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1. I still hate that name!




A terra fina e ruiva cobrindo de leve a sola da minha bota, deixando o marrom do couro com um tom avermelhado. O medalhão do cinto pesando em minha cintura. Entrei naquele bar conhecido, girando as chaves em meu dedo indicador e fazendo com que a madeira velha e podre do chão rangesse. O cheiro forte de rum e uísque já era velho conhecido de meu olfato, como se fosse meu próprio aroma desde que nasci.

Acenei ao velho Frank Harold. Os Harold's mantinham aquele bar há gerações e Frank era a sétima. Às vezes ele se preocupava com a longanimidade dos negócios, dizia que estava velho. Seu filho havia mudado para a cidade grande e não tinha interesse em servir álcool para os roceiros dessa cidade que só pareciam arranjar briga, então isso o preocupava. Provavelmente o velho bar teria que fechar as portas, mas eu sabia que só as fecharia quando o velho Frank estivesse debaixo de sua lápide. Com um pano encardido no ombro, ele me viu entrar no estabelecimento e acenou. Eu não precisava falar nada, ele sabia o que eu queria. Encostei-me sobre aquele balcão cuja tinta estava descascando, colocando meus ombros sobre ele. Minha garganta parecia estar mais seca do que o chão barroso pelo qual eu andara o dia todo. Meu estômago se revirou quando reparei que o sujeito ao meu lado estava me olhando de cima a baixo, repetidas vezes, passando a língua pelos dentes amarelos e fazendo um barulho repugnante com esse gesto.

- Posso te pagar uma dose, linda? - falou com um sotaque horroroso, ainda olhando ao meu corpo e até se inclinando para encarar minha bunda melhor

Frank veio com minha bebida e um copo na mesma hora e me encontrou gargalhando.

- Turista? - perguntei a Frank, apontando para o sujeito do meu lado, como se ele mal pudesse me escutar

- Nunca o vi por aqui. Deve estar só de passagem.

Frank derramou o uísque em meu copo e eu virei a bebida de uma vez só, como havia aprendido anos atrás. Eu não tossia mais, minha cabeça não doía mais. Era tão natural quanto beber um copo d'água.

- Obrigada, Frank. Pode colocar na conta do rapaz aqui do lado, ok? - eu disse, colocando a mão na cintura, ajeitando a arma que eu levava presa a ela

Eu continuava a ignorar a presença do sujeito do meu lado, mas, se ele tentasse alguma coisa contra mim por aquele ato, minhas mãos estavam prontas para apertar o gatilho. E qualquer morador dessa cidade sabe que eu não erro o alvo.

Saí do bar praticamente da mesma forma que entrei, só que minha garganta agora ardia por uma razão melhor. Ajeitei o chapéu à cabeça e girei as chaves em meus dedos mais uma vez antes de entrar na minha caminhonete e acelerar. O caminho era sempre mais divertido quando eu saía do asfalto e entrava na estrada de chão que levava à grande casa na qual eu morava desde criança. As rodas da minha velha Chevy pareciam sorrir toda vez que encontravam a terra. Meus punhos e pés também agradeciam a velocidade. O asfalto, suas regras e sinalizações não podiam mais me alcançar. Estradas assim não têm dono, mas eu me fazia dona dessa por esses breves instantes de vento constante passando pela janela e embaraçando meus cabelos.

Freei bruscamente ao alcançar o portão de madeira. Soltei do carro e o abri, voltando a acelerar depois de voltar ao carro. Eu sentia falta quando mal tínhamos um portão, mas essa cidade parece estar ficando cada vez mais insegura. Não que ela um dia já tenha sido segura, mas, antigamente, os bandidos não eram tão covardes e mesquinhos ao ponto de roubarem casas. Roubavam bancos, bares, matavam em praça pública, duelavam sem esconder a cara. Bons tempos esses.

Adentrei a casa, fazendo questão de bater meus pés no grande capacho da porta de entrada. Senti o cheiro de linguiça frita e corri à cozinha, onde encontrei minha velha mãe com a barriga no fogão, como sempre. Coloquei minhas mãos sobre seu ombro e a beijei no rosto.

