Capítulo 3
Narradora on
A brisa suave e fria, com pouca poluição e carregada de frescor atingia dos fios de cabelo até os pés do garoto, que se encontrava em cima de uma pedra enorme, tão alta que a queda daquela altura poderia matá-lo, qualquer um que o visse ali pensaria que era a sua intenção, mas mal sabiam o quão errados estavam. Aquele era um lugar de paz, os altos pinheiros chegavam próximos ao céu dentro do ponto de vista infantil, o riacho que ali próximo corria em conjunto com o cantar dos pássaros eram extremamente relaxantes. Jason já havia perdido a noção de tempo, só sabia que estava ali há um bom tempo. Naquele lugar, podia ver a alta ponte de San Francisco, não era tão longe, assim como não era perto, se lembrava de cada uma das vinte e quatro vezes que subiu no parapeito mas não pulou ou foi impedido por algum idoso dizendo que era perigoso estar ali. Mas será que toda essa hesitação em dar o último passo era boa? Claro, ele estava vivo, mas ele estava vivendo? Não, a resposta era fácil. Ele só estava lidando com as consequências de ter nascido, só existindo e tomando decisões quase que programadas na maior parte do tempo. Mesmo achando que não valia a pena, resolveu dar mais uma chance pra vida, lhe deu mais tempo pra provar que existia um bom motivo para ficar vivo ou voltaria para a ponte. Sabia de có o local e a distância da água da parte mais alta, da mais baixa, sabia a época em que o metal estava quente por causa do verão, a época que estava frio por causa do inverno, sabia tudo, só faltava de fato dar um fim em toda essa enrolação.
Duas semanas. Duas semanas era o tempo exato que havia dado para si mesmo e para a vida lhe darem um bom motivo pra não ir até o fim da próxima vez. Faltavam cinco dias pro fim da segunda semana, já tinha deixado as cartas escritas de novo, uma para Jasmin, uma para o papai e uma para a mamãe, não tinha mais ninguém que pudesse avisar, que pudesse fazer as coisas mudarem. O cheiro quase neutro dos pinheiros tomava seu corpo em ondas de relaxamento, aquele era seu lugar feliz, se Jasmin pudesse ir ali consigo, seria o melhor lugar do mundo. Porém, não queria a deixar desconfortável e nem misturar profissional com pessoal, mesmo que a profissional tenha dito que eram amigos, sabia que não seriam nem conhecidos se seus pais não tivessem o colocado lá, para ir as sessões. A noite começava a cair e sabia que as pessoas de sua idade deveriam estar indo para festas, saindo juntos, talvez transando, só sabia que não estava inserido em nenhuma das possibilidades, principalmente na última. Nesse exato momento estava sentando-se na pedra pelo cansaço das pernas, mas não queria ir embora, ainda não, pra que voltar pra um lugar tão infernal? Parece que no silêncio podemos ficar calmos, mas também é nele que nossos demônios nos consomem. Por lugares incríveis é um filme e livro que comprovam isso, o Finn se matou por ficar em silêncio e por ter sido consumido nesse e pelo mesmo.
Um passarinho pousou em seu ombro e ficou ali mesmo, isso foi suficiente para um sorriso mísero brotar nos lábios do garoto, ele era alguém fácil de fazer feliz, só não tinha quem fizesse isso por ele, fora a psicóloga. O céu já estava quase que completamente escuro e as estrelas apareciam timidamente, graças às luzes da cidade, mas continuavam lindas e encantando o jovem McCartney. Resolveu que era hora de voltar pra casa, ninguém ligava se ele estava lá ou não, principalmente porque as pessoas que trabalhavam na casa já tinham ido embora e nenhum deles se preocupava em saber como ele estava, todos achavam que era mais uma criança mimada que passava o dia fora de casa transando ou bebendo, mas as coisas nem sempre são como a gente imagina...
