Capítulo 50 - Catedral Central
Dione sentia o cano frio de metal da arma pressionado em sua fronte. Sabia que um movimento em falso, poderia representar a sua morte. Com calma, tentava convencer a mulher a baixar a arma e conversar.
__ Hei, vai com calma aí... - O forasteiro falou levantando as mãos devagar em sinal de rendição.
Não precisou adivinhar de quem era o timbre da voz e a audácia de quem o colocara na mira, pois Lisa logo delatou.
__ Mamãe?! - Falou surpresa.
__ Saia logo desse carro! - Ordenou a senhora de características orientais se afastando um pouco, mas mantendo distância suficiente para uma boa mira.
__ Mãe, abaixe essa arma, me escuta; Dione é um bom homem!- Falou Lisa abrindo a porta, dando a volta no carro e se aproximando dela.
A senhora Jane tinha seus 50 anos, era baixa, cabelos pretos volumosos à altura dos ombros. Vestia um sobretudo cinza com duas fileiras de botões. Uma parte de seu vestido verde aparecia por baixo. Usava meia calça preta e sapatilhas. A mãe estreitou os olhos para filha e lhe esbofeteou o rosto com força.
__ Mãe! - Lisa não esperava por isso. Surpresa, acariciava a área dolorida que ficara instantaneamente vermelha pelo tapa.
__ Já sabe que horas são?! - Dona Jane puxou a manga do sobretudo e mostrou a Lisa o seu relógio de pulso. __ Meio dia e quinze... Em todos esses anos, você nunca havia se atrasado para o nosso compromisso, bastou se envolver com esse sujeito para que isso acontecesse.
__ Imagino que o que vale é a intenção, não estou tão atrasada assim, mãe... São só quinze minutos. - Lisa tentava se justificar.
__ Nós duas fizemos uma promessa de estarmos aqui todos os dias ao meio dia. meio dia, não meio dia e quinze! - Falou a senhora Jane ainda com a arma em punho.
__ Eu sei mãe mas... Mãe, abaixe essa arma e venha comigo até a igreja... - Lisa falou segurando o braço livre da mãe.
__ Me solte! Eu já fiz minhas preses, se quiser vá sozinha! - Falou a senhora se soltando da pegada. Lisa a olhou com espanto. __ Não se demore, faça o que tenha que fazer e volte logo pra casa, vou lhe esperar com o almoço pronto. - Falou fitando Dione e guardando a arma antes de dar as costas pra filha.
Lisa trocou olhares com Dione e falou:
__ Mãe... Eu não vou mais voltar. Eu vou com ele...
Dona Jane se virou e estreitou os olhos pra filha. Parecia não acreditar no que ouvia.
__ O quê?! Vai mesmo acompanhar esse delinquente?!
__ Vou sim mãe, eu não aguento mais viver na mesma casa que o seu Neco.
__ Não seja ingrata, menina! Seu Neco foi um pai pra você. Cuidou da gente e nos deu abrigo quando necessitamos.
__ Eu sei mãe, mas tive que pagar um preço muito caro por isso.
__ Não se preocupe senhora, Lisa ficará bem, eu dou a minha palavra que cuidarei dela. - Dione tentava ganhar a confiança da futura sogra que fazia um julgamento precipitado da sua pessoa.
__ Você?! - Estreitou os olhos e olhou o homem com desdém. __ Você está tirando minha filha de mim. Nunca será bem vindo em minha casa. amaldiçoado seja você! Eu te amaldiçoou pelo resto da sua Maldita vida! - Gritou e lhe pôs um olhar tenebroso, começando a chorar.
__ Mãe, não diga isso... Por favor, retire o que disse! - Falou Lisa com os olhos lacrimejando.
__ Não retirarei nada! - Gritou mais alto. __ Vá em frente, siga com ele e acabe com o resto de sua Maldita vida! - Falou exaltada dando as costas pra filha.
__ Mãe... Não mãe... Volte aqui, aonde vai? - as lágrimas banhavam o rosto da garota enquanto ela falava.
Dona Jane interrompeu os passos, fechou a mão em punho com raiva se virou em direção a ela e disse:
__ Vou para casa. Se lá na frente se arrepender da burrada que está fazendo, não precisa voltar. Você não será mais bem vinda ali...
__ Não mãe, a senhora não pode mais ir para casa...
__ O que está dizendo? - uma confusão se formou no olhar da mulher.
__ Nossa casa já não existe mais... - Lisa olhou para a frente na direção onde uma vez foi sua casa e sua mãe seguiu seu olhar até enxergar a grande nuvem de fumaça negra que subia ao longe no horizonte por detrás das casas.