- O cheiro está ótimo! - falei - Para variar...

- Onde esteve o dia todo, Priscilla? - ela perguntou, mexendo a panela de óleo com uma grande colher de pau

- Já disse que não me chamo Priscilla. Meu nome é Freedom.

- Você se chama Priscilla, sim. Eu me lembro exatamente do dia em que você saiu de dentro de mim e eu a chamei de Priscilla. Não tente me contrariar. Eu não gosto desse seu nome novo, nome que você mesma inventou. Ninguém se chama Freedom e ninguém se autonomeia.

- Eu me chamo, mãe. E eu me autonomeio - eu falei firme - Priscilla é nome de madame, de princesa. Eu não sou nenhuma dessas coisas.

- Talvez se você arrumasse melhor esse seu cabelo ou parasse de usar essas calças surradas... Ou quem sabe usasse um perfume.

Pensei em dizer que eu não queria acabar sendo cozinheira de um homem bruto qualquer, mas percebi que isso a magoaria. Era exatamente como ela era e como ela havia sido criada para ser. Levantei meus braços, tentando cheirar minha axila.

- Não está tão ruim assim - falei depois do meu ato

- Eca! - meu irmão de oito anos expressou ao ver meu ato, colocando a língua para fora com nojo

Eu mal havia notado que ele estava sentado na mesa velha de jantar, esperando a comida ficar pronta. Estava com um lápis na mão e o livro na frente.

- Pestinha! - eu disse, indo até ele e bagunçando seu cabelo

Eu sabia que ele odiava quando eu fazia isso.

- O que você aprendeu na escola hoje? - perguntei, vendo seu livro

- Aprendi que odeio matemática.

- Matemática não é tão ruim, vejamos.

Peguei seu livro e vi algumas contas de subtração simples.

- Eu não faço a menor idéia de quanto é dezoito menos nove. Odeio essas regras de menos! - ele expressou

- Pensa bem. Imagina dezoito pessoas que você não gosta na sua sala. Lembra daqueles garotos que implicam com você? Imagina dezoito deles.

- Tudo bem, estou imaginando.

- Agora imagine que você tem uma arma, mas apenas nove balas. E você só pode atirar uma vez em cada um.

- Priscilla! - minha mãe expressou ao ouvir meus exemplos

Eu não respondi à sua repreensão. Eu já havia falado que meu nome não era Priscilla.

- Agora imagine que você atirou em nove deles, gastando todas suas balas. Quantos sobraram?

Ele olhou para cima, pensativo, e fez algumas contas com o dedo.

- Sete?

- Conta de novo. Quantas balas você vai precisar para acabar com o resto deles? Pensa bem, eram dezoito, você matou oito e mais um.

Minha mãe me repreendeu de novo e de novo eu ignorei.

- Nove! - ele expressou - Nove balas!

- Então dezoito menos nove é...?

- Nove!

- Isso aí, agora é só decorar que nove mais nove é dezoito, então dezoito menos nove é nove!

- Como você sabe dessas coisas? Você não vai à escola!

- Mas eu já fui quando era da sua idade. E aprendi tudo isso. E, acredite, você só aprende coisas úteis até a quarta série.

- Droga. Ainda faltam três anos para eu não precisar mais ir àquele inferno.

- Ei! Notou que você acabou de fazer uma subtração sem perceber?

Ele sorriu, orgulhoso de si mesmo, enquanto eu bagunçava o cabelo dele de novo.

- Priscilla, você não deveria ficar enchendo a cabeça do seu irmão com essas coisas.

- É só matemática, mãe.

Minha mãe se debruçou contra a mesa para colocar a panela quente em cima dela e reclamou de dor. Colocou as mãos nas costas e gemeu. Eu me levantei no mesmo instante e levantei sua blusa larga nas costas, sem pedir autorização. Havia uma marca roxa em sua espinha e outras avermelhadas em sua cintura. Meu corpo ferveu em ódio. Ela saiu de perto de mim, abaixando sua roupa.

