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Shinguru: Anata dake

Quem é vivo, sempre aparece! E, finalmente, aqui estou eu, para postar essa one que, sinceramente, valeu cada minuto gasto e cada palavra escrita, apesar de todos os perrengues que passei para conseguir. Espero que gostem desse pequeno conto tanto quanto eu, e tenham o mesmo sentimento de euforia  ao ler a história contida aqui.
Obrigada mais uma vez às pessoinhas que me ajudaram com essa história, com as antigas e com aquelas que ainda serão postadas.

Tenham uma boa leitura!
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Único: Apenas você

Japão, 1867

    Sozinha em meio ao jardim de crisântemos que a resguardavam, uma melodia irradiava pela brisa, quebrando o temor de uma noite solitária. 

     O luar prateado se escondia detrás de nuvens escuras, que ocultavam as belas estrelas que pontilhavam o plano azulado, com a luz do satélite natural à iluminar a garota melancólica que o observava. 

    Debaixo do céu iluminado, os dedos pálidos corriam as cordas do pequeno instrumento em mãos, apoiado em seu kimono prateado, como um pequeno tesouro que encontrara; a música que deixava o shaminsen, tocada com maestria, invadia o ar feito magia, e a musicista, concentrada, buscava afogar ali tudo o que a incomodava.

    As pétalas das cerejeiras afloravam junto à noite, indicando a nova estação que estava a se iniciar; contudo, Misaki se via como um dos pequenos botões que jamais iriam desabrochar. 

     As flores rosadas eram levadas pela tímida brisa da recém-chegada primavera, que renovava a vida e a felicidade em um país tomado pelo caos. Assim como o coração destroçado da jovem instrumentista que pedia em sua doce canção para que o dia seguinte não pudesse chegar. 

— O rosto da senhorita fica ainda mais bonito quando sorri. O que posso fazer hoje, para que não chore? — Ao ouvir essas palavras, a moça piscou, despertando da enorme tristeza que a consumia. Seu torpor era tamanho a ponto de não notar que um rapaz estava parado ao seu lado, a observar o mesmo ponto indefinido que ela. Os fios escuros e curtos deste caíam sobre a tez pálida e os olhos castanhos se dirigiam à nobre com afeição.

    O kimono azul-escuro em seu corpo lhe parecia que o céu havia se transfigurado no tecido, para protegê-lo e guiá-lo em sua longa caminhada. E, claro, a espada, sempre tão afiada, pendia na bainha ao lado da estrutura física esguia, um lembrete quanto à sua posição; um reles servo. 

    O rosto da garota, no entanto, se encheu de uma alegria passageira, que logo se dissipou ao lembrar que aquela seria a última vez em que o veria. Com um suspiro longo, encarou aquele rosto, buscando marcar cada detalhe para que jamais o esquecesse; pois no fim das contas, Misaki nunca o esqueceria. 

— Há quanto tempo está aqui, Lee-san? — Perguntou ela com curiosidade, ajustando as cordas do objeto em mãos. 

— O suficiente. — Disse o recém-chegado. Lee Taeyong estava ali há muito, o que, para ele, não era o tempo necessário que precisava para se despedir, nem sequer para guardar em sua mente tudo o que amava em Misaki.— A senhorita não respondeu a minha pergunta. Há alguma coisa que posso fazer para aplacar sua tristeza?

— Sente-se comigo. Apenas isso, Lee-san. — Pediu a garota, com a doçura que não existiria a partir do dia seguinte. A jovem Aikyo puxou delicadamente parte do tecido de sua vestimenta, que se estendia pelo gramado de tal modo que impedia maior aproximação do servo.

   Era inadequado, visto o que seria dali há algumas horas, mas Misaki desejava gastar suas últimas horas de liberdade com o samurai, que piscou, encabulado.

    O Lee, se assim pudesse, quebraria o muro invisível que o separava da garota que amava, contudo, as coisas não eram tão simples assim. Afinal, o que ele, um simples servo, teria a oferecer para alguém com uma realidade tão diferente da sua?

    Misaki lhe atentou por poucos segundos, com um suspiro. E, com as mãos pequenas e brancas, recolheu o instrumento que antes tocava, o apoiando mais uma vez sobre os joelhos, em preparação para uma nova música. 

— Quero que me ouça tocar. Não desejo que me guarde em sua lembrança como a noiva infeliz levada ao altar, mas como a musicista que você ajudou a se tornar. Como a música, que você sempre poderá ouvir quando sentir minha falta.  — O guarda engoliu seco, imaginando que seu coração se partia em um milhão de pedaços naquele exato segundo, ao escutar aquilo. Não era nenhuma novidade o que ouvia, todavia, ter aquele dia tão distante o fazia parecer que jamais aconteceria; que Misaki não se casaria — exceto com ele — e que nunca seria arrancada de sua proteção. E, lá estava, à bater em sua porta o fatídico evento: o casamento de Aikyo Misaki, sem que seu noivo fosse Lee Taeyong. 

     A morena lhe olhou com um sorriso terno, puxando com delicadeza o punho cerrado do guerreiro, para que este se acomodasse ao seu lado; a mão feminina, ao invés de se dirigir ao instrumento musical, conduziu-se até a tez do estrangeiro, o tocando como se estivesse prestes à desaparecer e, de fato, estava. 

   Misaki não voltaria a vê-lo. 

   A Aikyo sorriu para o servo, e disse, em sua voz que, para Taeyong, soava como a mais doce melodia, que era capaz de acalmá-lo na pior das tempestades. O polegar se moveu pelas bochechas coradas, limpando ali o resquício de uma tímida lágrima que ameaçava cair.

— Por favor, Lee-san. Vê-lo chorar fará a minha partida doer ainda mais. Quero me lembrar para sempre do seu sorriso. 

    O samurai pegou os delicados dedos sobre os seus, despejando um rápido beijo na pele empalidecida, temendo que sua ação fosse interpretada erroneamente.

     Ao beijá-la, estar tão perto, o doce perfume das flores de cerejeira invadiu suas narinas, o que denunciava o fato de que a filha de seu mestre passara muito tempo sob as árvores rosadas.

    Tal ato era realizado por ela quando os pensamentos na mente da moça eram tão altos que somente o silêncio do pequeno parque róseo da propriedade era capaz de sossegá-la; ação essa que se tornara cada vez mais frequente com a proximidade de seu casamento com um rico soldado do exército do imperador.

    Uma honra, diziam eles, embora a própria noiva não concordasse. 

    O moreno a obedeceu, agradecendo pela pequena dádiva que era estar ao lado da garota, ouvi-la tocar unicamente para ele, imaginando-se em um mundo em que os dois, ainda que tão próximos, não estivessem tão distantes um do outro. 

     A musicista reiniciou a canção, desejando que os sentimentos transmitidos ali pudessem fazer alguma diferença naquele futuro planejado e imutável, que as notas que ressonavam na brisa tivessem o poder de realizar seu simples desejo.

    Taeyong apoiou o queixo sobre as mãos, admirado.

     Não era a primeira vez que a ouvia, mas a última e, portanto, tal espetáculo haveria de ser apreciado.

     O rapaz sorriu e suspirou, se perdendo na realidade que criava em sua mente; um universo em que poderia ser feliz ao lado de Misaki.

— Eu poderia sorrir sempre, se você estiver ao meu lado, senhorita. Mas, não quando os seus olhos estão tão tristes. — Proferiu ele, logo que a melodia teve seu fim. A moça permanecia a encarar um lugar qualquer, deixando que o vento levasse suas lágrimas. O Lee, contudo, retirou de um dos bolsos da vestimenta um pequeno lenço, que estendeu em silêncio, sem se atrever a fazer mais do que poderia. 

— E como desejaria que eu estivesse, Lee-san? Estou a ser arrancada do meu lar, entregue pelas pessoas que deveriam me proteger, feito uma oferenda. — Misaki cuspiu sua fala com certa raiva, misturada à tristeza de ser forçada a se casar com um homem que sequer conhecia. A garota respirou fundo e fechou os olhos, engolindo a própria fúria e atentando para o shaminsen, que ficara de lado com a chegada de seu protetor. 

— Desculpe-me. —Pediu a Aikyo, o que fez o mais velho abrir um breve sorriso. O samurai adorava cada traço da herdeira daquela casa. — É...injusto. Sei que é meu dever, no entanto, o que será da minha vida ao lado daquele homem? Estar em algum lugar, sem que você esteja lá, para me proteger?
 
— Acredito que a senhorita possa se defender sozinha. — Brincou Taeyong, em uma tentativa de apaziguar todos os medos daquela que era seu porto seguro. Esta lhe lançou um olhar fumegante, e riu, sendo acompanhada pelo estrangeiro. Ambos se perdiam nas lembranças acerca de sua infância, em que nenhum deles precisava se preocupar com títulos ou diferenças. Em que Taeyong poderia amá-la em segredo, sem temer por seu futuro. 

— As estrelas estão muito bonitas hoje. Lembra-se da vez em que fugimos dos nossos aposentos para ver as estrelas, quando crianças? — Perguntou o guarda ao observar o céu, o que fez sua interlocutora rir, um sopro da felicidade que logo lhe seria arrancada. 

— Quase fomos pegos naquela noite, principalmente porque você escorregou e caiu sobre o rosto no chão.

— Ei, a livrei de um provável castigo. — Ralhou o criado, fingindo ressentimento. — Bem como da vez em que me convenceu a surrupiar guloseimas da cozinha. Ou quando fingimos que éramos um Yurei*, para fugirmos de nossas aulas. 

      O rapaz poderia passar o resto da noite à viajar em suas lembranças, no silêncio ou no som agradável daquele riso, ou em qualquer lugar, se fosse Misaki a sua acompanhante; se a garota estivesse ao seu lado.

— Vou sentir muito a sua falta, Lee-san. — Disse a moça, com a breve alegria a morrer em seu coração cansado. — Você seria o meu escolhido, se assim eu pudesse. 

      A confissão fez o guarda arregalar os olhos e adquirir certo rubor em suas bochechas, contemplando a jovem que se perdia nas constelações que pontilhavam o céu.

      Em meio ao entorpecimento, o servo sequer notou a aproximação repentina, que lhe presenteou com um rápido beijo em sua face corada. 

      Ele soube que aquele gesto era a despedida; o último ato antes de Misaki ir, para sempre.

     Tão rápido quanto se aproximara, a nobre se afastou, levantando-se de onde estava ao saber que logo as mulheres responsáveis por vigiá-la perceberiam seu sumiço e viriam à sua procura, o que não seria conveniente, visto que a garota fugira pelos seus últimos momentos de liberdade. 

— Adeus, Lee-san

    Taeyong não a atentou enquanto ia embora. 

    Não a seguiu em direção aos aposentos da jovem, para garantir que nenhum outro soldado a importunasse. 

    Ele simplesmente não queria admitir que Misaki estava sendo arrancada de suas mãos, e que os sentimentos mútuos estavam sendo jogados ao vento feito simples folhas. 

     Pois Lee Taeyong a amava. E, se Misaki assim desejasse, seria livre, para escolhê-lo ou não. 

                                                                                [...]
            
     Naquela longa noite, Misaki não conseguira dormir. 

     As horas já estavam, há muito, mergulhadas na madrugada, mas a garota não conseguia pensar em nada que não fosse seu fatídico destino.

    Aninhada em um dos cantos do quarto, o lugar lhe parecia uma prisão, de onde não poderia fugir.

    O som dos passos dos guardas na residência e sua própria respiração descompassada era tudo o que se podia ouvir, distante das memórias que sua mente insistia em lhe trazer. 

