Não enlouqueça
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Acordei abrindo os olhos de repente, como se sequer tivesse dormido. Tive o mesmo sonho de todas as outras vezes, eu sozinha no meio de um oceano parado, meu corpo não se movia, eu não conseguia sair da agua e muito menos conseguia me afogar, meu corpo todo estava de baixo d'água, meu rosto ficava virado para cima por horas, encarando um céu nublado que mais parecia que traria uma tempestade monstruosa a qualquer segundo.
Nada nunca mudava, o mesmo sonho, a mesma posição, a mesma respiração dificultada. A água salgada tampava meus ouvidos, cobria minha boca deixando meus olhos e meu nariz de fora apenas.
Eu odeio esses pesadelos. Durante muitos dias eu acordei desesperada, em busca de ar e chorando, mas agora pode-se dizer que me acostumei. Como muitas dores, nós não esquecemos, nós nos acostumamos.
Tombei para fora da cama, é cedo e a porra da escola estaria me esperando.
Já faz uma semana que estou de volta, e é insuportável ver como nada aqui mudou. Talvez eu devesse ter ficado longe mais tempo...
Tomei um banho quente, lavei o cabelo e escovei os dentes antes de sentar nos degraus da frente de casa para esperar por minha gêmea. Charlie não estava então tomei a liberdade de acender um cigarro antes do longo dia entediante de uma comum sexta-feira nublada. Eu até que senti falta do verde, das chuvas, e da necessidade de um ou dois casacos. O inverno perpétuo, apesar de tudo que ele me lembra, ainda é meu clima favorita. Dei uma longa tragada no meu cigarro e relaxei na escada sentindo a onda de nicotina me domar. Ajeitei meus cabelos de forma que a lateral raspada ficasse escondida, não quero ter que lidar com comentários idiotas nem hoje nem nunca.
— Você não vai parar mesmo, não é?— a voz de Bella chegou á mim enquanto eu a ouvia trancar a porta, bufei de cansaço.
— Não vou poder continuar, isso é certo. Estou aproveitando meu ultimo maço.
— Ah, o que te fez mudar de ideia?— Isabella desceu as escadas e me encarou confusa enquanto eu me levantava. Ela sabe que não é por causa dela.
— Cidade pequena, Bella. Não quero que Charlie descubra que eu estou fumando, mesmo que Renée talvez tenha lhe deixado com uma pulga atrás da orelha quando eu aceitei vir para cá.— fomos até a picape e nós duas pegamos na maçaneta do motorista ao mesmo tempo. Nos encaramos e eu bati na sua mão, o cigarro entre meus dentes.
— É minha vez, você dirigiu a semana toda!
— E daí? A semana ainda não acabou.— entrei no carro girando as chaves entre os dedos, ignorando os protestos de Bella, batendo na minha janela.— Se você não entrar agora eu vou te deixar aí!— gritei para que ela me ouvisse por cima do motor engasgado da picape. Bella não demorou a se convencer de que eu estava falando sério.
— Eu dirijo na volta!— ela anunciou batendo a porta ao entrar e colocando o cinto.
— Claro, madame.
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Eu não estava trabalhando com os Newton em sua loja esportiva como minha irmã, mas como eu odeio ficar sozinha em casa, por toda a tarde eu ficava na loja com eles, ajudando uma coisa ou outra.
Bella e Mike conversavam no balcão — o que basicamente quer dizer Mike falando e Bella fingindo escutar — quando dois alpinistas entraram na loja, ofegantes e falando alto.
— ...Você ficou sabendo do urso da montanha?— questionou o mais alto de cabelos escovinha e de um belo bigode, parecendo até empolgado.
— Urso? Não seja ridículo, você também não!— esbravejou o menor como se o assunto fosse algo há muito saturado, achei graça do troncudinho que parecia ter certa dificuldade com seu casaco, tendo que arregaçar bastante as mangas para encontrar suas mãos rechonchudas.