- Eu caí, Priscilla.

- Você não sabe mentir mesmo, né, mãe?

Ela se calou, como sempre fazia.

- Escuta aqui - eu falei baixo, para que Kev, meu irmão, não ouvisse - Se esse sujeito encostar mais um dedo em você, eu o mato. Se eu ouvir mais um grito de dor seu, eu não me responsabilizo por meus atos. Eu estou me segurando em respeito a você, mãe, mas isso já é demais. Se você não reage, eu vou ter que reagir por você.

Eu falei entre os dentes, com uma raiva tamanha me invadindo. Não era a primeira vez que ele batia em minha mãe, mas eu estava querendo que aquela fosse a última.

- Esse sujeito é seu pai, Priscilla.

- Ele pode ser pai da Priscilla, mas não é o meu. Deixou de ser meu pai na primeira vez que te machucou. Na primeira vez que chegou bêbado em casa quando eu ainda era uma criança e mal conseguiu me olhar nos olhos.

Kev nos interrompeu, querendo que eu corrigisse suas contas. Eu me sentei à mesa, conferindo, enquanto minha mãe fazia um prato de comida para cada um de nós. Ela nem se incomodava mais em preparar um prato para o quarto membro da família, mas, ainda sim, esquentava a comida quando o traste chegava. Isso me esgotava e me entristecia. Era minha mãe e ela não merecia sofrer desse jeito. Nenhuma mulher merece sofrer desse jeito, ainda mais por um homem. Os breves momentos do nosso jantar, com Kev falando sobre a escola, chegavam a me iludir, chegavam a me fazer imaginar o que era ter uma família estruturada. Para falar a verdade, éramos uma família feliz até que as botas cheias de lama chegassem em casa e nem se importassem em passar pelo capacho primeiro, sujando o chão limpo de madeira.

Após ajudar minha mãe a lavar a louça, secando todos os pratos e copos e colocando-os no lugar, eu estava disposta a tomar um banho. Kev já havia subido para seu quarto dormir e eu estava passando pela sala para chegar às escadas quando o vi entrar pela casa, fazendo barulho, cambaleando, completamente alterado. Sinônimo de covardia quem sabe que é fraco para a bebida, mas ainda sim bebe todo o dia ao invés de passar tempo com sua família.

- O que custa passar os pés no capacho antes de entrar em casa? Não está vendo a bagunça que você está fazendo? - eu me exaltei

- Você está precisando é de uma surra, garota mimada! Para parar de ser tão arredia! - ele gritou, sem sair do lugar

Não tinha mais equilíbrio para se manter em pé e se segurava na maçaneta na porta.

- Então me dê uma surra ao invés de descontar sua covardia na minha mãe! - eu também gritei, mas me arrependi depois

O arrependimento que senti nada teve a ver com querer voltar atrás nas minhas palavras. Apenas fiquei receosa em ter gritado muito alto porque, afinal, Kev estava em casa e poderia ter ouvido ou acordado com a discussão. Ele não merecia saber daquilo, ele não precisava ter sua infância roubada como eu tive.

O velho bêbado fez menção de me atacar, mas ele não tinha equilíbrio. Acabou caindo antes de colocar as mãos em mim. E como eu queria que ele me atacasse! Assim eu teria uma bela justificativa para me defender do jeito que eu sempre quis.

Minha mãe, ouvindo a discussão, veio à sala, encontrando o homem caído no chão e cheirando a tabaco da pior qualidade. Eu subi as escadas ao ver que ela ainda tentava o ajudar, o levantar.

- Deixe ele aí, seria melhor que estivesse morto - eu falei calma, subindo ao segundo andar e ignorando a burrice da minha mãe em defendê-lo

Eu não chamo isso de amor. Defender alguém que te agride é amor? Na verdade, acho que é falta de amor, mas amor próprio. Minha mãe precisava de doses e doses de amor próprio para parar de aceitar ser tratada como uma escrava. Estamos no século vinte! São os anos 80 e não 1800! Nenhuma mulher deve se sentir inferior a nenhum homem.

