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• CAPÍTULO 07: Fim das investigações

   Era cedo, pouco menos de oito horas da manhã e Will levantou-se logo. Estava claro naquele horário de domingo, mas o sol ainda estava encoberto e a visão que Will tinha das montanhas logo a frente de sua casa eram sinal de que não haveria chuva.

   Will colocou sua farda policial, prendeu o distintivo de xerife no peito e foi a escovar os dentes. Morava sozinho e desde que seu pai morreu, só foi ao local da morte duas vezes.

   Will calçou seus sapatos pretos de sola fina e meias da mesma cor com alguns detalhes em marrom, bem perto de seus tornozelos.

   Atrás de sua casa - morava na Gonewood, um bairro comum e sem tanto alarde em Axel - havia um pequeno lago, que se estendia e terminava noutras montanhas ao fundo.

   Quando saiu, alguns vizinhos estavam pelos seus quintais, seja recolhendo as cartas ou cortando a grama logo cedo - como a família dos Henderson, que por sinal era muito chata e Will a odiava - muitos olhavam de rabo de olho para o xerife, que querendo ou não, era a figura principal da cidade naquele momento devido ao assassinato misterioso de seu pai.

   Acenou com o braço para eles ao entrar no carro. Seu chapéu estava no painel, havia se esquecido de levá-lo para dentro de casa.

   Will deu partida e rumou para a delegacia enquanto escutava qualquer porcaria sonora que tocava no rádio do carro.

   O xerife pegaria alguns documentos, mas esperava fazer algo a mais naquele dia.

   Estacionando o carro logo a frente da delegacia, Paul e Hobs estavam sentados numa das muretas de tijolo que ficavam a frente.

   — Bom dia, xerife. - falou Hobs, enquanto Paul estava com muita cara de sono e sequer falou com o xerife, estava recostado na parede com o chapéu tampando o rosto.

   Will abriu a porta e o barulho fez com que Paul abrisse os olhos. — Opa, perdão xerife, nem vi você chegando.

   Os dois seguiram Will até sua sala. Não havia ninguém na delegacia naquele horário e Will vasculhou algumas papeladas em sua sala e depois puxou um mapa de Axel.

   — Nos chamou oito da manhã para pegar documentos? - Paul encurvou de cansaço.

   — Não, claro que não.

   — O que foi, então?

   — Vamos investigar.

   — Agora as coisas estão ficando boas. - a excitação de Hobs contagiou Paul, que logo colocou seu chapéu na cabeça e o trio saiu direto para o carro do xerife.

   Will abriu o mapa em cima do volante. Hobs ficou no carona e Paul foi para o banco de trás.

   — Por que eu sempre vou atrás?

   — Você foi o último a chegar. - Hobs e Will desdobravam o mapa, enquanto Will ficava empuleirado no banco para poder ver com os dois.

   — Quero fazer perguntas aos Montgomery e aos Sullivan. - Essas duas eram grandes famílias de Axel que também possuíam fazendas. Eram nomes fortes na cidade.

   — Acha que isso é uma rivalidade de fazendeiros?

   — Não sei, quem sabe. Preciso tirar essa opção da lista, então vamos nela. - respondeu ao Hobs.

   Will jogou o mapa para trás, onde Paul estava e logo saiu com o veículo.

   — Não me diga que você vai perguntar sobre roupas vermelhas - Hobs logo lembrou do depoimento das crianças naquele dia.

   — Não, é claro que não. Todo mundo tem roupas vermelhas. Isso é inútil.

   — As crianças não ajudaram em muita coisa.

   — Vamos a qual primeiro? - questionou Hobs enquanto ajeitava o retrovisor.

   — Montgomery. É mais perto.

   Will dirigiu por quase vinte minutos. A fazenda da família era um pouco distante, mas eram os ossos do ofício.

   O carro fora estacionado logo frente ao local. Will percebeu logo que seriam recebidos antes de baterem a porta, pois havia uma criança de pele muito morena numa das janelas da casa, bem à direita da porta principal.

   — Fiquem aqui, eu vou lá. - Will abriu a porta, colocou seu chapéu na cabeça e foi até a porta, que foi aberta antes dele mesmo bater, como havia previsto.

   Donald Montgomery abriu a porta, estava vestindo um roupão vermelho e sandálias cinza. Tinha pouco mais de 65 anos e levava uma boa aparência. Seu cabelo estava lavado, era notório de longe. Provavelmente havia acordado há uns trinta minutos.

   Nessa hora, Hobs respirou firme e conversou com Paul.

   — Roupa vermelha. Jesus Cristo, ele vai perguntar.

   — A que devo a honra, xerife? - Donald cumprimentou-o, mas não o convidou para entrar.

   — Gostaria de fazer algumas perguntas.

   — Ah, já sei. Meus pêsames, primeiramente.

   — Onde estava naquele fim de tarde?

   — Aqui. - Will não esperava resposta diferente, obviamente.

   — Tudo bem. E no restante do dia?

   — Em casa. Não saí. Era o último dia de escola, você deve saber. Fizemos uma festinha para comemorar as boas notas da Halley - a única filha do casal.

