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Capítulo 5

Louren

Quarenta minutos se passaram e já estamos fora da cidade. É como se eu tivesse finalmente tirado do meu tornozelo uma corrente que me prendesse àquele lugar e por mais que ainda não tenha chegado a Stonefield já me sinto totalmente livre. Se tudo sair como planejei, chego lá no fim da tarde e Dick vai embora para Deus sabe onde. 

E aí nós nunca mais vamos nos ver.

Graças a Deus por isso! Estou começando a achar que seria bem mais interessante se ele fosse mesmo um assassino. Puxa, esse cara é muito chato. Todas as minhas tentativas de puxar conversa com essa parede desenhada do meu lado foram em vão e tudo que ele sabe fazer é ficar ouvindo Red Hot Chili Peppers no último volume para não escutar o som da minha voz. Eu amo Red Hot Chili Peppers - ou pelo menos amava - mas depois de ouvir Californication 5 vezes seguidas, não aguento mais.

- Dick

Sem que seja novidade, finge que não estou aqui e tamborila os dedos no volante.

- Dick

Ele agora está cantarolando o refrão da música. Sei que é de propósito e sem pensar duas vezes, levo meu dedo até o botão de desligar o rádio. Dick olha para mim na mesma hora e fecha a cara. Tenho certeza de que se tivesse a visão de calor do super-homem a estaria usando muito bem contra mim.

- O que acha que está fazendo? - pergunta, voltando os olhos para a estrada.

- Eu não aguento mais essa música. Você já ouviu 5 vezes seguidas.

- Olha, garota - ele fica alternando entre olhar para mim e para a estrada. - Primeiro, você está aqui no meu carro como uma intrusa, segundo, o rádio é meu e eu posso ouvir a música que eu quiser, quantas vezes quiser, e terceiro, mantenha suas mãos longe das minhas coisas!

Abro a boca para protestar, mas em parte, ele tem razão. Fico calada por uns instantes, só o observando dirigir com a mandíbula tensa e os dedos se apertando com força em volta do volante até os nós ficarem brancos.

- Ah, eu só queria que você trocasse o Cd. - digo baixinho depois de me certificar de que Dick já está calmo o bastante.

Ele resmunga algo que não entendo e passa os dedos pelos cabelos.

- Escolhe um Cd, Louren. Estão no porta-luvas. - fala e isso me faz sorrir.

Abro o porta-luvas e pego quatro caixas de Cd's diferentes. Dou uma olhada em cada um. Nirvana, Guns n' roses, Panic at the disco...

- Não acredito que tem esse! - admiro a capa do álbum Let Go da Avril Lavigne

- Ah, isso era da minha irmã. - diz. - Não curto esse som.

- Está brincando? As músicas desse álbum marcaram minha infância. - tiro o do Red Hot Chili Peppers do rádio.

- Cuidado com isso. - Dick o pega das minhas mãos e guarda na caixa que estava no chão ao seus pés.

Coloco as outras caixas de volta no porta-luvas e ponho Avril Lavigne para tocar. A primeira faixa é Losing Grip e Dick revira os olhos quando ela começa a cantar, mas ele não ameaça desligar ou diz que não quer ouvir. Dick deixa o som rolar, é como se as músicas o estivessem fazendo lembrar de algo ou de alguém especial.

Talvez sua irmã; a dona do Cd

- Sua irmã tem bom gosto pra música. - comento para quebrar o gelo após algumas faixas já tocadas.

- É. Ela tinha.

Saco na mesma hora o que está rolando. O Cd é uma lembrança da sua irmã, que pelo visto, está morta ou que de alguma forma, não existe mais para ele. Não tento entrar nesse assunto, pois sei o quanto é doloroso falar de quem está morto, ainda mais quando esse alguém é importante para você. Então apoio o cotovelo na janela da camionete e admiro a vista, agora ouvindo a música Mobile.

°°°

- Ah, mas que merda! - Dick sai da camionete e eu o acompanho.

Ele abre o capô do carro e a fumaça se espalha. Ponho as mãos na cintura e dou uma olhada por cima de seu ombro. Bom, pelo menos tento dar uma olhada, já que ele é bem mais alto que eu e preciso ficar na ponta dos pés para conseguir ver algo.

