
Ok. Não foi o pior almoço... Mas não ficou tão bom quanto a comida de Ruth. Eu e ela decidimos não contar nada até todo mundo ter comido, só para que eles não falassem que estava bom só para me agradar. Zach se assustou ao me ver usando um avental e carregando as panelas quentes até à mesa, mas para ele eu estava só ajudando. Ele estava suado quando me viu. Albert e ele haviam colhido as laranjas da plantação – com ajuda de sua caminhonete, para ser mais rápido. Eles simplesmente cheiravam a laranja, dava para sentir o aroma cítrico a metros de distância.
- O almoço estava ótimo, Ruth - a simpatia de Zach atacou logo após ele ter acabado seu primeiro prato
Eu e Ruth rimos. Gargalhamos, para ser mais exata. As crianças também riram. Albert e Zach não entenderam.
- Acho que você deve elogiar outra pessoa, querido - ela disse, piscando a mim
- Sério? - Zach me olhou com dúvidas
- As receitas são todas de Ruth e ela me direcionou em tudo, mas hoje não deixei ela tocar em nenhuma panela.
- Eu não acredito! Eu achava que você não conseguia nem fritar um ovo!
Eu dei um peteleco no ombro de Zach, o ombro machucado. Ele reclamou, mas todos à mesa riram. Eu estava feliz comigo mesma por ter vencido mais um desafio, era bom às vezes me sentir útil, sentir que eu servia para alguma coisa. Eu já havia ajudado minha mãe algumas vezes, mas nada que se comparasse a fazer absolutamente tudo. Era bom, era um sentimento que eu não experimentava com frequência, ainda mais quando cresci ouvindo que eu era uma "vagabunda", uma "inútil".
Passamos o dia inteiro ajudando nossos anfitriões, cuidando dos animais, ajudando a colher os frutos já maduros. E depois ficamos olhando o céu da varanda, vendo o dia ir embora. Eu não queria voltar para o mundo real. Ele não tinha mais nada a me oferecer.
- O pôr do sol está lindo hoje, não? - Albert comentou
Eu observei os tons azuis misturados com amarelo e rosa. Tive que concordar.
- Sabe o que vai bem com um pôr do sol assim? Um café quentinho! - Albert disse, se levantando - Aceitam?
- Você vai passar o café? - Ruth o olhou desconfiada
- É claro! Você acha que eu não consigo nem passar um café? Ah, mas veja e aprenda!
Albert saiu andando para a cozinha.
- É melhor eu conferir se ele não vai colocar fogo na casa! - Ruth se levantou - Vocês aceitam, não?
Eu e Zach quase não conseguimos falar que sim pois estávamos rindo. Eu estava sentada ao lado dele num banco de madeira, com minhas pernas de lado, também em cima do banco. Eu estava sorrindo quando decidi olhar para Zach e comentar algo, algo que eu esqueci assim que encontrei seu rosto. Ruth havia saído, as crianças estavam brincando, somente os passarinhos cantavam.
Ele chegou mais perto, colocou seu rosto frente ao meu. Seu braço alcançou meu ombro do outro lado de meu corpo. Ele contornou meu nariz com o seu e foi inevitável: eu sorri. Eu deixei ele me ver completamente embaraçada com seu gesto. Eu escondi meu rosto em seu peito e ele me acariciou. Não era lá um gesto muito comum para nós dois, o que me pareceu estranho, mas era bom. Fazia meu coração se inflar, a ponto de explodir dentro do meu peito.
- Você devia sorrir mais - ele cochichou no meu ouvido, depois beijou meu rosto entre minha bochecha e minha orelha
Eu me encolhi mais em seu peito, ele não podia me ver sorrindo cada vez mais estupidamente.
- Você ainda acha que foi "só sexo"? - ele disse perto de minha orelha
- Shhhh - eu disse, brava, levantando minha cabeça de seu peito e o olhando
Ele rolou os olhos.
- Eles sabem o que é sexo, Freedom. Tenho certeza que as crianças não são adotadas. E eles não podem nos ouvir lá de dentro.
- Mas eu não quero falar sobre isso, ainda mais aqui - eu sussurrei
- Bom, você não me deu uma resposta curta e grossa sobre "ter sido só sexo", acho que devo ficar feliz.
