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Flores no Altar

A ciência tem coisas interessantes a dizer sobre os mais diversos assuntos. Dentre eles, a memória. Os estudiosos afirmam que um evento do passado nunca é lembrado per si, mas sempre pela última lembrança que tivemos dele. Augusto, em seus setenta e quatro anos de idade, dos quais o último meio século fora dedicado a batina, dava a si mesmo o direto de discordar – fosse por fé ou por vivência.

Tinha vinte e sete anos quando celebrou seu primeiro casamento, sem o fervor das preces de hoje em dia para que o casal suportasse a primeira briga. A noiva era jovem e tinha um sorriso largo no rosto. O noivo parecia mais taciturno que contente e, depois das bênçãos na igreja quase vazia, arrastou a esposa pelos cotovelos enquanto ela ainda lhe agradecia.

Há muito havia perdido as contas das vezes que abençoou alianças e declarou que a noiva poderia ser beijada. Do mesmo modo que jamais poderia transformar em números quantas cabeças molhara em batismo, quantos pecados perdoara pela confissão e quantas almas havia encomendado com a unção. Não se lembrava da maioria dos rostos, por mais que lhes houvesse tido real amor em cada sacramento. Os casamentos, ainda assim, eram secretamente os seus favoritos. Seja porque a igreja se enchia de flores, ou quem sabe pela perpetuação do amor.

Sua memória, infelizmente, era traiçoeira, e com o passar do tempo a maioria dos casais se confundia em iguais, ainda que suas histórias se distinguissem quando do sermão sobre o amor dos homens e de Deus. Marcada em sua alma, porém, somente uma dessas histórias havia ficado. Vez por outra, Padre Augusto se pegava incluindo a jovem noiva em suas orações, como parte de seu ritual de preces há quase trinta anos.

São Bento era uma daquelas cidades empoeiradas crescidas ao redor da igreja - até então a construção mais alta erguida de seu calçamento de pedra. Em frente as torres, uma praça onde o cimento era rasgado por árvores frondosas, sendo o orgulho do prefeito o coreto construído antes mesmo da chegada do Padre Augusto na paróquia. Era ela o palco para as grandes celebrações da igreja, quando os bancos da praça e até mesmo os galhos das árvores se enchiam de gente para acompanhar a pregação e o leilão das galinhas ofertadas pelo prefeito e pelo coronel - que num acordo silencioso arrematavam as doações um do outro.

A feira se enramava diariamente a menos de um quilômetro da praça, do lado oposto ao cemitério. O hospital ficava às portas da cidade, mas médico plantonista só tinha um, que dificilmente se encontrava em seu posto, mas suas vestes brancas cobrindo o corpo idoso quase sempre eram achadas na casa do coronel, alimentando a própria pança com os quitutes de Dona Tonha.

Não se lembrava do nome da noiva. Era certamente um desses nomes comuns, Maria ou Francisca, talvez Amélia ou Madalena. Quem sabe até uma junção de dois deles. A sua figura miúda nunca havia lhe chamado a atenção na missa, ou mesmo na confissão de seus pecados juvenis. Era uma florzinha recém-desabrochada para a mocidade, de quem a primeira lembrança que ele tinha era de entrar na sua igreja acompanhada de um moço garboso, quase uma cabeça mais alto do que ela.

Ela usava um vestido de algodão bem passado que lhe chegava até as canelas. Ele, um terno branco muito limpo e um chapéu surrado, mas com dignidade no olhar e no porte altivo da cabeça sobre os ombros, mesmo que ainda fosse muito moço. Era um final de tarde quente e Padre Augusto, junto com a finada Teresa da sacristia, começava a organizar a igreja para a missa quando foi abordado pelo casal sorridente, seguido de perto por um par de senhores que o padre descobriu ser os pais dos dois.

Recebeu ao quarteto com um sorriso e bênçãos, sabendo que a intenção não poderia ser outra que não marcar uma data para o enlace. A noiva, que era devota da Santa Rita de Cássia, pediu pelo dia 22 de maio. Como não houvesse grande impedimento para tal, Padre Augusto atendeu ao querer como um presente de casório para a moça, que apertou as mãos de seu noivo como se fosse aquele um bom presságio. A data dava a eles seis meses de noivado, e, enquanto os pais se preocupavam com os proclames, os dois se olhavam em uma veneração silenciosa.

