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Uma Promessa De Cada Vez

Charlotte respirou fundo na varanda do apartamento, o mundo estava silencioso como o inferno ficaria quando Charlotte tocasse os pés lá.

Ela encarou o vestido azul que usava e em seguida se permitiu por um cigarro na boca mas não o acendeu, no fundo ela sabia que era um sonho.

— Quanto tempo eu vou ter que esperar para você, seja lá quem for, aparecer? — Chralotte gritou para que qualquer alma, homem ou demônio surgisse e a falasse porque a estava perturbando.

Uma risada ecoou pelo cômodo, o som poderia ser comparado a galhos arranhando uma janela de vidro. O céu assumiu um tom azul claro antes do vento trazer o cheiro de rosas, baunilha e grama molhada.

— Mike Avalon...— Charlotte encarou o vaso de planta que estava ao seu lado.

— Charlotte Marie Hunter ou devo lhe chamar de Charlotte Marie Hunter-Avalon? Ou agora é Charlotte Maria Fallon? ou Charlotte Hunter-Blake? São muitos sobrenomes para lembrar o nome certo — A planta falou esticando seus longos galhos, logo os galhos viraram uma mão humana, as folhas se juntaram e se dividiram dando forma e um rosto humano ao homem, e a flor que dividia jarro com a pequenina planta, agora repousava tranquilamente atrás da orelha de Mike.

E mesmo após morto a anos Mike continuava belo, seu rosto estava com uma coloração viva dando a aparência de saudável ao homem, não havia nenhum sinal de que ele havia acabado de ter o rosto e corpo saídos de um vaso de planta.

— Vamos, fale o que você está pensando. — Mike pronunciou testando a sonoridade da própria voz.

O tom canela da pele do homem combinava com o aroma adocicado e rústico que ele exalava, seus olhos castanhos escuros estavam carregados de culpa enquanto em seus lábios um sorriso de canto repousava tranquilamente.

— Você está com um cheiro diferente.

Charlotte respirou fundo pensando em o quão besta aquilo soava.

— Eu estou morto, almas cheiram diferente. Mas vamos lá, você pode tocar, não vou morder. — Ele falou se aproximando da loura e retirando o cigarro da boca dela. — Só se você pedir com jeitinho.

— Você me parece bem vivo para alguém morto. — Charlotte respondeu tocando o rosto macio do amigo — Eu chorei a sua morte, eu te matei contra a minha vontade e chorei vários meses por causa disso.

— Eu estava descontrolado, eu nunca te culpei, a culpa foi da divisão e das drogas que me deram.— Falou abraçando a loura e ao se afastar acendeu o cigarro — Senti saudade minha querida.

O homem soltou a fumaça adotando um tom sombrio antes de o entregar para a velha conhecida.

— Alias, você me parece bem viva para alguém morta.

— Ainda não estou morta, querido. — A loura se pronunciou  jogando o cigarro que havia ido na boca do homem fora e acendendo outro — Mas você não veio do inferno para esse reencontro nostálgico. Que tal você me contar o que está acontecendo para você sair da sua tortura eterna e vir aqui?

— Calorosa como uma pedra de gelo. — Brincou o velho amigo morto — Creio que o mundo ainda seja oval e você por conhecidencia e ironia do destino já tenha esbarrando com meu filho. Ele é uma cópia do pai, inclusive na questão de herdar poderes, inimigos e péssimo jeito com mulheres.

Charlotte apoiou-se contra a grade da varanda e suspirou fundo.

— E o que eu tenho haver com isso? O filho é meu também? Você era uma gimnospermas ou um cavalo marinho na época? — Charlotte ironizou enquanto listava mentalmente todos os problemas que enfrentaria naquela semana.

— Você sabe como funciona uma gravidez, aliás as piadas horríveis sobreviveram ao tempo também pelo visto.— O homem pensou por alguns instantes — Você está me devendo uma. — Mike falou pegando a rosa detrás de sua orelha e a levando ao nariz para inspirar o aroma dela. — Você me fez uma promessa.

— Você morreu me devendo uma. — Charlotte encarou o amigo nos olhos — Você havia prometido que nunca mais iria se envolver com William.

— Deus sabe que eu tentei. Você acha mesmo que eu não tentei ficar longe dele? Longe de problemas? Mas infelizmente era maior que eu. Maior que minhas promessas e maior que minhas mentiras.— A voz de Mike se arrastava pesadamente, suas palavras carregavam dor assim como seu olhar.

Ele se aproximou pondo a rosa no cabelo de Charlotte.

— Vamos fazer um trato então, resolvemos uma promessa de cada vez, feiticeira, você protege meu filho e encaminha ele para alguma direção que não seja o precipício e eu tento negociar por aqui sua chegada, ver se te consigo uma cadeira no camarote.

Charlotte passou a mão contra o vestido azul que vestia, era estranho mesmo em sonho não conseguir que sua vida fosse normal. Ela sabia que Mike poderia evitar que ela fosse eternamente congelada, torturada ou desmembrada. O fator de viver isso eternente era algo que ela queria evitar.

— Puta merda, de uns tempos para cá eu sinto que eu só me fodo, é impressionante. — Charlotte reclamou tomando impulso para sentar na grade da varanda — Sem mais dívidas para ambas as partes, apenas dois amigos tentando sobreviver ao inferno.

Mike sorriu, ele sabia que Charlotte não negaria um pedido dele, a culpa ainda a consumia o suficiente para ela aceitar fechar um trato com ele.

— Eu ganho um beijo de despedida? — Mike perguntou convencido.

— Venha, eu sei que você sempre quis isso. — Charlotte respondeu se dando por vencida.

Mike se aproximou ainda mais da loura, Sua mão passeou pelo corpo da loura, ele ainda estava a beijando quando a empurrou da sacada. Enquanto caia Charlotte encarou o sorriso brincalhão que Mike sempre possuiu, porém seus olhos adotaram um tom lilás, a loura se debateu tentando evitar que continuasse a cair.

A loura deveria ter acordado mas algo a fazia permanecer ali presa no vazio entre o dormir e o despertar.

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