10. Fire turning me on, desire taking me so much higher
- Tudo certo? - ele me perguntou assim que eu saí da Chevy
- Sim - falei ajeitando meu vestido
O quão estranho é, para mim, usar as palavras "meu" e "vestido" juntas? Eu não uso um vestido desde que minha mãe parou de me vestir, ou seja, desde que eu tinha uns sete anos. Eu havia convencido Zach a voltar ao lugar no qual estacionamos. Eu não contei a ele, mas foi para colocar meu short, que na verdade era uma calça mal cortada, por debaixo do vestido. Eu me sentia um pouco desconfortável somente com o vestido, parecia que ele ia levantar a cada minuto e expor minha roupa íntima. E eu também tinha uma razão especial: finalmente arranjar um lugar mais acessível à minha arma, isto é, colocá-la na minha cintura.
Nós continuamos andando pela cidade, fugindo do centro. Eu continuei com a sensação, se é que eu poderia chamar isso de sensação após ver a pessoa estranha me observando naquele beco, de que alguém estava me perseguindo. Perseguindo por razões das quais eu quase havia me esquecido nos últimos dias. Parecia tudo tão distante. Já era quatro de Julho e parecia que eu havia colocado minha mãe e meu irmão em um trem, atirado no meu querido papai e abandonado Sweetwater ontem mesmo. Eu tentava me distrair, olhando o lago. Zach respeitou meu silêncio ao invés de tagarelar no meu ouvido. Já era de tarde e eu já estava com fome de novo quando ouvi uma música um pouco circense e, ao virar a esquina, eis que surge um parque de diversão à nossa frente. Na verdade, era um daqueles parques postos de pé apenas em comemoração à Independência, mas havia uma roda gigante iluminada, como de praxe, umas duas montanhas russas não tão altas, barraquinhas de comida e jogos com prêmios em todo o lugar. Já haviam feito uma dessas em Sweetwater uma vez, mas claramente não tão grande. Ainda estava cedo, quase entardecendo, e o parque não estava muito lotado.
- Está um belo dia para andar numa montanha russa. O que você acha? - Zach perguntou
- Lá em cima? - eu olhei o carrinho passar rápido e ouvi gritos
- Sim. Não vá me dizer que você está com medo. Você carrega uma arma, você não pode ter medo de uma montanha russa inofensiva.
Ela não parecia muito inofensiva para mim, mas Zach tinha esse jeito irritante de me convencer a fazer as coisas, isto é, testar até onde meu orgulho gigantesco ia.
- Eu não estou com medo. Anda, vamos fazer isso logo.
E então ele deu aquele riso de lado que significava "eu consegui te irritar, eu venci". Eu quis jogar ele na frente do carrinho da montanha russa. Ele comprou os tickets, que não passaram de um dólar, e entramos na fila. Minhas mãos estavam suando, cerradas em punho. Meu coração estava acelerado, eu não queria entrar no carrinho, mas, lembra meu orgulho? Sim, ele não era derrotado tão facilmente. Eu nunca havia andado em uma montanha russa, mas me convenci que talvez fosse parecido a descer um morro na velocidade máxima de um carro, sem usar o volante nem os pedais.
Quando entrei no carrinho, senti que não teria mais volta. No momento que ouvi um tranco e o carrinho se moveu para frente, tudo o que eu fiz foi fechar os olhos e cerrar meus punhos na barra de metal à minha frente. Perto da descida, senti a mão de Zach em minha mão fechada e ele sussurrou alguma coisa como "calma, no final você vai querer até ir de novo". Eu ignorei. Por que ele tinha que fazer isso? Por que ele tinha que agir como um psicólogo? Por que ele me colocava numa posição de doente, de desequilibrada, de criança indefesa? Eu odiava isso. Eu odiava não ter razões para descordar dele nesse ponto.