   — Eu posso entrar, Donald?

   — Creio que não... Minha mãe veio passar uns dias aqui com a neta. Não quero preocupá-la. Não me leve a mal, Will.

   — Entendo. - Will se convenceu de que não havia jeito.

   — Olha, Will... Eu lamento muito. Sei pelo que você está passando, mas não tive nada com isso. Sequer era amigo de Bill.

   — Obrigado. - Will respirou fundo e caminhou em direção ao quarto, parou no caminho, parecia querer perguntar alguma coisa, aproveitando que Montgomery ainda estava na porta.

   — É agora, ele vai perguntar. Meu Deus. - Hobs e Paul apostavam sobre a pergunta do xerife, mas Will voltou a andar e entrou no carro de novo. Os outros dois policiais ficaram aliviados.

   — Conseguiu algo? -— Dá pra tirar o pé de cima do banco? - Paul estava com a sola do sapato marrom em cima dos bancos, o que irritou Will.

   — Nada. Ele estava em casa, a mãe veio visitar, deram uma festa por causa da filha na escola.

   — E agora? - Paul puxou o mapa de novo.

   — Sullivan. Não temos outra opção.

   Hobs moveu os ombros largos e magros e Will partiu em direção ao novo ponto.

   O sol já esquentava pelo céu, o meio-dia chegava.

   — Falei que estaria em casa meio-dia para a Anne. - esposa de Paul.

   — Não vai demorar. Foi mal, Paul. Mas sei que posso confiar em vocês dois.

   Paul bateu no ombro de Will, que já conseguia ver de longe a entrada da fazendo dos Sullivan.

   A família da vez possuía rixa com o próprio xerife, que por sua vez, prendeu um dos filhos do patriarca.

   Os Sullivan eram influentes, tinham contatos dentro do Grupo Baker e não eram muito bem quistos pela parte mais humilde da cidade.

   Quando Will virou o carro, a porta da casa já abrira. O velho ranzinza, Stephen Sullivan, de calça rasgada e suja, blusa quadriculada, chapéu de palha e um palito nos dentes já estava a espera.

   — Esse vai ser mais difícil.

   — Olha o velho aí, já estava nos esperando. - Hobs também conhecia a família de longa data.

   — O otário do Montgomery deve ter avisado, com certeza.

   Will deixou o chapéu no carro, começava a fazer calor.

   — Boa tarde, xerife. Vai uma xícara de chá? - disse em tom provocativo.

   — Você nem deve ter chá aí dentro. - Will sabia também que Stephen tinha problemas com álcool.

   — Sei por que está aqui.

   — Onde você estava naquela noite?

   — Ora bolas, estava em casa, vendo tv com minha esposa e filhos. - Estava estampado na cara do velho que não queria conversar com Will. — Olha só, filho. É esse aqui o justiceiro que colocou seu irmão atrás das grades. - Stephen puxou um jovem pela camisa que passava atrás dele na casa. Aparentava ter uns dezoito ou vinte anos. Era da mesma cor que o pai, vestia uma blusa social aberta com o peito aparecendo e andava descalço com uma calça jeans. O rapaz deu um boa tarde e foi embora.

   — Saia daqui, Will. Se não quer que eu quebre a sua cara.

   — Você nem conseguiria e sabe que seu filho foi preso justamente.

   — Talvez seu pai tenha morrido justamente, também.

   Will cerrou o punho, mas se segurou para não fazer besteira.

   — Se acha o que está fazendo, tudo bem. Não vou perturbá-lo mais.

   Hobs e Paul haviam saído do carro dessa vez, estava muito quente.

   Antes de sair, Will ainda virou o corpo mais uma vez para Stephen. — Vocês têm muitas roupas vermelhas? Desculpa perguntar.

   Os policiais Hobs e Paul tamparam a mão com o rosto de vergonha e Stephen bateu a porta com toda força que lhe restava naquele corpo velho.

   Will acelerou enfurecido, jogando poeira para todos os lados.

   — Ele é um cuzão, xerife. Já esperávamos isso. - a ignorância e petulância do velho Sullivan já era algo conhecido entre os policiais, inclusive por Paul, que havia sido o último a chegar.

   — E aquele envelope? - Hobs não tinha esquecido que quando Will foi à delegacia, recolheu um envelope numa das gavetas.

   — São documentos sobre aquela noite.

   — Will, desculpa a pergunta, mas quando vai ser o funeral?

   — Não sei, eles pediram para adiar. Devem esperar uns dois dias. Só resta esperar.

   Hobs ligou o rádio na sequencia, e o áudio iniciado era justamente sobre a investigação, mas Will desligou imediatamente. — Foi mal, não sabia que cairia logo numa estação dessas.

   O caminho de volta a delegacia foi bem mais tranquilo e quieto do que as outras duas viagens que fizeram naquela manhã.

