• CAPÍTULO 08: Alerta vermelho
O sol raiava, era início de tarde naquela segunda-feira pacata no interior dos Estados Unidos da América.
Sullivan havia acordado cedo, como sempre. Estava vestindo uma camiseta branca, com um rasgo nas costas e um short curtíssimo preto. Andava descalço pela sala de estar, enquanto palitava os dentes.
Jogou-se sob o sofá de couro, grande, amarelo e com alguns buracos.
— Mulher! Vai demorar? - gritou para a cozinha, onde estava Leight, sua esposa. Uma senhora branca, muito magra e com olhos frígidos. Vestia um avental enquanto cozinhava.
— Não, Stephen. - disse em voz alta.
O velho Sullivan assistia a um dos jornais na pequena TV da sala.
— Tá indo pra onde, posso saber?
— Vou ver a Branquinha. - era uma das vacas mais gordas que os Sullivan tinham atrás da casa. Seu filho, Tommy, de dezoito anos - aquele mesmo que foi chamado para ver o xerife no dia anterior - tinha muito carinho pelo animal.
— Não, deixe ela, ouviu. Depois eu vou lá.
Tommy largou um dos baldes que estavam sua mão e voltou para dentro de casa.
— Deus do céu! - gritou de repente, assustando Leight na cozinha.
— Já vou terminar, homem! — Inferno... - comentou em voz baixa enquanto despejava óleo numa das panelas.
Stephen era uma pessoa chato, um homem ruim, vulgar, de baixo nível e ignorante com todos a sua volta e com sua esposa não era diferente.
Seu segundo filho, Tommy, era um garoto bem diferente do pai, havia puxado a mãe. A cabeça raspada, os trejeitos doces, mas infelizmente servia como pau mandado do pai. Ele já havia terminado o colegial, mas não ingressou em nenhuma faculdade, assim ficando em casa e ajudando a família com a fazenda.
Antes de Tommy, Stephen e Leight tiveram um outro rapaz. Harry Sullivan, mas este foi preso quando tinha vinte e seis anos. Numa das investigações de Will - que à época, não era xerife - foi posto atrás das grades, quando descoberto um esquema de lavagem de dinheiro numa franquia em que Harry trabalhava.
O casal também teve uma filha, Candice, que atualmente vive na própria Iowa com os avôs. Stephen não mostrava simpatia alguma para com ela.
Sullivan já havia sido investigado por agressão à sua esposa, mas a própria depôs a favor do marido, limpando a imagem de agressor.
O velho já havia trabalhado por muitos anos com o Grupo Baker, mas desde que as denúncias pipocaram, foi distanciado do grupo e logo mais demitido, assim voltando a rotina de fazendeiro ranzinza e antipático no interior de Iowa.
Mais tarde, naquele mesmo dia, o velho caiu no sono na sala e sequer comeu o prato que Leight havia colocado na mesa frente à televisão e ao sofá em que ele estava deitado.
Tommy - um simples garoto que queria ser libertado das asas do pai - roubou o carro da família, uma camionete preta, comum com um dos faróis queimados. Ele havia dito para sua mãe que fora dormir e trancou o quarto, pulando a janela em seguida e saindo sem fazer barulho. O pai estava derrubado no sofá, num sono profundo e a mãe estava tricotando enquanto ouvia o rádio.
Estávamos por volta das oito horas da noite e Leight foi para a cama cedo, quando o relógio cravou oito e trinta.
Leight preferiu não acordar o esposo, com medo de sua reação. O velho dormia torto, de boca aberta e com a cabeça pendurada no sofá.
Quando às dez horas chegaram, Stephen acordou com um estrondo. Era uma cena de terror na televisão. Acordou na hora, com a cara amassada e babando.
— Mas que merda de filme - encurvou-se para desligar a televisão.