O carrinho desceu. Eu gritei. De olhos fechados, continuei gritando, sentindo a velocidade nos meus cabelos, nas minhas costas indo de um lado para o outro. Resolvi abrir meus olhos quando pensei que tinha parado. Não havia parado. Assim que os abri, surgiu outra decida. Desta vez, fiquei de olhos abertos, mas ainda gritando. Senti um tranco final e meu corpo foi pra frente e para trás. Meu cabelo estava mais bagunçado que o normal, eu devia estar pálida, meu coração pulsando rápido. Meus punhos ainda cerrados na barra de metal. A mão de Zach ainda em cima da minha.
- E aí?
Eu não consegui responder nada. Era um fluxo de adrenalina muito grande no meu organismo. E... Eu estava começando a gostar disso? Saímos do carrinho. Eu me recuperei e finalmente falei as palavras que eu sabia que ele queria ouvir... "Vamos voltar para a fila?". Ele sorriu. Aquele sorriso de vitória dele. Aquele sorriso que eu odiava porque, toda vez que ele aparecia, meu orgulho era jogado no chão.
Na terceira vez, meu corpo já havia se acostumado com a adrenalina. Perdeu-se um pouco a graça, digamos assim. Como tudo o que é novo sempre acaba enjoando depois de repetido muitas vezes, decidimos ver o que tinha no resto do parque.
- Ok, tem um que você precisa ir.
Enquanto Zach disse isso, eu jurei ter visto alguém me observando e se esquivando assim que eu percebi.
- Você não parece muito animada, tudo bem.
- Não, não, continua. Qual que eu tenho que ir?
- Na verdade dois. Carrinho bate-bate e tiro ao alvo.
- O que estamos esperando? - era para essa frase ter saído um pouco mais amigável, mas minha preocupação não deixou
Eu sentia perfeitamente a arma no meu bolso do short e minha mão coçava para não pegá-la. Primeiro foi o carrinho bate-bate. Zach não escapou das milhares de batidas que eu o dei. Eu também não escapei das dele. A verdade é que, na pista cheia, parecia que só eu e ele brincávamos. Talvez tivéssemos mais afinidade com o volante do que todos os outros ali. Repetimos a dose e eu me distraí um pouco, mas nada faria com que eu esquecesse que alguém estava sim me perseguindo.
- Tiro ao alvo? - ele disse e eu concordei
Fomos até a barraca em silêncio.
- Então eu tenho que acertar aquele pato de madeira que fica se mexendo? - perguntei
- Na verdade, três para ganhar o prêmio. Se acertar um você ganha um ingresso para qualquer brinquedo e dois você ganha dois ingressos.
Eu me perguntei que prêmio era aquele e Zach me apontou os ursos de pelúcia pendurados na barraca. Sério? Ursos de pelúcia? Acertar um ou dois patos de dá um prêmio melhor do que acertar três? Isso está errado.
Eu estava esperando o casal na minha frente terminar a brincadeira para que eu pudesse pegar na arma de brinquedo. O rapaz disparou o primeiro tiro e passou longe dos patos. O segundo também. A menina estava torcendo por ele, o que eu achei patético. Ele só tinha mais um tiro, não tinha chance de ganhar o urso de pelúcia para ela. O terceiro tiro acertou um dos patos, mas não o derrubou. A menina fez uma expressão patética de descontentamento e o rapaz estava frustrado.
- Acho que eu vou pegar um refri, ok? Continua tentando - ela disse
Continua tentando? Se você quer o urso, porque você mesma não atira, querida?
Chegou a minha vez e, bem, sem querer me gabar, eu era boa com armas. O primeiro tiro foi certeiro. Assim como o segundo e o terceiro. O dono da barraca me olhou como quem vê uma vaca de três cabeças. Ele me parabenizou e me deu o urso. Um urso branco peludo, inútil, grande demais para que eu carregasse com conforto. O rapaz que estava na minha frente ia pagar mais uma rodada de tiros, mas eu o impedi.
- Toma - eu falei, entregando-lhe o urso
- Mas é seu, você ganhou.