Foi também por aqueles tempos que a cidade de São Bento recebeu, junto a uma carta do arcebispo, o padre que ficaria responsável pela paróquia a partir de meados de junho. Se quando mais moço Augusto quisera se livrar logo daquela igreja perdida em um fim de mundo, os anos ali passados lhe serviram para que a ela criasse apego. Não estava ansioso para deixar seu rebanho, mas não ousava medir forças com as autoridades canônicas. Deus havia de estar lhe preparando um bom caminho, assim como para suas ovelhas.

Aquela noiva, assim como tantos outros fieis, foi até ele depois da missa de domingo para declarar seu desprazer com a mudança. Não que houvesse muita disposição da parte do rebanho em contrariar a ordem, mas via-se o júbilo de alguns por ainda ser o conhecido padre quem celebraria seus sacramentos. Houve noivas que se perguntaram se não haveria a chance de antecipar a data do enlace, enquanto as mães se amarguravam por não poder antecipar o nascimento dos filhos para que ele fosse quem os batizasse.

Talvez por uma saudade antecipada, Padre Augusto passou a observar aquelas ovelhas com redobrado carinho nos meses que se seguiram.

A noiva assistia às missas de domingo sentada entre a mãe e o pai, sempre com o mesmo véu sobre os cabelos negros. Só perdia o foco de suas orações quando sorria para o noivo na fila da comunhão, que lhe respondia o gesto com o discreto piscar de um olho só. Normalmente se encontravam na praça depois do fim da missa e, sob o olhar cuidadoso dos pais da noiva, davam as mãos em um namoro discreto enquanto caminhavam alheios aos demais passantes.

Foi num dia de chuva, ainda no começo de abril, que o Chico da Arminia invadiu a igreja sem se incomodar com os esforços de Teresa para manter o piso limpo, apesar das goteiras. Afobado, torcia nas mãos o chapéu ensopado, e precisou falar três vezes até que Padre Augusto conseguisse entender o que ele quis dizer.

- Na curva da estrada do sítio do Bosco, seu Padre. A carroça tava carregada e virou por cima do moço.

Não havia mais o que fazer que não pegar a batina, a água benta e o terço, subindo na carroça do Chico enquanto de longe já fazia suas preces pelo acidentado e pela própria segurança enquanto a carroça fazia subir a lama pelo caminho.

Viram primeiro a multidão que os esperava na entrada da curva banhada pelos pingos grossos que ainda caíam do céu. Padre Augusto se aproximou distribuindo bênçãos, enquanto os olhos buscavam, mesmo sem querer ver, o desastre. Dr. Mendes balançou a cabeça negativamente tão logo se fixou na batina, em sinal de que o único que poderia ser feito era encomendar a pobre alma. Ajoelhou-se ao lado do trapo de gente que era o acidentado, e só quando fez o sinal da cruz em sua testa percebeu que se tratava do jovem noivo, cujo casamento estava marcado para o dia da Santa das Causas Impossíveis.

Os homens haviam conseguido tirar a carroça e as sacas de feijão de cima do corpo, mas a camisa, uma vez engomada, agora cobria ensanguentada o peito esmagado. O pobre ainda sorriu ao ver o padre, dizendo não sentir dor antes de confessar seus últimos pecados. A multidão tentava proteger os dois - padre e acidentado - da chuva torrencial, mas não havia meio realmente próprio para fazê-lo. Morreu com um semblante tranquilo, olhando para o céu nublado, e o padre benzeu-se antes de fechar-lhe os olhos flácidos após o último suspiro.

A morte é o fim de quem se vai, mas apenas um capítulo para quem fica. O pai, uma vez garboso, parecia menino ao prantear o filho no enterro. A mãe buscava misericórdia divina para aplacar sua dor. A pobre noiva enlutada teve de trocar o branco pelo negro, amparada pelos pais enquanto o rosto vermelho evidenciava seu pesar. O sermão fora sobre a pesada cruz de enterrar um filho morto ainda novo, sobre a continuidade da vida e a perfeição dos planos divinos.