   A lamparina apoiada sobre um prego fixado na parede de madeira iluminava o rosto pálido, que era manchado pelas olheiras, fruto das lágrimas que Misaki não desejava mais derramar.

   O shaminsen* que, por vezes, era o meio pelo qual podia se expressar, estava solitário em seu espaço, bem como sua dona, que observava o luar se elevar no céu, sem conseguir iluminar o escuro de seu coração destruído. 

    A Aikyo não almejava — não queria — se casar com Miyamoto Kento, um dos soldados do Império que se destacava no Exército e que, segundo os próprios pais da garota, era uma enorme honra conceder a mão da filha para que esta fosse sua esposa. 

   Contudo, a herdeira o abominava.

   Seu casamento escondia um emaranhado de acordos, dotes e benefícios ao militar que, ao contrário da própria, enxergava na jovem uma maneira de subir ainda mais rápido na hierarquia da nobreza japonesa. 

   E Misaki tinha a infelicidade de ser a única herdeira de uma das famílias proprietárias de minas de carvão mais ricas de Tóquio. E, portanto, uma ótima "partido" para qualquer um.

    Menos para Taeyong. 

    A morena ainda memorava-se do dia em que o Lee chegara à sua casa — um garoto maltrapilho e órfão, que sobrevivera à tragédia e à aversão ocasionadas pelo antigo Imperador Komei.

    O menino, ainda com seus nove anos, fora o primeiro a olhá-la realmente, e não para os bens ou riquezas que sua família possuía. 

"— este é Lee Taeyong. Ele viverá conosco a partir de agora, portanto, peço que se deem bem." — Dissera o pai da garota, Aikyo Kenji, ao entregá-lo aos cuidados da filha, afinal ambos tinham a mesma idade. 

     Misaki, naquele momento, permaneceu a encará-lo, o estrangeiro desconhecido que, para ela, lhe pareceu ter passado por algo funesto, para que viesse parar em sua casa, como um servo ainda tão jovem. O olhar do Lee era confuso, todavia, a confusão migrou para a nobre ao receber um sorriso um tanto brincalhão de seu mais novo criado. 

"— 'Me dar bem'? Com uma cara dessas, ela não vai precisar de mim para cuidar de sua retaguarda, tão cedo."

      A morena abrira a boca como um peixe, sem acreditar. 

      Ele a estava provocando.

     A criança olhou para o pai, buscando a confirmação de que o que pensava realmente não estava errado.

     O genitor deu uma risada baixa como resposta, tentando disfarçá-la, sem sucesso. 

     De fato, o garoto havia a insultado, sem sequer conhecê-la.

"— Que pena que será você a me proteger. Porque, a partir de hoje, Lee-kun, precisará de muita proteção, se quiser cuidar de mim.

— Como desejar, senhorita. "— Da primeira vez que Taeyong utilizara tal honorífico com Misaki, sua voz estava carregada de zombaria, longe de toda a doçura e afeto que aquele garoto viria a ter com a filha de seu mestre. 

    Ele aprenderia que, como as flores que desabrocham na primavera, seu amor por Misaki, um dia, também viria a aflorar. 

    A Aikyo, também, logo começou a amá-lo, sem sequer saber o que era tal sentimento que começava a emergir.

    Tudo aquilo lhe parecia algo distante, inexistente, ou talvez, algo que somente encontrava nos livros da biblioteca que adorava surrupiar, na companhia do jovem guerreiro. 

     Ambos cresciam, e ele, como seu protetor, estava sempre em seu encalço, feito um anjo à lhe resguardar. 

      A jovem recordava de uma das inúmeras tardes sob a luz natural que invadia o cômodo tomado pelos livros, cuja ela se misturava aos pergaminhos espalhados pelo chão.

     Tinha sorte por seu pai permitir tal ato e, ainda que não permitisse, a menina era sagaz o suficiente para entrar naquela sala, por seus próprios meios.

     Na tarde em questão, a nobre se debruçava nos escritos, curiosa como sempre fora. E, apoiado à um alto monte daqueles manuscritos, estava o guarda responsável por seus devaneios. 

     O Lee a atentava com a mesma curiosidade com a qual a morena fitava os papéis, à tentarem desvendar o que estava à frente de seus olhos; a herdeira daquela casa sempre lhe seria um intricado labirinto, com diversas portas e possibilidades, mas que acabavam por levá-lo à um único caminho: a felicidade que ele, há muito tempo, não conhecia. 

— O que tanto procura, senhorita? — Perguntou ele, buscando entender pelo que procuravam tanto, sem nunca encontrar. 

— Se o que sinto por você está escrito em algum livro. — Rebateu a nobre, ainda concentrada em sua tarefa.

     O outro presente ali quase escorregou do lugar pouco estável em que se encontrava, tomado pela surpresa e o embaraço. Misaki lhe voltou o olhar, dispersa, como se o que dissera não fosse nada demais. 

— O que há?

— Como, o que há?! — Falou Taeyong, saltando de seu lugar para se ver mais próximo da moça. — Como consegue dizer algo assim, de forma tão simplista? 

      A morena sorriu ao perceber a timidez naquela atmosfera, um sentimento que, em confissão tão cristalina, deveria ser dela.

     Esta se ajustou sobre os joelhos, dessa forma podendo olhar, face à face, para o espadachim ainda mais cativado ao ouvir tal declaração. 

— Porque não estou à mentir. Realmente, gosto de você, Lee-san. 

     Ali, ao confessar seus sentimentos por Lee Taeyong, a garota se sentira livre, como jamais estivera. Embora Misaki ainda não soubesse que seu destino era outro; um em que seu protetor não estava. 

     Nem que aquele amor, tão puro quanto as pétalas de cerejeira que adentravam seu quarto, não fazia parte dos planos de seus pais. 

     Todavia, até então, a Aikyo aproveitara, ao máximo, os dias ao lado do guerreiro que logo não passaria de lembranças em uma vida sem cor. 

     Ainda assim, ela o guardaria em seu coração, para que, ao contrário de sua liberdade, jamais pudessem arrancá-lo de si.

     Mergulhada em memórias, a garota olhou para a shoji, em que, ainda no escuro da noite, era possível visualizar as sombras dos guardas em patrulha se moverem feito fantasmas à lhe vigiar; e mais uma vez, pensou em fugir. 

     Correr, até seus pés doerem e se cansarem. 

     Certa vez, no dia em que descobrira que estava com o casamento marcado, sem sequer saber quem seria a pessoa ao seu lado no altar, Misaki realizara tal desejo, pela primeira vez em sua vida regrada. 

     Mesmo que a residência fosse extremamente vigiada — tanto no interno quanto no externo — aquela era sua casa, e graças à Taeyong, conhecia todas as fraquezas e brechas do lugar, na época. 

     Portanto, não fora tão difícil correr ao jardim de cerejeiras, sem ser vista. Dali, restava o enorme muro que, ao subir o suficiente em uma árvore específica e apoiar-se na muralha, bastava apenas saltar quando houvesse a troca de guardas para o turno seguinte. 

     E ali estava ela, à apenas alguns passos da libertação das correntes que a prendiam, de outra realidade em que poderia, finalmente, ser livre. 

    A Aikyo, assustada com a possibilidade de algum soldado encontrá-la, ainda que soubesse de cor as instruções dadas pelo Lee, subiu o mais rápido que pôde pelo tronco até os galhos, de forma que pudesse se camuflar entre as flores rosadas e enfim, completar seu objetivo. Contudo, tal desejo se tornava uma tarefa quase impossível visto suas vestimentas, que impediam boa parte de sua mobilidade. 

    Apesar disso, a morena não desejava permanecer detrás das paredes de seu quarto após aquele fatídico anúncio; se enxergar, para sempre, como a esposa de um desconhecido lhe parecia um pesadelo, que invadia sua realidade para estar exatamente à frente, a memorando de que o destino era algo cujo não se podia fugir. 

    Todavia, ela provaria que tal ideia estava errada, de um jeito ou de outro. 

— Para onde está indo, senhorita?
 
    Contudo, ao ouvir essa simples frase, Misaki arregalou os olhos, travada pelo medo que tomara seu corpo em um arrepio, sem sequer interpretar a voz que adentrara seus tímpanos. 

— Estava apenas procurando uma sakura! Não me entregue ao meu pai! — Gritou ela, ainda agarrada ao tronco da planta, como se o ser vivo pudesse protegê-la do possível castigo que receberia. 

    Porém, tudo o que ouviu como resposta foi uma risada, alta, se assim pudesse dizer. Em seu íntimo, rezou para que aquele som não alertasse os demais soldados, o que, provavelmente, era o objetivo do homem com tal afronta. 

— Acha mesmo que vou acreditar nisso? 

     A fugitiva piscou então, torcendo para que a voz que havia identificado fosse, de fato, de quem pensava, embora, não estivesse tão "livre" quanto pensava.

     O samurai parou seu riso e, sem largar a espada na bainha, subiu pela árvore com rapidez e agilidade quase absurdas, causando um susto ainda maior na garota, que recuou, sem que houvesse para onde.

     O galho pendeu sob o movimento mal calculado e Misaki, apavorada, ouviu o barulho aterrorizante da madeira à se quebrar, desestabilizando-a por completo. 

     Ela cairia e, se a sorte estivesse ao seu lado, no mínimo teria ferimentos exponenciais, visto a altura em que se encontrava. Ou morreria, em uma tentativa falha de escapar do caminho traçado para si.

     Talvez, fosse um sinal do universo, para provar àquela alma indomável que não se pode escapar ou mudar o que deveria ser seu. E que, ao se tentar, consequências terríveis estariam à lhe espreitar, a marcando, para que jamais esquecesse. 

     Misaki observou as pétalas róseas dançarem ao seu redor durante aqueles milésimos e, ali, a garota indagou à si mesma se o espírito que guardava as cerejeiras não estaria à lhe punir, ou à mostrar que, em meio ao amor, as flores ainda poderiam cair. 

     Ao perceber tal coisa, a garota fechou os olhos mais uma vez, perguntando-se se os seus sentimentos pelo doce samurai pereceriam feito a própria árvore em seu definhar. 

     No entanto, as lágrimas sequer deixaram seus olhos, pois Misaki fora arrancada de tais pensamentos amedrontadores. Os dedos finos foram agarrados de supetão, e ao abrir as pálpebras novamente, a Aikyo viu seu servo à segurar-lhe, a impedindo de cair no oceano de medos que a assustavam.

     Taeyong não disse qualquer palavra, se preocupando em levá-la para um lugar seguro e à livrar daquele susto. O rapaz a puxou da forma mais delicada que conseguiu, e sem se importar se alguém os observava, a colocou nos próprios braços, que tremiam com a mínima possibilidade de perder a garota que amava, à frente dos seus olhos. 

     A nobre se agarrou ao galho em que o Lee estava, desabando sobre ele feito sua própria tábua de salvação. A respiração alta e descompassada entregava seu estado, o pânico que a consumira naquele momento de terror. 

     Misaki desejava fugir, no entanto, temia as consequências. 

     A morena permaneceu em silêncio por alguns minutos, tempo suficiente para assustar o guerreiro, que procurava em sua expressão algo, além de seus próprios sentimentos, que lhe causavam dor, preocupado.

— Senhorita? Por favor, fale comigo. Se machucou? Está bem? — Perguntou ele finalmente, desejando poder abraçá-la, conter as lágrimas que desciam timidamente pelo rosto corado, no entanto, era apenas um pedido. Pois, em seu coração, Taeyong sabia que não podia, e nem deveria.

