Um médico para a sua chegada
Suas lágrimas quentes evaporaram com o tempo, deixando apenas trilhas em sua pele, caminhos onde seus sentimentos foram incapazes de se esconder no inconsciente do seu ser. Muito pelo contrário, sentimentos tão gritantes que quebraram as jaulas com as mãos e irromperam pelos seus olhos em busca de alguém que os visse, e viram.
Olhos negros tão quentes quanto às lágrimas sondaram seu rosto, corpo e suas mãos. Esperavam por uma ordem, um sinal, como se sua alma ansiasse por qualquer expressão dela e então a porta do palanquim foi aberta, como se essa ação fosse arrancar dela o que buscava, e ele a estendeu a mão.
Ao fixar o pé de apoio no chão quase como hipnotizada, ele a puxou com força, procurando oferecer o máximo de arrimo possível para que ela permanecesse em pé. Seu toque parecia conhecer seu corpo como se não fosse a primeira vez que estivesse na curva de seus tecidos, e era assim que se sentia: familiarizada.
Quando seus lábios se abriram para oferecer o que ele tanto ansiava, esses olhos deram as costas e saíram correndo. Mas por que ainda sentia o calor em seu rosto?
- Princesa! – Uma mulher corria para o seu lado. Parecia ter a mesma idade que Isabelle e era tão pálida que sua boca se perdia em meio ao seu rosto. Os cabelos presos em um coque que dava voltas infinitas em sua cabeça, presos por pequenos grampos aqui e ali. Olhos redondos arregalados que se moviam de acordo com Isabelle, como se temesse o pior. – Princesa, você está bem?
Olhando para os lados, sentia raiva dessa mulher que não respondia sempre que chamada, princesa para todos os lados e ela não se dava ao trabalho de dizer um A. Recolhida em si mesma, sentou no chão ao lado do palanquim com um leque nas mãos que fora entregue pela mulher, o abanando com rapidez para ver se o ar voltava a entrar em seu corpo. A felicidade inflava seu peito ao perceber que tudo havia acabado e suas mãos terem parado de tremer. A adrenalina fora tão alta que pensava que o desmaio ainda estava por vir, nunca sentira tanto medo quanto ao ver sangue vermelho vivo.
Queria vomitar e ignorava o seu redor, da última vez que havia visto, uma poça de sangue se formava sob o corpo de um homem caído sem vida. Havia entrado no limbo pessoal, um lugar dentro dela que nem mesmo sabia existir.
- Woo Hee-Ah! – Sacudindo sua mão, a mulher pegou para si toda a atenção de Isabelle que até parou de se abanar, passando a olhar o leque em sua mão. Desde quando tinha um leque com ela? A mulher chamou sua atenção de novo, estava igualmente agachada e muito mais próxima do que pensava. – Você está me assustando! – Gritou como se segurasse o choro.
- Woo Hee-Ah? – Disse confusa. – Quem? – Desesperada, a mulher entrou em pânico, se levantando e dando leves pulinhos no mesmo lugar enquanto segurava a mão livre de Isabelle no ar, chacoalhando seu braço inteiro. O hanbok azul claro e azul marinho, por mais que se parecesse com o seu, era diferente. Sem bordados, sem cores, apenas um tecido liso que a cobria sem requintes.
Atrás dela surgiu uma mulher mais velha, talvez beirando seus 40 anos, cabelo devidamente trançado e preso num coque, sua jaqueta tinha a estampa de flores sobre um tecido cinza grafite, a saia era cinza claro e lisa, em suas mãos uma vara negra que apertava com elegância, assim como sua postura. Sem entender muito bem, ela a lembrou de alguém que amava muito, mas não conseguia se lembrar... Estranho.
- Está gritando por que So-Yong?
- Senhora Na! – A mulher chamada So-Yong se virou desesperada, soltou a mão de Isabelle e se inclinou para alcançar proximidade do ouvido da senhora que torceu os lábios, incrédula.
- Princesa? – Passando uma mão na outra agora que So-Yong havia soltado, viu que estava igualmente pálida. O sol batia em sua pele e refletia uma tonalidade da qual não estava acostumada. Que estranho, ela era ruiva, mas tomava sol sempre que podia, sabia que não era branca assim até porque não gostava... O bronzer sabia bem disso.
Movendo seus dedos, lembrou-se dos dele e seus olhos o procuraram ao redor. Se pondo de pé, girou o torço na expectativa de voltar a encontrar aquele céu noturno que a encarara, mas já não se lembrava para qual direção ele havia corrido.
Na verdade... Não se lembrava de muita coisa além do seu próprio nome. Como tinha chegado ali? Sabia que havia muita luz envolvida, mas não se lembrava de ter entrado naquele palanquim. Suas roupas... Era verdade! Não se lembrava de ter vestido um hanbok, que estranho.