As ruas da cidade já estavam completamente iluminadas e as pessoas andavam para lá e para cá parecendo felizes, como ele tinha inveja delas, algumas poucas pessoas estavam como ele, sozinhas, tristes, infelizes, invisíveis...Era como em todo grande filme, raramente aparecem pessoas como ele, quem aparece nos filmes, são as pessoas acompanhadas, felizes, que tem pelo menos alguém ou algum motivo maravilhoso pra continuar lutando contra essa corrente de merda. Era como se Jason fosse uma ilusão para os outros e para si mesmo, era como se ele só fosse um espectador da vida e não pudesse participar de nada nem intervir, só observar, como se a vida estivesse na TV e ele vendo sentado no sofá enquanto tenta entrar nela, não tão desesperadamente quanto antes, mas que ainda tenta. Quando algum rosto lhe era familiar, Jay só abaixava a cabeça e os outros também não prestavam muita atenção, estavam ocupados com suas vidas felizes. Ao passar por uma casa de rosto levantado sentiu como se alguém estivesse lhe olhando. Era uma linda casa, branca, com dois andares, colunas altas, janelões próximos ao teto e próximos ao chão ou janelas médias, levantando sua vista viu três sacadas e um rosto familiar, o garoto que viu mais cedo, o filho da Helena. Encarou o mesmo por alguns segundos e agora sem dor e sem os comentários vergonhosos de Helena pode realmente reparar na face que havia achado linda, mais cedo. Era alto como tinha notado mais cedo, tinha um corpo forte, não era definido como o dos atletas, mas era incrível, cabelos castanhos, curtos e cheios, olhos âmbar, nunca tinha visto orbes tão âmbares em sua vida, sua boca e nariz eram delineados, seu maxilar era normal, um pouco mais bonito que o seu. E por alguns segundos foi como se o mundo parasse, as coisas ficaram mais calmas pois o seu foco foi desviado para o moreno mais lindo da cidade, realmente, Helena não mentiu quando descreveu o filho daquela forma. Ele sabia que quando o menino entrasse na escola provavelmente nem ia olhar na sua cara e foi justamente isso que lhe deu coragem para sair dali e ir pra casa, mas não para parar de pensar nele.
O dono das orbes âmbar lhe vinha à mente como preocupante, parecia alguém que entraria fácil pro grupinho de Josh, isso não seria bom, todos esses garotos bonitos são um desperdício, sempre tão babacas e manipuláveis, se pudesse escolher, nunca seria gay, as mulheres eram tão mais fáceis de lidar, tão mais amáveis, pelo menos as que eu convivi, já os homens sempre foram sério, babacas, idiotas e muito mais, com raras exceções, pelo menos consigo, que não era muita coisa. Eles deveriam ser legais e achava isso porque na real era o problema e não queria assumir, esses eram seus pensamentos no momento. Também ficou preocupado com o desconhecido, nunca viu olhos tão perdidos e tristes como aqueles, nem os seus. Abrindo a porta de casa deu um grito e confirmou-se então que estava só, mais uma vez. O menino poderia dizer que morava sozinho se quisesse e não, isso não era legal. Quando você tem amigos provavelmente deve ser, por isso que as pessoas gostam tanto, mas esse não era o caso de Jason, particularmente, nunca vi alguém tão sozinho quanto o mesmo e o mais triste é que ele sabia disso.
As escadas do casarão eram tão grandes que a cinderela teria voltado para pegar seu sapato para não machucar o pé no restante da descida, a escadaria passava uma ideia de poder, de imponência, como se alguém ali quisesse fazer os outros se sentirem inferiores e não era aquele lugar em si e sim o conjunto de tudo ali presente. Não era um lar, era um lugar de onde você gostaria de fugir. Ao abrir as portas de seu quarto viu as plantas trepadeiras que ficavam nos paletes, sua cama king, com lençóis azuis, sua enorme bancada cheia de adesivos de séries, filmes e livros, as paredes eram preenchidas por folhas de quadrinhos, o closet era cheio de adesivos, suas estantes abarrotadas de livros e bonecos de colecionador. Era um quarto de quem parecia ter tudo, mas na verdade não tinha nada, um quarto de alguém que tinha tudo pra ser feliz, mas algo o impediu, pode ter sido ele mesmo. É muito difícil entender o que trava uma pessoa ou o que faz com que ela prefira morrer a tentar interagir com os outros novamente, mas não foi e nem vai ser besteira, besteira é o que tem escrito em cada bilhetinho que deixam no armário do dono do quarto, mas ele não acha isso por ter os recebido por muito tempo, seus amigos do fundamental o abandonaram em tempo recorde e agora Jay é o dono de um quarto lindo, mas que não tem ninguém pra levar ali.