      A Aikyo o encarou, perdida na escuridão daquelas orbes tão acolhedoras, feito o céu em uma noite sem estrelas. A moça o observou com afinco, e em silêncio, tocou seu rosto, temendo que o guerreiro fugisse de suas mãos. Misaki desejou, a quem estivesse a lhe ouvir que, em outro lugar, em outra vida, se assim fosse preciso, Lee Taeyong fosse seu.

— Lee-san...O que farei agora, sem ter você para me segurar? — Perguntou ela,  fechando os olhos e negando com a cabeça, como se o simples ato pudesse afastar aquela triste sina. 

— Você não precisa de mim para lhe guiar, senhorita. Na verdade, sou eu, que preciso de você, para me lembrar que ainda existe alguém nesse mundo por quem tenho que lutar. — Ditou o Lee, fitando o pôr-do-sol que se escondia detrás das montanhas para o início de seu repousar. 

    A garota engoliu seco ao ver aquela expressão e, mais ainda, ao notar que os minutos se passavam, sem que encontrasse uma solução, se é que existia alguma. 

    Misaki não queria admitir que aqueles dias, tão prazerosos ao lado de seu servo, estavam prestes a se findar, e ela, levada à um lugar desconhecido, obrigada a estar com alguém que jamais amaria como amava o estrangeiro. Ainda assim, sem hesitar, ditou, para que nunca houvesse qualquer dúvida em relação aos seus sentimentos pelo simples servo.

— Eu lutarei por você, Lee-san. Ainda que eu me case, meu coração sempre será seu.
 
     O samurai a observou por um momento, viajando em meio àquele olhar decidido, e sorriu com mais uma das declarações nada tímidas da jovem, que tinha muito mais coragem do que gostava de admitir. 

    Ele também a amava mas, ainda assim, sabia que nunca poderia ser seu homem ideal. 

— Eu agradeço, senhorita. Saiba que, aonde quer que vá, o que sinto estará sempre a lhe seguir. 

    Lee Taeyong não a amava. Ou, ao menos, não tinha a decência de admitir.

    A moça fechou a expressão, antes sorridente, pois compreendera que tudo o que sentia não passava de emoções lançadas ao vento, sem ser agarradas por ninguém. 

   Naquele dia, a Aikyo não entendera, realmente, o que o mais velho sentia por ela. O coração entristecido temia que todos os anos de convivência haviam culminado em uma estima, um apego, mas nada além da amizade, sentimentos muito diferentes daqueles que a garota tinha pelo rapaz.

    Ao ter tal certeza, a garota retornou para os seus aposentos, sem mais a perspectiva de escapar, com o silêncio e o estrangeiro a serem seus companheiros. 

   Misaki viu seu destino ser traçado, no exato momento em que o próprio Lee abaixara a cabeça para a decisão de seu mestre. E ela, sem qualquer outra perspectiva, voltou ao triste escuro de seu quarto, a se perguntar onde estaria o garoto por quem havia se apaixonado.

   A noite se arrastava conforme as memórias tomavam forma, invadindo seu subconsciente feito uma doce realidade cuja não se podia alcançar. 

   Ela deixou que as lágrimas que caíam por seu rosto, lhe trouxessem o sono que o evento do dia seguinte arrancava de si, com a mínima possibilidade de retornar para uma época em que a moça podia ser quem era, sem se importar com o que o amanhecer iria lhe trazer. 

   Sozinha e solitária, a nobre desabou sobre seus sonhos, desejando que, por um minuto, pudesse escapar das paredes que foram construídas ao seu redor.

                                                                                               [...]

   Misaki adorava observar a neve, que permanecia a mesma, ainda que Tóquio e o próprio Japão estivessem a mudar. 

    Pela janela de seu quarto, incontáveis vezes, a garota observou os flocos caírem do céu como um presente dos deuses, cuja ela, ainda menina, podia se divertir e esquecer das responsabilidades que, um dia, o mesmo branco iria lhe trazer.

     Ao encarar o espelho e se ver no belo kimono de seda branca, tecido unicamente para ela, a jovem relembrou de todos os dias em que estivera sobre a neve, feliz e ao lado de um garoto que, como ela, ainda não entendia o que era o amor. 

    A neve em Tóquio continuava a cair naquele dia, mas a Aikyo não se importava com o frio, ou com qualquer desconforto que a temperatura baixa poderia vir a lhe trazer; afinal, era a primeira vez em muito tempo em que a garota conseguia se ver livre do peso de suas obrigações e, ainda mais, ao lado do rapaz responsável por seus melhores sonhos.

    Tal travessura renderia uma provável bronca e um castigo depois de tudo, no entanto, nada daquilo a fazia desejar se desprender daquela realidade e retornar àquela em que era apenas um fantoche, à serviço de seus pais. 

    Ali, a garota se permitiu sonhar com um futuro completamente diferente daquele que, agora, ao observar seu próprio reflexo no espelho manchado, estava à sua frente, feito um terrível pesadelo do qual não se podia acordar. 

   As servas que a preparavam sorriam, ainda que sua senhora não demonstrasse qualquer outra reação além do silêncio. 

   Os olhos castanhos, sempre tão vívidos e carregados de alegria, traziam o luto, inverso à felicidade que uma moça prestes à se casar demonstraria. A pele pálida estava marcada pelas olheiras, consequência das inúmeras lágrimas que derramara nas horas antecedentes àquilo, em que, sozinha, Misaki se perdera em um mundo para onde não podia ir. 

   As mulheres conversavam entre si, animadas, como se a cerimônia que levaria a Aikyo à um convívio indesejado fosse uma enorme benção, o que, decididamente, a noiva não concordava.

   Todavia, a morena já havia desistido de lutar e, ainda mais, se não existia uma mão para lhe segurar quando caísse. 

   Taeyong não a amava. E ela deveria aprender a afogar, pouco a pouco, o seu amor. 

— Minha senhora, estás belíssima! Tsukuyomi poderia, certamente, descer de seu reino apenas para tomá-la como esposa, tenho certeza! — Ditou uma das criadas, ao concluir o trabalho de preparar a moça para o noivo que a esperava no altar. A garota levantou os olhos, os fechando logo em seguida, pois não gostara daquela Misaki que vislumbrou. Estava bonita, ainda mais que o habitual, mas a nobre sentia que observava um fantasma, uma assombração que estava ali para lhe amedrontar. 

    Pois simplesmente não conseguia se reconhecer naquele triste papel. 

     Os fios escuros e longos como o céu noturno se escondiam em meio ao wataboshi; o enorme chapéu que ocultavam os belos cabelos da moça, indicando a obediência à um marido desconhecido. O kimono branco — o shiromuku — fora aberto por rápidos segundos, apenas para esconder a futokoro-gatana, o punhal dourado que, supostamente, Misaki usaria para proteger seu marido. Porém, ao encarar aquela arma, a noiva apenas memorou-se de um certo samurai, que a machucava mais com sua indolência do que qualquer ferimento. 

    Em conclusão, enquanto os últimos objetos tradicionais eram ajustados em seu corpo, a Aikyo se via cada vez mais distante de Taeyong; ou talvez, sempre estivera. No fim das contas, a garota não passava daquela cujo Lee devia proteger, embora o estrangeiro não pudesse resgatá-la de seu destino. 

— Pronto. Meu trabalho está concluído, senhora. Basta apenas esperar que seu pai venha buscá-la. — Ditou a mulher mais velha, Chiyo, que limpava as próprias lágrimas como se preparasse sua própria filha. 

    A jovem lhe sorriu rapidamente, evitando qualquer outro ato, ou desabaria, assim como ela. Os origamis de grou em seu quarto, dobrados, em maior parte por sua mãe, agiam como um terrível lembrete de seu sonho que jamais se realizaria; uma vez que não era Taeyong a lhe esperar. 

— Minha querida Misaki está pronta? —Com um tímido toque na porta dos aposentos, a voz do senhor da residência ecoou, com uma doçura que sempre aflorava ao se referir à sua única herdeira que, naquela manhã, partiria como uma flor levada pelo vento. A serva se apressou em abrir a porta para o homem, que agradeceu e sorriu  ao observar Misaki, bela feito as pétalas das cerejeiras que adentravam o quarto. 

— Está muito bonita, Misaki-chan. Qualquer pretendente em Tóquio faria qualquer coisa apenas para casar com você. — Elogiou o pai, tomado pela emoção. A moça estampou um sorriso, ainda que seus próprios sentimentos fossem um verdadeiro furacão. Pela primeira vez, a Aikyo temia atravessar aquela porta que, certa vez, lhe trouxera seu maior presente e, naquele instante, seria o primeiro passo para uma vida longe dele.

     A garota engoliu seco, endireitando sua postura cabisbaixa. Ela aprendera com o tempo que o silêncio era a única arma de uma garota sem nada além de um sobrenome e uma herança, em um mundo em que não se podia florescer. 

    Seu coração se despedaçava a cada pequeno passo que dava na direção do homem à sua espera, que lhe estendeu o braço com cuidado. Misaki o aceitou com a relutância em sua expressão, evitando qualquer gesto que não fosse necessário.  

    Como se correntes impedissem seu caminhar, a noiva seguiu na direção do veículo escuro que a levaria ao fim de sua liberdade. A mãe da nobre, Naomi, a esperava no banco traseiro, em um belo e decorado kimono de seda, como o dela, no entanto, sem carregar a tristeza que a filha trazia em suas feições. 

    Para a família Aikyo, aquele era um dia festivo, em que, finalmente, sua única sucessora se casaria com alguém que poderia perdurar a linhagem e mantê-los no topo da hierarquia social.

    Seu pai, como um general aposentado, era um dos conselheiros do próprio Imperador e, portanto, a menina haveria de continuar a enorme honra de servir aos interesses do chefe de Estado.

    Misaki, todavia, sempre odiara política e, para ela, um sentimento tão belo quanto o amor e um ato tão singelo quanto o casamento jamais deveriam ser atrelados à tal questão. 

   Porém, a opinião desta pouco ou não importava ali; seu sobrenome não valia nada mais além de um conjunto de regras ao qual devia seguir. 

   E seu casamento se tornara mais uma entre elas. 

   A garota lançou um último olhar para trás antes de adentrar o carro escuro, ao lado da mãe.

   Em sua mente, torcia para que, ao se virar, veria o Lee, ao menos para se despedir daquela que vivera a vigiar. 

   Contudo, como o lado racional de seu cérebro insistia em gritar, notou apenas a presença das mucamas que lhe prepararam, além de alguns soldados que saudavam seu pai. Ela mordeu os lábios, evitando assim que caísse no pranto por alguém que, visivelmente, não se dignara a se despedir.

    Enfim, adentrou o carro , endireitando-se ao lado da família, dando adeus para a tímida liberdade que permeava seus dias, que passavam em frente à si feito um filme. 

    O ronronar barulhento do motor fazia eco em seus ouvidos, apenas uma música de fundo em meio às memórias que insistiam em vir à tona. A capital do Império movia-se por sua janela em um borrão, se misturando em cores feito um quadro manchado. Misaki não conseguia enxergar a beleza que um dia vislumbrara ali, quando, ainda pequena, lhe parecia um novo mundo à se desbravar. 

    Casas, árvores, veículos e pessoas se juntavam em uma única imagem sem sentido que ela não conseguia entender, e sequer desejava. Afinal, Tóquio não era bela se a garota estava a seguir aquele fatídico caminho, em que suas raízes eram cortadas para serem replantadas longe do que conhecia. 

    Não havia cor, encanto ou essência; a moça simplesmente passara a ver o mundo como um recinto em que não era nada além de uma simples peça em um intrincado labirinto, sem que existisse outro caminho para seguir.

