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Capítulo 38 Longa Noite.

Lisa voltou ao banheiro com a caixa de primeiros socorros e uma muda de roupas. Com a toalha enrolada em seu quadril, Dione apoiou o pé numa banqueta ali presente e ela começou a limpar o corte. Ele fez uma careta quando o álcool etéreo queimou a pele.

- Está doendo?- Ela brincou.

- Um pouco ...

- Então, os gemidos embaixo do chuveiro eram dor na sua coxa ou...

- Por favor, garota! - Ele revirou os olhos assumindo o curativo. Quem sente dor numa hora como aquela?

- Ok, meu herói! Enquanto você dá uma de machão sozinho, vou providenciar algo para comermos! - Ela lhe jogou um beijo e saiu para cozinha.

Dione deu um gemido mais forte quanto tocou o corte outra vez com o algodão, feliz por ela não estar mais presente. Depois que a carne esfria, tudo fica mais complicado.

- Eu ouvi isso, viu? - Ela sorriu encostada na parede do lado de fora. Dione revirou os olhos com a brincadeira dela.

O sorriso morreu quando a sombra da culpa atravessou seu caminho. A partir de hoje, existe uma nova Lisa. Uma nova mulher. Um passado assustador a persegue e o seu futuro torna-se completamente incerto. Migrou para cozinha cabisbaixa engolindo a dor interior por tudo que fez.

- Sente- se, estou preparando um café pra gente. - Sorriu quando finalmente Dione apareceu na cozinha.

- Não sei se devo. Que horas são? O velho já deve estar chegando. Não sei o que está tramando...

- Pode relaxar homem... ele não vai chegar agora. - Lisa puxou uma cadeira para ele. E ele se sentou. - Percebeu que mancava. Sabia que levaria um tempo ainda para os analgésicos fazerem efeito.

- Essa é uma longa noite. A maior que já atravessei, eu acho. O tempo parece ter parado. - Dione olhou os ponteiros do relógio na parede que pareciam se arrastar preguiçosamente.

- Sim. Tantas coisas aconteceram, né?- Lisa comentou dispersa em pensamentos enquanto procurava os ingredientes para preparar o café.

__ E ainda vão acontecer. Não vou esperar pelo velho, eu irei atrás dele. Vou interceptar o que quer que esteja planejando. - Lisa lhe olhou com espanto.

- E Mercedes, que fim ela tomou? - Falou indo até o armário pegando uma tigela.

- A deixei na casa de um senhor. Ele lhe dará proteção. Espero que consiga. Mãe e filha merecem um pouco de paz. - Falou olhando para a taça sobre a mesa.

- Ela é muito bonita. Confesso que senti ciúmes. Ela se encaixa perfeitamente no padrão de Madrasta para sua filha. - Lisa comentou com sarcasmo colocando a vasilha sobre a pia. Ela poderia o enganar. Mas, não ela. Sabia bem o tipinho que a Mercedes era.

- Ai que você se engana. Ela era mulher de um traficante. Isso não acabará enquanto não a verem morta. Eu pretendo sumir no mapa. Não colocarei a vida de minha filha em risco.

- Em que enrascada você se meteu, hein? Onde conheceu a Espanhola? É um amor antigo? - Questionou indo até o armário e pegando uma colher na gaveta. Trouxa! Pelo menos agora sabia da verdade.

__ A conheci num ônibus. Eu deveria ter ficado e ajudado Marina com a mudança. Alguma coisa me dizia que hoje não era um bom dia para passeios. Eu teria evitado um monte de problemas! - Dione lembrou das súplicas da filha para não viajar.

- E também não teria me conhecido. - Ela lhe abraçou por trás, acariciando o seu peito, e colando o seu rosto no dele.

- Bem. Essa seria a parte ruim. - virou o pescoço e olhou a moça de perfil. Tão Linda! Nem achava que a merecia! levou uma das mãos com carinho, atrás de sua nuca por entre os cabelos os acariciando e roubando um beijo de leve.

- Então, Branco queria vingar a morte do filho... - Falou Lisa pensativa. - Dione! Quer dizer que você é um assassino?! - Falou o liberando do abraço e se afastando para trás com cara de espanto. - Pensando bem, você é um homem perigoso! Fico a imaginar quantas pessoas já não matou antes dessas. - Dione sorriu e se levantou.

__ O que ouve? Deu uma crise de pânico de repente? - Lisa só o olhou sem dizer nada. __ Se isso lhe deixa mais tranquila, não foram muitas não. E foram sempre em autodefesa. Tive que matar para não morrer se é que me entende. - Falou dando alguns passos rumo a moça que deu alguns passos para trás até encostar na parede.

- Não se aproxime, por favor! - Falou ela erguendo uma das mãos à sua frente impedindo a sua aproximação. Dione interrompeu os passos.

