OS LÁBIOS de Pedro tocaram a borda do copo, antes de engolir todo o líquido marrom lá de dentro. O Whisky desceu como água, deixando sua marca por todo o canto da boca do mais velho.
Suspirou cansado, esfregando as duas mãos contra o rosto. Era o tipo de toc que tinha e que não fazia ideia.
Já tinha dias que não conseguia ter uma boa noite de sono, toda vez que Pedro se olhava no espelho conseguia notar o tamanho das olheiras ganhando cada vez mais formato em seu rosto. Estava acabado, provavelmente algum dias desses alguém ia acabar o confundido com um mendigo. Estava patético.
Os pesadelos ainda eram constantes. Apesar de já fazer bastante tempo que aquilo tudo tinha começado, Pedro ainda se recordava da noite em que encontrou seu parceiro morto. O primeiro caso do serial killer, a primeira pessoa a ser morta, vindo acompanhada de mais doze corpos. Pedro fora afastado de imediato, pois Lucas estava sob sua supervisão naquela noite. Tinha o mandado investigar um caso de desaparecimento no bairro mais próximo a delegacia, enquanto fugia para curtir a noite de sexta. Quando Pascal estava quase na sua vigésima dose de vodka, seu telefone tocou, piscando o número de seu supervisor.
Pedro nunca conseguiu se perdoar. Perdeu toda a linha de raciocínio depois daquela noite. Quando teve que ir até os familiares de Lucas e dar seus pêsames, fora como receber uma facada em seu coração. Pedro praticamente tinha entregado o garoto de bandeja.
— Já falei para me passar pro Tenente.
Sua voz soou grogue e arrastada, o gosto azedo da bebida dançando em sua língua. Segurava o aparelho celular contra a orelha, enquanto esperava a secretária passar a chamada.
Naquela manhã de quinta feira, quase quatro anos após o início das mortes —, havia aparecido uma nova pista. Um corpo fora encontrado na cidadezinha próxima a Washington, com as mesmas marcas que o serial killer deixava.
— Senhor Pascal, eu disse que...
— Desgraça.
Pedro apertou a tela do celular com força, na opção de desligar a chamada. Virou o restante do líquido na boca e se levantou de uma vez do sofá, pescando a chave do carro na mesinha de centro. Se o Tenente estivesse tão ocupado para o atender, então iria lá pessoalmente.
Sua cabeça rodava, era quase a mesma sensação que teve ao receber a notícia da morte dele. As lembranças, os acontecimentos daquela noite voltavam em flashs rápidos —, todo o caminho até a delegacia de Washington.
Ele se recusou a se afastar daquele caso, enquanto não achasse a pessoa que matou seu parceiro e todas aquelas outras pessoas. Estava fora de si, então começou a aceitar todo o tipo de ajuda que precisava. Até claro, perder outro parceiro para o assassino. Isso foi o suficiente para ir à loucura.
Pedro demorou tanto para conseguir voltar à rotina normal, conseguir trabalhar, ter vontade de levantar da cama na manhã seguinte. Porém, parecia que tudo isso tinha sido arrancado de si novamente.
A delegacia ficava vinte minutos de sua casa, contando com o trânsito. Pedro fez o percurso em sete minutos e meio.
— Senhor Pascal...
— Letícia, faça-me o favor. — desembargou as palavras, atravessando o saguão.
Pedro não pensou duas vezes antes de abrir a porta do escritório do Tenente. E assim que fez tal coisa, os olhos do mais velho foram postos em si. Ele estava com um jornal na mão, encostado na cadeira com calma. Era quase como se estivesse o esperando.
— Diogo...
— Já sei o que vai dizer, Pascal. — se reclinou na cadeira, apoiando o jornal na mesa — E a resposta é não.
Pedro soltou o maior suspiro de toda sua vida. Era como sentir as paredes de seu coração se fecharem ao redor de seu pulmão, estava frustrado. Era como ter cinco anos e um quebra cabeça de mil peças estar jogado na sua frente.
Respirou fundo mais uma vez, se sentando na cadeira à frente da mesa.