Os dias se fizeram semanas, como não havia de deixar de ser. A mãe arrefeceu o pesar no consolo diário das preces. O pai, na lavoura. Da noiva, padre Augusto não teve notícias. Ela não mais comparecia à missa de domingo, e o que se ouvia dizer era que fizera do luto clausura. Entre os preparativos para a própria partida e os treinamentos do novo padre, Augusto não conseguiu encontrar tempo para os cuidados devidos à ovelha desgarrada. Pelo menos não até o dia 22 programado para as bodas.

Quando ela apareceu na igreja, trajando branco e com um buquê de flores na mão, o padre demorou a reconhecer o rosto que um dia fora reflexo de alegria, mas agora estava encovado pela tristeza. Ante a cor do traje e as flores nas mãos, achou que a pobre havia perdido o juízo por conta da sua dor, junto com uns bons pares de quilos, mas a moça menina pareceu-lhe bastante lúcida ao lhe pedir a bênção.

- Vim lhe pedir companhia, seu padre, pra visitar o túmulo dele.

Negar o pedido teria ferido mais ao padre do que a ela, além do que ele não ousaria deixá-la sozinha enquanto não estivesse certo de que nenhuma bobagem se passava por aquela cabeça juvenil. Pediu licença ao novo pároco e avisou para Teresa onde poderia ser encontrado, antes de pousar a mão da noiva viúva em seu antebraço e a guiar a passos firmes pelas ruas calçadas em pedra que davam até o cemitério.

Era uma bonita tarde de sol aquela, a poeira se levantando do caminho a cada passo enquanto os pássaros faziam sua habitual algazarra. Ao longe se escutava o burburinho da feira, que antes do início da noite haveria de se desfazer.

A lápide era simples. Um nome, a data que aquela alma viera ao mundo e a que se encontrara com o Senhor. Flores frescas faziam par com algumas já murchas, em mais um lembrete óbvio para a perenidade da vida.

As lágrimas encheram os olhos da noiva enquanto ela repousava, naquele pequeno altar de dor, o buquê de flores que levaria ao altar da igreja para se tornar a esposa daquele que fora seu único amor. Foi aquela cena que comoveu ao padre, mais do que as juras de amor trocadas em vida, o silencioso carinho da noiva ao tirar do túmulo as flores mortas, enquanto as regava com lágrimas silenciosas.

Quando as palavras lhe vieram, pediu perdão ao noivo por seu pranto não o deixar descansar. Em nenhum momento culpou a Deus, a ele ou ao destino por seu coração partido, como quem quer resignar-se, mas não encontra forças para tal. Findo o ritual sofrido, agarrou a mão do padre e pediu uma oração, pra dar sossego ao próprio espírito e a alma do amado que haveria de descansar nos braços do pai.

Lúcida, encontrando dignidade em meio as lágrimas, agradeceu a Augusto pela companhia e pela reza, antes que voltassem os dois silenciosos para a igreja.

No domingo, voltando ao negro do luto, ela compareceu à missa, sentou-se no lugar de sempre entre os pais, cantou os hinos, ajoelhou-se nas preces e comungou. Padre Augusto a observou voltar para a rotina como uma sombra do que no passado fora, ainda que seus olhos não mais estivessem fundos e as bochechas voltassem a ter alguma cor. Perdoou-lhe os pecados uma última vez, sem deixar de lembrá-la de que não fora ela a partir.

Menos de uma quinzena mais tarde, Augusto deixou São Bento e seus lamentos para trás. Teresa lhe mandava ocasionais cartas. Falou da morte do prefeito, do novo médico que chegou. Da morte de Teresa ele foi avisado pelo padre que ocupara seu posto, que também o informou quando o coreto da praça fora destruído para dar espaço a uma estrutura mais moderna. Com o tempo, entretanto, as notas se foram rareando. Nos últimos quinze anos, só soubera de São Bento pelas tímidas notícias que vez por outra saiam daquele fim de mundo nos jornais.

Nenhuma carta ou manchete jamais mencionou a jovem noiva cuja lembrança o fazia, por vezes, pôr-se a rezar pelo consolo de um coração partido sobre a lápide recente de um amor perdido.


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