No meio da noite, a insônia sempre me atingia. Eu só conseguia dormir no final da madrugada, quase no começo da manhã. Minha canção de ninar era o cantar dos galos. Só que eu nunca dormia muito, no máximo umas duas horas depois de conseguir realmente fechar os olhos. A janela de meu pequeno quarto à noite me parecia muito mais atrativa do que em outros horários do dia. A vida no campo tinha suas belezas, como a melhor visibilidade do céu, da lua, das estrelas. Eu estava deitada na minha cama, brincando com o pequeno colar que não deixava meu pescoço, olhando a paisagem do céu que a janela enquadrava. Foi nessa hora que ouvi, de longe, vozes mais fortes vindas do quarto no fim do corredor. Quarto no qual dormia minha mãe e o monstro que dormia no mesmo colchão que ela ao invés de debaixo do cama.

Levantei sem querer fazer muito barulho, andando nas pontas dos pés e torcendo para que a madeira do chão não me denunciasse. Espiei de lado a porta mal fechada, mas não consegui ver muita coisa.

- Eu não quero - minha mãe repetia - Outra hora, hoje não.

- Cala a boca - o idiota falava - Que eu saiba você ainda é casada comigo. Não é mais que sua obrigação.

Minha mãe se calou. Eu sabia exatamente sobre o que eles estavam falando. Sabia exatamente qual "obrigação" ele pensava que era da minha mãe.

Eu continuei à porta, desta vez sem olhar. Eu me lembrei quando flagrei essa agressão pela primeira vez. Algumas crianças flagram, sem querer, os pais juntos na cama. Eu, com nove anos, havia flagrado meus pais na cama também. Só que minha mãe repetia para que ele parasse. E seus gemidos eram de pura dor e não de prazer, como deveriam ser. E eu, de novo, estava ouvindo esse mesmo tipo de gemido naquele exato momento, parada à porta, segurando meus punhos.

Minha mãe poderia até denunciá-lo por estupro, mas quem nessa cidade acreditaria? Um homem que faz a mesma coisa com a mulher, como o delegado deve fazer, não acreditaria. Lembro que minha mãe tentou contar uma vez para uma amiga, mas ela não viu nada de errado. Afinal, parece que não é estupro se você é casada com seu estuprador, não é? Depois minha mãe nunca comentou mais nada sobre isso com ninguém, mas eu sabia que isso acontecia com frequência. E nesta noite eu havia tido uma prova. Uma prova de que aquilo que flagrei aos nove anos continuava acontecendo. E, se naquela época eu era uma criança assustada tentando entender, agora, oito anos depois, eu sabia muito bem do que se tratava e sabia muito bem o que faria sobre aquilo.

De repente, Kev apareceu do meu lado. Quando o vi, o puxei para dentro de seu quarto, tampando-lhe a boca. Eu não queria que ele tivesse o mesmo trauma que eu tive. Encostei-me contra a porta de seu quarto, em silêncio, ainda o segurando. Ouvi a porta do quarto no fim do corredor se bater com força.

- Eles estão brigando de novo? - Kev perguntou, em tom baixo, assim que o soltei

- Essa vai ser a última briga deles, eu prometo.

Ele me abraçou, molhando minha blusa larga, que eu usava de pijama, com lágrimas. Eu não tinha mais lágrimas dentro do meu corpo, apenas um fogo ardendo dentro de mim que me fazia queimar em ódio. Eu havia prometido a Kevin que aquela briga seria a última e eu não sou mulher de não cumprir o que promete.

Eu estava ajoelhada à cama do meu irmão, vendo-o tentar dormir. Em momento algum me passou pela cabeça mudar de plano. Em momento nenhum me passou pela cabeça me acovardar. Era algo que eu já devia ter feito há muito tempo.