Deu-se um ruído pelas folhas das árvores logo atrás da janela, onde se iniciava um matagal. Stephen virou-se, olhando pelos vidros. Para ele, provavelmente era algum moleque da outra rua que invadia a propriedade para roubar frutas ou mexer com os animais, em que pese a rua mais próxima ficar bem distante dali.
Stephen pegou uma carabina, as balas e a recarregou. Abriu a porta ainda sonolento da sala, que levava ao quintal da fazenda.
— Quem está aí? - ele empunhava a arma com as duas mãos, apontando para a direita e esquerda, seguidamente.
— Quem está aí? - disse mais uma vez e algo passou correndo por entre as folhas, estava escuro e não havia como enxergar.
Stephen segurou a arma com a esquerda e com a direita tentou pegar uma das lanternas, que ficara num dos móveis da sala próxima aquela porta.
Ele sacudiu a lanterna, várias e várias vezes, apontando-a para o meio da fazenda e também para as laterais onde haviam muitas árvores e variadas plantações.
— Seus pirralhos, apareçam se não vou começar a mandar bala! - as movimentações pararam e a luz da lanterna se apagou no instante momento. Ele jogou-a no chão.
O velho começou a ficar preocupado de verdade, com medo passando por cada fio de cabelo que lhe restava. Sua musculatura ficou rígida, sua respiração ficou curta.
Com o passar do tempo, até as copas das árvores começaram a balançar, som de galhos sendo pisoteados pelo meio do matagal e Stephen estático perante a situação que se agravava.
Seu indicador foi ao gatilho, o disparo no centro das árvores poderia assustar as crianças ou o animal que ali estava, mas a arma falhou. Ela falhou duas vezes e ele continuou a apertar.
Stephen ouviu novamente sons por cada pedaço de folha e enquanto apertava o gatilho que persistia em não funcionar, voltou seu olhar à frente. Era um barulho diferente de tudo que ele havia ouvido, se assemelhava à um uivo, mas não era um lobo. Não tinha como ser.
Algo magro, cumprido, úmido e melado puxou Stephen pela perna esquerda, seu gritou foi escutado apenas por sua esposa, que era a única pessoa ali. Tommy não havia voltado.
Leight voltou a dormir, sequer levantou ou foi à sala ver que seu marido não estava dormindo mais. Ela achou que o grito era oriundo de algum sonho.
Tommy chegou em casa por volta das duas da manhã, não viu seu pai no sofá e deduziu que havia ido dormir bêbado, inclusive fechou a porta que levava ao quintal e foi direto para seu quarto sem fazer barulho e acordar quem estivesse no quarto do casal.
O corpo de Stephen foi encontrado na manhã seguinte por seu filho Tommy, que havia ido ordenhar as vacas do local.
Leight chorou por horas, até ambos decidirem ligar para o xerife Will.
Quando Will chegou ao local, uma equipe médica já estava de prontidão na casa junto a Tommy e Leight.
Will estava acompanhado com Hobs e Paul mais uma vez e entraram direto, a porta estava aberta.
Os três retiraram seus chapéus em respeito à vítima - em que pese não terem simpatia alguma pelo antipático Stephen.
— Nós podemos ver o corpo? - Will pretendia verificá-lo para estudar semelhanças com o de seu pai.
O médico, um rapaz jovem de cabelos sedosos e pele lisa, gesticulou com a mão onde o corpo estava.
Will foi acompanhado dos dois policiais até os fundos, onde viraram para perto da floresta. Havia dois médicos ao lado do saco preto, fechado e conversando.
O trio assinalou com o distintivo, o que liberou o local para eles.
— Puxa o zíper, vamos ver como ficou o velho.
Hobs e Paul agacharam e puxaram-no para baixo.
— Minha nossa. - os dois levaram a mão ao nariz pelo cheiro.
O rosto estava normal, mas a cintura estava destroçada. O peito, com rasgos de cima a baixo, uma completa imundície.
