CAPÍTULO 9 - Inconveniência
Ness comeu dois dos seus macarons antes de enxugar o rosto e desencostar dos ombros de Kristoff. Ele não disse uma palavra, apenas a deixou chorar por aqueles quinze minutos antes de ela erguer a cabeça, limpar as lágrimas e respirar fundo.
Ele a encarou com os olhos azuis límpidos e intensos com certa preocupação.
— Quer falar sobre isso? — Perguntou franzindo o cenho e ela negou com a cabeça.
— Não. Desculpe ter... — Gesticulou em direção a mancha de lágrimas no seu ombro. Ele deu os ombros e negou com a cabeça. — Vamos trabalhar? — Ness sorriu, esfregando as mãos no jeans e Kristoff decidiu que não iria forçar a barra.
Ele se levantou do sofá e foi até a mochila. Tirou o notebook branco de dentro da bolsa e sentou-se no chão, apoiando o aparelho na escrivaninha antes de olhar para ela com curiosidade.
— Qual a senha do Wi-Fi? — Ela revira os olhos.
— É a sequência Fibonacci². — Ele não pareceu entender o que aquilo queria dizer, então fez somente uma careta confusa. — 1123581321. A sequência Fibonacci. — Ness arregalou os olhos como se aquilo fosse a coisa mais óbvia do mundo.
— Eu não sei o que esse bando de números significa, Ross, mas estou feliz por você saber o que é a sequência Fibo não sei o que.
— Fibonacci. — Ele faz um gesto com as mãos dispensando explicações. — Você nunca leu O Código Da Vinci? — Seu tom era do mais puro julgamento. Kristoff negou.
— Não. — Diz como se fosse óbvio.
— Você está na cidade mais rica em arte do mundo e aparentemente não gosta disso. — Dolohov deu os ombros. — Qual o seu problema? O Louvre é quase na esquina! Não tem como não se apaixonar por aquilo ali!
Kristoff se virou para ela, largando o notebook de lado. Ness parecia realmente assustada com sua falta de interesse em quadros, como se ter gosto por velharia fosse sua obrigação.
— Não tenho problema nenhum. Simplesmente não perdi meu tempo indo até um museu cheio de coisa feita por gente morta. — Ness revirou os olhos, quase ofendida. — Você precisa superar que Paris não é minha cidade da arte e sim a minha cidade de negócios. — Arregalou os olhos para deixar claro seu ponto. — Falando em negócios... — Apontou para o computador.
Bufando, a advogada pegou suas coisas e se sentou ao lado dele para ver quais informações o banco de dados suíços lhe trouxeram.
E então a estupidez de Max se esvaiu completamente. Ness não era uma mulher de chorar, era uma mulher de trabalhar e se Maximilliam Le Blanc era incapaz de ouvir o que realmente havia acontecido e tirado suas conclusões precipitadas, não era culpa dela. Sua consciência estava completamente limpa, apesar das suas revelações mais cedo.
Enquanto você está sorrindo meu mundo está desabando, Yverness. — Sua voz martelava na sua cabeça a fim de lhe tirar a concentração, mas Ness simplesmente respirou fundo e fingiu que aquela parte do teu dia não havia acontecido.
— A empresa de Boston, a da intoxicação... — Ela remexeu na sua papelada que havia imprimido tentando encontrar o nome da empresa, mas ele conseguiu entender do que se tratava. — Qual o segmento dela?
— Sondagem. — Respondeu. — Nossas barras tem o padrão de 4 metros, mas algumas empresas preferem que sejam maiores. Não oferecemos mais do que 4 metros, mas existem empresas que fazem junção das barras para outras indústrias.
Yverness pensou um pouco no assunto. Ela se ergueu, indo até o computador que havia deixado de lado para usar o de Kristoff, já que os arquivos estavam bloqueados para envio e começou a bater nas teclas com rapidez.
— Mas eles também compram o aço para outras coisas, correto? Como por exemplo, para fazer aço cirúrgico. — Kristoff não tinha ideia. Se alguém quisesse comprar teu material, ele vendia. Ponto final. — Sabia que um dos maiores problemas em Chernobyl foi intoxicação por chumbo?
Kristoff olhou para ela. Era quase duas horas da manhã e ele queria saber como é que a cabeça daquela mulher ainda estava funcionando.
