MARCO ZERO
— Então você foi a festa! — Um garoto alto e corpulento surgiu na frente de Antônio que usava óculos escuro e ainda estava com a falta das lembranças do que havia acontecido no dia anterior.
— Fui... Foi demais! Você perdeu Rael... — Antônio estava entusiasmado, embora não conseguisse demostrar isso. — Mas como você sabia?
— Olivia me contou... Também disse em detalhes que você humilhou Marcela na frente de todos e passou o rodo em geral!
Antônio tentou pescar essas lembranças, mas nada vinha a sua mente.
— Se eu não lembro, não aconteceu...
Rael fechou o rosto, puxou o celular e mostrou algumas fotos ao amigo. Antônio não conseguia acreditar que fizera tudo aquilo.
— Quem enviou essas fotos?
— Olivia, não ficou claro? Ela disse que era a única sã o suficiente para lembrar de registar esses momentos... E você se soltou em... — Rael bateu com o cotovelo no ombro de Antônio, enquanto continuava a ver as fotos.
— É... — Antônio se sentia envergonhado.
— Não precisa explicar... — Rael esboçou um sorriso. — Você ficou bem mais solto depois que contou ao seu pai que é bi...
— Sim... — Antônio concordou, embora não pudesse dizer que contara ao pai o seu grande segredo.
Desde o ano passado o garoto se descobriu como bissexual, demorou alguns meses para aceitar, tentou até mudar o que sentia por alguns garotos, mas era impossível, isso era dele, não havia o que fazer.
O sinal tocou.
— Tenho que ir... Minha prova de Química é agora! — Rael guardou o celular no bolso.
Antônio arregalou os olhos quando se lembrou da prova, precisava de 3 para passar direto, caso não conseguisse deveria tirar cinco na prova final.
— Eu tenho prova no segundo horário... E não estudei! — O pânico tomou conta de Antônio. — O que eu vou fazer?
Rael abriu sua mochila tiracolo e puxou umas anotações.
— Estudar... Essa é a sua única opção! Te vejo no intervalo!
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Antônio seguiu as dicas de Rael e ficou lendo e relendo as anotações do amigo durante toda a aula de redação, a sua cabeça só pensava em não decepcionar o pai.
Quando o sinal bateu, sua ressaca parecia ter ficado com medo da situação e sumiu, no lugar ficou o nervosismo. Antônio suava feito um porco, tanto que a lapiseira não conseguia ficar parada em sua mão.
— Guardem todos os aparelhos celulares e vamos começar a prova! — anunciou a professora entrando na sala. — Como dito antes, essa prova não terá segunda chamada, então quem perder irá direto para a final! O resultado será dado imediatamente após o término da avaliação!
Antônio tivera um mini infarto. Receberia o atestado de óbito pouco depois da morte, que notícia maravilhosa.
As provas foram entregues e todos estavam focados em suas questões, exceto por Antônio, o garoto lia as expressões de balanceamento e não conseguia entender o tanto de setas, letras e números. Batia a lapiseira na mesa, balançava a perna agitado, mas nada lhe trazia uma luz divina. Foi então que ele teve uma brilhante ideia, iria ter a ajuda dos colegas!
A professora estava sentada na mesa mexendo no celular, provavelmente jogando candy crush, ela não iria percebe-lo olhando para o lado ou para frente. Antônio deu uma esticadinha de pescoço e conseguiu olhar a prova de uma garota a sua frente, sem nem pensar duas vezes começou a passar todas as respostas. A garota levantou a mão, chamando a professora, e num reflexo preciso Antônio voltou a olhar para sua prova, como se a estivesse resolvendo.
— Muito bem Maria, nota 10 como sempre! — A professora escreveu a nota na prova e deu um sorriso de satisfação, o mesmo que Antônio dera quando ouviu a nota de Maria. O garoto se sentiu aliviado, já não precisava mais se preocupar com sua nota.
Antônio nem esperou a professora voltar a sua mesa, já levantou o braço apressado. A docente deu meia volta, sacou o celular e leu o código QR ao lado do gabarito da prova do garoto, sem dizer nada a professora sacou a caneta vermelha e desenhou um grande zero na prova de Antônio.
— Estude da próxima vez Antônio! — A professora deu as costas. — Já pode ir! — Alertou a docente enquanto Antônio tentava entender como conseguira tirar zero colando da garota que acabara de fechar a prova.
Antônio viu Maria partir em sua frente e não fez outra coisa senão sair atrás da garota, assim que estavam do lado de fora da sala o garoto comparou as respostas, estavam iguais, então como...
— Gabaritos diferentes, a ordem das questões está alterada... — Alertou Maria. Antônio se achou ainda mais imbecil.
O sinal tocou e o garoto só pensava em como seu pai reagiria a tal informação, isso é... Se ele contasse.
— E então? — Rael apareceu ao lado de Antônio. — Como foi?
Antônio não disse nada, se jogou na parede e deslizou até o chão, virou a folha com um grande ZERO no topo e fez de tudo para não ver a reação do amigo.