- Woo Hee-Ah. – A voz carinhosa da senhora soou próxima de Isabelle, o que a fez virar a cabeça e ver que a mulher a estudava com afinco. Suas sobrancelhas unidas na testa expondo o receio pelo pior. – Consegue me ouvir? – Apenas balançando a cabeça, em seu peito aflorou um enorme carinho que explodiu em forma de abraço, pegando desprevenida a mulher que sequer se moveu ao ser envolta pelo corpo de Isabelle.
- Pergunte ao Lee em quanto tempo chegaremos. – Leves tapas acariciavam as costas de Isabelle, quase a fazendo cair novamente no choro, forçando seus olhos a não se entregarem tão facilmente ao bolo de sentimentos que cultivava em seu peito.
- Sim. – Os passos sobre a terra seca se mostravam ligeiros e assustados, a urgência era forte e não precisava de palavras, mesmo que não entendesse nada, sabia que algo não estava certo, mas estar naquele abraço fazia nada mais importar. – Mais um dia. – Ela estava de volta, arquejante.
- Não podemos esperar um dia, a princesa precisa de um médico. Peça que enviem alguém até o médico de Hanseong, fale que ele deve a esperar no palácio com urgência. Não iremos parar a noite, seguiremos viagem. – So-Yong correu novamente e as pessoas se movimentaram.
Senhora Na desenrolou os braços de Isabelle de seu corpo e a ajudou a entrar novamente no palanquim, assegurando que tudo estava bem e que logo essa longa e estressante viagem chegaria ao seu fim. Por um instante pensou em implorar para que ela ficasse com ela, mas o espaço era minúsculo demais para duas pessoas, deixando a mulher se afastar.
Abraçando suas pernas e enterrando o rosto ali, queria sussurrar o mantra que havia criado quando se achou perdida nesse mundo, mas já não o lembrava mais.
Suas unhas cutucavam a cutícula uma das outras, buscando no cantinho esquecido da sua mente a idade que tanto queria falar. Quantos anos tinha mesmo? 19? Mas parecia ser uma idade de um passado já distante. Talvez fosse mais, tinha que ser mais. Levando o pulso à testa, bateu repetidas vezes na lateral da sua cabeça, chacoalhando suas lembranças na expectativa de elas voltarem ao lugar.
Havia muita coisa que era incapaz de explicar. Esticou as costas e cruzou as pernas, começando a colocar os acontecimentos em ordem cronológica:
1º Se lembrava de sentir uma dor muito forte no braço, mas já não sabia em que lugar do braço, ou pior, qual dos dois braços era. Quando que sentira essa dor mesmo?
2º Uma luz muito forte a engoliu, mas onde tinha sido isso?
3º E então se encontrou nesse palanquim, como havia entrado ali?
4º O hanbok também é um mistério sem solução, não se lembrava de ter se vestido ou algo do tipo. Não saberia nem como vestir.
- Pensa Hee-Ah! – Disse fechando os olhos e buscando recapitular todos os seus passos, mas só conseguia se lembrar do instante em que passava as mãos no palanquim até agora. – Será que isso é um sonho? – Ergueu a manga da jaqueta e se beliscou diversas vezes, algumas mais fracas e outras muito fortes, se assustando com a sensação de dor causada em seu corpo.
O movimento contínuo e apressado a desgastava, seu corpo sendo jogado para a esquerda e direita, segurando as paredes sempre que trocavam os servos que a carregavam. O céu que antes brilhava irradiando confiança se tornara minguante com o surgimento da lua. Não só o ambiente expressava melancolia como Hee-Ah se sentia melancólica.
Saudades poderia ser a palavra que mais a descreveria nesse exato instante. Sentia a falta urgente de algo que não tinha nome nem forma, seria uma pessoa? Uma lembrança? Um amor? Ela já amou alguém nessa vida? Seu coração tremeu timidamente e então a sensação de que sim, já havia amado muito uma pessoa, a tomou e sentiu vontade de chorar.
Queria dormir, assim os sentimentos deixariam de dominar seus pensamentos e ela seria levada para longe dali, mas se ela estivesse dormindo e aquilo fosse apenas um sonho. Riu sozinha e sem ânimo algum, estava ficando louca e não tinha como se ajudar... Se alguém fosse capaz de ler seus pensamentos a acharia insana.
Voltando a abraçar suas pernas, escutou o romper dos grilos nessa noite de calor. O cricrilar criava uma sinfonia acolhedora, a levando direto para as noites bem iluminadas pelo céu no lago do palácio. Seu irmão a carregava sempre que dizia estar com sono e então se aconchegava na curva do seu pescoço sendo ninada pelos grilos.