— O chumbo presente nas barras é o permitido pelas normas técnicas. — Explicou enquanto ia até o arquivo que tinha em geral a quantidade de material usado em cada barra. — Não tem como isso causar uma intoxicação como aquela. Na verdade, nem sabemos se foi o chumbo.
— Quando o chumbo atinge certa temperatura ele emite gás tóxico. — Ergueu a sobrancelha pra ele. — Eu aposto mil euros que nenhum dos três estavam com o EPI adequado e que estavam derretendo barras de ferro no mesmo momento.
A cara de vitoriosa de Yverness deixava claro que ela havia entendido tudo.
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
Dormir no chão não era a praia de Kristoff. Ele gostava da maciez da sua cama com seus lençóis de seda, seus travesseiros fofos e do seu edredom maravilhoso. Dormir no chão, não era definitivamente a praia de Kristoff, mas considerando que estava acompanhado de uma cabeleira loura, até se animou, mas desistiu quando viu que se tratava de Yverness.
A última vez que olhou no relógio antes de desistir de fazer aquela mulher dormir eram quase 5h da manhã e ela ainda estava inspirada em sua petição, com os olhos vidrados de uma mistura de poder e ódio.
Ele não sabia como ela conseguia funcionar aquela hora, mas contando que ele não fosse perder sua empresa, poderia ficar acordado até mais tarde.
As batidas insistentes na porta foi o que lhe acordou. Yverness estava deitada de costas para ele, com o computador ligado à sua frente e encolhida. A mesa de centro era o que os separava, mas ainda assim conseguia sentir a temperatura emanando do seu corpo àquela distância.
Ele se sentou, tentando não sentir dor nas costas, mas foi inevitável. Quem quer que fosse continuava esmurrando a porta de forma quase desesperada e tudo o que ele queria era que parassem.
Ross se remexeu, virando-se para o outro lado. Ele já sabia que seu sono era pesado, no último sábado ele entrou e saiu do quarto varias vezes quando ela estava desmaiada na sua cama e nem por isso ela acordou. Uns murros na porta, pelo visto, também eram incapazes de fazer ela despertar.
Kristoff ficou em pé colocando a mão na base da coluna antes de forçar para estalar seus ossos. Seguiu a passos lentos até a porta e notou que Gabrielle, a dona do escritório de advocacia que Ness trabalhava, e uma outra garota morena eram quem batiam na porta ao olhar pelo olho mágico.
Ele deveria atender? Bem, considerando que faziam quase dez minutos que ela não parava, aparamente não iria embora até que alguém abrisse a porta.
Ross não ficaria contente com isso, mas ela nunca ficava contente com nada, então não faria muita diferença, até por que ele tinha convicção que pelo menos Gabrielle fosse entender o que ele estava fazendo ali.
— Nessie! Abre essa porta logo! — Gabrielle gritou enquanto a outra garota dava outro tapa na porta. Os vizinhos iriam acabar expulsando Yverness do prédio se aquilo continuasse.
Dolohov abriu a porta, se afastando e torcendo para que sua cara de sono não lhe denunciasse. O relógio em cima da porta dizia que ainda eram oito horas, o que significa que ele não havia dormido nem três.
— Kris... Senhor Dolohov? — Gabrielle questionou ao lhe encarar, assustada o suficiente para não conseguir disfarçar. — O que está fazendo aqui?
— Era com ele que Ness estava transando? — A garota atrás dela questionou com os olhos arregalados. Ela com certeza não era uma pessoa sútil. — Dá para entender o motivo de Max ter ficado tão chateado.
Gabrielle lhe olhou feio e lhe deu uma cotovelada.
— Eu não transei com ela. — Disse quase ofendido. — Estávamos trabalhando!
— Aqui? — Havia dúvidas nos olhos da doutora Russell. Ele deu os ombros.
— Sim, aqui. — Ele saiu de frente à porta e elas entraram.
Os papéis estavam espalhados em cima da mesa de centro e Ness estava encolhida no chão, ressonando calmamente. Gabrielle suspirou, duvidosa e se aproximou da garota, lhe sacudindo os braços.
— Nessie! — A chacoalhou e Yverness piscou algumas vezes, gemendo de dores pelo corpo antes de se sentar, confusa.
— O que você está fazendo aqui? — Perguntou sonolenta enquanto esfregava os olhos. Haviam pequenas olheiras embaixo dos seus olhos claros, mas Kristoff ainda a achou bonita. Não que ele tivesse reparando nela, de toda forma. — Que horas são?
