01 - Mel
— Mel, saímos em cinco minutos — papai avisa enquanto mamãe ajusta o seu uniforme. Eles se olham e um sorriso molda seus rostos. Um aperto genuíno se firma em meu peito. Um dia, quero sentir esse amor que os une, quero alguém que me ame além dos defeitos e que eu ame além da minha vida. Quero viver um amor desses que a gente vê nos filmes e suspira. Quero sorrir sem perceber ao ver a pessoa. Quero amar e ser amada incondicionalmente.
— Eca! — John resmunga ao meu lado quando nossos pais se beijam, ele, ao contrário de mim, acha isso nojento e não entende o amor.
— Você não vai com a gente, John? — indago.
— A mamãe vai me levar, entro mais tarde — diz impaciente, como se a minha pergunta fosse estúpida demais para ser respondida.
Sinto saudade de quando ele era menor. Amo demais o meu irmãozinho, mas ele está crescendo e acha que é um adulto já. A fase de ter opiniões demais e achar que é o centro das atenções começou.
— Filha, vamos.
Pego John desprevenido e o puxo para um abraço de urso.
— Me solta, Mel. Mãe! — ele berra e mamãe apenas sorri.
Solto ele e vou até Lori para dar um beijo de despedida. A minha mãe é uma das mulheres mais bonitas que conheço, o seu sorriso e olhar carinhoso sempre me deixam feliz.
— Boa aula, meu anjo — diz e vejo emoção em seus olhos. — Como você cresceu.
— Mãe, é só o primeiro dia de aula.
— Do seu último ano na escola. Você já é quase uma mulher. — Ela segura o meu rosto e deposita um beijo demorado no meio da minha testa.
— Eu ainda sou a mesma Melissa de sempre, dona Lori — brinco.
— Eu sei, eu sei.
— Até mais tarde. — Deposito um beijo no seu rosto, pego a minha bolsa e sigo para a garagem. — Tchau, Johnzinho.
— Mãe! Olha a Melissa — John reclama, ele odeia quando o chamo assim.
Quando entro no carro papai já está acomodado.
— Precisava provocar o seu irmão? — indaga, mas um sorriso brinca nos seus olhos.
— Preciso aproveitar antes que ele vire um adolescente insuportável, pelo seu atual comportamento essa é a tendência do futuro.
— Aqui entre nós — ele olha para os lados e depois para mim —, eu também acho.
Rimos.
A Charlotte Country Day School fica há uns dez minutos de casa, sempre aproveito a carona do papai pela manhã e na volta venho caminhando com Kate, minha melhor amiga. Rule e Lori estão vendo a possibilidade de me dar um carro no meu aniversário, mas não faço questão, não gosto muito de dirigir.
As ruas estão mais agitadas devido ao início das aulas e o resquício da euforia do Labor Day. Ligo o rádio e Are We Too Late do Tom Leeb começa a soar pelo interior do veículo. O meu celular apita e vejo uma mensagem da Kate.
"Será que teremos alunos novos — gatos — esse ano???"
Sorrio para a tela, Kate é uma louca que ama observar os alunos bonitos nas aulas de esportes, na verdade, ela só opta por fazer essas matérias por esses motivos.
Eu: Kate, vamos para a escola para estudar e não atrás de garotos.
Kate: Eu sei disso, Melissa, mas é ainda melhor quando a paisagem agrada.
Eu: Paisagem que te deixa distraída e faz ficar com nota baixa em várias matérias. Cadê a pessoa que disse que esse ano as coisas seriam diferentes?
Kate: Está te esperando na porta da escola. Beijos, te amo!!!!!
Eu: Milagres do primeiro dia de aula: Kate Winslow chegando primeiro que eu.
Kate e eu nos conhecemos no ensino fundamental e logo nos tornamos amigas, mesmo que sejamos completamente diferentes uma da outra. Enquanto Kate ama festas e garotos, eu amo ficar em casa e estudar. Enquanto ela é popular, eu sou apenas a amiga da Kate. Apesar de parecer estranho, nos damos muito bem assim, uma respeita a outra e isso que faz a nossa amizade ser inabalável.
— Eu não preciso ter aquela conversa sobre garotos, drogas e outras coisas que devem ser evitadas, certo? — papai pergunta ao estacionar o carro em frente à Charlotte Country Day School.
Viro-me para ele e ergo uma sobrancelha.
— Esse não o seu papel de pai, Rule Jackson?
Os seus olhos se fecham por breves segundos e ele se prepara para o discurso.
— Melissa... — inicia e caio na risada.
Viro no banco e puxo o seu rosto para dar um beijo.
— Estou brincando, pai. Garotos não são confiáveis, drogas são para idiotas e estudar vai garantir o meu futuro promissor.
Ele solta um suspiro.
— A minha pequena está virando uma mocinha — diz, olhando em meus olhos. As suas linhas de expressão se franzem no rosto e ele me encara orgulhoso. — Acho que estou ficando velho.
— Para disso, pai, você ainda é o maior gato e tem muito o que viver. — Arrumo o seu uniforme e dou um beijo no seu rosto. A sua barba curta faz cócegas assim como quando eu era pequena.
