Capítulo 09: Palma
"A satisfação reside no esforço, não no resultado obtido. O esforço total é a plena vitória."
Mahatma Gandhi
Anos atrás
Era véspera de Natal e Filipe estava trabalhando, o que não era novidade. Ele estava perto de se especializar em pediatria, depois de longos anos estudando. Já era difícil conseguir entrar na faculdade de Medicina, ele já estava fazendo residência, não poderia reclamar.
— Filipe não vem? — perguntou minha mãe, sentando-se no sofá ao meu lado.
— Não — respondi. — Ainda está no hospital.
— Seu namorado está doente e você está aqui, comemorando? — perguntou uma das minhas tias. Por que as tias distantes só vêm para fazer perguntas sem sentido nas festas de fim de ano?
— Ele não está doente, tia. Ele é residente de pediatria — tentei explicar, mas ela já estava prestando atenção em outra coisa. Minha mãe apenas ria da situação.
A noite passou rápido e eu fui uma das primeiras a ir embora. Minhas tias ainda continuariam na casa de meus pais até a tarde seguinte e eu não tinha estômago para suportar as piadas dos maridos delas, principalmente a famigerada piada do "é pavê ou pacumê". Sério, quem aguenta isso?
Cheguei em casa e o relógio marcava duas horas, já era tempo de Filipe ter chegado. Entrei em casa tentando fazer o mínimo de barulho possível. Sentei no braço do sofá e tirei os saltos, que machucavam meus pés e faziam um barulho estrondoso, antes de voltar a andar. No quarto, Filipe dormia jogado na cama, como quem precisa descansar depois de um dia inteiro de trabalho árduo, e realmente precisava.
Deixei os saltos encostados perto do guarda-roupa, fui até o banheiro e escovei meus dentes, tirando a maquiagem e indo até o guarda-roupa para trocar de roupa. Abri a porta, que fez um barulho horroroso até ser aberta completamente.
— Mari? — chamou Filipe, com sua voz cheia de sono ressoando por todo o quarto silencioso.
— Volte a dormir — falei, tentando fazer com que ele voltasse a descansar.
Troquei o vestido que usava por uma roupa mais confortável e ia para a cama, quando Filipe se levantou e veio até mim com uma caixinha preta em mãos. Ele sorriu, ainda com o rosto inchado de sono e me entregou a caixinha.
— Feliz Natal.
Abri a caixa, encontrando um colar com um pingente em formato de carta. Era simples e uma das grandes paixões de Filipe: a escrita.
— Eu queria entregar algo que te fizesse lembrar de mim — falou. — Alguma parte de mim, pelo menos. É simples, mas uma vez eu ouvi que a escrita deveria ser assim também: simples.
— Não é simples, é perfeito.
Domingo, 22 de maio
— Demorei ontem para sair do trabalho e não consegui passar aqui — ouvi Vini dizer da sala. Era isso que acontecia quando seu amigo também tinha uma chave. — O que tem para comer?
— Às vezes eu acho que você só vem aqui pela comida — falei e ele riu.
— Venho aqui porque você é minha amiga, quanta falta de consideração — falou ele, fazendo-se de vítima.
Vini me contava o que tinha acontecido no trabalho no dia anterior enquanto eu terminava a comida. Era uma história atrás da outra e parecia que não acabaria mais.
— Fernanda me contou que você dispensou as duas mais cedo ontem. Você está estranha, aconteceu alguma coisa depois que elas foram? — perguntou me encarando enquanto eu levava os pratos para a mesa.
— Nunca vou conseguir esconder nada de você, não é? — falei e ele riu. — Matheus foi lá ontem, disse que "tinha acontecido algumas coisas" que o deixaram irritado e que não era tudo culpa minha. Na realidade, nada era culpa minha, não é? Ele que é meio doido.
— Quem tá ficando irritado sou eu. Posso tirar da lista?
— Sem contar que... — comecei e ele parou de andar, logo me encarando. — Aquele assunto ainda.
— O mesmo daquela vez? — perguntou, se referindo aos dias anteriores e eu balancei minha cabeça, concordando. — Eu queria poder ajudar, Mari, mas não sei o que fazer por você.
Realmente não tinha o que ser feito. Nem eu sabia o que poderia ser feito sobre tudo isso, já deveria ter superado. Mas como se supera algo dessa magnitude?
Anos atrás
— Me desculpe... — ouvi uma voz ao meu lado dizer, em sussurros. — A palestra começou há muito tempo?
Nobody said it was easy
— Na verdade, não tenho tanta certeza — falei e o garoto riu. — Estou aqui só pelas horas.
Ele deu uma risada baixa, tentando não ser ouvido pelos professores que passavam pelos corredores entre as cadeiras não tão confortáveis do auditório da faculdade.
It's such a shame for us to part
— Filipe, medicina — ele estendeu a mão para me cumprimentar enquanto dizia seu nome e seu curso.
— Marina, administração.