— Isso quer dizer que...
— Eu estou ferrado Rael! FER-RA-DO! — Antônio se entregara ao desespero, não conseguia pensar em mais nada a não ser a voz do seu pai berrando.
— Não é tão ruim assim, você pode fazer a prova final e substituir a nota dessa prova...
— Mas meu pai não vai pensar assim! E além do mais, eu vou precisar de um cinco! Já não consegui com três! — Antônio estava com raiva de si mesmo.
— Ahhh... Você só está fazendo drama, seu pai não surtou quando você disse que era bi, por que surtaria por você ter perdido uma matéria? — Antônio se lembrou da pequena mentira que contou há um mês para o amigo.
— Verdade, isso se eu tivesse contado a ele...
— O quê! Espera... Você não contou? — Rael estava incrédulo. — Você sabe que seu pai odeia mentiras, então...
— Eu sei... É só que... Ele acha que eu sou perfeito, não quero decepciona-lo. — Antônio levou as mãos ao rosto e sentiu o mundo desabar em suas costas.
O conselho de Rael, embora clichê, foi muito útil e encorajador para Antônio.
— Você está certo! Vamos contar ao meu pai! — O garoto se levantou num sobressalto.
Quando os dois já estavam do lado de fora tirando as bicicletas dos cadeados uma voz feminina chamou ao longe:
— Ra!
Antônio reconheceu a voz e encarou Rael cético.
— Não diz que...
— Foi mal, esqueci que marquei de assistir um filme com ela...
Embora Antônio não tenha gostado nada da notícia tinha de aceitar que o amigo namorava a garota mais chata do colégio.
— Tudo bem... Só mantém ela longe de mim... — sussurrou Antônio montando em sua bicicleta e saindo antes que Olivia chegasse mais perto. — Qualquer novidade eu te ligo!
Rael assentiu com a cabeça e correu para falar com Olivia.
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À medida que Antônio pedalava um frio tomava conta do seu corpo, começando na barriga, indo até as pernas, tornando as pedaladas cada vez mais pesadas, e por fim chegando à cabeça. Ele parou a bicicleta na altura do bosque da cidade, não havia ninguém passando por ali, apenas os passarinhos que sobrevoavam o lugar e o vento que tocava a mais linda das canções.
Antônio se sentou no meio fio do passeio e olhando para o bosque pensou se deveria mesmo voltar para casa. Por que não adentrar o lugar, fazer uma casa na árvore e viver ali para sempre? Afinal, ele poderia viver das plantas, não poderia ser difícil, pelo menos não mais do que a vida civilizada.
Sua mente devaneava entre soluções, todas pareciam igualmente imaturas e a real resposta sempre parecia ser o conselho dado por Rael. Querendo ou não uma hora ele teria de falar com o pai. E por que não agora? Montou na bicicleta outra vez e voltou a pedalar para casa, antes que sua mente o traísse novamente.
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Antônio estava paralisado a porta de casa, a maçaneta a centímetros da mão, um movimento simples a abriria, mas naquele momento parecia ser o mais difícil a se fazer. Antes de abrir a porta o garoto tirou a prova da mochila e treinou as melhores formas de dar a notícia ao pai:
"Boa tarde pai... E então... Vai voltar para o trabalho que horas? Queria lhe dar uma notícia...Ahhh... Eu perdi em química..."
"E aí pai, tudo bem? Perdi em química!", com os olhos fechados para não fitar a reação de desprezo do pai.
Nenhuma das situações imaginadas por Antônio parecia terminar de um bom jeito, então lhe restava ser o mais natural possível e talvez não terminasse tão mal quanto imaginava.
A porta abriu e o pai de Antônio estava ali parado.
— Pai, eu...
— Entre! — O pai estava com o rosto embirrado. — Precisamos falar sobre isso! — O homem mostrou o celular com uma foto de Antônio na festa do dia anterior, as mesmas fotos que Rael lhe mostrou mais cedo.
Antônio escondeu a prova e entrou sem dizer uma palavra.
— Você me disse que teria uma prova hoje, achei que você estivesse estudando ontem, mas...
— Pai, eu posso explicar...
— Não me venha com suas mentiras... hupf — bufou o pai em decepção. — Me mostra sua prova! — Ordenou o pai.
— Ainda não saiu... — Antônio tremia, em nenhuma das situações imaginadas pelo garoto algo tão ruim poderia acontecer.
— VOCÊ ESTÁ MENTINDO OUTRA VEZ! — O pai jogou o celular com força no chão. — A professora de química me ligou e disse que você foi para a final... Só perguntarei mais uma vez: Qual foi a sua nota na prova de hoje?!
Antônio tremia dos pés a cabeça, suava em lugares que nem sabia que era possível, os olhos mal conseguiam focar os do pai de tamanha vergonha que sentia. Sem dizer uma palavra ele mostrou a avaliação.
O homem fitou o enorme zero vermelho e por um segundo Antônio não conseguiu decifrar o pai, apenas dobrou a prova e a enfiou no bolso da calça.