Quando ouvi a porta no final do corredor se fechar com força de novo, comecei a prestar atenção nos pequenos ruídos. Seus pés desceram as escadas e saíram pela porta da frente, que também foi fechada bruscamente. O barulho do motor de sua caminhonete ecoou pelos meus ouvidos. Olhei pela janela do quarto de Kevin e tudo o que eu vi lá embaixo foi a minha caminhonete. Ele havia saído no meio da noite e eu mal queria saber o que ele fora fazer.

Deixei Kevin dormir mais um pouco e fui até o quarto de minha mãe, receosa em entrar.

- Mãe? - perguntei sem abrir a porta - Posso entrar?

Ouvi-a balbuciar algo, confirmando minha pergunta. Entrei no quarto, vendo seu rosto e olhos vermelhos e chorosos.

- Esta é a última vez que ele faz isso com a senhora.

Após dizer aquilo, abri as portas de seu armário, jogando as roupas para o chão. Peguei uma mala enfiada em cima do guarda-roupa e fui colocando várias roupas de minha mãe dentro dela.

- O que você está fazendo? - ela perguntou, com a voz fraca

- Cumprindo minha promessa - respondi, ríspida - Você nunca mais vai ver esse homem.

Peguei outra mala de mão, onde coloquei algumas jóias que ela tinha e seu perfume preferido. Ela se levantou da cama, sem concordar ou discordar comigo. Começou a ajeitar as roupas dentro da mala e eu recebi aquilo como um consentimento.

Peguei uma mala de mão menor e fui até o quarto de Kevin, tentando não acordá-lo. Joguei suas roupas favoritas dentro dela, assim como alguns de seus brinquedos. Fui ao meu quarto, tirando a blusa larga de pijama do corpo e vestindo minha calça jeans favorita. Calcei as botas enquanto arrumava minha mochila com algumas roupas, eu não ia precisar de muitas.

Voltei ao quarto da minha mãe e ela estava vestida com uma roupa de sair. Fiquei feliz por ver sua atitude, por mais que pequena. Eu estava feliz em ver que ela estava admitindo que estava farta daquilo também. Tirei uma das gavetas do armário de seu lugar e a virei de ponta cabeça, deixando todas as meias caírem no chão. Eu já havia visto o desgraçado guardar dinheiro ali, então deveria ter algumas notas dentre elas. Procurei e achei 100 dólares em uma meia e 50 dólares em outra. Fiz a mesma coisa com as outras gavetas e fui descobrindo o dinheiro que o desgraçado escondia da gente para comprar bebida e cigarros.

- Qual o seu plano? - minha mãe perguntou

- Vocês vão embora daqui. Vão sumir de Sweetwater e vão sumir dessa região.

- Mas, para onde iremos?

- Você uma vez me disse que tinha uma prima na cidade grande, não é? Nashville? Procure-a. Durma em pequenos hotéis até encontrá-la. Dê um jeito. Aqui tem dinheiro suficiente para vocês se arrumarem por um tempo. Quando chegar lá, nunca fale seu nome real. Mude o visual, corte o cabelo, pinte-o. Tente recomeçar tudo do zero. Esconda seu sotaque do interior do Tennessee se preciso. Essa noite você vai nascer de novo, mãe. E toda vez que Kevin perguntar sobre o pai, diga que ele morreu.

- Priscilla, o que você está planejando? Você vai com a gente, não é?

- Eu vou levá-los até a estação de trem.

- E depois?

- Depois você vive a sua vida e tenta se esquecer de mim. Nunca diga que teve uma filha. Kevin é filho único a partir de agora. Ninguém, mas ninguém, pode saber que nós nos conhecemos. Entendido?

- E por que você não vai com a gente? Priscilla!

- Não é hora disso, mãe. Temos pouco tempo. Não sei quando ele volta.