    A garota fixou o olhar em nenhum ponto específico, contando em sua mente o número de vezes em que tentara mudar tal sina; fugas eram frequentes ou, ao menos, tentativas, em que a jovem era sempre apanhada e tomada como um problema que haveria de ser solucionado. 

    Misaki poderia ter tudo, mas não tinha o que mais lhe importava. 

    Com um suspiro, fechou os olhos para se imaginar no dia em que, em mais um de seus castigos, Taeyong invadira seu quarto para resgatá-la da solidão; como nada além de jovens inaproveitáveis e problemáticos. 

    O Lee a notara chorar, farta de todas as lições que, sozinha, deveria aprender. 

   Os papéis e tinta voaram por todos os lados, bagunçando o cômodo que, como sua dona, era uma verdadeira confusão. A garota, embora fosse uma ávida entusiasta, também era uma rebelde assídua, rejeitando o máximo que podia qualquer costume ou ordem que culminasse em algo que feria seus próprios princípios e, dentre os quais, estava aquele de negar o matrimônio com alguém que não estava em seu coração e, menos ainda, dever resignação a tal homem. 

    Afinal, não poderia amá-lo, tanto quanto amava Taeyong. 

— Sabe, senhorita. Acho que a tinta ficaria melhor, se grafada no papel. — Brincou ele, ao observá-lo da janela dos aposentos da garota. O Lee sequer deveria estar ali, no entanto, a preocupação e o cuidado em relação à sua protegida eram maiores do que os afazeres que deveria realizar. 

    A Aikyo se voltou na direção da voz, soltando um suspiro exasperado e limpando as próprias lágrimas, devido às longas horas enfadonhas que, para ela, não passavam de minutos perdidos. Ou, ao menos, minutos esses em que percebera que jamais seria aquela que almejavam que fosse. 

— O que faz aqui, Lee-san? Não deveria estar a fazer a sua ronda uma hora dessas? — Perguntou, sem encará-lo. 

    Misaki não pretendia que vissem suas lágrimas, uma vez que era seu dever escondê-las.
 
— Em minha ronda, está incluído cuidar da senhorita. — Respondeu o moreno, simplista. — Ainda mais quando ela parece não estar de bom humor. 

— Está a imaginar coisas. — Mentiu a garota, recolhendo os objetos que deixara cair, em mais uma tentativa de omitir a tempestade que eram suas emoções. 

     Taeyong, por sua vez, sabia lê-la, melhor do que ninguém. E, ainda que a nobre tentasse, ele sempre sabia quando algo era errôneo em seu convívio. 

— Mesmo? Imagino que estava tentando redecorar seu aposento, eu diria? — Alfinetou o Lee, saltando enfim para dentro do cômodo, feito um gato a cair de pé. A moça recuou com o susto e, tomada pelo temor, sussurrou:

— Lee-san! Cuidado! E se alguém vê-lo?! 

— Fácil: a senhorita requisitou a minha ajuda para auxiliá-la com a desordem em seu quarto.  — Respondeu ele, tirando de seu caminho alguns pergaminhos, acomodando-se em seguida no piso, apagando a expressão sorridente em seu rosto pela seriedade. 

      A Aikyo vislumbrara tal gesto diversas vezes, em que Taeyong aflorava o instinto protetor que o levava a tentar resguardá-la da melhor forma que conseguia. 

      Ele sempre lhe cuidaria, independente das consequências. 

— Está assim por conta do anúncio do meu mestre? — Perguntou o rapaz, fitando-a feito um livro que lera inúmeras vezes. 

   A garota suspirou, apoiando-se na parede, cansada de todo o peso em suas costas. 

— Não. Sim. Talvez, seja. Por todas essas lições que jamais irei aprender. Por todo o mundo que tenho que entender, e então perdê-lo. Pela "esposa perfeita" que dizem sempre que tenho que ser, mas eu mesma sei que nunca a serei. — Misaki soltou baixinho, aninhando-se nos joelhos como uma criança desolada. A morena conhecia o seu dever, no entanto, também entendia as perdas que aquilo lhe traria. 

    Bem como o papel que deveria demonstrar e, entretanto, não conseguia.

    O silêncio se instalou por alguns minutos, ainda que o mundo lá fora continuasse a girar. 

— Você está certa, a senhorita nunca será a "esposa perfeita". — Disparou o samurai, ajustando melhor sua postura, de forma a encará-la. A jovem o fuzilou com o olhar, o que o fez sorrir;  Taeyong amava cada traço em Misaki. —"Perfeição" é algo inalcançável. No entanto, sei que não existe uma melhor esposa para o futuro general do Imperador. — Sorriu ele, ainda que suas próprias palavras lhe causassem dor. 

    Misaki, de fato, poderia ser uma ótima esposa; todavia, não seria a sua. 

    A morena franziu a sobrancelha, certa de que seu protetor estava a brincar consigo, porém, o sorriso no rosto do rapaz contradizia qualquer tipo de gozação ou zombaria que definia a amizade entre eles, envolvendo seu coração entristecido em uma afável atmosfera, que só o Lee era capaz de criar em meio às tempestades que a assolavam. 

— Obrigada, Lee-san. Suas palavras são as únicas que conseguem me alegrar. — Disse a Aikyo, com a sinceridade que lhe era tão comum. — Se, em outro universo, eu lhe encontrar, desejo muito que, nele, você me ame. E assim, poderei me casar com você. — Com um sorriso tão alegre e palavras tão tristes, o guerreiro engoliu seco, se perguntando como não poderia amar alguém assim, que visivelmente o amava, sem se importar com nada de seu passado. E ele, se assim pudesse, entregaria seu amor à Misaki, e viveria com ela em qualquer outro lugar.

     Contudo, o rapaz nada mais era do que um servo, que não poderia lhe oferecer nada além de seus sentimentos. E ele não podia ser egoísta a esse ponto. 

     Ainda assim, o jovem não evitou o sorriso que tomou o seu rosto ao responder:

— Em outro universo, senhorita Misaki...Isso é uma boa ideia. Prometo que, em qualquer outro cosmos, irei amar você. E protegê-la, assim como neste.  — Porém, não demorou para sua expressão esvair-se, logo que o medo e a consciência tomaram forma, impedindo que tal promessa se concretizasse. —  Se, em outro lugar, ainda for um servo, você continuará a me amar? 

    Taeyong temia, ainda que fosse apenas uma promessa quanto a um lugar desconhecido, uma palavra sobre algo vago. O guerreiro poderia imaginar sua vida sem Misaki, no entanto, não sem o seu amor. 

    A nobre suspirou, adquirindo a calma que não existia na extensão de seus aposentos, como se a resposta para a indagação fosse tão simples quanto o dia e a noite. Ela não hesitaria, não quando se tratava do Lee. 

— Eu vou amar você, independentemente se você for um rei ou um servo, se vivermos em um castelo ou na mais pobre casa da aldeia. O que importa para mim é que você esteja ao meu lado. — Afirmou ela, o quão direta era em relação ao que sentia. 

    A garota ainda memorava-se da feição surpresa do guerreiro, o rubor tímido que subia por suas bochechas empalidecidas, e o som das batidas de seu próprio coração, que se descontrolava sempre ao estar próximo do Lee. 

    O dito cujo, aliás, lhe sorriu, o que se tornava um ato ainda mais adorável devido à timidez visível. 

— E, pra mim, senhorita Misaki, você é a única flor em meio às pedras que percorri. E, por isso, por seu amor, eu agradeço. Por simplesmente me amar. 

    Ao ouvir tais palavras, a nobre sentiu seu âmago derreter-se ainda mais em sentimentos pelo estrangeiro, que se fora com o som das armaduras a se aproximar da bela atmosfera em que se mantinham. 

    Estupefata, Misaki o observou se tornar apenas uma sombra, fugindo de sua secreta confissão em meio à fria noite de um verão atípico, em que uma garota entregara sua afeição para alguém que não podia amá-la, feito uma flor que não podia desabrochar. 

   E, ao se ver mais uma vez naquela noite, a infeliz noiva baixou a face, para esconder as lágrimas que começavam a surgir em seu olhar entristecido, atormentada pelos sonhos que já não poderia ter.

   Entre as palavras vazias e conversas sem sentido de seus pais, A Aikyo divagava, em qualquer outro lugar que não fosse o que estava. 

   Sua família parecia orgulhosa, embora ela própria não soubesse pelo que ambos estariam a se orgulhar. 

   Com o rosto voltado para a janela, ignorando qualquer ruído, voz e presença, a garota fechou os olhos, buscando em sua memória o cheiro de matcha que o estrangeiro sempre lhe trazia. 

    A moça, em raras ocasiões em que não permanecia vigiada ao transitar por sua casa, se acostumara a observar Taeyong, sozinho em uma saleta vazia. Em tais situações, o guerreiro acabava por descobrir sua presença e, como em um ritual, lhe oferecia um chá de matcha quando a Aikyo estava prestes a desabar.

    A musicista, com o passar dos dias, via o tempo passar com certa tristeza, como se toda a cor houvesse sido arrancada de sua visão. O Lee, no entanto, era seu alento, o único em um mundo terrivelmente cinza.

   Ali, ao sentir o aroma do chá, preparado por ele enquanto ouvia a voz do jovem rapaz a lhe contar histórias ou conversas, era capaz de esquecer tudo o que tirava sua paz.
 
   Certa vez, em um dia incomum de outono, a neve caíra em Tóquio em um inesperado sopro de inverno, em que Misaki deveria, novamente, isolar-se em seu quarto e cumprir suas lições, para aprender a ser uma boa esposa. No entanto, como em todas as tentativas anteriores, a nobre acabava por lamuriar-se em misantropia, em que nada além das paredes ocas de seu quarto lhe eram companheiras. 

    A garota, desde o evento em que seu casamento fora anunciado, se via como um fantasma em sua própria residência, já que seus pais, preparando-se para a ocasião em que a filha não estaria mais ali, evitavam sua presença com constância, em uma forma um tanto errônea de aplacar a dor de logo vê-la partir. 

    Assim, a aristocrata vivia naquelas semanas solitárias, sentindo-se tão só quanto um filhote arrancado do ninho antes de saber voar. 

    No dia em questão, ela, ao notar os primeiros flocos de neve caírem do céu em meio à sua tristeza, fugira dos aposentos, à procura de qualquer coisa que pudesse livrá-la da melancolia, do simples saber de que o tempo estava a se esgotar.

     A Aikyo, fortuitamente, se via livre, ou o máximo que podia, para realizar algo que não se resumia a títulos ou a lições em que precisava ser perfeita, podendo enfim desfrutar da pouca liberdade a lhe cercar. 

    Em um dia invernal em que as árvores de cerejeira que contornavam a moradia pareciam melancólicas, Misaki se via a observar por sua janela a paisagem branca que se formava. 

    O frio cortante fazia os lábios femininos tremerem, e ela, tomada pelo desejo básico de se aquecer, buscou no cômodo em que estava um dos instrumentos que utilizava nas fatídicas aulas dadas por sua mãe; guardados em armários simples, estavam os conjuntos de chá feitos de cerâmica pelo qual sua genitora tinha tamanho primor. 

   A jovem recolheu o primeiro que surgiu em sua visão, sorrindo para si mesma ao se dar conta de que aquela seria uma ótima brincadeira a se pregar, visto que, sabia ela, que momentos como aquele eram sempre precedidos de horas fatigantes de estudo; uma gota de mel em troca de uma xícara de fel. 