__ Nãoooo! O que vocês fizeram! - Dona Jane se desesperou e logo já imaginou do que se tratava. O doce lar que tanto amava e que criara muitas memórias, estava em chamas.
__ Vem com a gente mãe, vamos recomeçar bem longe daqui, tudo vai ser melhor. - Lisa tentava justificar o acontecido e encontrar recompensas para repor a perda, pensando em um modo de um dia repor as perdas da mãe. As memórias ela poderia carregar consigo, porém o matéria, tinha se perdido em chamas e se tornado cinzas.
__ Cale- se! - Falou Dona Jane voltando atrás e se aproximando da filha, abrupta e a esbofeteando novamente com ira. __ Vou lhe ensinar agora como se vive... - Jane levantou a mão e tencionou lhe esbofetear novamente.
__ Já chega senhora... - Dione falou saindo do veículo segurando a sua mão e evitando que tocasse novamente em Lisa. __ Eu entendo o seu lado, mas não permitirei que continue a punir sua filha dessa maneira injusta! - Dione se colocou entre elas. Lisa acariciava calada o rosto dolorido. __ Você deveria ficar do lado dela e não daquele velho golpista e pedófilo...
__ Neco! - A mulher arregalou os olhos e parecia ter se tocado de algo. __ Eu estou indo meu amor... - Falou se retirando de imediato. __ Se vocês tiverem feito algo com ele, eu juro que boto vocês dois atrás das grades! Eu juro! Eu juro!
A mulher gritava indo em direção a fumaça em passos rápidos. Gritou acenando para o táxi que passava pelo local e sem pestanejar, entrou dentro dele como um furacão.
__ Siga o rumo daquele foco de incêndio... - Ela mostrou com o indicador. __ Vá o mais depressa que conseguir, por favor...
O táxi saiu em disparada e agora as lágrimas jorravam sem controle dos olhos de Lisa que olhava o automóvel se distanciar até virar a esquina. Dione a abraçou forte. Sabe o quanto é difícil perder quem mais ama.
__ Onde tudo isso foi chegar, Dione... - Ela falou entre soluços.
__ As vezes temos que pagar um certo preço pela nossa felicidade. Mas não se preocupe, logo tudo ficará bem...
Dione reconfortava a garota que parecia fragilizada com o peso dos acontecimentos. Talvez, só agora tivesse se dado conta das consequências que seus atos provocaram.
__ Vamos logo fazer o que pretendia, precisamos sair o quanto antes daqui. - Disse Dione a liberando do abraço.
Lisa saiu em silêncio enxugando as lágrimas do seu rosto e começou a subir os degraus olhando para trás, trocando olhares com Dione até adentrar a catedral.
Foi rumo ao altar passando pelos bancos e quando estava no meio do caminho, avistou Ana, que vinha a passos lentos, rosto pálido e semblante triste. Lisa logo notou um corte no seu rosto. Ele não era tão grande, estava perto da sua sobrancelha e ainda sangrava um pouco. Ao se encontrarem lado a lado, Ana encarou com espanto a coreana e após alguns poucos segundos em silêncio ela falou:
__ Vai se confessar? - Perguntou com a voz fraca e com olhar de pânico.
__ Sim. Irei. - Lisa respondeu com ressalvas pela forma como a moça lhe olhava.
__ Por favor, não faça isso! - Lhe implorou.
__ Algum problema, Ana? - A voz do padre ecoou pelo Salão. Ana se virou para trás e com pavor viu o padre as observando com um cínico sorriso no rosto.
__ Não. Nem um. - Se virou para Lisa e se despediu. __ Com licença, eu preciso ir. - Ela saiu com passos rápidos fazendo a sola de seus sapatos ao tocarem o piso ecoarem pelo ambiente.
__ Hei, por que disse para não me confessar? - Lisa gritou a questionando. Ana por medo á ignorou e continuou seu caminho. Dione a viu descer a escadaria correndo e passar bem próximo dele em pranto.
__ Hei moça, o que houve? - Perguntou mas ela o ignorou e continuou seu caminho se distanciando dele. Depois de a observar por alguns poucos segundos a se distanciar, exclamou para si:
__ É isso que a fé faz com as pessoas, as deixam vulneráveis, frágeis e sensíveis... é por isso que não acredito em quasse nada nessa minha vida. Me blindo e nada me atinge.
No interior do templo, Ângelo começava a contar sua versão dos fatos...
__ Não considere o que ela fala, Ana anda muito abalada psicologicamente pelos acontecimentos familiares. Está enfrentando uma separação e luta pela guarda do filho. Veio até mim serena e tranquila mas parece que o mal se manifestou em si. Surtou e me atacou. Ainda bem que quem está comigo é mais forte que o mal. O repreendi e assim consegui libertá-la. É uma jovem que precisa muito das nossas orações... - Ângelo começou a caminhar em direção a Lisa que lhe olhava com ressalvas.