— Tenente, — tentou manter a calma — é a mesma pessoa que os matou. Os mesmos indícios, vestígios, a mesma marca. O corpo...
— É exatamente por isso que você não pode nem chegar perto desse caso, Pedro. Meu Deus.
Exclamou como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.
— Sério... — bufou Pascal.
Diogo conseguiu ver a maneira que ele se esforçava para não chorar. Os olhos começaram a ficar vermelhos de raiva.
— Se alguém vai pegar esse filho da puta, esse alguém tem que ser eu.
O olhar de pena no rosto do mais velho era evidente. Afinal, não tinha uma pessoa naquela delegacia que não conhecesse o final trágico do futuro brilhante que Pedro Pascal tinha. E a maneira que aquilo foi jogado no lixo, da noite pro dia.
— Por favor, Diogo. — implorou, as mãos segurando na borda da mesa — Me deixa resolver. Eu preciso dormir à noite. Eu tenho que saber o porquê...
— Pedro.
Ele o interrompeu, os olhos derramando pesar.
— Você sabe que legalmente você estaria impedido de trabalhar, por ter envolvimento com o caso. — sua voz soou pacífica — Sua ligação pode deixar as coisas cegas, você pode não pensar direito.
— Eu tô pensando direito. — se levantou da cadeira, passando a mão pelo cabelo — É a primeira pista em anos, Tenente...
O silêncio se instalou pelo ambiente.
— A Ramires vai com você.
O mais novo ergueu as sobrancelhas, ao ouvir a frase. Confuso.
— Ela vai com você. E não faça besteira, Pedro. Pelo amor de Deus.
Pedro balançou a cabeça em negação.
— Acho melhor eu ir sozinho. — silibou — Sabe o que acontece com meus parceiros e...
— Não tem condições de você fazer isso sozinho.
Pascal piscou os olhos com força, apoiando as mãos na beirada da cadeira.
— Se você quer ir até lá. Você tem que a levar com você. Isso não tem discussão.
🩸
Menos de três horas depois Pedro já estava no carro em direção a Leavenworth. Seus dedos apertavam o volante com força, concentrados na estrada a sua frente.
— Acha que é a mesma pessoa? — a voz da mulher ao seu lado quebrou o silêncio.
Pedro moveu os olhos da estrada, olhando para a parceira ao seu lado. Há conhecia a mais tempo do que podia imaginar, se não fosse por Ramires, — quando perdeu tudo, Pedro teria cometido suicídio na manhã seguinte.
— Espero que sim.
Era verdade. Esperava que fosse quem ele tanto procurava nos últimos anos. Pedro precisava colocar o ponto final naquela história e seguir em frente, conseguindo ter uma boa noite de sono sem pesadelos. Precisava dar um fim adequado a todas aquelas vítimas.
— Ok.
Ramires suspirou, abrindo a tela do notebook sobre o próprio colo. A pequena iluminação atraiu os olhos de Pascal, por alguns segundos, antes dele voltar a prestar atenção na estrada.
— O corpo do jovem Ford Lincoln Forest foi encontrado essa manhã no parque estadual da pequena cidade de Leavenworth. — começou a ler em voz alta a matéria — O corpo estava branco, com sinais de afogamento. Marcas de corda nos tornozelos e pulsos e seu órgão genital estava faltando.
Pedro engoliu em seco, imaginando a cena.
— A última pessoa a ver o garoto com vida fora sua irmã, Remi Quinn Forest. — continuo Ramires — O fundo da casa dos Forest é no final do parque.
Pascal balançou a cabeça em concordância, apertando os dedos com mais força ao redor do volante.
— Devemos começar com ela.
🩸
— Não.
Foi a primeira coisa que Pedro ouviu ao bater na porta dos Forest assim que amanheceu. Um garoto de cabelos loiros, olhos incrivelmente azuis e um nariz arrebitado o impediu de falar alguma coisa.
— Seus pais estão? — perguntou Pedro, olhando para baixo.
O menino deu um sorriso lateral, indicando cansaço.
— Eu já disse. Não. — repetiu.
Ramires estava no carro, observando a cena com cautela. Haviam tirado cara ou coroa, para decidirem qual dos dois iriam até lá. E óbvio que Pedro queria ir sozinho.
