Capítulo 4
Louren
Já tenho quase tudo planejando para minha partida. O dinheiro que tenho guardado vai me manter por alguns dias em uma cidade nova, Carla me deu uma das suas bolsas de viagens que vai sevir para minhas pouquíssimas roupas e só preciso de um transporte. Eu poderia comprar uma passagem de ônibus para qualquer lugar, mas meu dinheiro é contado. Uma passagem me tomaria metade do que tenho. Por isso, preciso de alguém que me leve para fora daqui de graça. E eu já sei quem vai fazer isso.
Entro no bar e as pessoas olham para mim como se eu fosse uma criancinha. Tenho vontade de subir em cima de uma dessas mesas e mostrar minha identidade. Um homem careca me fita e faço uma cara feia para ele. O homem vira o rosto imediatamente e sorrio triunfante.
Vejo que Dick está sentado a uma mesa nos fundos do estabelecimento e caminho até ele. Sua vista está concentrada na garrafa de cerveja na sua frente, mas então levanta a cabeça e me encara quando me aproximo. É claro que ele me assusta e ainda acho que seja um estuprador, mas sei que ele é minha única chance. Além disso, quem não arrisca, não petisca. Odeio essa frase.
Ele aperta os olhos da mesma forma como fez quando conversamos na calçada e digo:
- Posso sentar aqui? - ponho a mão no encosto da cadeira de frente para ele.
- Pode. - dá de ombros. - Senta aí. - leva a garrafa até os lábios.
- Valeu. - puxo a cadeira para me sentar.
- Qual é a sua? - dispara.
- O quê?
- Qual é a sua, garota?
- Eu não entendi. - balanço a cabeça. - O que quer...
- Você praticamente fugiu de mim na última vez que nos falamos e agora você está aqui. - me interrompe. - O que você quer?
- Tá legal. Vou direto ao ponto. - respiro fundo. - Você disse que ia sair da cidade. Quero que me leve com você.
- Você é doida. - ri e toma mais um gole da sua bebida.
- Não. Estou falando sério. Preciso sair da cidade, você é minha chance. - passo os dedos pelos cabelos.
- Por que não compra uma passagem de ônibus?
- Não tenho dinheiro pra uma passagem. Preciso que me leve com você de graça. - junto as mãos sobre a mesa. - Por favor.
Dick só me encara por mais tempo do que esperava e então joga a cabeça para trás e solta um grunhido. Seu pomo de Adão se mexe quando engole em seco e vejo o desenho de uma âncora na lateral do seu pescoço.
- E então? - pergunto.
- Tá bom, Louren. Tá bom. - esfrega o rosto com as mãos. - Eu levo você.
Respiro aliviada.
- Obrigada. - sorrio.
- Mas presta atenção - aponta para mim. - , vou te largar na primeira cidade em que pararmos e aí você se vira. Saímos no sábado às cinco da manhã. Vou estar no posto de gasolina.
- Sim. Claro. Está ótimo!
- Beleza. Agora sai da minha frente antes que eu mude de ideia.
- Tá legal. - ergo as mãos na frente do corpo para me defender. - Já vou. Já vou.
Me levanto, mas antes de ir, olho para ele uma última vez e digo:
- Obrigada.
Dick dá um pequeno aceno de cabeça e então, me viro para sair.
°°°
Nem quero ver o ataque que Carla vai dar quando souber que vou sair da cidade com um cara que não conheço e que desconfio que seja um assassino.
- Você o quê? - ela arregala os olhos. - Está ficando doida?
- Car...
- Nada de Car! Você não vai sair da cidade com um cara esquisito tatuado!
- Eu preciso...
- Ele pode ser um maníaco. Você está querendo fugir do Marcus, mas pode estar se metendo com alguém muito pior!
- Olha, eu confesso que Dick me assusta um pouco e ele tem cara de quem já matou alguém, mas é minha única chance.
- Lou, você é pirada. - ela se encosta na parede de trás do Jona's.
- Eu sei. Mas...
- É a sua chance. - afirma com a cabeça. - Eu entendi.
Ficamos em silêncio.
- Quando você vai? - ela pergunta.
- No sábado de manhã.
- Já?
- Sim.
- Promete que vai me manter informada?
- É claro. Ele vai me deixar na primeira cidade em que parar. De lá eu sigo.
- Lou, se ele tentar te matar, você corre o mais rápido que puder. - Carla segura meus ombros. - Eu te amo. - me abraça forte.
- Eu te amo, Car. Muito.
°°°
Hoje é meu último dia de trabalho no Jona's. Minha última sexta-feira atendendo mesas cheias de adolescentes que saíram da aula e correram para cá para tomarem milk-shake e comerem batata frita.
Coll entra na lanchonete com uma rosa vermelha na mão e sorri para mim. Aceno para ele que se aproxima. Então digo:
- Isso é pra mim? - finjo surpresa. - Não precisava. - tento pegar a rosa, mas ele a leva para longe da minha mão.
- Sai fora, Louren! - diz. - Onde está a Car?
- Está na cozinha, mas você não pode entrar lá com essa rosa de cemitério - rio.
- Não é de cemitério! - protesta. - Eu comprei.
- Eu sei, Coll. Estou brincando.