— Oito e quinze. — Respondeu enquanto ela encarava o relógio no computador. — Viemos por conta do que houve ontem com Max. — Disse em um sussurro antes de olhar para Kristoff de rabo de olho.
— Como vocês sabem o que houve com o Max? — Perguntou esbaforida. A garota morena deu os ombros. — Ele foi fofocar pra você, aposto! — A menina não respondeu e Ness esfregou o rosto, ficando em pé. — Meu Deus, Jude! Talvez se você parasse de jogar ele em cima de mim isso não tivesse acontecido.
— Ei! — Ela respondeu ofendida. — Não tenho culpa se ele veio aqui e te pegou transando com outro cara!
— Eu não... Eu não estava transando com ele! — Apontou para Kristoff que quase se sentiu ofendido pelo seu tom de voz. Ela estava visivelmente nervosa, seu rosto branco estava tomando uma coloração avermelhada e ele estava feliz por não ser o alvo do seu ódio dessa vez. — Ele trabalha comigo! — Jude deu os ombros. — Meu Deus, não! Ele é Kristoff Dolohov, o dono da Acier & Axo, estamos tentando dar um jeito dele não perder a bendita empresa! — Berrou na vã tentativa dela entender.
A garota morena não parecia convencida e disse tom total deboche:
— Na sua casa?
— Não que eu tenha de te dar alguma explicação, Judith, até por que eu estou na minha casa, onde ninguém paga nenhuma das minhas contas e eu sou totalmente dona do meu nariz, mas sim, na minha casa. A donzela aqui — Apontou para Kristoff — está escondida por que se aparecer na empresa irão fazer uma votação para tirar ele da frente da Acier e isso definitivamente não pode acontecer. Você deveria cuidar da sua própria vida!
Judith abriu a boca para responder e iniciar uma discussão calorosa, mas Gabrielle foi mais rápida.
— Ele não tem outro lugar pra ficar? — Russell parecia confusa.
— Eu tenho asma. — Respondeu como se isso explicasse tudo. — E eu não sou uma donzela.
Yverness o encarou como se duvidasse da sua colocação e cruzou os braços.
— Max disse que ele estava sem roupa. — Jude disse bem mais calma e em voz baixa. Seus olhos ainda faiscavam com certa avidez, e Kristoff esperava a hora que elas fossem se entranhar e sair no tapa.
— Eu gostaria de estar sem roupa por livre e espontânea vontade, mas caiu vinho na minha camiseta. Ela pediu pra eu tirar e colocar no vinagre pra não manchar. — Revirou os olhos. — Eu não sou assim tão fácil, ok?
— O Max queria voltar contigo. — Jude disse com um tom acusatório ao mesmo tempo que triste. Ness revirou os olhos.
— E quem disse que eu quero voltar com ele? — Apontou para o próprio peito e as amigas pareceram chocadas. — Meu Deus, parem com esse negócio do Max. Se ele é louco, não é culpa minha. Jesus... — Esfregou as têmporas. — Meu relacionamento com Maximilliam é de amizade, eu não quero compromisso agora, eu estou focada no meu trabalho e não tenho bola de cristal para adivinhar o sentimento que as pessoas têm por mim! Além do mais, eu estava na minha casa, totalmente descompromissada e se estivesse transando com Dolohov é um problema só meu! Parem de jogar o Max para cima de mim, isso só feriu nossa amizade e ainda por cima, feriu ele próprio. — Ela bufou, esfregando o osso do meio do nariz. Ninguém disse nada.
Houve alguns instantes de silêncio. Era constrangedor, todas elas olhavam para Yverness como se ela devesse retirar tudo o que disse e ir atrás do tal Max, pois pelo o que ele havia entendido, era um partidão.
Kristoff concordava com Ross. Ness estava mais do que certa em focar no seu trabalho e na sua carreira ao invés de querer um relacionamento. É mesmo se quisesse, isso era problema dela e não de nenhuma das suas amigas, elas deveriam respeitar suas vontades e deixar que ela fizesse o que quisesse com a própria vida.
— Então, garotas, vamos tomar café? — Questionou antes de ver elas explodirem e iniciarem mais uma discussão. — Eu pago!
Ness revirou os olhos e pegou a jaqueta em cima do sofá, antes de afundar os óculos no rosto e sair pela porta batendo o pé.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro