CAPÍTULO 2 - Feras
Kristoff olhou para a mulher desmaiada em seu colo e pensou no que mais poderia dar errado naquele dia.
Obviamente que sua empresa estar caindo aos pedaços, ele quase ser demitido, não conseguir afogar suas mágoas o suficiente e estar sóbrio demais para uma sexta-feira à noite era pouca coisa, e obviamente uma garota bêbada poderia desmaiar no seu colo.
Como Margot sempre dizia: isso era para ele lembrar que ele não era nem a mosca do coco do cavalo do bandido. Mesmo sendo um bem sucedido diretor empresarial com um patrimônio com mais dígitos que ele conseguia contar, a vida estava ali sempre para mostrar que quem mandava era ela.
Kristoff tinha duas opções:
1. Jogar a garota no próprio vômito e fingir que nada daquilo havia acontecido, onde ela poderia ser roubada (sua bolsinha brilhosa parecia cara pendurada em seu pescoço), molestada, estuprada e assassinada, ou;
2. Levá-la para casa e esperar que ela acordasse antes de soltá-la na rua com a consciência limpa que ninguém morreu por sua causa.
Sendo bem sincero consigo mesmo, a opção um parecia tentadora e a mais sensata.
Todavia, a consciência pesada com a possível morte de alguém parecia pesar mais do que o que ele achava ser sensato. É claro que ele poderia estar levando uma assassina treinada no seu apartamento, mas não podia deixar que a bêbada desmaiada se virasse sozinha.
Kristoff ajeitou a mulher no colo e entrou na boate. Ele a colocou em um banco e foi de andar a andar pedindo para que o DJ questionasse sobre alguma amiga loira perdida. Não houve resposta de ninguém, ou seja, além de tudo, era largada no quesito amigos.
Sem saber mais o que fazer, apostou na pior decisão do dia.
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A cabeça de Ross estava pesando uma tonelada. Parecia que tinha sido atropelada e jogada sobre lençóis de seda, que por sinal, não lhe eram nada familiares. Ela piscou, tentando se lembrar de onde estava e como havia chego até ali e as lembranças da noite passada vinham feito um borrão confuso e com gosto de tequila.
Ness saiu tropeçando da boate, sentindo o cérebro agradecer pela ausência de música. Era quase três horas da manhã e ela sentia que havia bebido por pelo menos 12h sem parar ao invés de cinco - o que já era muito. Gabrielle parecia a mais sóbria do time, e considerando que era Gabrielle, não era um bom sinal.
— Vamos, Nessie! — Ela insistiu, puxando a amiga que se recostou em uma parede, sem vontade alguma de atender a sua solicitação. — Vamos embora logo!
— Eu não vou entrar num carro com você nesse estado, Russell! — Grunhiu com a voz embargada. Ela impulsionou o corpo e jogou-se contra a amiga, segurando seu pescoço. — Você lembra o que houve da última vez, não lembra? — A olhou no fundo dos olhos, sentindo que iria começar a chorar. — Como você é capaz de me pedir uma coisa dessas depois de...? — Ela engasgou e Gabrielle revirou os olhos, lhe empurrando.
— Esqueci minha bolsa no bar, junto com o barman. — Jude disse, irritada. —Vamos lá buscar!
— Eu não vou entrar lá! — Nessie disse, apontando para o local. — Eu vou ir embora daqui!
— Todas nós vamos, estou chamando um carro. — Gabrielle disse, puxando o celular. Nessie voltou a querer chorar.
— Não... — Choramingou. — Eu vou de uber!
— Eu sei, Yverness! Estou chamando um. —Bateu o pé.
— Você vai dirigir e eu não entro em carros com motoristas bêbados! Eu vou de Uber!
— Gabs, minha bolsa. — Jude falou. Gabrielle encarou as duas amigas sem saber o que fazer. Voltou-se para Nessie, que parecia incapaz de sair do lugar.
— Eu já volto. Não saia daqui!
— Não me deixe! — Choramingou e as duas amigas saíram apressadas de volta para a boate. Nessie bufou e sentiu a cabeça rodar.
— Ei, gata! — Alguém falou próximo demais. Era um cara com uma garrafa de vodca na mão. — Vamos nos divertir. O que acha?
Definitivamente, ela não sabia ideia do que havia acontecido depois disso. O gosto de vomito na garganta informava que nesse período algo havia dado muito ruim, fora o fato de não fazer ideia de onde se encontrava.
Ness ergueu a cabeça, tentando não cair com a dor que lhe assolou. Estava em um quarto grande e iluminado e a janela estava aberta, dizendo que estava num andar bem alto de algum apartamento.