Will puxou o restante do zíper, para ver as pernas. Só havia uma. A perna esquerda só ia até o joelho.
— Encontraram o resto? - investigou — Não, olhamos alguns metros pelo mato, não tinha nada. - respondeu os médicos.
— Esses caras nem sabem investigar. Aposto que olharam meio metro e voltaram. - reclamou Hobs.
— Paul, o enterro de meu pai será amanhã de manhã. — Mas o xerife disse que não sabia exatamente. — Sim, fui avisado ontem à noite.
Will acendeu um cigarro.
— Você tem o número. Pede o cancelamento. Quero o corpo do Stephen junto ao dele. Vamos ver o que tiveram em comum.
— É pra já, xerife.
Will e Hobs voltaram para dentro de casa, se juntando aos dois familiares, enquanto Paul fazia a ligação e conversava a respeito com os outros médicos.
— Sabe o que pode ter sido, senhora Sullivan?
— Não, xerife. Eu estava dormindo, acordei, vi que ele não estava e fui procurá-lo.
Hobs chamou Tommy para a conversa. — E você, garotão? Não viu nada?
— Ele nem estava aqui. Deixe-o fora, por favor. - Leight se intrometeu, já que ficou ciente naquela manhã que Tommy havia escapado de carro.
— Tudo bem, mãe. Quando cheguei de madrugada, a porta estava aberta. Achei que ele estivesse bebido demais e ido deitar sem fechá-la. Só isso que eu sei. - Tommy estava com os olhos marejados e voltou a se sentar no sofá, incrédulo.
Por mais que estivesse atônita, Leight demonstrava ser uma mulher forte. Havia tomado frente à situação e não mostrava fraquezas ao conversar com os policiais.
— Xerife. — Diga, senhora. — Ontem, pela noite... Acordei com um grito. - Disse ela se recordando da noite passada.
— Grito? Que tipo de grito? De dor? De onde veio?
— Não sei, só sei que ouvi. Foi muito alto, mas achei que estivesse sonhando e por isso ignorei. Voltei a dormir.
Will apagou o cigarro num cinzeiro amarelo que havia no móvel da sala.
— Xerife, eles permitiram que o funeral fosse cancelado. Acho que vão liberar que guardem os dois corpos.
— Tudo bem, Paul.
Will saiu da casa com os outros dois para conversarem.
— E aí, acha que pode ser a mesma pessoa? — Pessoa? Hobs, que tipo de pessoa faz aquilo? - Hobs e Will trocavam suas dúvidas um com o outro.
— É verdade. Arrancou a perna do velho. Não tem como. - Paul entrou na conversa logo depois.
— Ninguém arranca a perna de uma pessoa assim. Precisaria de uma arcada dentária gigante, uma força colossal. - as deduções do xerife eram exatas e precisas para o tamanho da dentada que Sullivan havia recebido.
— Ei, vocês três. Entrem. - chamou um dos médicos. — Antes de vocês chegarem, havíamos encontrado isso junto ao corpo.
O rapaz abriu um saco plástico contendo uma arma e a lanterna que Stephen havia utilizado. O médico não permitiu que tocassem nos objetos por estarem sem luvas.
— Vocês podem juntar isso ao corpo quando levarem? Pode ser uma boa pista.
— Boa pista aonde, xerife? Não dá pra tirar isso como parâmetro. - Hobs e Paul acharam as pistas inúteis.
— Senhora Sullivan, o Stephen costumava caçar? Ele havia falado sobre algo que vinha perturbar o gado? Algum cavalo, alguma vaca dele vinha sofrendo com algum predador? Sabe algo?
— Não. O máximo que acontecia por essas bandas eram alguns moleques que roubavam frutas das árvores.
Will levou às mãos a cabeça. Nenhuma criança faria aquilo com um velho.
— Dois fazendeiros em sequencia. - cochichou Hobs.