Ao se sentar na mesa, abriu o computador e começou a vagar em seu spotify, buscando sua playlist preferida, nela tinha de tudo, Lauv, Billie Elish, Lady Gaga, AC DC, Nirvana e tantos outros que a mesma tinha dez horas e meia de duração, ele havia feito dele, para si mesmo. Abriu também o Cyberpunk, não tava afim de jogar Hollow Knight agora, mais tarde ele ia lá só pra tentar bater seu recorde de novo. Jason era muito fã dos dois, tinha bonecos e adesivos deles por seu quarto, mas jogar também dá um vazio, ele jogava os melhores jogos que tinham pra jogar sozinho, queria alguém pra mostrar os jogos e ensinar a jogar. Aquilo não era uma fonte de felicidade, era uma forma de fuga, o mundo real era uma bosta, todo mundo sabia disso e todos precisam cair fora dele as vezes, a única diferença entre eles e Jay é que o moreno faz isso com mais frequência. Ele assinou todas as plataformas de streaming possíveis pra ter filmes e séries, compra livros com muita frequência e sempre tem pelo menos dois jogos para PC que joga só, com isso, o menino mal fica no seu mundo, quando está nele, ou estuda, ou tá na escola. Ninguém no mundo pode dizer que Jason está sozinho porque quer, o jovem tentou de todas as formas se encaixar, mas ninguém queria aquela peça estranha de quebra-cabeça, ninguém tava afim de ver onde ele se encaixaria e quem queria, foi intimidado pelos babacas dos atletas, dividir pra conquistar era o lema dos mesmos e o usavam pra conquistar a desgraça da vida alheia em troca de entretenimento. Como disse Billie Elish em Everything I Wanted "If they knew what they said would go straight to my head" (Se eles soubessem que o que disseram iria direto para minha cabeça), será que isso ainda iria acontecer? Essa é mais uma pergunta sem resposta.
Se todas as perguntas tivessem resposta, aposto que Jason ficaria no mínimo menos confuso. Mas as coisas não são assim, as pessoas tem que buscar respostas para as perguntas e ninguém pode afirmar com cem por cento de certeza que achou a resposta certa, isso é algo muito relativo e é exatamente essa relatividade que mata o Jay, ele como qualquer outro adolescente só quer uma resposta pra suas perguntas ou problemas. Billie Elish era incrível demais pro menino porque ela é uma jovem adulta que teve muitos problemas como os dele e entende as pessoas como ele, assim como as pessoas mais populares, a garota consegue englobar tudo e todos e dar apoio. Quando sabemos que alguém que vangloriamos passou por algo parecido conosco, isso é motivo de incentivo e felicidade, era esse o efeito que ela tinha nele. O menino sabia que não tinha se matado em parte por causa das músicas e da existência dela, é errado se apegar assim a alguém que você não conhece, principalmente porque a pessoa nem sabe que você existe, mas pra um garoto com tendências suicidas, ter um ídolo era ótimo, ele se esforçava pra conseguir viver e dar uma volta por cima como ela deu, mesmo que não tivesse ninguém, queria conseguir, porém, eram tantas as vezes que queria desistir. Não precisava só de uma motivação, precisava de um amigo e sabia disso, sabia que não estava conseguindo passar por isso sozinho e esse fato o deixava pior ainda, saber que precisa de alguém pra ouvir todas as merdas era terrível. Ele só continuou a partida e deixou seus pensamentos vagarem para uma parte um tanto quanto sombria da sua mente, ao som da doce voz da Billie.