Ela aceitou minha resposta, segurando as lágrimas. Eu acordei Kevin com delicadeza, mandando ele se vestir. Não respondi às milhares de perguntas que ele me fez sobre o que estava acontecendo, apenas joguei alguns pacotes de biscoitos em sua pequena mochila, que levava nas costas. Ele e minha mãe entraram na minha caminhonete enquanto eu jogava suas malas no pequeno espaço atrás do banco. Dirigi com rapidez até encontrar a estrada e depois mais rápido ainda até chegarmos na estação de trem. Por sorte, já eram cinco da manhã e o próximo trem para Nashville partiria em meia hora. Não esperei o trem com eles. Deixei-os lá, dando um grande e demorado abraço nos dois. Minha mãe não conteve suas lágrimas, fazendo Kevin chorar também. Ele podia ser pequeno, mas entendia que aquilo era preciso por mais que, no fundo, soubesse que aquela era talvez a última vez que iria me ver. Saí sem olhar para trás, mas admito que algumas lágrimas deixaram meus olhos enquanto eu acelerava para voltar para casa. Eu só torcia que chegasse antes do homem que um dia eu chamei de pai.

Não me importei em fechar os portões de madeira depois de passar por eles. Fiquei mais aliviada quando percebi que sua caminhonete não estava lá, ou seja, ele ainda não havia voltado. A noite estava virando dia e os galos estavam cantando alto. Passei brevemente pelo curral de nossa propriedade, aproveitando para me despedir de Pelúcia, meu cavalo de estimação. Tudo bem, ele estava longe de ser domesticado, mas eu tinha um enorme carinho por ele. Havia o visto nascer e crescer, havia o alimentado e havia cavalgado muitas milhas com ele, havia até dado esse nome estúpido para ele porque a versão de sete anos de mim mesma o achou "fofo como um ursinho". Agora ele tinha dez anos e eu estava acostumada ao seu jeito arredio de ser. Éramos bem parecidos nesse aspecto.

- Vou sentir saudades de você, menino - eu disse, passando os dedos por sua crina

Ele relinchou.

- Caso tentem te maltratar quando eu estiver longe, já sabe: coice neles! - eu disse, rindo

Queria tanto levá-lo, mas era ele ou a minha Chevy vermelha desbotada e com o estofado do banco do motorista rasgado. E eu escolhi a última opção. O galão de Gasolina era mais barato do que alimentá-lo todos os dias.

Parei de sentimentalismo e adentrei a casa. Busquei por armamento em todas as gavetas e acabei achando mais algumas balas para minha coleção. Minha arma estava com o cartucho cheio, mas mesmo assim era melhor sobrar do que faltar. Achei uma arma mais antiga que a minha em uma das gavetas e que eu mal sabia se ainda funcionava. Resolvi pegá-la para mim também. Se não funcionar disparando, pode muito bem ser usada para doloridas coronhadas. Achei mais dinheiro espalhado e o enfiei em meus bolsos e dentro da minha bota. Quando acabei de vasculhar tudo, sentei-me na poltrona da sala, esperando-o com as cortinas fechadas, no escuro. Coloquei a velha vitrola para tocar e percebi que o disco era um antigo do Johnny Cash. Aquilo me fez sorrir por um momento. Quando ouvi o barulho de motor de carro do lado de fora, preparei a arma em minha mão e cruzei as pernas, sentada em sua velha poltrona.

Esperei-o entrar cambaleando pela casa e ele assim o fez. Parou por um minuto ao ouvir a música e soltou um palavrão qualquer. Foi quando seu olhar desnorteado encontrou o meu.

- Desliga essa porcaria, sua desvairada! - ele gritou, sem perceber que eu alisava o cano da arma em minhas mãos

Ele estava bêbado, quase não se sustentando. Vê-lo com equilíbrio um dia é o que me surpreenderia. Carregava em uma das mãos uma garrafa quase vazia de vinho da pior qualidade.

- Deena! Deena! - gritou para as escadas - Cadê o meu café? Desça agora e me faça um café!

- Ela saiu - eu respondi calmamente

- Saiu? E quem deixou ela sair? - falou quase cuspindo no chão

- Ela saiu da sua vida, sem pedir nenhuma autorização. Que tal você mexer esse traseiro preguiçoso e aprender a passar seu próprio café?