- Zach! Para de falar essa palavra! - eu falei forte, mas ainda cochichando
- Qual? Sexo? Sexo? - ele começou a falar alto
Eu encostei meus lábios em seus, o calando, mas sem o beijar. Com minha boca ainda na sua, eu mandei ele se calar.
- Por que você sempre tem que estragar tudo sendo tão irritante? - cerrei meus olhos
- Tudo bem, tudo bem, vamos esquecer o que eu disse.
E então ele voltou meu rosto ao seu peito.
- De todo jeito, você devia sorrir mais. A felicidade fica linda estampada no seu rosto.
Eu levantei de novo meu rosto e o encarei.
- Quem é você para dizer se eu estou feliz ou não?
- Isso é simples - ele cochichou de novo no meu ouvido
E então ele me fez ficar sem fôlego de novo ao beijar a minha pele com uma lerdeza tão grande que eu senti cada parte de seus lábios se encostando a ela. Depois senti cada parte de seus lábios encostando-se à cada parte dos meus.
- É porque, de alguma forma ou de outra, eu sou parte dessa felicidade.
Eu abri meus olhos, antes fechados, somente um pouco. Só o bastante para ver seus lábios se encostando aos meus de novo enquanto seu polegar passava pela lateral de meu rosto.
- E talvez porque seja fácil reconhecer o que você também está sentindo quando está evidente no rosto de outra pessoa.
Ele me puxou meus lábios devagar uma, duas, três vezes. Eu estava cada vez mais incapaz de reagir.
- Ugh! - eu expressei - Céus! Por que você é sempre tão irritante, tão convencido?
Ele riu. Beijou meus lábios de novo.
- Por que você é sempre tão mandona e ao mesmo tempo tão irresistível?
Ele tinha acabado de me chamar de irresistível? Mandona também, mas irresistível? E como se estivesse viciado, ele beijou meus lábios de novo. Eu não sabia mais o que fazer, eu tinha travado. Como eu não estava mais respondendo direito, ele voltou meu rosto ao seu peito em um gesto suave. Eu ainda não tinha processado direito a frase anterior quando ele soltou a seguinte:
- Eu não deveria ter me envolvido tanto assim com você...
Foi como se ele estivesse pensando alto. E eu ia perguntar o porquê se Ruth e Albert não tivessem voltado à varanda justo naquela hora.
- Ah, eu me lembro quando nós éramos jovens e também assistíamos o pôr do sol juntos! - Ruth falou
- Bons tempos, bons tempos - Albert parecia estar se lembrando
E daí eu percebi que eles haviam falado disso por eu ainda estar com meu rosto afundado no peito de Zach. Fiz questão de me levantar na mesma hora. Peguei a xícara de café que Ruth me serviu e voltei para minha posição inicial no banco. Eu nunca devia ter saído daquela posição.
- Sabe, eu geralmente sei reconhecer um casal quando eu vejo, mas vocês me deixaram um pouco em dúvida... Agora não mais - Ruth falou, eu quase engasguei e tive que comentar que queimei minha língua para disfarçar
- Sério? - Zach tinha que estender o assunto, era a cara dele
- É, mas antes vocês quase não se falavam, mas devia ser vergonha. Depois vocês começaram a discutir um pouco e foi aí que eu tive certeza.
- Como assim discutir foi o ponto chave?
- Você não discute com quem você não se importa, querido. Você não perde seu tempo tentando explicar seu ponto de vista para quem você não se importa com, e você muito menos perde seu tempo ouvindo o ponto de vista do outro.
- Veja eu e Ruth, a gente não concorda com nada, mas a gente se atura! - Albert disse rindo - A gente se atura porque não ter o outro com o qual discutir seria pior.
- E isso foi uma declaração de amor ao estilo Albert - Ruth comentou, fazendo Albert rolar os olhos
Todo esse tempo eu só conseguia pensar em como é que aqueles dois eram Amish's? Não fazia sentido. Talvez minha ideia sobre essa gente era muito distorcida, eu não conseguia nem imaginá-los sorrindo antes de conhecer essa família. Nós tomamos mais café e nos despedimos quando a noite caiu. Zach e eu fomos andando a passos lentos até nossa acomodação, sem falar muita coisa. Talvez estivéssemos pensando a mesma coisa: como conseguimos atuar tão bem que nos confundíamos com nossos papéis.