[Flores das Pedras]
O vento gelado da noite entrava em seu quarto ainda incompleto, o garoto sentiu um arrepio gostoso e macabro. O frio era o que ele mais odiava gostar naquele mundo, toda vez que fazia frio, seu irmão vinha à mente. O sorriso de David enquanto faziam bonecos de neve, esquiavam, iam ao Central Park, à Broadway, ao teatro, ao museu. O Roosevelt mais velho era incrivelmente sorridente, não importava o que acontecesse, até mesmo quando estava morrendo congelado lhe ofereceu um sorriso, ele fazia de tudo pra Alec estar bem, apanhava duas vezes, deixava o pai tocar nele e todo o resto que Adam quisesse, contanto que não tocasse no mais novo. O garoto foi até sua sacada e ficou do lado de fora apreciando a lua, as estrelas, o clima, as memórias...Apesar de tudo que aconteceu, ele tinha suas boas lembranças ao lado de Davi, era assim que o chamava, não acreditava que o mais velho estivesse consigo como dizia a religião, ele era ateu. Depois de tudo que ocorreu com seu irmão, não conseguiu acreditar que houvesse um deus, consigo até entendia, mas o outro era a melhor pessoa que já tinha pisado no planeta e o todo poderoso teria feito isso com ele? Para Alec não tinha sentido nisso.
A noite em San Francisco era linda, apesar de barulhenta, a cidade era muito melhor que NY, isso ele podia afirmar, lá, tranquilidade era algo que não se tinha em momento algum, onde está agora, depende do horário. Buscava algum consolo na paisagem da praia a sua frente, o calçadão estava vazio, a não ser por um garoto, o menino com quem Helena falou mais cedo na escola, se não se enganava, o nome dele é Jason. Não conseguiu ver o rosto dele direito, mas parecia estar tão triste quanto ele mesmo, passou alguns segundos o observando, até seus pensamentos voltarem a seu pai, cada memória na presença daquele homem lhe causava uma dor inexplicável, era como se tivesse feito tudo o que fez para poder assombrá-lo pelo resto da vida. A lua atraiu seus olhos tristes, uma coisa que havia aprendido é que a beleza esconde a feiura da maldade, que vinha dentro dessa capinha fina. Se perguntava se talvez a lua fosse assim também, não baixou seu olhar nem mesmo quando os olhos daquele garoto queimaram sua pele de tanto o olhar, não estava interessado em ver pessoas tristes agora, ele já estava praticamente afundando.
Amanhã seria sua primeira ida a psicóloga e seu primeiro dia na escola, tentaria falar com o tal de Jason amanhã, quem sabe não entrava no grupo de amigos dele ao invés de ficar vagando sem rumo pelos corredores da Tigers. A experiência de ficar só em uma escola é como entregar uma presa na mão do caçador, você está sujeito a todo tipo de julgamento, xingamento, agressão e todo o resto, vindo de todo e qualquer um grupo de pessoas, a galera só precisa ter vontade. E na sua antiga escola tinham, mas quase ninguém batia nele porque o menino parecia forte e brigão, Alec de fato era forte, mas não fazia mal a uma flor, aqueles babacas que não o conheciam e rotulavam porque sim, quando seu irmão morreu ninguém falou com ele, passou duas semanas recebendo olhares de pena e piadas do tipo: "O irmãozão não tá mais aqui pra proteger a bixinha." E outras ainda piores. Esse período foi quando chegou no fundo do poço, quando seu pai ganhou no tribunal começou a fazer tudo que fazia com David consigo, só que com mais frequência, chegou até a tatuar e marcar seu filho como se fosse um gado da fazenda da família de seu pai, aquilo era a maior prova de ódio que já havia provado.