   A coleção requintada, pouco a pouco, fora colocada sobre a mesa amadeirada, enquanto o cheiro silvestre de chá verde, fervido sobre a Irori alocada estrategicamente distante das áreas de ventilação do compartimento, se espalhava pelo ambiente, o suficiente para fazê-la experimentar a comodidade que não encontrava nas pessoas que ali residiam, com exceção de um certo guerreiro.

    Com um suspiro, Misaki acomodou-se sobre uma das almofadas ao redor da pequena mesa — a chabudai —, observando o crepitar do fogo, sentindo o aroma que adentrava suas narinas e, finalmente, o som silencioso das vidas que se seguiam na residência, exceto a sua, que parecia sempre um carrossel, sem nunca sair do lugar. 

     Solitária, a moça recolheu o instrumento que levara junto a si, em mais uma tentativa de praticar, embora ainda não fosse habilidosa o suficiente para criar notas harmoniosas.  Os dedos pálidos se dirigiram à às cordas, criando nelas uma sintonia descompassada e um tanto sem sentido que, para ela, parecia um reflexo de si mesma; sem rumo. 

     As cerejeiras, no inverno rigoroso, não exibiam as flores róseas, entristecidas e enevoadas feito a própria estação, deixando Tóquio sob um cobertor transluzente. As estrelas brilhavam no céu em pequenos pontos cintilantes no plano escuro, e a garota que as observava se via a sonhar com os mesmos astros, que poderiam realizar seu tímido desejo. 

     Ali, sozinha, a Aikyo se permitiu imaginar-se em uma realidade em que Taeyong também estivesse lá.

— No que está pensando? 

     Assustada, a morena se voltou na direção da voz, que surgira em meio aos seus devaneios como um som a lhe despertar de um doce sonho.

     Seus olhos se arregalaram e o rosto pálido fora tomado pelo rubor ao lhe ocorrer a mínima possibilidade do rapaz à sua frente ter decifrado a resposta para a indagação feita.

     Logo, balançou a cabeça, afastando tais pensamentos sem sentido. Sorriu então, sem se preocupar com o coração acelerado em seu peito ao encarar aqueles olhos castanhos a lhe atentar. 

— Nas estrelas, Lee-san. Ao olhá-las, lembro-me de você.  

     O Lee franziu a testa, enrubescido. 

     Os fios escuros estavam molhados de suor, bem como seu rosto e até o kosode que usava. Era início da noite e, portanto, o fim do treinamento dos soldados que logo iniciariam sua ronda.

     Misaki sorriu internamente ao perceber que, talvez, procurá-la fora a primeira ação do estrangeiro em meio a tantas outras ações que poderia ter feito.

— E porque precisaria olhar para as estrelas, se estou aqui com você? — Perguntou ele, sorrindo para a moça com certa presunção. 

    Taeyong, de certa forma, se habituara às declarações nada discretas de nobre, que haviam se tornado indispensáveis em seu dia-a-dia cheio de obrigações, a ponto de conseguir responder a tais sem demonstrar que aquelas palavras, independentemente de quantas vezes eram ditas, tinham um enorme impacto em seu âmago contido. 

    Ela, a propósito, animou ainda mais sua expressão e, alegre, o convidou para adentrar. 

— Entre, por favor. Fico feliz que esteja aqui, minha casa não parece mais solitária quando você está comigo. 

    O rapaz olhou em volta, temendo que seu ato, ou mesmo o da garota, fosse tomado como errôneo ou qualquer adjetivo o suficiente para criar alguma conversa indesejada entre as paredes daquela casa, todavia, como alguém acostumado a arrumar desculpas para visitar a filha de seu mestre e simplesmente ouvi-la rir, o Lee já preparava seu subconsciente para uma provável situação constrangedora. 

— Se apresse, Lee-san. Está muito frio, e não quero que fique doente. — Alfinetou ela, preocupada. 

    O samurai se curvou em direção a própria, em um pedido mudo para adentrar a sala, tão vazia quanto a cidade àquela temperatura. 

   Tímido, deixou os calçados de madeira, do lado de fora, ignorando o arrepio que correu por sua coluna logo que os pés, mesmo cobertos por meias um tanto maltrapilhas, tocaram o piso frio. O cheiro de chá logo penetrou suas narinas, e ele, curioso, se voltou à moça com certa surpresa, afinal aquilo indicava certa preparação, o que demandava tempo. 

   Desconfiado, olhou para a moça, que recolheu a xícara sobre o pires do lado contrário ao seu, preparando a mesa para que ambos desfrutassem do pouco tempo que agora tinham juntos. 

    Os fios escuros como a noite estavam presos em um coque, e a pele pálida pontilhada por tímidas sardas pareciam estrelas em um lindo céu, que sorria para ele sempre que o resto do mundo estava prestes a se fechar. 

   Acomodando-se em frente à ela, Taeyong sorriu timidamente, sabendo que o calor em suas bochechas não se devia ao líquido fervente na xícara posta sobre a mesa. 

— Me deixe...-— O Lee piscou, ao notar que Misaki o servia, enquanto devesse ser o contrário. Assim, tentou, com delicadeza pegar o bule nas mãos femininas, que seguraram com ainda mais força o objeto.

— Não, Lee-san. Hoje, quero que saiba que, ainda que minha família me entregue àquele homem, eu ainda amarei você. Esperarei por você, em quantas existências forem necessárias, até que se sinta o suficiente para me amar de volta. — Ditou ela. Seu olhar era triste e enevoado, feito as árvores que haviam perdido suas folhas naquele inverno. O samurai engoliu seco, temendo o que estaria por detrás daquela expressão. 

— Posso lhe perguntar o porquê de estar aqui? Não deveria estar em uma de suas lições? — Perguntou o rapaz, calmamente. 

    A morena pousou o objeto que ainda segurava sobre a mesa com certa fúria. Um suspiro deixou seus lábios, perdido na fraca brisa invernal.

— Meu noivo virá pedir a minha mão hoje, oficialmente, pelo menos. E eu terei que dizer "sim" à ele, como a "fantoche" que tenho que ser. 

— E se você dizer "não"? — Perguntou o servo, com um pouco de esperança em sua voz. 

— Não posso, Lee-san. É meu dever, como a única herdeira da minha família. Não tenho voz em uma situação como esta. E, na verdade, nem o meu noivo. — Riu ela, com tristeza. — É tudo um arranjo de famílias. Se eu negar, minha família pode cair em desgraça, e então serei vista como uma mulher arisca, cujo nenhum homem irá se casar, afinal, serei a culpada pelo decair da minha linhagem. 

    O soldado a observou com tristeza, desejando, mais do que nunca, afagar aqueles fios negros sobre suas mãos, limpar suas lágrimas e admitir baixinho que a amava. Ele não ligava se Misaki seria considerada como aquilo que falava, ou se já era vista como tal devido às suas inúmeras tentativas de fugir.

    Taeyong amava cada pequeno traço daquela flor, que logo seria plantada em outro jardim.

    Dentro de si, se perguntou como seriam seus dias sem aquele sorriso, a forma melodiosa como chamava o seu nome, ou mesmo sem as tímidas sardas que pontilhavam o rosto pálido. 

    Sentindo-se ainda mais solitário com tais pensamentos, o rapaz levantou-se, certo de que, ao continuar ali, a dor de ser correspondido por Misaki, mas não poder lhe dar o que lhe cabia, doía mais do que qualquer hematoma ocasionado pelo treinamento. 

    A moça o observou com confusão, sem entender a expressão séria no rosto do jovem samurai. 

— Lee-san? O que houve? 

— Perdoe-me, Aikyo-san. Estou atrasado para as aulas com o meu mestre, por isso, não posso acompanhá-la. Obrigado, de qualquer forma. — Disse ele, ignorando o quanto os pensamentos em sua mente pediam para que ficasse.

    Taeyong sempre soubera que não era o homem ideal para Misaki, a herdeira de uma nobre família, alguém que tinha uma vida muito diferente da sua. 

     E ele não poderia ser comodista, a ponto de pedir-lhe que abandonasse tudo por um rapaz que não tinha nada a lhe oferecer além do seu coração. 

    Naquela fria e eremítica noite invernal, Misaki conhecera seu noivo, reconhecendo enfim que Lee Taeyong nunca estaria pronto para amá-la, não como deveria. 

   Pois o estrangeiro ainda se via a temer o tal sentimento caloroso que o invadia ao simplesmente pensar na filha de seu mestre. 

   Porque admiti-lo também seria uma sentença; uma realidade em que, embora fosse correspondido, não poderia ser seu amor. 

    A Aikyo o observara ir embora mais uma vez, sem saber que o guerreiro tentava, em vão, fugir do estranho afeto que nutria. 

   Entristecida e apartada, ela retornou para o reduto vazio de seu quarto, observando as paredes nuas do cômodo que mais lhe lembrava uma prisão. E ali permaneceu, aguardando que sua mãe viesse buscá-la e a levasse ao destino que não podia mudar. 

   E assim, as batidas na portada vieram, assim como as estrelas a iluminar o céu. Misaki se perdera naquele lugar, entorpecida em seus próprios sonhos, interrompidos pelo som quase inesperado. 

    A moça se voltou para a silhueta iluminada pela lamparina, sem qualquer animação, sem conter a expressão de amargura que se formou em seu rosto ao concluir que, enfim, havia chegado a hora de entregar sua vida àquele que não a merecia, que não teria seu amor. 

    A jovem rumou à figura à frente de seu quarto, ao estar certa de que sua mãe não desistiria tão facilmente de levá-la àquela fatídica reunião, e então, empurrou a shogi, sem pressa alguma em seus gestos. 

    Logo, os lábios vermelhos se abriram em um "O" perfeito, e os olhos castanhos amendoados se arregalaram, expressando a surpresa que a tomou conta ao reconhecer o rosto escondido em parte pela penumbra que permeava o corredor.  

     Taeyong estava parado a sua frente,  sozinho, parecendo envergonhado, ainda que fosse um tanto complicado constatar a expressão em seu rosto. 

     Sem esperar qualquer palavra da morena, estendeu uma pequena flor de cerejeira, bela como o nome daquela que fazia seu coração palpitar. 

     O gesto lhe parecia um tanto infantil, algo realizado por uma tímida criança ao descobrir o amor, no entanto, ele, como nada além de seu servo, nada mais poderia fazer. 

     E, com o rubor a tomar sua face ao simplesmente estar próximo à Misaki, ditou simplesmente.

— Peço desculpas se meu ato pareceu indelicado. Não foi minha intenção ser rude. Por favor, senhorita Misaki, não fique brava comigo. Eu apenas...não sabia como reagir à  sua tristeza. 

     O jovem suspirou, insultando internamente à si mesmo por mentir em meio às desculpas sinceras que proferia. Todavia, o tímido sorriso dado pela garota o fez esquecer completamente das confusões internas, e enfim se sentir ser preenchido pela mais doce alegria, feito um raio de sol ao fim da tempestade. 

     Em contrapartida, as mãos femininas se moveram com vagar, enfeitiçadas pela beleza que as simples palavras traziam, que a própria presença lhe propiciava. Ela o observou, temendo que, como aquela flor, Taeyong se dissiparia, levado para longe de seu olhar. 

— Quando as cerejeiras florescerem, sempre me lembrarei da senhorita, que deixou de ser um pequeno botão e se tornou uma linda flor. Apenas lhe peço que, aonde quer que vá, por favor, não se esqueça de mim. — Pediu o Lee, ao entregar o presente que, para ela, valia mais que todo o ouro e prata presente no mundo. Misaki tomou o regalo em mãos, e ao novamente voltar o olhar para o guerreiro, notou que este não estava mais ali. 

     Logo, a voz de sua genitora tomou conta, bem como as lágrimas que caíam pelo rosto pálido da moça que via aquele doce momento se despedaçar. 