— Detetive Pascal. — mostrou o distintivo — Estou aqui para fazer algumas perguntas, sobre a morte de Ford Lincoln Forest. Tem algum adulto responsável?
Os olhos do mais novo analisaram Pedro com indignação.
— Sabe quantos polícias já bateram aqui? — rosnou.
Pedro começou a se sentir incomodado.
— Você quer que peguemos quem matou o seu irmão ou não? — sua língua trabalhou mais rápido do que sua cabeça.
— Ei. Isso é coisa para falar pra uma criança?
Uma voz aguda e estridente soou do outro lado da porta. Dois segundos depois, o batente se tornou mais espaçoso e Pedro viu quem falara tal coisa. Os olhos eram tão azuis quanto o da criança a sua frente, cabelos loiros até a altura do peito, lábios vermelhos e olhos inchados, indicando que provavelmente havia passado a noite toda chorando.
A resposta para aquela pergunta morreu na ponta da língua de Pascal.
— Tate, pode subir. Tá tudo bem. — ela pediu, tocando no ombro da criança.
Os olhos azulados e frivolos do mais novo se voltaram para Pedro mais uma vez, antes de dar as costas e subir escada a cima. A menina observou o irmão sumir de vista, antes de se virar novamente para o detetive a sua frente.
— Desculpe, — balançou a mão em um sinal — disse que era detetive? Posso ver o distintivo?
Ele piscou os olhos com força, puxando novamente o objeto de dentro da roupa. Esticou na frente do rosto da garota, esperando que ela lesse.
— Ok. Pedro, né? — abriu mais a porta — Sou Remi, pode entrar.
Não pensou duas vezes antes de passar os pés para dentro da casa. Com certeza, aquele ali não era um lar normal. Pelo menos, não daqueles que Pedro estava acostumado a ver em Washington. Aquela era uma casa vitoriana, antiga. As madeiras perfeitamente cuidadas, não tinha uma sujeira que atraísse os olhos do detetive.
Na primeira parede da entrada continha porta-retratos e Pedro reconheceu o rosto da vítima em várias daquelas fotos.
A menina o guiou até a cozinha. E sendo o bom detetive que um dia já foi, Pedro prestou atenção em cada detalhe possível naquele ambiente. Não parecia o lar de uma família, de tão arrumado que era.
— Desculpe, quer água ou refrigerante? — se virou para o mais velho, apoiando as mãos no balcão — Eu não sei fazer café ou chá, na verdade tanto faz. Temos tequila, aceita?
Ela se sentou na bancada da cozinha, esperando a resposta dele.
— Não.
A mais nova deu de ombros, aguardando. Pedro levou alguns segundos para se lembrar do motivo por estar ali, afinal, as coisas à sua volta estavam estranhas demais. Se sentou também na baqueta, apoiando os pulsos acima do balcão.
— Foi a última pessoa a ver Ford com vida?
Pedro foi direto. Ela balançou a cabeça em concordância, sentindo as mãos suarem.
— Notou algo estranho naquela noite? Antes dele sair?
A loira suspirou, sustentando o contato visual com ele.
— Eu sei que ser a última pessoa a o ver com vida me torna uma suspeita. Pode ser sincero comigo.
Apesar da voz dela não falhar em momento nenhum, aquilo parecia indecifrável.
— Você não é uma suspeita. — Pedro foi sincero.
Afinal, tantos anos o fizeram ser bom em alguma coisa. Sabia quando alguém estava fingindo na maioria das vezes. Remi tinha os olhos inchados e vermelhos, o cabelo não estava penteado e as unhas estavam desgastadas, indicando que havia mordido metade delas de preocupação.
— Todos os outros...
— Eu não sou todos os outros. — Pedro afirmou, sustentando o olhar — Eu preciso que seja sincera comigo, se quiser descobrir quem fez isso com seu irmão.
Ela balançou a cabeça em concordância, ainda sustentando o olhar.
— Eles falaram que...
— A partir de agora, não importa o que os outros falaram. Apenas o que eu vou falar.
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