- Deixa de ser idiota e aceita logo. Agora vai procurar a menina que estava aqui e diz que você ganhou isso para ela. Anda - eu fui um pouco grosseira, mas ele precisava disso
Ele me agradeceu e eu o vi correr com o urso nas mãos. E ele encontrou a menina no caminho e esta abraçou o urso e ele juntos. Será que isso que eu fiz conta como uma boa ação?
- Isso foi legal da sua parte - Zach comentou
- Ele me fez é um favor. Eu que não ia ficar carregando aquele urso gigante para cima e para baixo.
Zach riu, pegando a arma de brinquedo e se preparando para uma nova rodada. Eu não estava mais com paciência para brincadeiras, então disse que ia no banheiro, só para passear, só para ter um pouco de tempo comigo mesma, só para tentar achar quem é que estava me perseguindo.
- Quando eu voltar, é bom você ter ganhado um urso. Vou ficar muito desapontada se isso não acontecer - eu falei, brincando, e Zach entendeu na hora quem eu estava imitando
- Eu não costumo errar alvos - ele riu e piscou
Eu me virei, olhando para todos os lados, tentando achar olhos que estivessem também me olhando. Não os encontrei, mas encontrei um banheiro numa parte um pouco mais isolada do parque, atrás de algumas outras barracas. Não era de todo mentira o que eu falei a Zach, eu realmente precisava ir ao banheiro, e, mesmo sendo um banheiro químico apertado e fedido, eu acabei aceitando entrar.
Abaixei o short e tentei não me encostar na privada. O que eu não esperava aconteceu: alguém, rapidamente, passou um arame na fresta da porta do banheiro, fazendo com que o mecanismo de fechar a porta por dentro se levantasse. A porta se abriu e um homem entrou com pressa no espaço minúsculo, fechando a porta atrás de si. Eu fui pega completamente despreparada... Literalmente. Meu short estava nos meus pés, junto com a arma. Eu gritei, mas minha boca foi tampada por sua mão. Ele me prensou contra o fim do banheiro químico, fazendo o compartimento se mexer conosco dentro.
- Shhhh - ele disse com um bafo que eu sabia que era de rum
Depois ele passou a língua pelos lábios de um jeito grotesco.
- Garotinha difícil de se encontrar você ein? Mudou o cabelo, tá usando vestido...
Ele passou a mão pelo meu cabelo e eu quis morrer. Minhas mãos estavam imobilizadas por seu punho e eu não conseguiria chutar suas bolas com meu joelho, já que me short me impedia. Eu só pensava na minha arma também aos meus pés. O que eu não daria para tê-la em minhas mãos? Eu estouraria os miolos desse cara sem pestanejar. Mas agora ele estava passando a língua pelos dentes num gesto nojento. Eu não era inocente, eu sabia suas intenções. Ele não podia me entregar morta, mas podia muito bem se aproveitar de mim viva mesmo. E estava tudo fácil demais, nem meu short ele teria o trabalho de tirar. Ele notou o desespero nos meus olhos. Eu tentava me manter calma, sem demonstrar medo, mas estava escrito nos meus olhos que eu estava aterrorizada.
Eu fechei os olhos. O que mais eu podia fazer? Chorar? O que me restava agora era apertar uma perna contra a outra com o máximo de força possível e torcer para que ele não descobrisse a arma junto ao short. Ele disse mais algumas frases de mal gosto que eu mal me lembro agora, acho que o cérebro bloqueia essas memórias ruins. Quando eu achava que estava tudo perdido e que eu ia ser estuprada num banheiro químico nojento e ainda depois disso ser levada ao meu querido papai, senti todo o compartimento tremer, como se alguém tivesse dado um chute na porta. Seria Zach, talvez? Tentei gritar, mas a mão continuava na minha boca e tudo o que saiu foi um gemido.
- Está ocupado! - o homem gritou, eu gemi mais uma vez
Mais um chute e tudo em volta de mim temeu. Eu estava torcendo para que derrubassem logo esse banheiro químico.