— Jamais esquecerei você, Lee-san.

     E, naquele exato instante em que seguia para seu casamento com um homem que não tinha seu coração, Misaki recordou-se de tal dizer, tentando ignorar as lágrimas que surgiam, sem aviso, feito as memórias de um certo rapaz que ela nunca voltaria a encontrar. 

— Querida, você está bem? — Naomi, sua mãe, enfim se desvencilhou dos planos criados para a filha, notando nela então a dor de sua expressão. Delicadamente, tocou as mãos da herdeira, que se encolheu diante do toque inesperado. 

    Mais uma vez, era hora de sorrir diante de uma situação que não gostava. 

    A jovem respirou fundo e fechou os olhos por alguns segundos, sentindo que, novamente, seu coração se estilhaçava em um milhão de pedaços, como um vaso arremessado ao chão. 

    Ela, por fim, levantou a cabeça, e ao abrir a boca, ouviu o som estridente de rodas a serem esmagadas contra a areia em faíscas, fazendo o veículo em que estava parar em um solavanco mal calculado, a jogando para a esquerda em meio à confusão.

    Fumaça cinzenta preencheu o ambiente e, por um segundo, a noiva acreditou que o motor do carro havia parado por conta de um problema técnico, o que era possível, visto que o próprio não era muito utilizado pela família em questão. 

    Porém, a figura que surgiu em sua janela, em seguida, fez todas as suas teorias caírem por terra, escondido em meio ao vapor que se espalhava pelo ar. 

    A Aikyo arregalou os olhos com a visão, que reprimiu um grito devido às mãos, também cobertas, do desconhecido, que em um gesto silencioso, pediu para que se acalmasse. 

    O estranho não só se escondia entre o torpor e a fumaça, mas através de suas roupas, escuras e que cobriam completamente o seu corpo, incluindo o rosto, com exceção de seus olhos, que encararam a jovem com afinco e decisão, em um pedido mudo para que o decifrasse, que descobrisse sua identidade sem qualquer outra pista. 

    E Misaki, ainda em seu medo, proferiu, sem som, o nome de seu protetor, torcendo para que não fosse apenas um pedido de seu coração desesperado. 

    O então desconhecido pareceu sorrir ao decifrar a única palavra saída dos lábios rosados e, alarmado, lhe estendeu a mão, sem maiores complicações. 

    A nobre, sem sequer hesitar, acatou de imediato, e em um rápido movimento, o ser encapuzado a colocou em seus braços, a escondendo em tecidos maltrapilhos e a levando de toda a balbúrdia que ele próprio causara. 

   A garota observou o mundo que conhecia ficar para trás em meio à corrida apressada de — sabia ela — Taeyong. Seus pais retiravam-se desajeitadamente do veículo, a procurando em meio ao acidente, sem lhe encontrar. 

   Ela fechou os olhos, sentindo o cheiro habitual de matcha que o Lee sempre trazia consigo, o som de sua respiração e, sob o olhar acastanhado que a acalentava, estava certa de que iria à qualquer lugar, desde que Taeyong estivesse ao seu lado. 

                                                                                                     (...)

— Senhorita Misaki? Senhorita, por favor, acorde. Estamos seguros. — Ao ouvir tais palavras, ditas de forma tão singela, Misaki abriu os olhos, sorrindo em contraponto às lágrimas que surgiam em sua face ao reconhecer a única voz que fazia seu coração acelerar. 

— Era você, Lee-san! Não acredito, o que você...

    O dito cujo, a figura encoberta, retirou a máscara que cobria seu rosto, revelando quem a garota já sabia. Taeyong sorria um tanto envergonhado, ajoelhado em frente à ela com certa preocupação:

— Antes, porém, me diga se está ferida, se a machuquei. Diga-me, por favor. 

— Não, eu estou bem, Lee-san. — Respondeu ela, com convicção. — No entanto, estou um pouco confusa. O que fez, como fez...— Ditou, surpresa, sem conseguir compreender grande parte do que ocorrera. 

     O moreno suspirou, a observando com atenção. Ainda que o rubor estivesse presente e evidente em seu rosto, falou, sem desviar o olhar daquele que lhe era tão conhecido: 

— Me desculpe, Misaki. Foi a única maneira que encontrei. Talvez, esteja sendo egoísta ao tirá-la de lá, mas...Não consigo imaginar os meus dias sem você. 

    A moça cobriu os lábios com a mão, atordoada, como se houvesse acabado de levar um forte golpe em suas costelas. 

   Ela piscou então, sem acreditar no que ouvia.

— O que...O que disse? 

    O samurai sorriu com tal dizer, enrubescido com o fato de que, mais uma vez, revelaria seus sentimentos pela filha de seu mestre.

— Quero que a senhorita esteja ao meu lado. Não quero que se case com ele, embora seja o melhor para você e para a sua família. Eu...não tenho nada a oferecer, exceto meu coração que, desde que a conheci, sempre foi seu. Não vou obrigá-la a ficar comigo, pode partir e se casar com seu noivo, se assim desejar. Porém, não podia deixar que o fizesse, sem saber que eu a amo. É isto; eu amo você, senhorita Misaki. E eu quero estar com você, até que a minha vida definhe, se aceitar este simples servo. 

    A moça abriu a boca para proferir algo, mas não conseguiu proferir nenhum som. Ela, obviamente, desejara ouvir aqueles dizeres por muito tempo, todavia, escutar aquilo, de fato, parecia surreal; como um sonho do qual logo se tem de acordar.

— Lee-san...Por favor, não brinque comigo. V-Você realmente me ama? — Perguntou ela, apavorada com a ideia de que tudo fosse apenas uma brincadeira de mau gosto, ou uma invenção de sua mente. 

   Taeyong mordeu os lábios, entristecido. 

   Ele, como um hóspede na casa da Aikyo em todos aqueles anos, não podia se dignar à amar a filha do homem que lhe oferecera um lar quando o mundo, para o ainda menino, havia se tornado solidão e lágrimas; não tinha esse direito. 

   Contudo, também lhe era injusto que a morena entregasse seu amor, levando em mente que não era correspondida. 

   O guerreiro sorriu timidamente, temendo que, ao tocá-la, ao tê-la tão perto, despertaria daquele sonho que era ter Misaki próxima à ele, em que seus sentimentos haviam sido confessados. 

— Perdoe-me, senhorita Misaki. — Pediu, logo que notou o assombro na expressão alheia. — Não sou bom em expressar meus sentimentos, o que acabou trazendo grande dor à você. Não era minha intenção. Deixei que se tornasse noiva de outro homem, e que acreditasse que não tinha o meu coração. A mantive em dúvidas, o que não foi certo de minha parte. Me desculpe.

    A moça sorriu enfim, segurando o rosto masculino em suas mãos, o fazendo voltar se em sua direção. 

    Ela aprendera, há muito tempo, que Taeyong divagava quando seus sentimentos precisavam ser expostos, enxergando coisas que não existiam. 

   Qualquer dor que poderia ter existido, por acreditar que não tinha o amor de Lee Taeyong, havia evaporado com sua tímida declaração. 

 — Lee-san. Não se preocupe, está tudo bem. Por favor, não se culpe, posso entender o porquê de manter seus sentimentos em segredo, e não o julgo, de nenhuma maneira. O que importa, para mim, é que está aqui agora. É que você me ama. 

   O estrangeiro engoliu seco, a encarando por um momento, a observar cada mínimo detalhe ali que fazia o âmago em seu peito disparar de forma desesperada, em um clamor harmônico pela moça bela como as cerejeiras que floravam naquela primavera. 

   A pele rosada de suas maçãs coraram ainda mais ao ser tocada pela jovem que, ao apoiar a mão direita em sua bochecha, encostou ambas as testas em um gesto cálido, gentil feito as pétalas que voavam na brisa. 

   Misaki fechou os olhos, deixando-se por um segundo viajar naquela utopia ou sonho, onde quer que estivesse, para ter o Lee tão perto, ainda que distante. 

— Eu a amarei em qualquer existência, senhorita Misaki, ainda que você não me escolha. E, por amá-la, sei que a realidade ao meu lado pode ser muito difícil. E eu...

— Taeyong. — O dito cujo arregalou os olhos e se distanciou, surpreso pela quebra de todos os honoríficos e classes que a moça acabara de quebrar, ao somente chamar seu nome. O rapaz sorriu minimamente, pois faziam-se anos desde que ouvira aquela única palavra ser pronunciada por alguém pela última vez. — Ao me casar com Kento, eu me tornaria a mulher do futuro shogun, a única herdeira de uma das famílias mais ricas de Tóquio. — A Aikyo observou a prata, contida em uma pulseira que usava, com certo asco, um símbolo da vida que deixaria para trás. — Mas viveria minha vida apenas pelo status. O mundo se tornaria cinza e sem cor, porque você não estaria mais a me proteger. Não ligo se não vestirei mais vestidos de seda ou se não usarei joias, ou se sequer tivermos casa para morar. Não. O que importa é que, para onde eu for e como for, você estará comigo. E nenhum lugar pode ser tão ruim, se você estiver ao meu lado. 

   O Lee suspirou fundo, como se um milhão de toneladas houvessem sido retiradas de seus ombros. E então sorriu e desatou a rir, animado, vislumbrando o futuro que finalmente teria ao lado da garota que amava. Ele enfim poderia visualizar a felicidade mais uma vez, se Misaki fosse sua guia naquele novo caminho a se trilhar. 

— Iremos iniciar uma nova vida, senhorita Misaki. Em qualquer lugar. No entanto, antes disso, receio que terá de trocar suas roupas, ou haveriam suspeitas sobre o lugar de onde veio.

    A Aikyo franziu a testa com o dizer, voltando o olhar em seguida para as suas vestimentas que, notou ela, eram chamativas demais para alguém em fuga. 

   Intimidada, ditou, apertando a seda prateada em mãos, evitando o olhar pensativo do moreno em direção à ela:

— Não tenho dinheiro algum comigo. Essas roupas terão que servir. 

   Taeyong observou o rosto feminino, percebendo enfim o embaraço da moça por conta de sua expressão.

— Ah! Desculpe intimidá-la. Estava apenas pensando que você deve ter o mesmo tamanho que ela. 

    Ao ouvir aquela única palavra, a nobre petrificou no lugar, atordoada pelos pensamentos imediatos que surgiram em sua mente, inúmeras situações nada favoráveis àquela em que se encontrava. Ela franziu os lábios e o observou, desejando que aquilo fosse apenas algo de sua mente. 

   O espadachim, contudo, estava entretido com algo adiante, mas logo encarou a jovem, sem entender o porquê de sua expressão.

– O que houve?

— À quem está se referindo, Lee-san? Quando falou de minhas roupas? — Indagou ela, com o máximo de delicadeza que pôde transmitir. Sabia Misaki que as palavras de Taeyong não eram falsas ou com segundas intenções e, por isso, não havia porque temer, embora o lado racional de seu cérebro temesse o contrário. 

   O estrangeiro fechou os olhos por poucos segundos, e ao abri-los, a expressão de júbilo em seu rosto transfigurou-se em uma profunda tristeza, a mesma que a garota vira em seus olhos quando o conhecera. 

   Ele era um labirinto, que a jovem ainda tentava decifrar. 

— Venha comigo. A trouxe exatamente aqui por um motivo. Me acompanharia, senhorita? — Pediu o moreno, polido e tristonho, algo que doera imediatamente na garota. A atmosfera harmoniosa em que antes se encontravam havia sido encoberta por um conjunto de nuvens escuras, anunciando uma tempestade prestes a cair. 