Sinto amor transbordar do meu peito por esse homem. Rule Jackson não foi o meu genitor, mas é o melhor pai do mundo e eu o amo demais.
— Acho que alguém está com pressa — ele comenta e aponta com o queixo.
Viro-me para a janela do banco do carona e Kate acena euforicamente. A saia um pouco curta subindo mais conforme ela pula para agitar o braço no ar.
— Quando a Kate não está com pressa, pai?
— Você tem razão.
— Obrigada pela carona, bom trabalho.
— Boa aula, meu anjo.
Rule deposita um beijo na minha testa e saio do carro.
— Mel — ele chama e o encaro pelo vidro. — Te amo.
— Também te amo, pai.
Ele dá partida e sigo em direção a Kate. Ela me envolve em um abraço apertado e solta um gritinho.
— Estava morrendo de saudade — diz com a voz esganiçada.
Kate foi passar uns dias com a sua mãe, que mora em Washington, e voltou apenas ontem à noite.
— Eu também. Como foi a viagem? — pergunto ao me afastar.
— Foi um desastre — conta e seus olhos brilham com lágrimas contidas. — Marta não é um exemplo de mãe, não é mesmo? E quando o Ronald soube que ela me deixou sozinha para viajar com uns "amigos" os dois brigaram feio.
— Ela fez isso? — exclamo.
— Ela saiu no domingo de manhã, sendo que sabia que o meu voo era para segunda. Fiquei completamente sozinha naquele apartamento enorme.
Kate respira fundo para não chorar, apesar de ser espontânea e sempre estar sorrindo, sofre com a indiferença da mãe. Ronald é um pai maravilhoso, mas não consegue ocupar o lugar deixado por Marta.
Puxo a minha amiga para um abraço e espero ela se acalmar.
— Eu sinto muito, Kate.
— Eu não vou mais para a casa dela. Ronald disse que estou proibida e que se ela quiser me ver que venha até aqui.
— E como você se sente em relação a isso?
— Eu não sei. — Dá de ombros. — Eu fui para Washington para ter um tempo com a Marta, mas ela não tem tempo para mim. Nunca.
— Ela quem está perdendo — tento animá-la. — Marta não sabe como tem uma filha maravilhosa, uma esportista nata e uma comediante excepcional — zombo.
— Nata em apreciar os tanquinhos dos jogadores de Lacrosse, observadora crucial para as pernas saradas dos corredores e com a raríssima capacidade de enxergar os mais belos rostos por trás dos grandes óculos e livros — se vangloria e consigo arrancar um sorriso verdadeiro dos seus lábios.
— A melhor!
Kate gira o corpo em uma volta completa e para com um dedo apoiado no queixo.
— Acho que tenho novo material para ser apreciado — comenta animada.
— Por isso chegou primeiro que eu?
Kate sempre chega em cima da hora e hoje milagrosamente chegou antes que eu, apenas para ver os alunos chegarem e saber se tem algum novo que, como ela diz, "vale a pena"
— Qual mais seria o motivo? — responde debochada.
Balanço a cabeça em negativa para a sua cara de indiferença. Kate é assim, consegue mascarar a dor e voltar ser a pessoa mais feliz do mundo em apenas alguns segundos. Ela se recusa a desanimar e admiro isso nela.
— Então, qual o veredicto? — pergunto, fingindo interesse.
— Vi dois que tem potencial e espero que amem esportes, preciso ver tanquinhos novos — dramatiza.
— Kate, você prometeu que ia focar nos estudos esse ano — lembro.
Ela enlaça o seu braço no meu e caminhamos para dentro do campos, em direção aos nossos armários.
— Eu vou, Melzinha, eu prometo.
— Kate, é sério, esse é o nosso último ano e precisamos de boas notas para entrarmos na Universidade.
— Em um dos raros momentos em que Marta lembrou que a filha estava na sua casa, me disse que eu deveria fazer faculdade em Washington — comenta como se Washington fosse a duas quadras daqui.
— E você? — pergunto receosa.
Eu quero o melhor para Kate, mas não me imagino longe da minha melhor amiga. Como nós duas amamos animais, combinamos cursar veterinária juntas, na mesma Universidade.
— Eu disse que ia pensar, mas é claro que não vou. — Dá de ombros e revira os olhos. — Beleza masculina extremamente suculenta à direita — muda de assunto e fico aliviada.
A beleza masculina em questão está olhando em nossa direção, ele é novo na escola. Típico Bad Boy do ensino médio, cabelos pretos penteados para trás, olhos também negros e um sorriso selvagem. O tipo que Kate ama.
Ela sorri para o garoto e ele pisca de volta.
— Ah... — Suspira. — Esse ano promete.
— Foco, Kate, foco.
— Estou focada — rebate, virando a cabeça para trás para observar o garoto.
Chegamos aos nossos armários, um ao lado do outro. Arrumamos os materiais e separamos o que vamos precisar para as duas primeiras aulas, que são de física.
— Eu já disse que amo física — Kate comenta.