- Que porra é essa? Eu disse que está ocupado! - o homem gritou e eu tampei a respiração
Mais um chute. Quando comecei a sentir a inclinação, eu joguei meu corpo contra a parede para o mesmo lado, tentando fazer com que o banheiro virasse. Ele se inclinou, mas não foi o suficiente. O homem tirou a mão da minha boca para abrir a porta e encarar quem estava chutando, só que Zach – eu sabia que era ele o dono dos chutes – foi mais rápido. Assim que a porta se abriu, ele deu mais um chute. Eu joguei meu corpo contra a parede do compartimento com ainda mais força e ele finalmente caiu no chão. A única parte ruim de tudo isso foi que a água do banheiro vazou por todos os lados. Quando eu consegui me recuperar da queda e ficar em pé novamente, Zach já estava com a arma apontada para o homem, o braço apertando seu pescoço. Eu, rapidamente, peguei a arma do meu short e depois o chutei para o lado; depois eu pensaria em me vestir, afinal, o vestido cobria tudo o que não era para ser visto.
- O que eu faço com ele? Mato? Um tiro na cabeça ou no peito? - Zach me perguntou, em tom de deboche, mais para assustar o homem
- Não... Não vai ser fácil sair desse parque lotado com um corpo - eu disse - Mas continua apertando a garganta dele, talvez ele desmaie. Mas eu acho que, antes disso acontecer, eu bem que podia dar um tirozinho, né?
Assim que eu disse essa frase, apontei minha arma para o meio de suas pernas. Eu vi o olhar de desespero em seu rosto, o mesmo olhar que estava no meu momentos atrás. Encostei minha arma bem perto de suas bolas e sorri, ironicamente. Torturei-o por algum tempo, até decidir dar apenas uma coronhada, o que fez com que ele quase gritasse. Homens são fracos, né?
- Se depender de mim, pode atirar. Um homem que tenta estuprar alguém merece um buraco no meio das pernas para isso não acontecer de novo - Zach disse
- Alguém pode ouvir se eu atirar e, sei lá, não to muito afim de ir na polícia fazer ocorrência e dizer que eu quase fui estuprada e virar vítima. Eu não nasci para ser vítima de ninguém.
Enquanto eu e Zach simplesmente conversávamos sobre o que faríamos com ele, o homem estava calado, suando frio.
- Já sei. Você podia apertar mais a garganta dele para que ele realmente desmaie. E depois a gente coloca ele num banheiro químico, com a cabeça na privada, lógico, e sem calça, e fala para um segurança que tem um bêbado desacordado em uma das cabines.
- Parece justo - ele comentou
Eu concordei com os olhos e, no momento seguinte, Zach soltou o pescoço do homem e, com as duas mãos, fez algum golpe que eu não conhecia na nuca dele e eu vi o homem cair desmaiado no chão na mesma hora.
- Uau - eu exclamei - Você precisa me ensinar isso depois.
- Depois - ele sorriu - agora me ajuda a tirar as calças dele e colocá-lo na cabine.
- Com todo o prazer! - eu também sorri
Eu, primeiro, busquei meu short, colocando-o e guardando a arma nele de novo. Depois fui ajudar Zach a carregar o cara para dentro da cabine. Ele estava precisando de mais ajuda do que o necessário.
- Essa merda de braço de novo? - eu perguntei já sabendo a resposta - Amanhã eu vou te arrastar pro pronto socorro e nada de reclamações.
- Sim, senhora - ele concordou, colocando a cabeça do homem dentro da privada enquanto eu prendia a respiração, aquela cabine estava mais fedida que as outras - Mas mesmo com o braço assim eu ganhei o urso para você.
- Não me diga que eu vou ter que ficar carregando essa merda agora - sorri
Nós deixamos o homem lá, Zach pegou o urso que ele provavelmente havia jogado no chão antes de começar a chutar o banheiro no qual eu estava e o me entregou.
- Obrigada - a palavra saiu enferrujada da minha boca - Pelo urso e, enfim, por ter me livrado de mais uma.
Ele não falou nada. O sorriso em sua boca agora não era o sorriso irritante.
- Tem uma estação policial ali naquele trailer, acho que é melhor irmos ali avisar sobre o cara - ele apontou
Ao chegarmos mais perto, ele me parou.