    A moça assentiu em concordância, levantando-se da rocha em que estava sentada. Somente após aquela longa conversa, a Aikyo finalmente atentou para o entorno, tão distante da capital que sequer sentia-se o cheiro quase tóxico de carvão que sempre invadia suas narinas ao visitar Tóquio, ou o caótico e barulhento movimento dos carros que disputavam espaço com os pedestres. 

   Ali, havia somente as árvores, que floreavam com a chegada da estação tão esperada, colorindo a paisagens em tons que lembravam a paleta de um pintor caprichoso; a nobre se apressou até uma delas ao mesmo tempo em que corria para alcançar Taeyong e, curiosa como sempre fora, tocou em uma mancha escura que parecia um besouro, sobre uma das folhas verde-escuras. No entanto, ao tê-la em contato com a pele, notou que era viscoso, sólido, com pequeninas manchas brancas ao seu redor. 

    O Lee, ao notar que não era mais seguido por ela, a procurou com o olhar, soltando um suspiro ao constatar o porquê da indagação em seu rosto:

— Se está se perguntando o que é, isso é carvão seco. Quando a madeira é queimada e seus restos não são limpos, é sólido feito as folhas das árvores.
 
    A Aikyo lhe olhou sem entender. Afinal, não havia qualquer fábrica por perto.

— Mas, não há fábricas por aqui. 

   O moreno lhe dirigiu um sorriso forçado, como os que costumava dar quando a família Aikyo era visitada pelo pretenso noivo de Misaki. 

   Ela, por conhecê-lo tão bem, sabia que havia mais uma porta no labirinto, uma que o Lee mantivera longe de si e de todos por muito tempo, pelo seu próprio bem. 

    Naquele instante, memorou-se do menino franzino e desorientado que chegara em sua casa, há tantos anos. A nobre recordava-se dos machucados — queimaduras quase cicatrizadas —  que vira sua mãe tratar no novo hóspede, do cheiro de queimado que vinha de suas roupas. 

   Costurando todos aqueles detalhes, ela apenas torcia para que aquilo fosse apenas um colcha de retalhos sem sentido, que não culminava em fato algum. 

— Esse carvão vem de uma casa, senhorita. A minha casa. 

    Ali, a jovem ainda não sabia como o destino poderia ser cruel, e o mundo sem cor, feito a fumaça que via, ao longe, deixar as chaminés da recém-nomeada Tóquio. 

    Ainda assim, a nobre ergueu a cabeça, pronta para conhecer todas as faces de Lee Taeyong: seu passado, presente e futuro. 

    E não se podia seguir em frente, sem que as correntes que o prendiam fossem quebradas. 

— Eu entendo. Por favor, me leve até lá. — Pediu, com convicção e sem hesitar. O rapaz, porém, encontrava-se perdido após as palavras que dissera, assustado com o que voltaria a ver. 

    Fazia parte de seu plano trazer a moça àquele local e mostrar-lhe as facetas que ainda se mantinham escondidas. Porém, reviver tamanho pesadelo parecia surreal, como vivenciar, mais uma vez, o terror daquela noite. 

— Taeyong? — Chamou a morena, preocupada com a inércia do samurai, que permanecia no mesmo lugar, sem se mover. 

    Engoliu seco ela, temendo que, de alguma forma, houvesse feito ou dito algo inoportuno, que pudesse ter trazido à tona a dor que o guerreiro guardava. 

    Tomada pelo ímpeto de ajudá-lo, Misaki puxou uma das mãos alheias, a segurando em um gesto que, se visto por outros, seria condenado e visto com maus olhos. Mas, sentir o calor de Taeyong naquele movimento lhe era tão importante quanto um cobertor no inverno, assim como era para ele, que a olhou como se despertasse de um transe. 

    O Lee apertou um pouco mais sua mão contra a dela, buscando o apoio para seguir em frente, na direção da fatídica noite em que tudo havia mudado.

— Desculpe. Venha comigo. — Falou o estrangeiro, a guiando pela estrada vazia e solitária, como o menino desorientado que um dia visitara aquele mesmo lugar. 

   Ela assentiu, dando passos quase trepidantes na direção do pequeno vilarejo, que começava a surgir em meio às árvores com o avanço de seus pés. O som audível de pássaros a cantarolar nas redondezas, o cheiro das coníferas e o ritmo completamente análogo aquele cujo fora acostumada a fez pensar, por um minuto, que aquele não seria um lugar ruim para se crescer e viver, sem qualquer preocupação com casas nobres ou riquezas. 

   Misaki suspirou, imaginando uma infância ali, longe de todas as responsabilidades que ela, uma aristocrata, havia de ter. 

— Me parece um lugar adorável. — Disse a jovem, animada. O mundo parecia enorme e maravilhoso, e a Aikyo adorava tal sensação. 

   Taeyong, em contrapartida, sorriu minimamente com a felicidade expressa no rosto alheio, todavia, as sombras logo chegariam, estilhaçando a atmosfera afável em que sempre adentrava ao se estar com ela. 

— E era. Porém, acho que nem todos podem ser tão amáveis quanto você e sua família foram comigo. 

    A morena parou, notando o tom melancólico da voz dirigida à si; seu coração bateu forte, lembrando-se de todos os fatos questionáveis sobre a chegada do Lee em sua casa. 

    A Aikyo  era alguém curiosa por sua própria natureza, mas nunca obtivera uma resposta acerca do misterioso garoto ou as motivações que haviam o levado até ali; mantida dentro de uma redoma, a menina e, logo, a moça, era mantida longe de qualquer coisa que pudesse partir a proteção criada por seus pais. 

   Todavia, lá estava, em frente ao muro que nunca pudera atravessar. 

— De...De quem está falando? Alguém da minha casa o tratou mal? O rejeitou de alguma maneira? Se sim, posso...

     O guerreiro balançou a cabeça em negativa, a pegando pela mão como se feita de porcelana, temendo que, como a realidade que um dia tivera, ela se dissiparia sob seu olhar:

— Tudo seria mais simples, se a resposta para a sua pergunta fosse "sim". No entanto, receio que as coisas tenham sido bem mais complicadas. — Sem explicar o porquê de seu dizer, ele a guiou pelos demais passos que os levaria enfim ao vilarejo em que vivera tantos anos atrás. 

      Naqueles segundos, Taeyong sentia que caminhava de volta ao inferno; um em que não fora capaz de salvar ninguém enquanto as chamas se alastravam por corpos sem vida e sem redenção. 

     Ao estar naquele lugar mais uma vez, o rapaz sentiu-se pequeno, como naquela noite. 

    Tão sozinho e solitário quanto as estrelas. 

— Mas o que...— A voz de Misaki o tirou das sombrias memórias que o permeavam, ainda que em sua voz o puro assombro estivesse explicitado.  Os olhos castanhos da jovem se arregalaram, entumecidos e petrificados com o horror que vislumbrava adiante.

    Restos de madeira amontoada e ressequida se espalhavam pelo campo aberto, cicatrizes de uma realidade que já não existia e que se fora. 

    A terra, antes coberta pela verdejante grama, era escura e sem vida, ainda que pequeninas mudas tentassem se reerguer em meio ao cenário inóspito. 

    Ruínas, do que haviam sido habitações,  estavam largadas ao léu e ao tempo, tristes enquanto o país florescia com a primavera.
 
    A moça fitava, atordoada, os traços de vidas distantes da sua, que desapareceram da existência em um triste findar. Ela, em passos lentos e quase angustiantes, seguia pela vila destruída, por sonhos esfumaçados em uma noite ardente pelas chamas. 

    Pedras — muitas delas — marcavam, um pouco mais além, um cemitério, quase uma centena de rostos que a morena jamais saberia os traços. 

   Engoliu em seco ao se voltar para o guerreiro, que observava a tudo com o olhar perdido em algum lugar do passado, quando o presente não era tão doloroso e o futuro não parecia tão cruel. A morena fitou o horizonte, que até assemelhava-se estar lúgubre e cinzento, feito as próprias cinzas. 

    A garota respirou fundo, atenta à tristeza que sempre estivera nos olhos de seu protetor; uma sombra de um pretérito que jamais poderia esquecer. 

— Taeyong...Não vou lhe cobrar por uma explicação. Está tudo bem. Podemos ir e você...

    O samurai negou com a cabeça, sem desviar o olhar dos resquícios daquela vila, que agora lhe era tão distante e vazia, apagada do mapa feito uma folha qualquer arrancada de um livro. Em um suspiro longo e triste, o rapaz deixou que aquela noite enfadonha se concretizasse em suas palavras, a mantendo dentro de si como uma cicatriz. 

— Não, senhorita Misaki. Não posso entregar meu futuro à você, se não for capaz de entregar também o meu passado. Você merece tudo o que tenho para lhe dar. 

   A nobre sorriu com o doce dizer, o suficiente para seu coração palpitar em batidas descompassadas que a denunciavam. O moreno a olhou, embora a própria soubesse que sua mente estava em outro local, longe dali. 

— Era aqui onde eu vivia com meus pais, depois de fugirmos da fome, na Coréia. — Ditou ele, a orientando por entre os destroços até um em especial. Ainda que completamente destruída, a garota não teve dificuldade em imaginar um menino a correr e brincar, sem imaginar que o mundo estava prestes a desabar. — Encontramos refúgio aqui, onde existia uma pequena vila em que os moradores também eram estrangeiros. Mesmo tão próximo de Tóquio, era seguro contra as autoridades que poderiam nos achar. 

— Porque? — Indagou a Aikyo, sem entender. 

— Éramos estrangeiros, Misaki. O shogun não aceitava a chegada de forasteiros, e muito menos ilegais. E, ainda que as fronteiras permaneçam fechadas, o mundo era bem mais cruel quando chegamos aqui. — O Lee, não muito atento, riu, recolhendo em algum escombro uma bola murcha empoeirada. Sua risada se perdia em meio às tímidas lágrimas que caíam pela face corada, gotas de um céu que Taeyong não enxergava há muito tempo.

— Lee-san...Por favor, não continue. Não, você não precisa me contar. 

—Preciso, Misaki. Por você e por mim. Por favor, tenha paciência comigo. Eu...só preciso de algum tempo. Está tudo bem. 

    A moça assentiu, retirando do bolso de seu kimono um pequeno lenço de seda que, sem avisar, o usou para limpar o rosto do guerreiro. Encarando os olhos enevoados pela tristeza, disse, sem pestanejar:

— Você tem o tempo que precisar. 

    Taeyong a observou. 

   Ele sabia que, se quisesse seguir com Misaki, precisava se desvencilhar de seu passado, esquecer sua dor para que apenas o amor permanecesse. 

    Dentro de si, agradeceu, a quem o estivesse ouvindo, por não estar sozinho na longa jornada que teria para encontrar o garoto que ainda vivia em suas memórias.  

— Ele...o shogun mandou que nossa vila fosse incendiada. O governo temia que fôssemos uma ameaça, que criássemos um conflito interno com o qual não pudessem lidar a tempo. Então, quando Tokugawa descobriu sobre nós, sobre todos nós, mandou que nos matassem. Em uma única noite, todos eles...Tokugawa exterminou todos eles. 

   Tomada pelo choque, a garota apertou a mão masculina, como em busca de um apoio para se segurar.

    O menino que chegara em sua casa naquela manhã viera de tal barbaridade? 

— Como...Mas o que...

    O moreno arrumou os fios castanhos que se desalinharam do coque meticuloso na Aikyo, em uma maneira de se desligar de tamanha tragédia.

     Ele não queria recobrar, novamente, tudo de horrível que ocorrera.