— E eu amo você, Kate Winslow — Brad, um jogador de lacrosse, grita ao passar do nosso lado.
— Então prove, Brad — ela rebate.
— Sai comigo hoje e eu provo — sugere com um sorriso convencido. Ele virou de costas e anda para trás, todos do corredor observam fascinados a interação de duas pessoas populares.
— No Wayne's, depois da aula — berra de volta.
— Fechado, gata. Vá preparada para ter o coração roubado pelo Brad aqui.
— Como se isso fosse possível — desdenha e Brad finge que foi atingido no peito.
— Essa doeu lá dentro, gata.
— Aposto que o seu ego serviu de colete a prova de balas. — Brad ri, solta um beijo no ar e volta a andar normalmente. — Eu disse que esse no promete.
— É sério, Kate? Brad é o maior babaca — alerto.
Ajeito o material nos braços e começamos a caminhar em direção a sala de aula. Os corredores estão lotados e tem uma boa galera ainda meio perdida por aqui.
— Um babaca com um tanquinho de tirar o fôlego. — Se abana de forma dramática.
— Mas ainda sim um babaca.
Balanço a cabeça inconformada. Kate é linda, inteligente, gente boa, mas só se interessa por imbecis com zero de cérebro e cheio de músculos.
— Mel, eu só vou dar uns beijinhos nele, não vou casar e ter filhos — argumenta.
— Você nunca sabe por quem vai se apaixonar. E se acaba sendo pelo Brad cabeça de vento.
A sala de aula ainda está quase vazia e, meio a contragosto, Kate me arrasta para o fundo. Sentamos perto da janela, uma ao lado da outra, sempre formamos duplas em aulas que exigem.
— Zero por cento de chance, esse coraçãozinho aqui é blindado.
— Poderia blindar a sua boca para não ser beijada por Brad, assim não corremos o risco de você virar uma idiota sem cérebro que namora um jogador com muito músculo e pouco neurónio.
Ashley, uma aluna que namora um dos jogadores do time me olha de cara feia.
— Desculpa — sussurro.
Kate cai na risada.
— Melzinha, você e sua mania de falar as coisas sem pensar direito.
— Eu só estou querendo te proteger — explico.
— E eu te amo por isso, mas relaxa, Brad é um babaca inofensivo.
O professor Jensen entra na sala e viro para frente para prestar atenção na aula. Como é o primeiro dia, ele pede para os alunos novos se apresentarem antes de iniciar a matéria. O senhor Jensen já nos deu aula no ano passado, ele é bem rígido e não suporta atrasos, sejam eles por qual motivo for.
Any, uma aluna nova, está se apresentando quando uma batida na porta a interrompe. O professor levanta um dedo pedindo uma pausa e caminha até a porta. Sim, ele a deixa fechada para que os atrasados façam a entrada da vergonha.
— Desculpe o atraso, mas eu fiquei meio perdido — um garoto diz quando o senhor Jensen abre a porta.
— Dessa vez irei relevar, mas que isso não se repita.
O garoto balança a cabeça coberta por um gorro negro e levanta os olhos rapidamente para procurar um lugar. Quando localiza, começa a sua caminhada, com todos os olhos nele, um burburinho se forma, mas o garoto parece não ligar. Fico curiosa para saber o que estão falando, normalmente os alunos novos são quase que "ignorados" pela maioria, mas com esse as coisas são o contrário.
Observo os seus ombros caídos e os passos apressados para chegar até o assento escolhido, que coincidentemente é na fileira ao lado da minha, dois lugares à frente do meu, onde não há ninguém sentado para ser sua dupla. Ele não encara ninguém e quando se senta o seu corpo fica totalmente retesado e concentrado em algo à sua frente.
— Silêncio — o senhor Jensen pede e se volta para Any, ela continua sua apresentação, mas o clima entre os alunos parece estranho, pesado.
Kate aperta de leve a minha mão e arrasta um bilhete para mim. Esse é o nosso modo de comunicação em algumas aulas.
Discretamente, abro sobre o caderno e finjo anotar algo.
"Noah Hughes. Dizem que acabou de sair de um reformatório. Não tenho certeza, mas parece que foi acusado de assassinato."
Por isso todo o alvoroço com a sua entrada. A escola toda deve saber quem ele é. Infelizmente, as fofocas correm na velocidade da luz por aqui.
"Assassinato? Não acho que ele estaria aqui se esse fosse o caso!!!!
Eu não gosto de julgar e sinceramente não gostaria de estar na pele do Noah, as pessoas podem ser cruéis quando se sentem de alguma forma ameaçadas. Sinto pena dele. Independente, seremos legais com ele."
Estico o braço e devolvo o bilhete para Kate, alguns segundos se passam e ela sussurra que concorda comigo, para que só eu possa ouvir.
O senhor Jensen faz Noah se apresentar logo depois da Any. A sua voz é contida, mas de alguma forma me causa arrepios. Ele se limita a dizer o nome e que é novo na cidade.
Nota: Labor Day - Feriado do dia do trabalho, comemorado na primeira segunda-feira de Setembro nos EUA.
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