- Qual é o problema? - pergunto.

- Não sei, não sou mecânico! - fecha o capô e se vira, fazendo meu rosto ficar na frente do seu peito.

- Ei, cara - me afasto um pouco. - , não precisa falar assim.

- É que às vezes você faz umas perguntas que me dá nos nervos. - passa as mãos pelo rosto.

- Foi mal.

Ele assente com a cabeça, tentando se acalmar.

- E agora? - coloco as mãos nos bolsos. - O que a gente faz?

- Não sei. Precisamos achar um jeito de consertar isso.

- Tem o telefone de alguém que possa ajudar?

- Não tenho nem celular, Louren. - diz impaciente.

- Eu, hein. Você é mais pré-histórico que eu. - comento. - Olha, vi um restaurante aqui perto. Lá deve ter o telefone de algum mecânico.

Saio andando, mas ele permanece ao lado da camionete.

- Você não vem?

- Não vou deixá-la aqui.

Só pode ser brincadeira. Ele tem algum tipo de amor platônico por essa camionete velha e ferrada? Jogo a cabeça para trás e sinto o sol de meio-dia torrar minha pele. Estou exausta, com fome, com sede e a porcaria do carro que vai me levar até Stonefield decide dar uma de soltar fumaça e não quer andar. Aturar um cara que é apaixonado por um carro era só o que me faltava.

- A sua princesa vai ficar bem. Ninguém vai querer essa coisa. - aponto. - Trava as portas e vamos.

- Merda. - resmunga baixinho.

Dick levanta os vidros e trava as portas como mandei. Depois enfia a chave no bolso e me acompanha. O restaurante de beira de estrada não está muito longe, mas esse sol acaba com qualquer um. Tiro minha jaqueta, pois não aguento mais o calor, e a amarro na cintura. Ele pega seus óculos escuros na gola da camisa e os coloca no rosto.

Ele fica bem assim.

- Tem mais um par desses? - pergunto, colocando a mão acima dos olhos para evitar a luz do sol.

- Não.

Dou de ombros e continuamos a caminhada. Minutos depois, avistamos o restaurante e passamos pela porta de madeira que anuncia nossa chegada tocando um sininho. Dick tira os óculos para colocá-los de volta na gola da camisa e diz:

- Vou mijar. - então se afasta.

Depois eu que sou a mal educada. O Sr. Lopez deveria conhecer o Dick, tenho quase certeza de que ele teria algum tipo de ataque e desmaiaria. Falando no pai de Carla, imagino o quanto ele deve estar feliz em saber que ela e eu não vamos mais sair juntas. Deve estar soltando fogos de artifício agora.

Mas discutir com o Sr. Lopez está no meu passado, se tiver muita sorte jamais vou vê-lo de novo assim como Marcus. Balanço a cabeça para afastar tais lembranças e vou até o balcão, onde há uma garota que parece ser mais velha que eu só alguns anos.

- Oi - sorrio. - Você tem o telefone de algum mecânico que possa consertar um carro que ficou empancado na estrada?

- Você tem sorte. O meu primo, Buck, é mecânico. O número dele está naquela agenda. - ela aponta para uma agenda de capa marrom ao lado do telefone no fim do balcão.

- Obrigada.

Vou até lá e procuro pelo nome Buck na letra B. Logo que o encontro, disco os números no aparelho de telefone fixo.

- Alô? - diz uma voz rouca ao atender no terceiro toque.

- Oi. Ah, eu estou com problemas em uma camionete no meio da estrada e sua prima, que trabalha em um restaurante, me indicou você.

- Sim. Pode me esperar aí. Chego em dez minutos.

- Tudo bem. Obrigada.

Ele desliga, então aproveito a oportunidade e telefono para Carla que atende no primeiro toque.

- Louren? É você?

- Sou eu. Como sabia?

- Você disse que iria ligar a cada dez minutos. Estou plantada ao pé do telefone desde às cinco da manhã!

- Desculpa, mas o meu celular ficou fora de área e só agora consegui um telefone.

- Onde estão?

- Bom, se a camionete do Dick não estivesse parada no meio da estrada, soltando fumaça, estaríamos a caminho de Stonefield

- Soltando fumaça? Tiveram problemas com o carro?