As vozes das crianças ecoaram pela vizinhança enquanto gritavam os números da amarelinha no chão, um leve e melancólico sorriso tomou os lábios tristes e desgostosos do garoto. Esperava que a menininha e o garotinho tivessem uma ótima infância e que quando crescessem reclamassem de não ir em festas ao invés de terem lembranças como as que tinha, era um desejo puro e sincero que tinha para todas as crianças, mesmo sabendo que algumas sempre vão sofrer com isso. Queria fazer direito, ser promotor para poder ajudar crianças como ele ou mulheres que sofreram de violência doméstica, estupro e assim vai a lista de coisas hediondas que acontece nesse mundo imundo com pessoas que não merecem, com seres humanos maravilhosos que só foram sorteados nessa Mega-Sena ao contrário que eles chamavam de vida. A definição da palavra vida é basicamente: o período entre o nascimento e a morte. Sabia que nem sempre ela era linda, cheia de arco-íris e unicórnios, agora, não entendia porque algumas pessoas tinham que sofrer tanto enquanto outras só riem disso ou estão sempre felizes. Não desejava mal a ninguém, só achava genuinamente injusto todo o seu passado, mas por outro lado, as coisas ruins estavam sendo substituídas por boas, Helena, ela foi a melhor coisa da sua vida em tanto tempo que quando foi gentil no começo, o menino estranhou e ficou com dois pés atrás, o mundo muda as pessoas, isso é um fato, agora, as pessoas também mudam o mundo e era isso que queria fazer, queria homens como seu pai presos e homens como seu irmão nos altos cargos deles, isso sim seria justo
Voltou para seu quarto, fechou a porta que dava para a sacada, foi até sua bancada de estudos e pegou seu sketchbook médio e um lápis que já havia usado algumas poucas vezes. foi em direção a sua cama e entrou debaixo das cobertas até o tórax, se mantendo sentado e apoiando o "caderno" em um travesseiro. Começou a olhar o seu entorno e voltou seus olhos para o papel, fixando-os apenas nele, iniciou leves movimentos com o cinza do grafite contrastando com o branco do grosso papel especial pra fazer aquilo. Deixou que sua mão guiasse o lápis livremente pela folha sem se preocupar em escolher exatamente o que desenhar, só queria pôr as coisas pra fora, conseguir se expressar ou só relaxar e sabia que essa era a sua intenção desde que tocou naquele caderno, linha após linha os pensamentos do menino foram deixados de lado e focados naqueles traçados que nem o mesmo sabia onde iam dar, só se permitiu ser guiado pelos seus sentimentos. Provavelmente seria mais um desenho para sua gaveta de folhas de papel tristonhas, elas continham coisas tão pesadas, tão tristes que nunca teve coragem de mostrar a ninguém, sempre as escondia o melhor que podia, agora elas estavam na única gaveta com chave do seu quarto e a mesma, estava pendurada em um cordão por dentro da sua roupa. Quando lhe deu a chave foi pensando em dar privacidade para seu filho, só não sabia que o mesmo ia usar aquele lugar para guardar desenhos preocupantes e que ela devia vê-los para poder ajudá-lo.
O lápis continuou se movimentando pelo papel branco, que estava aos poucos sendo consumido pelo cinza do grafite, as linhas começavam a fazer sentido agora, eram duas crianças brincando em um barranco de neve, uma estava com uma janelinha, pela perda de um dente de leite, enquanto levantava um trenó acima de sua cabeça, a outra criança um pouco mais velha passava a mão em seus cabelos, os bagunçando e sorrindo também, segurava o seu trenó embaixo do outro braço, estavam em uma colina na neve e vestidos para o inverno. Aquilo havia sido há alguns vários anos, quando seus pais ainda davam amor e carinho para os mesmos, sua mãe nem tanto, mas enfim, os levaram para passar um fim de semana em um chalé, durante o inverno e passaram por uma cena idêntica a essa, chegava a ser cômica a precisão do desenho, só podia ter sido feito por alguém que estava na cena. Tirou a folha do caderno e colocou na mesa de cabeceira. Aproveitando para checar o horário, já passava das dez da noite, não sabia, mas ficou perdido naquele desenho por duas horas até que todos os detalhes se encontrassem e ficassem alinhados, basicamente, pra ficar perfeito. O lápis começou a passar por outra folha e entre acertos e erros, Alec foi até a bancada e apagou algumas coisas durante esse desenho, mais linhas e formatos foram surgindo, era como se o lápis e o desenho fizessem parte dele de tão natural que estava sendo aquele contato.