- Fica esperando aí, eu falo com eles.
E depois ele entrou no trailer sozinho, falando algo que eu não ouvia com os policiais. Eu agradeci aos céus por ele ter ido sozinho. Imagina se um dos policiais me reconhecesse como a "menina desaparecida"?
Momentos depois, dois policiais saíram do trailer correndo. E depois Zach saiu também.
- O que aconteceu?
- Como assim?
- Porque aqueles policiais saíram correndo?
- Ah, acho que alguém foi roubado. Não sei. Enfim, está avisado, daqui há pouco eles vão encontrar o desgraçado na maneira mais deprimente possível.
Eu suspirei, olhando para o urso.
- O que foi?
- Não é nada. Acho que cansei desse parque – falei
Começamos a andar. Calados. Ele não queria comentar o que aconteceu, ou estava com medo de comentar. Eu não queria falar sobre o assunto também.
No caminho, avistei uma criança chorando. Em suas mãos, havia um cone de sorvete, mas o sorvete estava no chão. Eu me aproximei, entreguei o urso a ela. A menina parou de chorar no mesmo instante. Eu não disse nada a ela. Ela não me disse nada, nem um "obrigada". Só que aquele silêncio foi perfeito. Ela tinha parado de chorar e tinha esquecido o sorvete, eu havia me livrado daquele urso gigante. Zach também não disse nada, mas sorriu.
Comemos um cachorro quente na beira do lago, obviamente em silêncio, antes de andar mais. Andamos tanto que parecia que havíamos saído da cidade, nem ao menos havia uma boa iluminação naquela parte do lago. Eu me deitei na beira da água, respirando fundo. O silêncio estava me fazendo ficar contente. A tortura dentro da minha cabeça estava ficando cada vez menos audível. Eu não queria pensar nos momentos anteriores, eu não queria pensar na minha vida, não queria pensar naquela data. Eu só ouvia um grilo cantar bem longe e isso era o suficiente.
- Feliz quatro de julho - Zach comentou, quebrando o silêncio depois de algum tempo de paz
- Feliz?
- Não é essa a frase que se diz? Feliz dia da independência ou sei lá o que? E daí você solta fogos e fica feliz porque os Estados Unidos da América conquistou sua independência ou sei lá o quê.
Eu ri.
- É uma celebração da liberdade, só que, no fundo, a gente não sabe merda nenhuma dela - eu comentei - A gente continua vivendo nossa vidinha miserável e um dia morre. Isso é ser livre?
- Ser livre é poder decidir se você quer ou não ter um vidinha miserável e morrer.
- Então muita gente não tem noção que tem essa liberdade.
Eu suspirei. Ele suspirou.
Eu me levantei, tirando meu short e consequentemente a arma. Tirei as botas e depois o vestido. Deixei todas as minhas roupas pelo caminho, inclusive roupas íntimas. Eu não queria nada entre meu corpo e a água. Estava muito calor e o lago estava me chamando, como alguém tentando chegar à lua vendo seu reflexo n'água. Fui andando devagar até a beira do lago, já me preparando para uma água gelada, mas a água estava até morna do tanto de calor que recebera durante o dia.
Não demorou muito para Zach me imitar. Eu não faria diferente: seu eu tivesse a opção de estar dentro de um lago ou deitado à beira dele com calor, é lógico que eu escolheria a primeira, mesmo que isso significasse me despir na frente de outra pessoa. E, quer saber? O que tem demais? Todo mundo tem um corpo e todo mundo deveria ter noção de biologia para não se escandalizar com o corpo alheio. Apesar de pensar assim, eu não olhei para ele quando ele se despiu, porque, apesar de ter opiniões fortes, eu respeitava outras pessoas e talvez ele não se sentisse confortável com meu olhar. Ou quem sabe ele acharia que eu estava tendo segundas intenções. Eu tinha apenas uma intenção: sentir a água no meu corpo enquanto eu olhava para a lua. Talvez isso me fizesse sentir mais livre, como eu era quando criança, como eu era enquanto cavalgava por terras alheias, enquanto dirigia na estrada de terra.