Nós dois rimos e ele diz:
- Carla me disse que você vai embora. É verdade?
- Aquela fofoqueira!
- Lou, ela não fez por mal. Ela só está preocupada.
- Eu sei. - digo por fim. - Mas eu vou sim. No sábado. E vê se vocês dois não contam isso pra mais ninguém! - aponto.
- Tá legal. Já entendi.
- Coll! - Carla grita ao sair da cozinha.
Ela corre até ele e o abraça como se o destino da humanidade dependesse disso. E então, se beijam. Típico. Coll lhe entrega a rosa e ela o beija de novo.
- Já saquei. - digo, mas eles não me ouvem. - Estou de vela.
Volto a atender as mesas, mas meus olhos sempre avistam o casal apaixonado e o desejo de ter alguém que sinta por mim o mesmo que Coll sente por Carla, aparece de repente.
À noite, antes de minha amiga e eu saímos, dou um abraço em Jona que olha para mim com dúvida quando me afasto.
- O que está acontecendo, Louren?
- Nada, Jona. - pisco para conter as lágrimas. - Só quero agradecer por sempre ter me ajudado e me apoiado. Obrigada.
- Sabe que sempre pode contar comigo. Se estiver com qualquer problema, vou ajudar.
- Se tudo der certo, meus problemas acabaram.
- Você vai aprontar alguma, menina. - cruza os braços.
- Não. Só vou tentar ser feliz.
- Eu nunca mais vou vê-la, não é?
É incrível como Jona consegue sacar as coisas.
- Talvez um dia a gente se encontre.
- Talvez um dia. - ele beija minha testa. - Se cuide.
Assinto com a cabeça e Carla passa seu braço pelo meu. Andamos as duas pelas ruas assim, como sempre fazemos. Só que essa é a última vez.
°°°
Carla queria que eu passasse a noite na casa dela e fizéssemos uma festa do pijama de despedida, mas Marcus ia desconfiar se eu não voltasse para casa, então decidi passar a minha última noite na cidade sem levantar nenhuma suspeita. Fiquei com Carla até umas horas e nós choramos como duas garotas de TPM que tinham acabado de assistir Um amor para recordar. Ela me fez jurar que iria ligar a cada dez minutos e me deu sua pulseira com um pingente de coração para que eu sempre soubesse que podia contar com ela. Cheguei em casa um pouco tarde e com os olhos inchados, mas o idiota do Marcus não deu bola. Lavei as louças, varri tudo e subi para o sótão. Coloquei dentro da bolsa de viagem minhas roupas, escova de dentes, absorventes, sabonete... tudo que achei que fosse preciso e a escondi debaixo da cama. Não consegui dormir, tive medo de que Marcus entrasse no meu quarto e visse minha mala e tentasse me matar. Por isso não pregei o olho a noite toda.
Agora, às quatro da manhã, estou com olheiras e não consigo parar de bocejar. Visto minha regata preta e um short jeans rasgado. Calço minhas botas de cowboy e coloco minha jaqueta marrom. Pego todo o meu dinheiro dentro da lata de biscoitos escondida debaixo da viga de madeira do piso e enfio no meu sutiã. Por último, puxo minha bolsa que está embaixo da cama e coloco a alça sobre o ombro. Abro a porta sorrateiramente e dou uma olhada no corredor. A barra está limpa. Desço a escada velha com todo o cuidado para que a madeira não ranja e meu coração para no segundo em que vejo Marcus deitado no sofá. Engulo em seco e prendo a respiração. Ele está roncando e o chão ao seu redor está cheio de garrafas de bebidas e baseados. Relaxo. Quando ele acordar estarei bem longe.
Vou até a porta, ainda mantendo silêncio, e giro a chave na fechadura devagar. Um click é ouvido e giro a maçaneta. Abro a porta e saio. Faço outro esforço medonho para fechar a porta sem fazer barulho, mas quando saio de perto dessa casa e atravesso a rua, um sorriso se estampa em meu rosto. Estou quase lá.
Corro para o posto de gasolina e de longe avisto Dick enchendo o tanque de uma camionete vermelha. Ele está usando uma camisa branca com o desenho de uma mão estampado na frente mostrando o dedo do meio, permitindo que as tatuagens dos seus braços fiquem expostas, e um cigarro apagado está entre seus dentes. Quando me aproximo, ele coloca a pistola de gasolina de volta na bomba e tira o cigarro da boca.
- Hey. - faz um acendo de cabeça para mim, que retribuo.
- Oi. - seguro com força a alça da bolsa em meu ombro.
Ele olha para meu rosto, mas sua visão vai até minhas botas marrons. Então Dick solta uma risadinha.
- O que foi? - olho para meus pés.
- Nada. - ele abre a porta do carro e vai para o banco do motorista. - Só que você está parecendo a garota do Footloose. Entra aí.
- Footloose? - pergunto.
- Vai entrar ou não? - liga o motor.
Reviro os olhos e entro na camionete. Jogo minha bolsa no banco de trás e ponho o sinto de segurança. Olho para frente e respiro fundo.
A minha vida finalmente vai mudar. Por mais que esse cara do meu lado esteja me metendo o maior medo, sinto que tudo vai mudar.
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