— É isso. Paul, liga pro Montgomery. Diz que é urgente. - Will traçou uma linha de raciocínio até lógica em circunstância do assassinato de dois fazendeiros em poucos dias.
Will e Hobs pediram um copo d'água e foram até a cozinha com a dona da casa, enquanto Paul fazia a ligação.
Paul ficou quase dez minutos no telefone verde da residência, até que entrou na cozinha com um semblante trágico.
— O Montgomery tá morto.
Will e Hobs levantaram suas vozes juntos. - — Que!?
O xerife deu um pulo na hora, esfregando a testa.
— Sem cabeça, sem braço, sem olhos? O que foi dessa vez?
— A esposa dele estava fora de si, conversei com um dos ajudantes. Disse que o corpo foi encontrado morto no banheiro.
Will colocou o chapéu e saiu pela porta da cozinha na mesma hora. — Vamos até os Montgomery.
— E aqui, xerife? - Hobs abriu os braços pela porta.
— Eles vão preservar o corpo e o que foi encontrado. Vamos, não temos tempo.
Os três pularam para dentro do carro e partiram em direção a fazendo do Montgomery.
O trio foi em silêncio durante o trajeto, pensativos e reflexivos sobre mais um assassinato na cidade.
— "Nada acontece em Axel..." - a primeira fase só foi sair depois de quase dez minutos de viagem, por Paul.
— Parece que as coisas mudaram, xerife. - Hobs concordou com o parceiro.
— A gente nem sabe o que é, ok? Vocês dois se acalmem. - protestou.
Quando chegaram na fazenda do Montgomery, não havia nada do lado de fora. Sem ambulância, equipe médica, o carro da família ou qualquer outra coisa.
Will dessa vez nem retirou o chapéu. Foi recebido por um senhor baixinho, de pele clara, careca e com uma bengala nas mãos.
— Cadê todo mundo? - perguntou logo.
— Os filhos retiraram a esposa do local. Ela estava chegando em casa, quando descobriu que o marido estava morto. Coitada, é como perder um pedaço de si. - disse. — Eu já liguei informando sobre o acontecido. Os médicos já devem chegar. Mas os familiares estão longe daqui, foi muito chocante. Sabe, sou muito amigo dele, eu era muito próximo aos Montgomery, se em mim já dói, imagine neles...
— Ele tá inteiro? - — Ora, é claro. - Respondeu o senhor com pigarros.
Will foi entrando, virou-se logo à esquerda para a cozinha e passou direto para o banheiro com azulejos azuis.
O banheiro era bem simples, só havia uma pia, a privada cor de mel e uma grande banheira azul - que combinava com os azulejos - mas que estava tampada pela cortina.
Quando se aproximou, Will logo reparou no sangue escorrendo pela lateral da banheira e descendo pela cortina e indo pelo chão abaixo.
Will puxou a cortina branca com bordas cinzas com a mão direita. Só lhe restou a lamentação ao ver o corpo de Donald Montgomery recostado na banheira com os dois braços para fora. Havia cortado os pulsos.
— A mãe dele já soube? - perguntou quando notou que o ajudante estava na porta.
— Não, digamos que por sorte, ela havia ido embora ontem à noite. Creio que ainda não avisaram a senhora.
Will podia ouvir seu velho pai falando em sua cabeça "não se torne policial", mas já era tarde demais para o homem. Estava envolvido no pior momento da história de Axel e seria responsável pela investigação mais difícil da sua vida.
Ainda que combalido e abalado emocionalmente para tomar qualquer atitude, Will só se lembrara de seu velho pai e antigos ensinamentos que recebeu durante toda sua vida até o dado momento.
O que lhe restava agora, era juntar os cacos e organizar as peças para o quebra-cabeça das três mortes em busca uma solução plausível e um fim positivo para toda a cidade.
Hobs e Paul o acompanharam de carro até a delegacia novamente, havia muita coisa para conversar e dúvidas que pairavam sob a cabeça do trio.
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