A ponta cor de grafite corria de um lado para o outro na rua, como o casal apaixonado que corria no calçadão, estavam um brincando com o outro e sorrindo, estavam felizes, o lápis também brincava com a folha, mas era impreciso dizer o que eles poderiam estar sentindo no momento se fossem pessoas. Desde que começou a traçar rabiscos na segunda folha, o casal feliz passou pelo calçadão, as luzes da cidade reduziram absurdamente graças ao horário, alguns bêbados passaram pela praia e o mundo lá fora continuou seguindo em frente, mas uma coisa realmente importante tinha mudado. Com menos iluminação por toda a cidade, se Alec olhasse pela janela iria poder ter uma ampla visão das estrelas que agora se juntavam às outras na visão humana, clareando a noite e deixando-a uma das mais bonitas naquele ano. Os postes da cidade iluminavam as ruas da cidade tirando do breu as pessoas que ainda andavam nelas, o movimento das ruas era menor nesse horário, já se passava da meia noite, as poucas almas que vagavam a esse horário de uma segunda-feira estavam sendo acompanhadas pelas estrelas e pelas luzes da cidade. Dentro do quarto a borracha apagava novamente algum detalhe mal feito para o maior, em questão de segundos a ponta, agora quase invisível, cor de grafite correu pelo papel umas últimas vezes finalizando outro desenho.
Cada linha traçada era mais calmante que todos os remédios que já havia tomado, era onde ele conseguia expressar sentimentos e pensamentos. Era ali que conseguia despejar a lata de tinta que chamava de angústia e todo o resto, tudo aquilo que ninguém sabia estava em seus desenhos, trancados a chave para que continuassem sem saber. Os traçados de todas as obras eram de momentos felizes ou tristes e transbordavam de dor, haviam desenhos de quando tinha oito anos naquela gaveta...Alec desenha desde que se entende por gente e os papéis sempre os entenderam mais que as pessoas, os lápis ofereceram as melhores palavras de conforto no silêncio. Ao terminar o desenho, viu Helena e a si mesmo quando ela foi conhecê-lo, era claramente um garoto assustado se escondendo atrás de sua postura de falsa tranquilidade, ela tinha um sorriso tão doce em seus lábios que tocou seu coração mesmo sem querer, não precisava do dinheiro que estava nas contas de seus pais, ou seja, não podia estar o adotando por interesse, o jeito que os olhos dela brilharam quando disse que gostou da mesma só podiam ser de alguém que queria um filho e finalmente o encontrou e ele seria eternamente grato a ela. Nos traços da folha ele não parecia com medo, a não ser por uma bolinha preta dentro dele, estava tão discreta que a mais velha não notaria, então decidiu dar a ela, pode parecer um tanto quanto infantil, mas para o menino, era um grande passo e para a moça que dormia no quarto ao lado, seria a fonte de inúmeros sorrisos.
Saiu da cama e colocou o primeiro desenho na gaveta depois a trancou novamente. No percurso para voltar a cama, algo brilhante capturou a atenção de seus olhos, naquele segundo, toda a dor, a tristeza, a melancolia e o restante sumiram, suas orbes haviam sido capturadas pela lua. A lua que agora banhava a sacada com sua luz branca e fria, pegou um casaco e foi para o lugar de pijama mesmo, sentou-se no chão com o caderno, o lápis, um apontador e uma borracha. Estava embasbacado com a beleza do satélite natural que estava ali presente, apesar de todos os milhões de quilômetros. Começou a desenhar novamente, agora, tentando capturar pelo menos uma parte da beleza e do brilho lunar naquela noite, talvez não voltasse a ver um céu tão bonito nos mínimos e máximos detalhes. E ali conseguiu ficar em paz, mesmo que apenas por duas horas, ele havia conseguido relaxar e deixar toda culpa e toda a dor de lado. Quando passava das duas da manhã o calçadão estava deserto e o desenho havia sido finalizado, faziam alguns minutos, Alec estava sentado na mesma posição de antes, juntando coragem para levantar e ir dormir.
Depois de mais alguns minutos o mesmo finalmente retorna para a sua cama, ainda estava tenso com o dia seguinte, mas com certeza estava muito mais calmo do que antes, chegava a ser impressionante a diferença de antes e depois da presença da lua, é como se ela fosse mágica...A cama estava tão confortável quanto antes e a cidade mais quieta ainda, entrou embaixo do edredom depois de colocar o casaco de volta no cabideiro. Agora estava aquecido o suficiente para dormir essa noite e acordar com coragem o suficiente para ir a escola amanhã, de uma forma infantil, estava quentinho por fora e por dentro de um jeito que não ficava há muito tempo...
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