— Ah, então você também ouviu falar. Um amigo de um amigo meu diz que quando foi escalar por essa região, viu um urso enorme correndo na direção dele, estou falando sério— disse o altão quando o amigo fez um gesto de pouco caso— meu amigo diz que esse colega dele não é de mentir, e ele pensou que fosse ser devorado, na hora do pânico soltou a corda de segurança e teve uma queda livre de quase dez metros até conseguir se segurar de novo.
Eu parei de ouvir na hora, tão desacreditada quanto o alpinista mais baixo. Arrumei uns folhetos na bancada e vi que Bella estava prestando atenção na conversa dos clientes, achei estranho, mas não comentei nada, talvez ela fosse se oferecer na compra do que quer que eles estivessem procurando.
— Rebecca.— Mike me chamou para trás do balcão com seus grandes olhos azuis.— eu sei que você não trabalha aqui...
— Mas?— incentivei quando ele não pareceu fazer menção de continuar.
— Pode levar esses sacos de lixo, por favor?— ele apontou três sacos pretos escondidos sob o balcão.
— Claro, eu nunca faço nada mesmo.— dei de ombros e arregacei as mangas do meu casaco mais fino, levantando os sacos. Dois eram bem leves, o terceiro que eu precisei de um pouco mais de força. Fui para os fundos da loja e empurrei a tampa do latão de lixo jogando os três sacos sem dificuldade.
Bati as mãos como que para tirar a poeira e franzi o nariz ao puxar a tampa do lixo de volta. Olhei para o céu nublado, entediada. Por um segundo me senti observada e olhei ao redor com certa ansiedade, entre as arvores, aos fundos da loja, vi um vulto, sem conseguir identificar mais nada fora as cores branco e vermelho.
Aquilo me deu um arrepio na espinha familiar, não entendi muito bem o porquê, mas ainda assim voltei para dentro da loja apressada, com o rabo entre as pernas. Fechei a porta e me encostei nela como que para me certificar de que permaneceria fechada. Não passou um segundo para que eu pensasse melhor e me sentisse uma idiota com aquele pressentimento ruim, ri de mim mesma e balancei a cabeça.
Foi coisa da minha cabeça.
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— Aonde é que você está indo?— perguntei para Bella, irritada com o caminho familiar que ela estava fazendo. Este que daria direto na casa "daquele que não será mais nomeado".
— Preciso ver uma coisa.— murmurou ela, alheia á mim.
— Bella, vamos para casa, está ficando tarde.— tentei conter o nervosismo, sem tentar de fato.
— Espera, Rebecca, eu preciso fazer isso.
— Isabella, dê meia volta agora mesmo!— exigi, e Bella passou a entrada discreta entre as arvores para a minha surpresa e o relaxamento dos meus membros. Logo não entendi para onde mais ela poderia estar indo até ela encostar o carro no meio fio depois de uns dez metros. Ficamos em silêncio um momento até ela desabar.
Bella encostou a testa no volante e chorou, chorou alto e sem pausa e eu me senti impotente, não fazia ideia de como ajudá-la.
— Eu preciso ver ele.— ela disse, a voz repleta de dor enquanto sua cara pressionava a buzina. Ela falou em voz alta, mas não era para mim.
Hesitante, passei a mão nas suas costas. Eu não conseguia ver ela desabar sem sentir um aperto no peito também. Mordi o lábio inferior enquanto segurava minhas lágrimas.
— Eu sei.— sussurrei. Tirei meu cinto e deslizei no banco para o seu lado, Bella se jogou encima de mim e me abraçou com força enquanto chorava, eu não falei nada, pois se falasse muito provavelmente desmoronaria também, e eu não chorava por ele havia dois meses. Eu me prometi isso. Mas... Deus, isso parecia impossível a maioria das vezes.
— Ele disse que sempre me amaria á sua maneira... que diabos significa essa merda? Por que... por que? Se ele me ama por que me deixou?— ela balbuciava enquanto eu trincava os dentes tentando manter alguma postura digna.