— Naquela noite, meu pai me pediu que fosse à Tóquio, para comprar um remédio, pois minha mãe costumava ficar doente quando o inverno estava prestes a chegar. — Falou, animando-se para logo ser tomado pela angústia — Era uma viagem rápida, o suficiente para que eu não estivesse aqui no começo de tudo. De quando aqueles demônios...— Taeyong rangeu os dentes, respirando fundo para retomar de onde havia parado — Quando retornei, a vila estava em chamas, e já não se conseguia ouvir nada além do fogo. Não parecia ser nada além de uma enorme fogueira. E eu, não consegui salvar ninguém, porque não havia mais alguém vivo para salvar. Nem os meus...

    Sob o florescer das cerejeiras e a brisa da nova estação, o silêncio se elevou, levando nas palavras não ditas o som das vozes que haviam sido caladas. 

    Misaki engoliu seco, atentando para as lápides dali há alguns passos, que nomeavam e marcavam o sangue debaixo do tapete, escondido sob Tóquio, cujas estruturas se ancoravam em atrocidades como tais. A jovem, ainda atordoada por aquelas revelações, rumou até uma habitação em especial onde, notou ela, havia uma placa partida ao meio. Os caracteres, ajustados em ordem, formavam o sobrenome do samurai, que a observava com atenção. 

    Ela retribuiu o olhar, recolhendo em mãos a madeira praticamente destruída, tentando, em vão, limpar a fuligem que a manchava.

— Era aqui...? Sua casa, Lee-san? 

   O Lee assentiu com a cabeça, soltando um suspiro longo. 

   Não havia qualquer coisa que indicasse com certeza que ali havia sido uma casa, mas Taeyong ainda sabia. Em um cumprimento de respeito, ditou, tentando manter a voz firme em meio àquela situação:

— Mãe, pai. Eu voltei para casa. 

    A moça se apressou em repetir o gesto, em reverência, limpando as próprias lágrimas. O kimono de seda que usava estava manchado de carvão devido à sua ação anterior, e o coque, um tanto bagunçado pela situação causada por seu protetor, mas a garota não se importava com sua aparência ou com qualquer coisa distante daquele pequeno mundo destruído que acabara de descobrir. 

    Em silêncio, lançou ao céu seus sentimentos, torcendo para que, em algum lugar, fossem recebidos; em palavras não ditas, a morena os agradeceu, pois era graças à eles que Taeyong estava ao seu lado. Por uma coragem que ela, a partir daquele dia, também teria, se fosse para ter uma vida ao lado do jovem guerreiro. 

— Esta é Misaki, a propósito. É graças à ela que pude recomeçar. Portanto, por favor, não se preocupem comigo; eu ficarei bem. 

    A Aikyo piscou ao ouvir o sussurro quase inaudível do rapaz, que se mantinha entretido em sua despedida.

  Como as cerejeiras que florescem, a garota sentia que seu amor por ele florescia ainda mais, feito uma árvore a ganhar novas flores em cada primavera. 

  Taeyong finalmente abriu os olhos, despedindo-se em uma última saudação. Todavia, ao voltar-se para a herdeira, seu rosto iluminou-se, cheio de gratidão.

— Obrigado, Misaki. Por me permitir amar você. Eu me farei digno disso. 

   A jovem sorriu. 

  Tudo ainda parecia um belo sonho que seu amor fosse correspondido, um em que logo acordaria. 

— Mas, você já é, Lee-san. Desde o primeiro momento em que entrou em minha casa e disse meu nome. Você sempre teve o meu amor. 

    O guerreiro se permitiu sorrir, ainda que a dor, por estar naquele triste lugar, o preenchesse. O moreno fitou aqueles olhos castanhos, sentindo o orgulho lhe atingir. 

    Sua preciosa flor havia florescido, tornando-se ainda mais bela que qualquer botão que viesse a aflorar. 

     E, tocando-a sobre as maçãs coradas, ditou:

— E você sempre terá o meu, ainda que não me escolha. Você agora conhece meu passado, Misaki. E, viver comigo pode não ser fácil. Portanto, entenderei se optar por voltar para sua família. Eu ainda a amarei. 

— Não, Taeyong. Eu irei com você, para onde for. Seja na Coréia ou em qualquer outro lugar, eu estarei ao seu lado, se me aceitar. 

— Aceitá-la? — Indagou ele, surpreso. — Seria meu único pedido aos céus que você, senhorita Misaki, seja minha esposa. Pois você, desde que a conheci, se tornou minha família. É minha única casa.

   A Aikyo não conteve o sorriso, encarando as orbes que sempre a faziam viajar por mundos indescritíveis. O âmago em seu peito transparecia a euforia que sentia, embalada no pequeno cosmos que tinha ao lado de Taeyong.

— Eu serei seu abrigo, para quando chover e o mundo parecer muito pesado.  Pois você sempre foi meu lar, Taeyong. E eu construirei um novo lugar para você voltar. 

    Diante daquele novo mundo a se desbravar e da flor que desabrochava, Taeyong curvou-se uma última vez, em uma saudação de despedida. Em palavras silenciosas, ditou um adeus, deixando para trás as sombras de seu passado para voar pelo novo céu a surgir.  

— Vamos encontrar o nosso novo lar, Misaki.
 
                                                                                  [...]

                                                            [5 anos mais tarde...]

      Observando o sol surgir no horizonte mesmo que a chuva continuasse a cair, uma mulher cantarolava enquanto pincelava vagarosamente a tela branca em frente à si, indecisa se aquele tom de rosa estaria a realçar um pôr do sol existente somente em seus devaneios, ou se lhe seria útil apenas às cerejeiras que pontilhavam o redor da humilde habitação. 

    Suas vestes já estavam manchadas com tons diversos, fruto das diversas imagens que tentava retratar em sua pintura, sem sucesso.

— Talvez, a tinta ficasse melhor na tela, e não em suas roupas, Misaki. Embora ache as duas formas muito interessantes. 

     A mulher não se conteve em abrir um sorriso ao ouvir a voz tão conhecida por ela, seu alento em noites tempestuosas. E, ao se voltar na direção do som, ali estava o dono da voz e de seus pensamentos: Taeyong a observava com diversão, como o garoto que um dia a levava em travessuras em busca de doces. 

     O hanbok feito de algodão, ainda que desprovido de cor, lhe trazia a pureza e gentileza que Misaki sempre enxergaria no guerreiro, mesmo que os anos continuassem a se passar. 

     A morena sorriu diante de tal pensamento, limpando em uma pequena tigela com água o pincel que usava, voltando-se para seu interlocutor com ternura. 

— Obrigada, de qualquer forma. Seja bem-vindo de volta. 

   O Lee a encarou, anestesiado pelo simples fato de tê-la a sua frente, sem precisar se esconder ou inventar qualquer desculpa; 

   Taeyong poderia aproveitar de sua companhia, sem qualquer muro a lhe separar.

   Enfim,  se acomodou ao lado da jovem, que arrumava os potes de tinta para guardá-los em seus devidos lugares, com uma concentração quase impenetrável. No entanto, o rapaz se contentava em simplesmente lhe observar, embora não fosse mais seu guardião. 

    Misaki, no entanto, logo notou o seu olhar, rindo com um quê de timidez:

— O que há? Quer que eu lhe ensine a pintar? 

— Não, não tenho o mesmo talento que você. Além disso, me contento em apenas ficar ao seu lado. — Ditou ele, correndo os dedos pálidos pela tez feminina, que ruborizou de imediato, ao procurar algo ao redor. E, sem encontrar o que quer que procurava, roubou um beijo rápido do antigo samurai, que reclamou ao ter o contato interrompido. 

— Temos uma prioridade para evitar algo desse tipo. Lembra-se da última vez? 

    Taeyong  reprimiu uma tosse fingida ao perceber do que a Aikyo falava, ocupando-se com qualquer outra coisa que não fossem os olhos acusadores dirigidos à si. 

— Posso esperar por isso. De qualquer forma, vim por outro motivo. 

   A nobre franziu a testa ao ouvir aquilo, o observando com curiosidade enquanto este retirava do bolso de seu hanbok uma página de papel amarelada, que fora imediatamente lhe entregue.

   Misaki direcionou o olhar para o mais velho, que ditou: 

— Estava em Hanseong quando ouvi os outros mercadores a falar sobre. Achei que poderia lhe interessar. 

    A mulher engoliu seco, temendo o escrito por algum motivo que não sabia nomear. Com um suspiro temeroso, a artista o pegou em mãos, e ao olhá-lo com atenção, notou que se tratava de um periódico, publicado algumas vezes pelo rei para informar aos cidadãos sobre certos acontecimentos. E, dentre os anúncios de festas e comemorações, um em especial a fez arregalar os olhos e ler mais uma vez. 

   Afinal, talvez, em seus poucos anos de prática em coreano, houvesse interpretado erroneamente o conteúdo. No entanto, ali estava. 

   Sem qualquer fotografia ou imagem, Misaki encontrou a notícia inesperada, embora também lhe significasse a paz que não vislumbrava plenamente desde sua fuga.

   Em palavras simples, havia:

"Soldado é executado após atentado ao imperador japonês Meiji em desfile comemorativo. O dito cujo afirmava que o governante seria o culpado por seu casamento frustrado."

   A morena voltou o olhar para o Lee, absorta.

— Esse é...Esse soldado é...? 

— Sim. Era Kento. — Afirmou Taeyong. — Ele permanecia a guardar rancor contra você. Não se libertava de suas memórias. 

    A jovem suspirou, dobrando o papel com suavidade. Logo, se aproximou do Lee em um gesto rápido, agarrando-se ao cheiro e a comodidade que lhe era tão comum. 

— Rezo para que os deuses o perdoem. No entanto, tenho que confessar que me sinto tranquila. Pois, agora, sei que poderemos viver em paz, com o nosso pequeno céu

   Taeyong sorriu diante das palavras, afagando a mulher sobre seus braços. Todavia, além das mãos pálidas e femininas que o abraçavam, duas outras agarraram seu hanbok, pequeninas como estrelas. 

Papai! Também quero um abraço! — Uma voz animada e infantil, que preencheram seus ouvidos junto da respiração suave de Misaki, o fez rir.
O samurai felicitou-se ao se dar com o garotinho a observá-los, com um biquinho nos lábios e os braços levantados, a esperar ser içado. A morena se voltou para o menor, fingindo certa raiva, embora fosse quase impossível sentir algo assim por seu pequeno céu: 

— Jun-ho, e as lições? 

    O menino a fitou com descrença, como se a resposta fosse óbvia. 

— O papai chegou, mamãe. Não mereço um abraço? 

    O Lee pegou o garotinho nos braços, recebendo gritinhos de alegria em resposta. E, com um beijo tímido nos lábios da esposa, ditou.

— Claro, filho. Você merece o mundo. Assim como nós.

"Como os que eu desenhei quando eu era mais jovem
Eu sinto que amanhã será recheado
Com sonhos e emoções"

— Paradise

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Glossário:
*Yurei: Assombrações, fantasmas. 
Shaminsen: Uma espécie de harpa
Tsukuyomi: deus da mitologia japonesa, cujo, em um conto (Princesa Kaguya) desceu de seu reino para casar com a moça mais bonita da Terra.
Origamis de grou: Segundo uma lenda antiga, aquele que dobrar 1000 origamis da ave sagrada do Japão, poderá ter um desejo realizado.

E é isso! Muito obrigada àqueles que leram até aqui, e principalmente, a dinoinluv por esta perfeição de capa, e à byulhwang e à Brookesjjk por toda a paciência com a one e comigo, em primeiro lugar.
Espero que tenham gostado, e nos vemos na próxima!


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