   Will deixou o carro na mesma vaga e todos saíram. Hobs foi caminhando até um dos dois postes que ficavam naquela calçada, logo frente a uma lanchonete que os policiais costumavam lanchar - e que estava fechada naquele dia - havia um papel colado e dizia:

   "INVESTIGAÇÕES ENCERRADAS [...] Prefeito Max Hargrove encerra caso Bill Thompson e faz apelo à população..." - No centro do papel, havia uma fotografia preta e branca do falecido e no rodapé outras notícias.

   — Xerife, vai querer ver isso.

    Will foi andando até ler aquele aviso. Ele, que havia acendido um cigarro minutos atrás, jogou-o no chão, pisando. Puxou o papel do paste, rasgando e o jogando numa das lixeiras ao lado.

   Paul estava a uns dois metros assistindo.

   — Esse filho da puta não tem esse direito.

   Will voltou para dentro do carro e Paul e Hobs o acompanharam.

   — Olha o que você vai fazer, Will. Agora a coisa pode ficar mais séria. - Hobs tentou acalmar o xerife sem sucesso.

   — Vai ficar pior para ele.

   Will rodopiou com o carro pelo estacionamento e saiu como um foguete dali em direção a Insalt, rua onde a prefeitura de Axel ficava.

   A arquitetura da prefeitura de Axel eram sem dúvidas uma das mais belas da cidade. A frente, completamente envidraçada, era linda. O local possuía três andares, era muito brilhante, com escadarias e um grande jardim a sua frente.

   Will parou o em cima deste mesmo jardim, esmagando diversas flores. Bateu a porta do carro e saiu direto para entrar na prefeitura.

   Hobs e Paul tentavam acompanhá-lo.

   — Vai com calma, xerife. - Hobs e Paul corriam atrás.

   Quando Will entrou, a única pessoa que viu foi a secretária Alice, que havia sido contratada há dois meses. Mechas douradas, pele clara, um longo vestido azul-anil.

   — Senhor, você não pode entrar assim. Nós já estamos saindo.

   Will mostrou o distintivo e virou à direita. Subiu a escadaria como se fosse o dono da propriedade.

   — Desculpa, ele é assim, mesmo. — É, fica tranquila.

— Paul, fica com ela.

   Will subiu correndo as escadas e Hobs foi atrás.

   Só depois de muito ler o nome das salas, conseguiu encontrar a do prefeito. Estava fechada, mas isso não pararia Will, que abriu a porta e puxou a maçaneta com força.

   — Que porra é essa aqui? - Max estava usando uma calça sarja marrom e uma blusa social branca com as golas para cima. Seus cabelos louros sacolejaram quando fora agarrado.

   Will puxou Max pela gola.

   — Quem te deu o direito de encerrar o caso?

— Eu sou o prefeito. Eu mando. - Max tinha a voz muito anasalada e sob pressão, soou ainda mais engraçado, fazendo com que Hobs risse da situação ao fundo.

   — Você não podia fazer isso. Eu sou o xerife. — E eu o prefeito. Acate minhas ordens. O caso foi encerrado e todos os órgãos públicos já entenderam isso.

   — Pro inferno com os órgãos públicos. - Will puxou o revólver o colocando na direção do prefeito.

   — Pera aí, xerife. Pensei que fosse só blefe. - Hobs tentou apartar, ainda que não fosse fazer diferença.

   — Lembra quem tirou a oposição das ruas quando você pediu? Lembra quem não explanou suas histórias com as secretárias pra Nancy? - Nancy era a esposa de Max, que costumava traí-la com as funcionárias.

   — Vi que você trocou de secretária, também. Será que a Nancy desconfiou de algo? - Sem mim pra passar pano pra você, sua casa cai, imbecil.

   O diálogo continuou mesmo com Will apontando a arma para a cabeça de Max, que só assim conseguiu sentir-se ameaçado de verdade.

   — Relaxa aí, Will. Vai com calma e fica frio.

   Max ergueu seus braços, implorando por clemência.

   — Eu me viro, tudo bem. Não precisa disso. Eu posso rever a papelada do caso.

   Hobs sentiu o clima ruim e tentou tirar Will da sala. — Bora, Will. Ele vai rever a besteira que fez.

   Will enfiou o revólver na calça e saiu sozinho da sala.

   Hobs ajeitou a gola do prefeito. — Camisa bonita.

   — Tira a mão, idiota.

   Hobs saiu logo em seguida e deparou-se com Paul esperando-o do lado de fora, enquanto Will já estava dentro do carro.

   — E aí, o que houve? Tudo certo?

   — Certo? O xerife meteu a arma na cara do sujeito.

   — A gente vai morrer. - disse Paul em choque quando estava no carro, em referência a loucura feita por Will.

   — Não vai dar nada. Ele é um cuzão.

   — A gente vai morrer, a gente vai morrer. Estamos fodidos.

   — Paul! O que eu falei assim que você entrou para a equipe?

   — Que nada acontecia em Axel?

   — Não, idiota. A segunda, então.

   — Que ninguém morre no seu turno?

   — É isso aí.

   Will ainda demorou a tirar o carro de cima do jardim, sujando-o por completo. Assim sendo, pôde deixar Paul e Hobs em suas respectivas casas e voltar a seus afazeres.

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