- Não se esqueça que agora é a minha cúmplice. Você sujou suas mãos também. - Falou voltando a caminhar e parar a centímetros do corpo da moça. O nariz de Lisa estava à altura do peito do homem. Ela ergueu a cabeça devagar fitando os seus olhos com aquele olhar de menina inocente. Dione prendeu suas duas mãos na parede, sentindo o perfume dela lhe roubar um pouco da sua concentração e disse: - Você tem medo do que eu posso fazer com você Lisa? - Disse fitando os seus olhos.

- Não. Não tenho!

Dione começou a beijá-la começando pela pequena boca e em seguida para o pescoço. Lisa pendeu o pescoço para o lado, e fechando o olhos suspirou deixando o seu corpo para aquele homem experiente, fazer o que quer que quisesse com ele. Dione soltou as mãos da moça e começou a acariciar suas nádegas com força, as puxando querendo o corpo da moça o máximo que podia colado ao seu.

- Posso ser sua cúmplice, senhor Dione, mas, não esqueça do que sou capaz de fazer sob pressão! - Sussurrou.

Dione a soltou. Sim, ele sabia muito bem do que era capaz. Os detalhes dessa noite nunca sairiam de sua mente.

- Você tem um estoque de roupas masculinas guardadas? Essa calça me caiu muito bem. - Dione mudou o rumo da conversa. Voltando a sentar na mesa. Abaixar o facho tendo ao seu lado aquela tentação de mulher, era um esforço em tanto.

- Essa calça era do meu pai. Sorte sua que ele tinha o mesmo porte físico que você.

- Queria ter conhecido ele...Pensamento mais tolo. O que diria ao pai dela? Que era um velho galinha, matador que queria desfrutar do corpo da sua filha? Lembrou-se de Marina. Mataria lentamente quem fizesse algo semelhante a ela.

- Não fala isso. Ele era um homem ciumento. Jamais iria me deixar se envolver com você...

__ Acho que não. Eu sempre me dei bem com os pais das minhas namoradas. Com ele não seria diferente. - Dione brincou imaginando o homem com uma espingarda lhe mirando a cabeça.

__ É talvez não. - Falou um tanto concentrada no que fazia.

__ Quer que eu passe o café? Minha filha disse que meu café é muito bom. - Quem sabe fazendo algo que não fosse ficar olhando o corpo da garota clareasse os pensamentos.

- Eu acredito que ainda terei oportunidade de experimentar seu café, mas hoje você não está em condições. Pode ficar quietinho aí.

__ Não vou teimar com você. Caramba! - Dione exclamou alto chamando a atenção da garota.

__ O que foi?! - Lisa perguntou assustada.

__ Hoje é o aniversário de Marina, prometi que estaria presente.

Um semblante de tristeza baixou sobre a face de Lisa, sentia um aperto no peito toda vez que se lembrava que logo teria que partir.

__ Mesmo?! Que bom! - Lisa forçou um sorriso.

__ Hoje minha menina se torna de maior, o tempo passa tão rápido... - Falou com um sorriso em bobo no rosto. __ Parece que foi ontem, eu sentindo ela chutar na barriga de Helena. - O sorriso forçado de Lisa se desfez. Um siúme repentino, ao ouvi-lo falar da ex esposa e imaginar a cena em sua mente, escalou pelo corpo. Se desvencilhou logo daquele pensamento. Afinal, ela era passado.

__ A primeira vez que a peguei em meus braços. A primeira vez que me chamou de pai... Preciso ligar para ela, mas meu telefone está sem bateria. - Dione falou o colocando sobre a mesa.

__ Pode usar o meu... - Lisa
Falou chegando por trás e lhe entregando por cima dos ombros.

Enquanto discava, ela acariciava seu peito com as mãos por dentro da camisa. O telefone chamou até cair. Ligou mais uma vez e de novo foi para caixa postal.

__ Agora eu fiquei preocupado... - Falou com o telefone em mãos.

__ Não se preocupe, o aparelho dela deve estar descarregado. Ligue mais tarde. - Falou dando um beijo no topo da cabeça dele, pegando o aparelho sem bateria e saindo.

__ Vou fazer isso, mas até lá, ficarei com uma pulga atrás da orelha. - Disse preocupado.

__ Escreva uma mensagem lhe desejando feliz aniversário, assim que puder, ela te liga de volta. - Falou colocando o celular dele carregar, com um cabo que pegou na gaveta.

__ Hum, bem pensado... - Falou já começando a digitar.

__ Como se chama esse senhor, Que acolheu Mercedes? - Lisa Falou adicionando alguns temperos numa tigela com uma mistura que tencionava fazer panquecas.

__ Clóvis. Por que?

__ Engraçado... - Tentou lembrar de algo __ É que Sara o chamou de tio por diversas vezes. - Falou começando a bater tudo.

__ Do que você está falando?- só agora lembrará do detalhe da menina.

__ Ela não o chamou de meu tio e sim de tio. Me leva pra casa do tio, moça. Levei ela até um endereço que tinha num papel. Era uma bela mansão!