Nobody said it was easy
Ele sorriu e voltou a atenção para o professor que falava lá na frente, que por acaso eu não fazia a mínima ideia de quem era. Vim para essa palestra, destinada a todos os cursos da faculdade, apenas pelas horas complementares que ganharia. Estava mais dormindo do que realmente ouvindo alguma coisa. Apesar de estar olhando para frente, percebia que, às vezes, ele me olhava.
No one ever said it would be this hard
— O que foi? — perguntei sussurrando para que ninguém ao redor ouvisse.
— Nada, desculpe — falou, constrangido e até um pouco vermelho e voltou sua atenção à palestra.
Oh take me back to the start
Domingo, 22 de maio
— Quando você voltar para a realidade, me chame — disse Vini, pegando um prato e sentando-se à mesa.
— O que? — perguntei o encarando e ele suspirou antes de largar os talheres e me olhar.
— Você está viajando demais, de novo. Quantos anos atrás você voltou nas memórias agora?
— Talvez alguns — respondi e ele bufou enquanto a campainha era tocada incessantemente. Abri a porta, encarando uma moça com o cabelo estilo black power me encarando.
— Marina Flores? — ela perguntou e eu assenti, recebendo um buquê de flores logo em seguida, com ela me pedindo para assinar um papel que comprovava que recebi as tais flores. Das outras vezes não tive que assinar nada.
— Obrigada — agradeci e ia fechando a porta quando Julio abriu a porta de seu apartamento. Ele me viu e logo sorriu para mim.
— Como vai, Mari? — perguntou com Jack miando entre seus pés. — Mais flores? Quantas dessas você recebe? — ele ria.
— Você nem imagina! — ou talvez imagine, talvez seja ele que está mandando.
Ele se despediu, dizendo que tinha que fazer as compras do mês, incluindo as rações dos gatos. Fechei a porta e Vini me encarava enquanto almoçava.
— Que foi? — perguntei e ele cruzou os braços.
— Não se faz de sonsa, amiga — falou e eu o encarei, colocando a mão no coração como se tivesse sido profundamente ofendida. — Esse Alemão só aparece quando você recebe flores, muito estranho.
Dei risada e ignorei seus comentários seguintes sobre Julio, sentando na cadeira ao seu lado e pegando a carta entre as flores, que dessa vez tinha um selo azul escuro com um desenho que não consegui distinguir o que era. Abri a carta e encontrei a mesma fonte impressa de sempre.
"Querida Mari,
Fiquei em grande dúvida sobre o que escrever hoje. É díficil de escrever algo quando você não sabe o que agradaria ou não a pessoa que vai ler. É difícil escrever quando não sei se agradarei a você.
Todo esforço que faço para agradar a você, talvez não seja suficiente no fim. Talvez, quando descobrir quem sou, você ainda não queira nada, nem me encontrar novamente, mas o esforço faz tudo valer a pena. O esforço que faço, é apenas por você. Mesmo que dê tudo errado, eu não me arrependerei de tudo que fiz por você.
Acredito que tudo que você faz por uma pessoa deve ser levado em conta. Desde os mínimos detalhes que você percebe nela, manias, gestos, até coisas que ela gosta ou detesta, comidas as quais ela é alérgica, o que ela gosta de fazer no tempo livre, se ela prefere cidade ou campo, praia ou piscina... Grandes coisas podem mudar quando você repara nos mínimos detalhes.
Porque realmente é verdade aquela velha frase: o amor está nos mínimos detalhes.
Com amor,
Seu admirador secreto."
— Deixa eu ver — falou Vini, puxando a carta da minha mão quando eu acabei de ler.
Fiquei o encarando enquanto ele lia e pensando no que estava escrito dessa vez, refletindo sobre o que foi falado sobre mínimos detalhes. Apenas duas pessoas, que podiam ser o admirador, sabiam os mínimos detalhes sobre mim: Vini e Filipe.
Filipe não aparecia há dois anos, com certeza não seria ele, mas Vini estava aqui e sempre presente. Sempre.
— Quem não sabe essas respostas, não é? Pelo amor... — começou ele quando acabou de ler, deixando a carta de lado. — Você prefere a cidade, senão já teria saído daqui quando teve a primeira oportunidade. Também prefere praia e, sempre que tem oportunidade, vai para o litoral. Você gosta muito quando te dão atenção e detesta gente falsa e quem te interrompe. Além de que você adora fazer nada quando tem tempo livre, você já faz coisa demais naturalmente.
Eu sorri para ele enquanto ele continuava a listar várias outras coisas, olhando seu cabelo bagunçado pela câmera frontal do celular. Quando terminou, abaixou o celular e me encarou, rindo da minha cara.
— É, eu sei muito mais do que você imagina — falou e estendeu um prato para mim. — Agora coma.
NOTAS
Olá, pessoal! Flores para uma florista está (quase) com 600 leituras e eu estou surtando! Muito obrigada mesmo! Além disso, eu inscrevi a história no Uma Dose a Mais, agora é só esperar os resultados!
O que vocês acham do Vini saber TANTO assim sobre a Mari? É só amizade ou tem algo mais rolando aí? Comentem! E não esqueção do votinho de sempre!
Até semana que vem!
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