Ele me olhou desacreditado. Acho que o excesso de álcool já tinha afetado seus neurônios permanentemente.

Calmamente, minha mão esquerda, que estava livre da arma, alcançou a garrafa de uísque ao meu lado e a levou à minha boca.

- Desde quando você bebe, sua vadia? - ele exclamou

- O que foi, papai? - eu disse sarcasticamente - Só estou seguindo seu exemplo.

Ele deu passos para frente, querendo me atacar, mas não conseguia achar equilíbrio. Eu, com tranquilidade, mirei a garrafa em suas mãos e apertei o gatilho sem pensar muito. O barulho do vidro se quebrando cobriu o cômodo e o resto de vinho manchou o chão. Eu apontei a arma para seu corpo, carregando-a em seguida, e dei outro gole no uísque quente.

- Eu não sou minha mãe. Você não pode e nem vai tocar em um fio de cabelo meu.

- Você é realmente uma filha da puta. Onde está Deena? Onde está o garoto?

Ele avançou mais um passo e eu continuei apontando a arma a ele.

- Bem distantes de você. Mas sabe o que não está distante? Meu dedo do fim do gatilho. Qualquer movimento seu e a distância entre eles pode acabar.

Ele soltou alguns palavrões que eu fingi não ouvir. Decidi parar de brincadeira e soltei a garrafa quase vazia de uísque no chão, quebrando-a. Levantei-me daquela poltrona sem hesitar. Segurei a arma com as duas mãos, chegando mais perto dele e sentindo seu cheiro horrível de quem passou a noite em um boteco com prostitutas de quinta categoria. Encostei o cano da arma em seu peito e ele parecia estar seguro de que eu não iria atirar.

- Olha aqui, seu merda, eu sei de tudo o que você fez com a minha mãe esse tempo todo. Eu vi todas as vezes que ela chorou por você. Eu vi todas as marcas que você deixou no corpo dela. E nada justifica a tortura que você veio praticando com ela esses anos todos. Só prova que você é um covarde, um frouxo, que não sabe ser homem. É um estúpido que pensa que ser homem é usar a força física, já que não tem nenhuma capacidade intelectual. Você pensa que minha mãe é fraca, mas tem que ser muito forte para te aguentar esses anos todos.

- Quem você acha que é para falar comigo assim, sua mimadinha? Você merece uma surra de cinta, isso sim.

Ele falou isso jogando todo seu bafo quente e cheirando podre na minha boca. Segurei minha boca para não cuspir de volta em sua cara. Sua mão formou uma pinça em minhas bochechas, machucando meu rosto.

- Eu disse para não tocar em mim - eu falei pausadamente entre os dentes e pressionei mais o cano da arma em seu peito

- Você não seria nada sem mim. Nada. Você não teria nem nascido se não fosse por mim.

- Obrigada pela doação de esperma, papai. Espero que a noite na qual eu fui concebida não tenha sido uma noite de sexo forçado com a minha mãe igual a essa noite - usei meu melhor tom sarcástico

Sua mão continuava em mim, só que me apertava mais as bochechas. Percebi que a sua outra mão foi discretamente atrás de sua calça e eu sabia que ele ia sacar a arma. Tinha decido virar homem agora?

- Eu disse para não encostar em mim - eu repeti, me livrando de suas mãos rapidamente

Fiz uma distância curta entre nossos corpos e apontei a arma para seu pé direito. Atirei sem pensar duas vezes. Ele mal teve tempo para tirar a arma de trás da cintura.

O barulho do tiro ecoou pelo cômodo e ele ficou de um pé só por breves segundos. Se seu equilíbrio não era dos melhores com dois pés, com um pé era inexistente. Ele caiu no chão segurando o pé com as duas mãos e gritando de dor. Eu segurei uma risada ao ver que ele havia caído em cima do vidro quebrado das garrafas e da lama que seu próprio pé trouxera para dentro de casa.