A nostalgia a fez perder a noção do tempo e do momento em que havia dormido. O calor começava a incomodar, sentia as roupas coladas em seu corpo, como se estivesse em uma sauna. Sentia seu corpo sobre um colchão macio que a abraçava na medida certa. Reparou que o ambiente não estava tão claro ao recobrar sua consciência. Seria esse seu despertar para a sua realidade? Estaria ela febril?
Piscando levemente, viu o teto longe do chão e achou aquilo engraçado, que casa teria um teto tão alto assim? Ele era vermelho e de madeira, alguns de seus detalhes eram verdes e pareciam ter sido pintados a mão. Acompanhando as colunas circulares, achou bonito ser o mesmo tom avermelhado com desenhos de flores pintados à mão, a fazendo se lembrar do palanquim.
É verdade, não estava mais no palanquim e tinha um teto e tanto sob sua cabeça. Mas também não estava onde deveria estar, mas que lugar era esse mesmo? Mexendo-se com dificuldade, sentiu seu corpo pesado e dolorido, talvez por ter dormido naquele cubículo. Apoiando a mão no chão ao se virar para sentar, viu pequenas agulhas fincadas em sua pele, a fazendo cair de costas no colchão de novo. Odiava agulhas.
Varrendo o ambiente, encontrou o corpo de So-Yong relaxado em um sono profundo ao lado da sua cama, mas abaixo do tablado em que seu colchão se encontrava. Sua cabeça tombava para o lado, fazendo seu ornamento de cabelo deslizar e cair na madeira, a acordando com um pulo, mas que logo desacelerou pelo bocejo. Se alongando, pegou o ornamento e o prendeu no topo de sua cabeça de novo, se virando para observar a cama.
- Princesa! Você acordou! – So-Yong se levantou e ergueu sua saia para andar com mais agilidade. – Não se mexa, vou chamar o médico, ele vai tirar as agulhas.
- Rápido, por favor. – Disse ao vê-la se afastar, sumindo pelo corredor enquanto gritava pelo médico. Voltando tão apressada quanto na hora de ter saído, sua dama se aproximou do tablado, segurando a mão da princesa que só percebeu estar tremendo com a mão imóvel de So-Yong.
- Vai ficar tudo bem, princesa, você é muito saudável.
- Que bom. – Sorriu pelo conforto que sua amiga passava e então passos apressados surgiram.
- Licença. – O homem de branco e barbicha se aproximou, se curvando antes de se ajoelhar ao lado do colchão, passando a retirar agulha por agulha de seu corpo. Com ele veio sua babá, uma mulher que parecia frágil e um homem que a ajudava.
Medindo sua pressão com os dedos, o médico balançava a cabeça positivamente, ao subir para sua testa, balançou negativamente e então estalou a língua e pigarreou recolhendo seus utensílios.
- A princesa está doente. – Se pondo de pé e descendo do tablado, pode ver a mulher frágil quase cair no chão se não fosse a força do homem que a dava apoio. - Sua vitalidade está ótima, mas aparenta estar febril. – Por isso que se sentia tão quente então! Fazia sentido. – Não é nada que devamos nos preocupar, procure dar chá de gengibre e evite banhos por dois dias. – Sem banho? Não, isso não!
- Obrigada. – A mulher fraca falou e então o médico se curvou saindo da sala. – Senhora Na, peça o chá imediatamente. – So-Yong caminhou até a porta e saiu, se curvando na entrada do quarto.
- Sim, rainha. – Rainha? Desviando o olhar de volta para o teto, pensou se seria a melhor opção fingir voltar a dormir ou manter possíveis conversas em aberto para tirar suas dúvidas. Pelo medo da situação, escolheu fechar os olhos e apenas escutar.
- É verdade, príncipe? A situação da chegada da princesa? – Agora estavam sozinhos e acreditando que Hee-Ah havia caído no sono pela febre.
- Infelizmente sim. – Ele parecia a ajudar a andar, já que ela os ouvia se aproximar lentamente. A mulher sentou ao seu lado com cautela, passando a mão no topo de sua cabeça e alisando seus longos cabelos. Seu toque era delicado e frio, seus dedos penteavam seus fios com muito carinho. Era possível sentir o amor dela. – Foi uma emboscada, mas não tentaram roubar alimentos ou água, apenas uma coisa desapareceu.
- O que?
- O ornamento da princesa.
- Isso explica o roxo em sua testa... – A rainha suspirou pela história e então o silêncio reinou. Sentia afeto pela mulher que a cuidava, como se fosse um parente, mas lógico que a rainha não seria nada dela... Ou não! Se a chamavam de princesa, logo ela era filha da rainha? Sem conseguir controlar o espanto, seu corpo se mexeu sozinho e a rainha acariciou sua bochecha.
- Deve estar tendo um pesadelo com tudo que presenciou hoje.
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