Capítulo 23: Orquídea
"O amor nasce do desejo repentino de tornar eterno o que é passageiro."
Ramón Gómez de la Serna
Domingo, 05 de junho
A manhã era ensolarada, o clima estava bom, apesar do sol e tudo parecia estar nos eixos. Parecia.
Acordei com a mensagem de Matheus me pedindo para almoçar com ele hoje, porque precisava conversar comigo. Isso é um péssimo pedido para alguém que está à beira de um colapso nervoso por causa de problemas.
— Vai almoçar comigo hoje? — Perguntou Vini ao telefone. — Por favor, diz que sim.
— Tenho um almoço com Matheus hoje, Vini — respondi, antes de beber um gole de café. — Ele disse que é importante.
— Às vezes, eu acho que ele só te ajuda porque ainda tem esperança de, um dia, você dar uma chance para ele, Mari — disse e eu bufei. Já havia explicado, mil vezes, que não era algo que aconteceria. — Posso ir com você? Faço de tudo para não ter que ficar com o mala do Wagner.
— Até hoje não sei porque vocês se odeiam tanto.
— Te conto quando você me buscar para nós irmos almoçar — falou, sem me dar outra escolha. — Até mais tarde.
Terminei o meu café da manhã e fui até o guarda-roupa, pensando no que usar. Se fosse verdade o que Vini dizia, sobre Matheus ainda ter esperanças de algo, eu preferia não arriscar. Peguei uma roupa simples e deixei em cima da cama enquanto tomava um banho.
Ao já estar vestida, lembrei de algo que há tempos não tocava. Sentei-me na cama e peguei a caixinha de madeira. As cartas recentes estavam todas empilhadas em cima da minha mesa de cabeceira, tão confusa era a minha mente para poder lembrar de guardá-las, então apenas foram ficando ali. Os brincos ainda estavam bem guardados e conservados ali dentro, decidi colocá-los ao lembrar da sorte que pensava ter com eles.
Eram tempos difíceis quando ganhei estes brincos e pensava que eles poderiam servir para alguma coisa, além do valor sentimental que carregavam consigo.
Quando finalmente estava arrumada, sai do apartamento e segui para a casa de Vini, que ficava um pouco longe da minha. O trânsito caótico em pleno domingo me assustou e, ainda por cima, me deixou uns quinze minutos atrasada. Vinicius estava sentado no meio-fio, como um morador de rua, em frente ao seu portão.
— Achei que não chegaria nunca — exclamou, abrindo a porta do carro e se jogando no banco, bufando. — Eu odeio o Wagner, real oficial.
— Marina, ele é desprezível! Queria muito ter uma cópia da Lucile para usar na cabeça dele neste exato momento. Ele acabou com meu chocolate.
Dei risada, mesmo não entendendo a referência, e segui com o carro, tentando não ficar ainda mais atrasada. O relacionamento de Vinicius com os dois cunhados nunca foi algo bom, mas ele nunca me contou os motivos para tanta intriga.
— Você vai me contar agora o porquê dele não gostar de você? — tentei fazer com que ele falasse, quando ele finalmente parou de listar os motivos pelos quais ele queria matá-lo.
— Pelo mesmo motivo que minha irmã não gosta de você, Mari — falou e eu fiquei ainda mais confusa. — Eles acham que, a qualquer momento, você vai dar uma de Marina e ensinar how to be a heartbreaker, me usando como cobaia.
— Traduz — pedi e achei que ele fosse me bater.
— Eles acham que eu vou gostar de você um dia e que você vai partir meu coração em um milhão de pedacinhos e depois esfregar minha cara neles.
— Mas nós somos amigos desde o colégio e... — tentei argumentar.
— E desde aí ela acha isso, mesmo eu explicando mil vezes que nós só viramos amigos porque eu queria ficar com as suas amigas.
— Sinceramente, Vini, até não sei como essas meninas aceitavam ficar com você na escola — falei e ele riu.
— Eu chegava dizendo "i love you" e elas se derretiam todinhas — disse e eu me assustei, tentando imaginar todas as meninas da escola achando que Vinicius Marques amava elas. — Não sabe? Significa "morena" em francês.
— O que? — perguntei e ele revirou os olhos. — Como que "i love you" significa "morena", Vini?
— Marina Flores, às vezes a sua falta de entendimento de referências me deixa abismado, sabia? Já batemos o recorde de referências não entendidas, fica em silêncio e dirige.
...
— Ele mandou um e-mail para o endereço que você deu e eles responderam marcando uma reunião — disse Matheus, sobre o caso da floricultura. Mesmo hoje sendo um domingo, eles estava vestido em roupas sociais, como sempre, pois disse que estava trabalhando antes de vir me encontrar. Nem preciso falar sobre a cara de poucos amigos que tinha quando viu que Vinicius estava comigo.
— Seu amigo está aqui para se certificar de que tratamos apenas de negócios? — Ele perguntara quando me abraçou e eu fingi que não ouvi a pergunta.
Vini estava sentado ao meu lado de braços cruzados. O prato tinha apenas indícios da comida que havia estado ali, enquanto o meu estava quase intacto, pelo nervosismo do momento. Na minha cabeça, a voz da minha mãe ecoava, perguntando se eu não tinha noção de quantas crianças passavam fome pelo mundo enquanto eu estava ali, desperdiçando comida.