- Quanto tempo mais vamos ficar aqui? - Zach perguntou
- Pra sempre, quem sabe - eu respondi num meio sorriso
Ele gargalhou e parou de andar. Eu continuei a passos lentos até sua mão alcançar meu braço e me virar bruscamente a ele. Não era violento, era mais pro tipo de ação que te tira da sua órbita por um momento. Colocou suas mãos uma de cada lado do meu pescoço e me olhou como se estivesse vendo meu rosto pela primeira vez. E então me beijou. De novo. E eu queria dizer que estava ficando cansativo, mas não estava, pois toda vez que ele me beijava eu descobria algo novo. Desta vez descobri que, quando ele precisava de ar, e então precisava separar nossas línguas por um momento para buscá-lo, ele puxava meu rosto mais para si, como se não nos deixasse separar. Seus polegares apertavam mais as laterais de meu rosto e meu quadril junto ao seu chegava a se curvar. E depois de reparar nesses detalhes, eu me perguntei se a noite anterior se repetiria. Se eu queria? Sim. A resposta é óbvia. Mas ao mesmo tempo eu tinha medo, não queria me decepcionar. E se não fosse tão bom quanto ontem? Eu queria preservar tudo o que eu senti a noite passada numa caixinha e deixar ela intocável.
Ele se afastou também bruscamente, como se eu fosse uma droga que ele prometeu que não ia mais cheirar e acabou se rendendo, como se estivesse se forçando a parar. Eu abri meus olhos rapidamente para ver se conseguia pegar ele ainda de olhos fechados. Era tarde demais.
- Café - ele falou
Eu ri, ele me olhou como se estivesse cumprido a incrível missão de descobrir qual era o gosto da minha boca hoje.
- O mesmo para você. Uma pitada de suor e - cheirei seu pescoço - laranja?
- Deve ser, no final do dia eu nem sabia mais o que tanto tinha naquelas árvores - ele riu - E minha mão está presa.
- Quê?
- Minha mão está presa no seu cabelo - ele falou segurando a risada, tirando sua mão sem continuar a passar os fios por seus dedos
- Ugh - expressei - É cola.
- Bom, então já sabemos que o primeiro que chegar é o primeiro que toma banho, certo?
- Zach, para com isso, se quiser tomar banho primeiro, toma. Não me importo.
Mas não adiantou. Ele começou a correr como se tivesse cinco anos. Eu nem me importei. Estava tentando desembaraçar meu cabelo. Pelo caminho inteiro, tentei tirar o nó, mas ele só estava maior. Eu sentia um pedaço de cola seca grudado nele. A única solução seria cortar.
Com uma mão segurando o pedaço de cola no meu cabelo, tentei vasculhar minha mochila para procurar meu canivete. Não achei. Vasculhei minha Chevy também e nada. Foi aí que lembrei que Zach também tinha um canivete e eu sabia onde ele o guardava.
Abri a porta, ouvindo o barulho de água corrente de dentro do banheiro. A porta estava mal encostada. Vi sua calça, suja, jogada em cima da penteadeira e reconheci que era a mesma calça que ele usara na festa do colegial de Lewisburg. Eu só não lembrava em qual bolso ele guardava. Tentei nos bolsos de trás e nada. Estranhei. Talvez ele colocou nos da frente, mas a única coisa que achei foi um papel dobrado.
Eu não sou curiosa ao ponto de mexer no que não é meu, mas o papel me chamou a atenção porque tinha uma foto impressa do outro lado, e a foto me pareceu familiar. O papel parecia velho, estava todo amassado e sujo, quase rasgando. E então eu o abri, tentando me convencer que não era aquilo. Não podia ser aquilo. Não.
Filho de uma puta.
Lá estava meu rosto impresso. Uma foto antiga, com os cabelos arrumados, com cara de inocente.
Desgraçado.
A palavra "desaparecida" estampada gigante em letras garrafais.
Psicopata. Cretino.
Eu precisava dar o fora dali o quanto antes.
★
Música do Capítulo 16: Faster Gun - Little Big Town
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