__ O mal quer tomar conta de sua pobre alma mas em nome da virgem... - Parou em frente à imagem e antes de completar fez o sinal da cruz. __ ... Eu não permitirei. - Se virou para Lisa, juntou as mãos e lhe sorriu.
Lisa o olhou séria por alguns poucos segundos e em seguida retribuiu o sorriso também, sem mostrar os dentes.
__ Lisa, minha ovelha querida! - O padre deu um sorriso ainda mais largo em satisfação ao revê-la.
__ Bênção padre! - o saudou sem o mesmo entusiasmo.
__ Seja abençoada, Lisa. Vai se confessar?
__ Vou sim.
__ Se vai, venha logo, o confessionário a espera.
__ Preciso fazer uma prece antes, eu não me demoro.
__ Fique à vontade, não tenha pressa. Vou lhe esperar na cabine.
Ângelo sorriu e começou a andar em direção a porta de entrada. Do lado de fora, Dione tentava dar partida no Cadilac que resolveu não pegar.
__ Vamo lá, pegue por favor... A polícia já deve estar na minha cola, preciso dar o fora daqui...
O motor não correspondia a partida e isso o deixava irritado e já pensando seriamente em um plano B. O problema, era que não tinha ainda um plano B. Por isso, sua revolta se tornava proporcional ao ódio que sentia em seu peito por toda essa confusão que se meteu. Não tinha certeza ainda se Lisa realmente tinha psicológico para suportar o que ainda estava por vir.
__ Que droga! - Dione xingava e batia no volante.
Saiu para fora do carro batendo a porta com força e abriu o capô. Se abaixou apoiando as mãos no metal e procurava o defeito para reparar o quanto antes. Ao se reerguer novamente, avistou o padre na porta lhe olhando. As pragas que dizia ao carro lhe haviam chamado a atenção. Ângelo lhe fez um sinal com a mão e lhe sorriu. Dione o correspondeu com uma continência.
Enquanto isso distante dali, a senhora Jane descia do táxi e boquiaberta não acreditava no que estava vendo. O caos estava diante de seus olhos. Uma multidão de curiosos atrás da faixa amarela ainda contemplavam a cena atípica naquele bairro. Bombeiros jogavam água no que sobrou da sua casa e já controlavão o incêndio. Os policiais acompanhavam o trabalho. Jane adentrou na grande multidão empurrando quem estava pela frente. Ignorou a faixa e a distância obrigatória e foi logo se aproximando daquilo que um dia foi sua casa e agora eram apenas escombros e cinzas.
__ Hei, senhora, não se aproxime, pode ser perigoso! - Falou um dos policiais indo logo buscá-la. - Ele segurou em seu braço e começou a puxá-la.
__ Me solte! o que pensa que está fazendo?! Essa é a minha casa, meu marido pode estar aí dentro, eu preciso salvá-lo! - Ela falou se esforçando para se soltar da pegada firme dele.
__ Já está tudo queimado senhora, você está querendo morrer, É isso?
__ Meu Marido, Neco, me diz que ele não está lá dentro... - Dona Jane esperava a resposta olhando nos olhos do policial enquanto ainda era conduzida para longe arrastada por ele.
__ Retiramos dois corpos lá de dentro. Um completamente carbonizado, e o outro... bem, o outro nós nem tiramos, saiu por conta própria ainda com vida e morreu bem aqui na rua.
__ Meu marido!?
__ Não acredito que seja o seu marido. Uma aberração daquelas?!- Disse se lembrando do gigante que mataram quando tentou os atacar. __ Talvez o outro...
__ Não... Não pode ser... Maldito! Eu mato você!
__ De quem está falando senhora?! - O policial a interrogou curioso.
__ Ele matou Neco meu marido! Eu vou queimá-lo vivo, eu juro que farei isso!
__ Acalme- se senhora, a gente nem tem certeza se ele é o seu marido. Pelo estado que o corpo ficou, só um DNA pra nos dar essa certeza.
Jane lhe olhou com espanto. Imaginar o marido carbonizado era uma cena horripilante. As lágrimas beiravam seus olhos prontas a cair enquanto o corpo tremia na antecipação da perda do marido.