O irmão dele pelo menos se importou em dizer que sempre amaria Bella. Por que ele teve que dizer pra mim que "não"?
Por que? Por que? Eu mesma não deixei de me fazer a mesma pergunta todo esse tempo.
— Eu não sei.— disse acariciando os cabelos de minha gêmea enquanto encarava sua janela, inexpressiva.— Eu não sei.
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Voltei dirigindo já que Bella se encontrou incapacitada durante muito tempo e a chuva começou a engrossar. Puxei o freio de mão na nossa vaga em frente de casa, no entanto nenhuma de nós duas fez menção de descer o carro.
— Talvez eu precise de uma ajuda com meu dever de geometria, você..
— Será que essa dor algum dia passa?— Bella perguntou, interrompendo-me. Eu encarei seus olhos castanhos inchados e seu nariz vermelho e dei de ombros.— Como você consegue ser tão forte?
— Eu não sou forte.— rebati, confusa.
— Mas também não é fraca como eu.
— Do que está falando, Bella? Você não é fraca, só está magoada. Cada um encara isso de um jeito.
— Eu estou enlouquecendo, Rebecca.— ela disse baixinho com os olhos se enchendo de lágrimas. Fiquei com as mãos atadas de novo, como eu ia socorrer ela se não estava fazendo isso nem por mim mesma? Eu tenho que ter forças para poder ajudar os outros. Pela Bella. Respirei fundo.
— Você não está enlouquecendo, Bella.— comecei sem saber bem como continuar. O que eu gostaria de ouvir nessa hora?
— Eu vi ele. Eu o ouvi.— Bella disse antes que eu tivesse sequer um flash de ideia. Congelei no banco e fixei os olhos no para-brisa que levava uma surra de gotas gordas de água.
— O-o que v-você disse?— gaguejei, não pude evitar.
— Eu o vi.— repetiu, chorando de novo.
— Como? Onde? Quando? Como?— disparei surpresa.
— Dois dias antes de você voltar para casa, eu saí com Jess.— ela soluçou— tinha uns homens em motos... eu achei que os conhecia então fui até eles... mas aí ele apareceu, me mandou parar... voltar para— fungou— para Jess...— mais soluço— e disse que eu tinha prometido a ele me manter que me manteria a salvo... então eu recuei.. e-e ele desapareceu de novo.
A encarei, confusa e assustada.
— Você teve uma alucinação?
— Eu não sei!— ela tremeu— Eu não bebi, não me droguei. Eu estava bem. Fiquei confusa, no começo, mas era ele, Becca... era Edward.— estremecemos quando ela pronunciou o nome. Pensei que fosse tanto proibido para mim quanto para ela mencionar qualquer um dos rapazes.— a voz dele era tão clara, como... como se ele tivesse sussurrado no meu ouvido.
— Por que você acha que isso aconteceu...?
— Eu não acho. Aconteceu.— ela afirmou me olhando séria. Quando ela desviou o olhar eu soube que ela se perguntou se fez a coisa certa ao desabafar comigo. A ultima coisa que eu quero é que ela se feche comigo achando que logo eu não seria capaz de compreendê-la.
— Por que aconteceu, então?— indaguei e ela pensou.
— Não tenho certeza... ainda. Mas não vou desistir até ver ele de novo.— ela secou as lágrimas, um olhar determinado que eu tive certeza que ela não havia conquistado havia um bom tempo, pegou sua mochila e desceu do carro em meio aos meus protestos.
— Bella!— gritei enquanto ela corria para dentro de casa.— Merda!— bati na buzina sem querer e desci do carro com minha mochila já no ombro. Isso não vai dar bom. Preciso ficar de olho nela.
Será que eu conseguiria ver...? Não, não, isso é insano e além do mais eles não estão aqui porque eles escolheram ir embora sem nós. Eu não quero ver ele nunca mais. Espero que essa mentira um dia se torne verdade.
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NOTA DA AUTORA:
Eu já perguntei o que vocês estão achando, vadias?
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