—ENTÃO É PARA ISSO QUE EU TE CRIEI? — O pai balançou a prova, Antônio não soube o que dizer, mas não demorou muito até ele ordenar em raiva: — FORA DAQUI!
— O quê?! O senhor está me colocando para fora de casa? — Antônio estava incrédulo, oficialmente aquilo era bem pior do que qualquer situação imaginada pelo garoto.
— Eu vou trabalhar, quando voltar não quero vê-lo aqui! — O pai pegou sua pasta de couro preto e saiu bufando.
Antônio ficou ali parado, estava em choque. Para aonde iria? E por quanto tempo?
O garoto pegou o celular e ligou para Rael, mas todas as três tentativas caíram no correio de voz. O amigo provavelmente estava muito ocupado com Olivia, e parando para pensar melhor Antônio chegou à conclusão de que ela enviou a foto para seu pai, afinal, com as informações que tinha ela era a única suspeita.
O garoto ficou ali com o celular na mão, subindo a agenda de contatos. Quem mais poderia lhe ajudar? O dedo de Antônio parou sobre o nome de Elisa, a tia que morava em Salvador, essa era a única pessoa que poderia lhe dar suporte naquele momento.
Mal precisou chamar e sua tia atendeu com sua voz quente e acolhedora:
— Anti! Há quanto tempo que você não vem me visitar!
— Tia Elisa... — A voz de Antônio saíra embargada. — Preciso da sua ajuda.
— O que foi Antônio? — A voz da tia tinha preocupação ao perceber a tristeza na voz do sobrinho.
— Meu pai me expulsou de casa após descobrir que sou bissexual...
— O QUÊ! — A tia exclamou tão alto que o garoto precisou tirar o celular de perto do ouvido. — VOU LIGAR PARA ELE AGORA!
— Não tia... Ele quebrou o celular e não vai ser bom conversar com ele agora!
— Sua mãe não iria gostar de nada disso... Se ela descobrisse o que ele fez, só porque... Uffff... — Mara respirou fundo.
— Tia eu só preciso de um lugar para poder dormir, posso ir para sua casa?
— Claro, vou aí te buscar. Chego em uma hora! — A tia desligou o celular.
Antônio correu para o quarto e colocou as peças de roupas favoritas dento de uma mochila. Ficou na frente da casa a espera da sua tia.
O garoto ficou ali parado olhando a casa a frente e a felicidade da família que ali vivia. Se jogou no meio fio e durante dois segundos não pensou em nada, mas voltou a desejar ter uma segunda chance de mudar tudo.
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Sem nenhum aviso prévio tudo escureceu, Antônio estava tão imerso em sua mente que se quer estranhou aquele fato. Deixou que o sol sumisse e uma névoa estranha tomasse conta da rua. O garoto se levantou e olhou para todos os lados a procura do que estivesse causando aquilo. Correu para a direita, mas nada mudava a paisagem medonha, correu para a esquerda e o desespero de estar em um lugar estranho tomou conta de Antônio.
— Ei! Isso não tem graça! — gritou o garoto para quem quer que estivesse ali entre a névoa tenebrosa.
Ninguém respondeu, mas a névoa começou a diminuir, a rua voltava a sua normalidade, o sol de San Pelou ainda escaldava, a casa da família feliz do outro lado da rua continuava dando inveja. Mas tinha algo diferente, sua mochila estava mais inchada do que ele se lembrava. Aproximou-se lentamente e, com um certo receio, abriu a mochila puxando uma estranha caixa de dentro. Era toda preta, com um desenho em sua tampa.
Abaixo o nome Jera.
Antônio, sendo cauteloso, jogou a caixa para o outro lado da rua, afinal, não sabia ele o que poderia sair dali. O garoto voltou a se sentar a espera da tia, enquanto isso, fitava a caixa misteriosa.
Se passaram dez minutos em que Antônio fitava a caixa e nada de especial acontecera, foi então que ele tomou coragem para abri-la. Atravessou a rua a passos largos, pegou a caixa nas mãos e a abriu, o garoto espera por um brilho, uma musiquinha ou até mesmo a névoa que trouxe a caixa, ao invés disso ele recebeu apenas um cheiro de mofo.
Dentro, repousado num tecido acolchoado, havia um anel dourado com três entalhes verde no centro. Antônio o pegou e colocou no dedo anelar direito, olhou a mão por algumas vezes e ficou satisfeito pela joia caber perfeitamente.
Não tardou muito até que algo de estranho, tão aguardado por Antônio, acontecesse. O anel apertou ainda mais seu dedo anelar e os entalhes verdes piscaram lentamente. O garoto tentou arrancar a joia do dedo, mas todos os seus esforços eram em vão, no desespero, e num movimento desordenado, os entalhes verdes giraram no sentido anti-horário, pararam de piscar e o anel afrouxou do dedo de Antônio, o garoto o tirou no mesmo segundo, mas se arrependeu depois que tudo ficou esbranquiçado.
Novos capítulos todo domingo às 20:00 horas.
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