— Por enquanto, você não precisa fazer nada — Matheus explicava. — A reunião vai ser essa semana e, logo em seguida, o Wesley disse que pede para nós irmos no seu escritório para falar como foi tudo e explicar se algo precisa ser feito. Eu só queria que você ficasse a par de tudo.
Vinicius resmungou algo do meu lado e eu chutei sua perna embaixo da mesa. Ele continuou fingindo que nem era com ele, com a mesma cara de paisagem. Péssima ideia tê-lo deixado vir.
Quando nos levantamos para ir embora, Vinicius seguiu na frente com a chave do meu carro em mãos e eu fiquei para trás, para me despedir de Matheus.
— Eu tenho cem por cento de certeza que o seu amigo não gosta de mim — ele disse rindo. — Mas, sério, eu só estou aqui para te ajudar, não adianta ele ficar com ciúmes ou qualquer coisa do tipo que não vai ajudar em nada. Não pressionaria você a qualquer coisa, Mari, mesmo que quisesse muito e eu quero.
— É coisa do Vini mesmo — falei, tentando focar no assunto que não seja ele gostar de mim. — Eu agradeço a ajuda, de verdade. Vou ficar devendo muito a você.
...
— Você poderia deixar de ser criança uma vez na vida, Vinicius — falei pela terceira vez enquanto ele estava emburrado no meu sofá.
— Se você parar de me chamar pelo nome inteiro, quem sabe? — ele retrucou, com os olhos grudados na televisão.
A verdade é que eu realmente não sabia o que estava acontecendo ali. Vini não gostava do Matheus, isso todos sabíamos, mas ele estava passando dos limites querendo que eu recusasse a ajuda dele e procurasse, eu mesma, um advogado para me auxiliar no caso.
Bufei e me enfiei no quarto, trancando a porta atrás de mim e deitando na cama. A tarde de discussão com Vini me deixou cansada e a melhor opção seria tirar um cochilo.
Seria, se minutos mais tarde Vini não tivesse batido na porta, quase a derrubando. Quando abri, ele tinha um buquê de orquídeas nas mãos.
— Ainda estou de mal, é o seu admirador que continua nisso — falou me entregando as flores e seguindo o corredor até a cozinha.
Sentei com as flores, muito bonitas por sinal, em mãos. O cartão estava selado com cera preta com detalhes em dourado. Puxei a carta com o pensamento de que logo descobriria quem é o tal admirador.
"Querida Mari,
Estas flores, orquídeas, simbolizam beleza feminina, amor e desejo. Senti que, falando disso mais uma vez, poderia soar clichê, ou parecer que eu não me importo com as palavras escritas aqui e só o faço para impressionar, sem levar isso para a vida. Mas não.
Estas cartas são um reflexo do que eu acredito que um relacionamento tem que ter para se sustentar, para manter-se de pé. Toda a sinceridade e o carinho que coloco nessas cartas são reais.
A beleza feminina que estas flores dizem representar não é algo que se pode rotular. Cada mulher é bonita a seu modo e eu não creio que uma flor apenas possa definir a beleza de todas. É algo que ultrapassa os limites da descrição.
Então, Mari, acredite na sinceridade das minhas palavras quando digo que você é linda. As orquídeas, perto de você, são meras flores que murcharão com o tempo.
Faltam apenas sete buquês. Uma vez li que "o amor é o desejo repentino de tornar eterno o que é passageiro". Estas flores são passageiras, mas o que virá a seguir só depende de nós para ser eterno. Está preparada?
Com amor,
Seu admirador secreto."
Na verdade, não, querido admirador. Não estou nem um pouco preparada.
NOTAS
Olá, pessoal! Tudo bom?
Vocês não fazem ideia do quão difícil foi fazer esse capítulo sair, mas estamos aqui! E eu espero terminar a história antes que o ano acabe.
Continuando a divulgação de 10 histórias para ler após o fim de Flores para uma Florista, com vocês: AnaluRicardo com Borboletas Radioativas.
É uma história que eu amo muito mesmo, todos os personagens (e ainda imagino o Ivy como o Pitbull, mesmo ele sendo descrito como ruivo) e o modo como é escrita.
Sinopse: Aspirante a escritora, Isadora sonha, há seis anos, em pública uma de suas inúmeras obras. Contudo, por mais que tenha fé e acredite em seu talento, todos os seus livros são rejeitados. Após a sétima rejeição, Isa decide deixar seu sonho para trás. No entanto, uma oferta de emprego a leva à casa da família Andrade e ela conhece Aluísio, jovem portador de uma doença degenerativa. Com um ar sonhador, ele reacende aquela chama que parecia extinta no peito de Isadora.
Assim, a ideia para um livro novo, uma biblioteca particular e uma proposta juntarão duas pessoas totalmente diferentes e, apesar disso, repletas de sonhos, medos e segredos. Uma história sobre a natureza de alguns sonhos que, apesar de serem belos, como borboletas radioativas, podem ser perigosos.
Link: https://my.w.tt/UiNb/3VMZwGe8II
Outra coisinha: fiz essa outra capa para a história e queria saber opiniões. A capa atual, ou a nova?
Até o próximo capítulo! ❤️
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