__ Ela está na casa de um tal de Clóvis Tavares. Acha que é algum apelido dele?

__ Pode até ser, mas eu acho que esse apelido me soa bem familiar... -Falou Lisa pensativa parando com a colher nas mãos.

__ Tente se lembrar. Pode ser importante.

__ Tentar me lembrar? - Falou sorrindo indo até a frigideira despejando a mistura. - Que relevância isso poderia nos ter? - Pensou.

__ Sim. De onde possivelmente ouviu esse nome. Elas podem estar em perigo! - Lisa revirou os olhos um tanto enraivecida. Sério que ainda estava preocupado com elas?!

- Para que queimar os neurônios seu Dione, faça uma rápida pesquisa no Google? - Falou sorrindo, limpando as mãos em um pano de prato.

__ Pode fazer isso por mim?

__ Claro, por que não? - Revirou os olhos indo até ele.

__ Enquanto você pesquisa, eu vou tomar outra taça de vinho. Ele pegou a garrafa e encheu uma taça. Se levantou da cadeira, caminhou puxando a perna até a sala, e sentou pesadamente no sofá. Deu um bocejo profundo. Aquela noite em claro, já estava causando efeitos. Ou seriam os analgésicos?

Lisa o seguiu, e bufou. Ela tinha que pesquisar? Por ela, o assunto "Mercedes" já estava encerrado! Mas, vendo seus olhos cansados... ela se sentou em seu colo.

__ Vamos lá senhor Google, me dê resultados da palavra Tio. - Falou olhando para tela. __ Tio, grau de parentesco... Tio abusa da própria sobrinha... Credo! Não! Não é isso! - Falou passando o dedo na tela rapidamente. Tio do Rap, tio patinhas... Aqui! - Disse com entusiasmo.

__ Achou algo? - Dione perguntou curioso.

__ O tio do tráfico. Eu sabia que já tinha ouvido esse apelido em algum lugar.

__ Como sabe que é ele?

__ Sara me contou no caminho que não sabia o seu nome, mas ouviu alguém lhe chamando de Tio. O tio do tráfico é bem famoso por aqui. A polícia tenta pôr as mãos nele há séculos. Ninguém sabe quem ele é. Essa é uma das poucas fotos tiradas dele... foi tirada de cima e está desfocada.

Dione pegou o celular das mãos de Lisa e estreitou os olhos cansados tentando identificar o que o deixasse mais familiar com quem conhecia e falou decepcionado.

__ O topo da cabeça sem cabelos o denuncia. Tenho quase certeza que é o senhor Clóvis. - Afirmou lembrando automaticamente que o dinheiro em sua mochila poderia ser tão sujo quanto quem o deu.

__ Quer dizer que ninguém sabe quem ele é, e Sara com toda sua inocência descobriu seu segredo? - Lisa esboçou um sorriso. Aquela garota era mesmo muito esperta para sua idade.

__ Não é só ela que sabe, Tenho certeza que Mercedes também sabe com quem está se metendo. - Ele virou o último gole da taça, deu dois tapinhas na coxa de Lisa que entendeu e saiu de seu colo. Ele levantou-se apressadamente indo em direção à porta.

__ O que pensa que vai fazer?

__ Vou até lá. Tenho que tentar colocar um pouco de bom senso na cabeça daquela Espanhola.

__ Ficou maluco?! Acha que vão lhe deixar entrar?!

__ Eu darei o meu jeito.

__ Você não tem sossego?! Tem que parar de se preocupar com os outros e começar a pensar mais em você! - Falou Lisa irritada cruzando os braços diante do peito.

__ Você está parecendo a Marina cuidando de mim. - Falou com deboche. Sabia que no fundo aquele incômodo todo, era um pouco de ciúmes. Lhe deu um selinho. __ Que cheiro de queimado é esse? - Falou fungando.

__ Ai meu Deus! São as panquecas! Eu me esqueci. - Falou correndo rumo a cozinha.

Dione foi até a mesa e abrindo a mochila pegou um maço de dinheiro e o colocou na frente, por dentro da calça.

__ O café vai demorar um pouco mais, seu Dione. Tenho que fazer tudo de novo. - Falou com cara de desânimo pegando a frigideira que soltava fumaça e jogando as duas panquecas queimada no lixo.

__ Seu Dione... - Ela percebeu que não estava mais ali. Ela se virou para a mesa e viu que havia deixado a mochila. Sinal de sua confiança para com ela, e de que com certeza voltaria; além de uma garantia de sobrevivência, caso Neco apareça.

Escutou os roncos dos motores vindo da garagem e o veículo saindo. Pensou por um momento que queria que tudo desse errado por lá, e ele nem voltasse, tamanha a raiva que sentia daquela Espanhola. Porém, benzeu-se rápido e pediu em silêncio que o universo o protegesse de mais essa sandice...

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