Xingou mais alguns palavrões entre os gritos e eu me aproximei mais. Agachei-me, aproveitando que ele estava de lado no chão, e peguei sua arma, que estava quase caindo de sua calça, para mim.

- Está doendo, papai? - perguntei sem emoção

Ele gritou mais palavrões com o meu nome de batismo inserido neles. Meu nome de batismo não significava mais nada para mim.

- Espero que doa mais. Bem mais. Porque nada, nada, nada melhor para uma vingança do que uma dor física por ter feito cicatrizes emocionais na minha mãe. Cicatrizes que nunca vão realmente cicatrizar.

Enquanto ele ainda estava agonizando no chão, rolando sobre ele e sobre os cacos de vidro, eu levei a ponta de minha bota à sua virilha. Pressionei meu pé devagar, para que a dor viesse aos poucos.

Ele agarrou minha perna quando eu pisei com mais força, tentando encontrar o chão com a sola da minha bota, esmagando tudo o que ele achava que era o símbolo máximo de sua masculinidade.

Apontei a arma carregada para sua cabeça e ele largou minha perna ao perceber meu ato.

Seu rosto era marcado por dor e um machucado dentro da barba mal feita estava sangrando. Provavelmente foi causada por um dos cacos de vidro. Continuei apertando meu pé o máximo que pude e ele começou a clamar por piedade.

- Não, não - resmungou - Pare.

- Acho que estou tendo um déjà-vu dessa noite passada, sabe papai? Minha mãe falando as mesmas palavras. Só que você parou? Não. E eu, seguindo o exemplo, também não vou.

Chutei sua virilha com a ponta de minhas botas e depois voltei a esmagar seu órgão genital com todo o peso do meu corpo distribuído para aquele pé.

Quando achei que a tortura já estava me entediando, afrouxei meu pé e apontei a arma de novo para sua cabeça, segurando-a com as duas mãos.

- Vamos deixar uma coisa clara. Você nunca vai procurar minha mãe ou Kev de novo. Nunca. Qualquer vingança que você queira fazer vai ser direcionada a mim e somente a mim. Você nunca mais vai tocar em um fio de cabelo da minha família, entendido?

- Você vai se arrepender, cachorra - ele disse cuspindo

Um cuspe amarelo e denso, como seus dentes podres.

- Eu nunca me arrependo, papai.

E com essas palavras, eu apertei o gatilho de novo. Mirei no meio de sua barriga.

Ele gritou de dor novamente e eu vi o sangue começar a manchar sua camisa escura e suja. Com calma, fui ao nosso antigo telefone e disquei o número da emergência.

- Em que posso ajudar? - a mocinha muito prestativa na outra linha falou

- Meu pai acabou de levar um tiro - eu falei calmamente

Enquanto eu explicava o endereço, eu me divertia com ele agonizando no chão, sem conseguir se levantar por falta de força no abdômen e nos pés. Um tanto psicopata, mas não tanto quanto ele era. Talvez eu tenha puxado isso dele. Terminei a ligação e joguei minha mochila nas costas. Agachei-me ao seu lado e sussurrei.

- Espero que a ambulância demore e espero que o hospital esteja em falta de anestesia. É apenas uma pequena parcela do quanto eu quero que você sofra.

Ele tentou agarrar meu pescoço, mas seus reflexos estavam debilitados.

Eu me levantei, saindo daquela casa e, já à porta, percebi que o disco do Johnny Cash havia agarrado. Eu conhecia aquela música muito bem. Por ironia, o disco tinha arranhando logo em "A Boy Named Sue", talvez porque eu havia ouvido aquela música milhares de vezes.

A diferença entre eu e Sue era que meu pai nunca havia me deixado. O erro dele não foi me nomear com um nome que eu odiava, apesar de tê-lo feito, e sim nunca ter saído de casa quando eu tinha três anos. Então, como Sue, eu ataquei meu próprio pai com uma arma, porém, no final da minha canção, ele não seria perdoado.


Música do Capítulo 1: A Boy Named Sue - Johnny Cash

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