Todo o local parecia másculo, as portas do guarda roupa em um cinza metálico, a cama gigantesca e cheia de travesseiros, os criados mudos ao seu lado onde sua bolsa estava jogada e uma televisão enorme a sua frente. O relógio ao seu lado dizia que já se passava do meio dia, informando que estava inconsciente por quase 10h.
Nessie pulou da cama, indo até a bolsa e procurando pelo celular e seus pertences. Tudo estava ali, mesmo que o celular estivesse totalmente morto de bateria, o que indicava que ou ela havia ido até ali por livre e espontânea vontade ou havia sido arrastada e abusada, como uma bêbada vulnerável, mas longe de furtos.
Um barulho no cômodo ao lado chamou sua atenção, um som de chave e de alguém fechando uma porta. Possivelmente seu sequestrador!
Nessie pegou os sapatos jogados no canto do quarto e a bolsa, indo na ponta do pé até a porta, evitando fazer barulho.
Ela deu de cara com um corredor que dava em - pelo sofá que ela conseguia enxergar - uma sala. Havia no canto da parede uma enorme tigela vazia de ração (que ela esperava mesmo que fosse de um dócil animal) e ela a pegou, andando devagar pronta para derrubar quem aparecesse no teu caminho.
Nessie olhou para a sala e pode ver um homem. Um homem enorme. Ele tinha cabelos castanhos, ombros largos e era bem musculoso (e malhava a bunda, por sinal). Ele estava de costas, a camisa cinza que ele usava estava molhada de suor, mas ele estava apoiado na bancada comendo pizza requentada.
É assim que as pessoas emagrecem nos tempos modernos?
Ele largou o pedaço de pizza gordurosa sobre a caixa de papel e sumiu do seu campo de visão. Ela pode ouvir o barulho de uma porta se fechando e respirou fundo, botando a cabeça para fora para poder observar com mais clareza onde estava.
A caixa da pizza estava sobre uma bancada de mármore que dividia a sala da cozinha. Era um lugar moderno, bem estruturado e em tons de cinza, assim como o quarto e o resto do apartamento.
— Ei! — A voz masculina ressoou as suas costas e ela grunhiu, virando-se assustada e arremessando a tigela vazia em quem quer que fosse como um reflexo. O homem gigantesco caiu estatelado no chão, com a mão sobre o olho, fazendo um estrondo ensurdecedor.
Nessie se afastou apressada, colocando a mão na boca enquanto ele se contorcia no chão e foi pra sala, observando a cena estupefata. Ela deu outro grito, quando ouviu o latido firme e virou-se, dando de cara com um cachorro gigantesco, um rottweiler gordo feito uma rolha de poço.
Yverness arregalou os olhos, se afastando e esbarrando no sofá, pulando em cima dele, como se fosse lhe manter afastada das feras que a cercavam.
— Cachorrinho lindo, cachorrinho lindo! — Choramingou, tentando fazer amizade, mas o cachorro não parecia disposto a estabelecer intimidades.
— Sua louca! — O homem grunhiu, ficando em pé cambaleante com as mãos sobre os olhos. Ele não era francês, ela reconheceu logo de cara o sotaque britânico aveludado. Yverness arregalou os olhos ao vê-lo se aproximando, não se sabe se com mais medo do homem ou do cachorro que latia para ela, mostrando os dentes pronto para atacar. — Você me bateu!
— Fique longe de mim! — Ergueu a mão, como se para manter a distancia. Ela virou-se para o cachorro, tendo a certeza que só sairia dali em pedaços num saco preto. — Fique longe de mim!
— Aurora! — O homem disse e o cachorro olhou para ele, feito um dócil cãozinho. — Quieta! — O cachorro se sentou e ficou quieto o encarando com os enormes olhos pretos com certo apreço. — Ei, você! — Ele voltou-se para Ness. — O que está fazendo?
— Quem é você? — Ela perguntou, jogando os cabelos para trás, transtornada. — O que eu tô fazendo aqui? Onde é que eu estou?
Ele esfregou o rosto e ela notou um arranhão cortando seus olhos, que por sinal, eram de um azul límpido e brilhante, e ele era realmente muito bonito. Muito bonito para um sequestrador, no caso.
— Garota, desce agora do meu sofá! — Ele pediu e ela voltou a observar o cachorro, sem cogitar essa hipótese. — Você é louca?
— Eu sou louca? Você me sequestrou! — As sobrancelhas grossas do homem se ergueram com certo deboche. Ela alisou as pernas e agradeceu por sentir que ainda estava de calcinha, então ele não havia lhe estuprado.