- Sim, mas eu chamei um mecânico. - solto o ar pela boca. - Espero que ele possa arrumar isso.

- Com quem está falando?

Viro-me com um baita susto e solto um palavrão ao ver Dick na minha frente.

- O que foi? - Carla pergunta do outro lado da linha. - Ele está tentando te matar?

- Não. Tenho que desligar, Car. Assim que puder, falo com você.

- Tá legal. Se cuida. Se ele tentar te matar, lembra do que eu te falei. Corre!

- Tá bom, Carla. Tá bom!

Ponho o telefone de volta no gancho.

- Estava falando com minha amiga. - disfarço. Acho que ele não deve saber o que minha amiga e eu pensamos dele. - E liguei para o mecânico, ele vai chegar em 10 minutos.

- Certo. - afirma com a cabeça e vai para uma das mesas.

O acompanho e sento na cadeira de frente para ele.

- Acha que o concerto vai custar caro?

- Não sei. - apóia os cotovelos na mesa e se inclina, trazendo o rosto para perto do meu. - Será que você vai parar de fazer perguntas quais eu não sei as respostas?

As palavras brutas e cínicas me fazem levantar da cadeira e sair do restaurante. Esse cara é mesmo um pé no saco. Puta que pariu! Acendo um cigarro, pois meu estresse está me matando e depois que dou algumas tragadas, a porta do lugar é aberta e Dick aparece.

- Não vejo a hora de ser largada por você em Stonefield - falo sem encará-lo e o escuto suspirar.

- Olha... foi mal, tá? - sinto que Dick precisa se esforçar para falar. - Eu não sou muito de conversar, ainda mais quando estou com problemas. - então ele sabe pedir desculpas? - É automático.

Continuo quieta, fumando em silêncio, mas ele diz:

- Posso ouvir sua barriga roncando daqui.

- E daí? - olho para ele e dou mais uma tragada.

- Vamos. Vou... comprar algo pra gente.

- Não precisa comprar nada pra mim - dou as costas.

- Louren, já pedi desculpas. O que mais quer que eu faça? - sinto que ele se aproximou de mim.

- Nada. Tá tudo bem, deixa pra lá. - me viro e passo por ele para entrar na lanchonete.

- Merda. - o escuto resmungar baixinho quando me acompanha logo em seguida.

°°°

Buck, o mecânico, abre o capô do carro e abana a fumaça que sai de lá com a mão direita. Ele faz uma cara feia e pega uma flanela vermelha em seu bolso para enxugar o suor que escorre por sua testa suja de graxa enquanto dá uma olhada no motor da Lady Diana.

- Vocês tão com um problemão. - enfia a flanela de volta no bolso e fecha o capô.

- O que ela tem?

Me seguro para não rir. O que ela tem? Alguém diz para ele que ela é um CARRO!

- Secou a água no radiador.

Buck cruza os braços e se encosta no para-choque. Dick passa os dedos pelos cabelos e balança a cabeça.

- Quanto vai custar? - ele pergunta.

- Não sei. Só posso dizer quando terminar o serviço.

- Vai demorar? - me intrometo na conversa.

- Um dia, dois...

- O quê? Dois dias? - Dick se desespera. - Pra ajeitar só isso?

- Vou tentar terminar o mais rápido que puder. Mas acontece que o seu carro não é o único esperando conserto, rapaz. - Buck explica. - E o que custa esperar um dia? Conheço um hotel aqui perto. É barato e fica no caminho da minha oficina. Deixo vocês lá.

- Dick - seguro seu braço o fazendo olhar para mim. - , nós podemos ficar em um hotel? Não tenho dinheiro para isso. Não quero...

- Lou, fica quieta! Eu resolvo. Aliás, eu já me meti nessa confusão com você mesmo.

Ele tira minha mão do seu braço e volta-se para Buck, me ignorando e me fazendo sentir inútil pela décima ou vigésima vez em menos de 2 horas. Porém, ele ter me chamado de Lou é o que me deixa mais irritada.

- Não disse que podia me chamar de Lou! - digo.

Ele só se vira para me encarar, então coloca seus óculos de sol na frente dos olhos e volta a fazer o que estava fazendo.

Me ignorar.


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