Durante um bom tempo tudo o que se ouviu foi o grilo e o barulho da água. Eu não podia negar, estava contente, boiando de olhos fechados, sentindo a leve brisa no ar. Quando decidi abrir os olhos para ver se eu não estava me distanciando muito da margem, acabei encarando Zach, que estava em outro mundo olhando para a lua. A luz era escassa, fazendo com que o lago parecesse ser feito de água escura. Eu via poucas coisas devido à fraca iluminação da estrada à beira do lago, e uma dessas poucas coisas era o contorno do seu perfil. O resto de seu corpo estava dentro da água morna, mas eu via a linha de luz demarcando seu nariz, sua boca, seu queixo. Observei-o assim por um tempo, sem que ele notasse. Abaixei meu corpo, entrando mais debaixo d'água, deixando apenas meus olhos à borda d'água por um tempo. Nesse momento, ele se virou e também me encarou. Não disse mais nenhuma palavra, apenas também se abaixou, deixando seus olhos ao mesmo nível que eu. Eu não lembrava da distância entre nossos corpos estar tão curta. E ela estava ficando cada vez menor. Era eu quem estava me aproximando, era ele quem estava ficando mais perto, era a correnteza? Correnteza em um lago tão calmo? Eu não sabia responder.
Um estouro chegou aos meus ouvidos e um clarão se formou diante dos meus olhos. Fogos, fogos e mais fogos. Seguidos, vermelhos, azuis, brancos. Eu desviei meu olhar dele e o lancei ao céu, vendo os desenhos se formarem no espaço preto. O brilho dos fogos era refletido na água do lago, fazendo com que tudo ficasse ainda mais claro. Os fogos não paravam e tudo o que podia se ouvir eram os estouros. Eu voltei meus olhos a Zach, mas ele estava com o olhar no céu. Foi sem pensar, no impulso. Foi algo que eu não faria nem bêbada, mas fiz sóbria. Talvez as doses de adrenalina da montanha russa me fizeram fazer o que eu fiz. Talvez foi porque o momento pareceu ser propenso a tal ato. Talvez eu não tivesse uma razão, eu não preciso de uma razão para tudo. O que eu sei foi que a distância entre nossas bocas acabou por iniciativa minha.
Ele não esperava, obviamente. Então ele demorou um pouco para corresponder, me fazendo questionar meus atos. Eu ia desistir, eu ia largar seus lábios, mas, no exato momento, ele deixou sua mão correr pelas minhas costas, debaixo d'água. Ele me beijou de volta, puxando meu lábio inferior. Eu não queria pensar em mais nada e essa era a desculpa perfeita para não ter nada em minha mente, nada que não fosse aquele beijo.
- Você sabe que só se beija alguém ao som de fogos no ano novo e não no dia da Indepêndencia, certo? - ele sussurrou quando houve uma pausa no contato de nossos lábios
- Eu não sabia que tinha regras para beijar alguém. Achei que era só querer.
- Então você quer?
- Eu nunca faço algo que eu não queira.
Eu o beijei de novo. Ele retribuiu de novo. Os fogos ainda não haviam parado.
- Eu acho que nunca vou te entender - ele dise
- Você e essa mania de tentar me entender. Eu não preciso disso!
E então eu me afastei de seus braços, jogando água bruscamente em seu rosto.
- Eu não preciso ser entendida, eu não preciso ser encaixada em um desses seus padrões psicológicos, ok?
- Ei, não foi isso que eu disse - ele tentou me segurar pelo braço, mas eu não deixei - Eu só não esperava que isso fosse acontecer.
- Ok, então finge que isso nunca aconteceu.
Eu andei até a beira do lago, pegando e vestindo minhas roupas. Os fogos haviam parado, somente o cheiro de fumaça estava no ar. Eu me perguntava qual bicho havia me mordido no fundo daquele lago para que eu tivesse uma iniciativa tão estúpida.
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Música do Capítulo 10: Fire - Augustana
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