— Você desmaiou no meu colo ontem e eu fui gentil de te trazer pra a minha casa, quando eu poderia ter te deixado em cima do próprio vomito. Eu não sequestrei você! — Nessie franziu o cenho e teve a vaga lembrança de vomitar na frente da boate mesmo, mas era uma lembrança tão distante, que ela nem conseguia acreditar se era realmente de verdade.
— E quem é você? — Ela perguntou, apontando a sandália para ele como se fosse uma arma mortal. Ele revirou os olhos.
— Meu nome é Kristoff. — Respondeu, bufando. — Senhora, desça do meu sofá, por favor! — Pediu de novo e Nessie respirou fundo e voltou para o cachorro.
— E essa fera mortal? — Ele respirou fundo de novo, paciente.
— Ela não vai fazer absolutamente nada. — Disse e Nessie engoliu a seco, colocando um pé para fora do sofá, observando o cachorro que nem ligou para ela. Nessie ficou em pé, afundando os pés no tapete felpudo e suspirou, engolindo a seco.
Ela cruzou os braços, tentando entender o que diabos havia acontecido, pois sentia-se flutuando em um limbo sem sentido, tempo ou espaço. Ela observou o homem que a olhava confuso e esfregava o olho. Nessie engoliu a seco e apontou para ele.
— Sinto muito por isso. — Disse baixo e ele revirou os olhos, passando por ela e indo até a cozinha. — O que realmente aconteceu?
Kristoff deu os ombros.
— Você estava sendo atacada por um bêbado, sozinha, ontem no Le Cab. Eu impedi que ele te matasse de coma alcoólico e você vomitou e desmaiou no meu colo. — Explicou e ela se encolheu. — Eu procurei por algum amigo teu, mas aparentemente você estava sozinha. Eu te trouxe para cá para não te deixar na rua, mas considerando a agressão, que burro eu fui.
Ela mordeu os lábios, franzindo o cenho.
— Eu sinto muito, minhas amigas provavelmente estava pensando que eu tivesse ido embora sozinha. — Explicou, jogando os cabelos loiros para trás. Ela não queria nem imaginar em quão bela estava com a maquiagem toda borrada, cheirando a álcool e vomito. — Obrigada por ter me ajudado, foi realmente muito gentil da sua parte. — Ele assentiu irritadiço.
— De nada. — Grunhiu baixo. Ela não sabia o que fazer? Deveria oferecer algum agradecimento, dinheiro talvez? Devia simplesmente ir embora e escafeder-se dali e fingir que não havia sido levada desmaiada para a casa de alguém e lhe atacado?
— É... — Ela começou a falar. — Eu preciso... Eu preciso ir embora.
Kristoff a olhou de rabo de olho enquanto pegava um punhado de gelo e colocava cobre o supercílio. Realmente, ela havia o acertado em cheio. Yverness seguiu até a porta e observou-a, tentando descobrir como é que ela se abria, já que era gigantesca e não tinha puxador ou maçaneta.
Ela mordeu os lábios, encarando a madeira maciça de mais de dois metros a sua frente e sentiu ele se aproximando. Kristoffer apertou algo na parede e empurrou a porta, que se abriu com delicadeza e mostrou o corredor do prédio. Yverness sorriu timidamente e ele a encarou sem humor algum.
— Cuidado para não parar no bar que tem na esquina, duvido que eu esteja por lá para evitar que você caia de boca no chão e quebre todos os dentes. — Disse cheio de ironia e ergueu a sobrancelha para ela novamente. Ness o encarou enquanto calçava suas sandálias e se limitou a devolver a sobrancelha arqueada.
— O que seria de mim seu meu salvador? — Piscou sem conter a piadinha e ele revirou os olhos, mas deu um pequeno sorriso que ela achou cheio de prepotência. — Obrigada de novo. — Olhou para o corredor antes de abrir a bolsinha brilhosa e colocar os óculos sobre o rosto. Ele notou que era uma edição limitada da Dior, mas fingiu que não. — Até... Nunca mais. — Ele concordou com um aceno.
— Até nunca mais. — Ele concordou perfeitamente e fechou a porta atrás de si.
Nessie arregalou os olhos embaixo das lentes escuras e seguiu pelo corredor com determinação e impaciência. Aguardou o elevador e notou quão ridícula ela estava pelo enorme espelho dali.
Desceu do que ela notou ser a cobertura até o térreo e evitou olhar para a cara das pessoas que a encaravam como se ela fosse um bicho ao sair do prédio, respirando aliviada ao pisar os pés na rua.
Agradeceu por encontrar um táxi rapidamente e seguiu para o apartamento, agradecida por nunca mais ter de ver aquele cara na vida. Não teria coragem de vê-lo sem lembrar-se de vômito ou de tigelas de ração.
Aquela vergonha ela poderia fingir que nunca passou.
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