__ O que está havendo Roger? Ela é a dona do imóvel? - Questionou Bernard depois de sair do seu automóvel.
__ Outra maluca, não tô falando!? Hoje tá que tá. - Silvio falou debochado, balançando a cabeça em negativo, abrindo a porta e também descendo. Bernard caminhou rumo a eles. ( Bernard e Silvio foram quem encontrou Dione caído no meio da rua e quase o prenderam no capítulo: Amnésia. )
Sílvio vinha logo atrás tentando acompanhar o parceiro, mas seus dez quilos a mais, lhe dificultavam. Vinha a passos rápidos comendo uma rosquinha e levantando a calça da farda para cima.
__ Foi o que ela disse... - Respondeu o policial Roger, sem confirmar a informação.
__ Me chamo: Bernard, a senhora está bem? - Bernard se apresenta. O policial alto tinha seus 37 anos de idade. Cabelos crespos, olhos pretos e físico militar, era bem vistoso e isso era perceptível a quem lhe olhava.
__ Isso é pergunta que se faça?! É claro que não estou bem, essa era a minha casa e olha como ela está agora... Não sobrou nada! - Dona Jane respondeu gesticulando a mão um tanto enraivecida com a pergunta que julgava um tanto idiota de Bernard.
__ Não sei se isso a conforta, mas nem tudo esta queimado, a garagem ficou quase intacta. - Sílvio falou chamando a atenção deles, porém foi ignorado.
__ Foi constatado que um botijão de gás explodiu enquanto a senhora estava fora. Uma investigação mais aprofundada poderá nos dar uma ideia mais clara, mas tudo indica que foi uma explosão acidental.
__ Não se iludam, isso foi proposital! Um plano muito bem arquitetado e eu sei onde está o responsável por isso... - Dona Jane estreitou os olhos e fitava Bernard enquanto falava.
__ A senhora poderia nos informar onde o suspeito está e suas características físicas?
__ Ele está na Catedral central, vão atrás dele agora! Prendam aquele delinquente! Ele é alto, forte e tem olhos azuis... Ele invadiu a minha casa, raptou a minha filha! Ele levou o meu Cadillac! - Dona Jane gritava para os policiais que logo se dispuseram a averiguar a informação.
__ Quero todos os carros disponíveis na Catedral central agora mesmo! O possível responsável pela explosão pode estar lá! - Bernard convocava a comitiva enquanto entrava em seu veículo. Sílvio entrou pela porta do carona e ajeitando seu chapéu questionava:
__ Tem certeza Bernard? Você está acreditando mesmo nessa velha? Ela parece estar louca.
__ Você também ficaria se explodissem a sua casa. - Falou Bernard ao parceiro o deixando sem palavras...
Na Catedral Lisa já estava no confessionário e de joelhos ainda se perguntava se confessava ou não o seu pecado ao padre. Dione poderia ter razão. Alguns pecados não podem ser confessados fisicamente. Somente espiritualmente.
__ E então querida, pode começar quando quiser. - Ângelo falou estando do outro lado da cabine ansioso por ouvi-la. __ Quero que esteja tranquila, tudo que for dito aqui será ouvido por mim em nome de Deus. E tenha certeza, mantido no mais rigoroso sigilo.
__ Eu acredito padre. Se fosse para outra pessoa eu não contaria o que fiz.
__ E o que foi dessa vez? De novo beijou outro rapaz e se sente culpada por isso, ou de novo comeu o pudim de leite escondida da sua mãe e a fez brigar com o seu pai achando ser ele o responsável? - O padre falou com deboche. Lembrando de suas últimas confissões.
__ Não. Não é nada disso. - Lisa deu uma pausa e decidiu falar logo.
__ Não sei se o Bispo, você no caso como o seu subordinado, perdoaria esse tipo de coisa... Mas eu... Me sentiria com a alma bem mais leve se isso fosse possível.
__ Você não maculou o pão e vinho e nem planejou matar o papa... Então, creio que não haja o que não possa ser perdoado em nome de Deus. - Falou Ângelo estreitando os olhos do outro lado.
__ Não, eu... Fiz algo pior... eu matei um homem...- as palavras saíram num único suspiro e ali, Lisa percebeu o peso que elas tinham.
__ O quê?! Lisa, isso é sério?! - Questionou com espanto.
Ângelo esperava por tudo, menos um pecado tão hediondo desses sendo cometido pela doce Lisa. Não, ele se recusava a acreditar. Claro que não deixaria de usar isso para extorqui-la como sempre faz com os fiéis. Mas, quais motivos a teriam levado para cometer tal ato? Precisava descobrir. Quem sabe quantos mais poderia chantagear com essas informações?
- Então minha filha... Um pecado desse precisa que alivie o coração pesado de tantas amarguras que terá que carregar. - limpou a garganta já com um sorriso nos lábios. - Não esconda nada ao seu Deus! Conte- me tudo! Nos mínimos detalhes...
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