Seu reflexo sobre o espelho de cobre
O cheiro anestesiante de carne assada fez seu estômago roncar, e por mais que quisesse abrir a porta, apontar o indicador na cara de seu irmão e falar "Qual é o seu problema? Éramos tão próximos antes! Por que está me tratando com tanta frieza?", sentia uma fome que havia passado despercebida até ver a comida.
Dando um passo para trás e bufando pela frustração, virou suas costas para a porta e se sentou diante da mesa, observando a quantidade de comida. Havia um bowl com macarrão, batata doce com pimenta, porções separadas de cenoura cozida e picada, broto de feijão, algas, pepinos, ovo e cogumelos. Tudo parecia recém-saído do fogão e isso a fazia salivar, principalmente a visão da carne assada e fatiada.
A primeira mordida foi no cogumelo e ela mal pôde conter o gemido, o sabor era vivo e o tempero único. Comendo mais um pouco, passou para as cenouras e pepinos, misturando com um pouco do caldo do macarrão. Fechou os olhos agradecida por poder se deliciar de uma comida tão boa assim. Há quanto tempo que não comia algo tão bem preparado? Sua avó era péssima na cozinha e...
Uma dor de cabeça gigantesca a tomou e por um instante tudo ficou claro demais, o que a fez derrubar a colher que segurava no chão, levando as mãos à cabeça. Via a fisionomia de uma senhora sempre que fechava os olhos, e por mais que fosse uma imagem muito embaçada e não conseguisse distinguir direito, sentia em seu peito que era uma pessoa que a causara muito mal. Pensou em chamar o irmão e pedir para que o médico viesse a analisar, mas do mesmo jeito que veio, a dor se foi.
Levou as mãos ao peito, uma sobre a outra sentindo seu coração pulsando embaixo das camadas de pele, carne e músculo. Batia com muita força, talvez fosse pelo medo da dor, da visão ou do sentimento que surgira. Sentimento esse que nunca chegou a sentir. Uma decepção forte, muito triste e angustiante. Parecia que deveria fazer algo por alguém, mas que ainda não tinha conseguido. Ela não era assim, nunca esteve tão sensível e confusa como estava naqueles dias, desde o momento que se ajeitara no palanquim antes de serem atacados. Será que estava traumatizada e fantasiando coisas? Só podia ser isso... Mas ao mesmo tempo se pegava confusa demais, como se essa vida fosse uma grande ilusão.
A comida foi deixada de lado ao relento, esfriando à medida que Hee-Ah buscou se acalmar de qualquer coisa que tenha acontecido. Abraçada às suas pernas, sua testa repousava sobre os joelhos e seus olhos seguiam os bordados brancos em sua saia. Queria ser capaz de entender o que havia acontecido, não se lembrava de ter batido a cabeça em qualquer momento, nem mesmo quando aquele homem mascarado puxou seus cabelos, mas também não se lembrava de antes do palanquim... Como havia saído da casa Park? Como havia entrado e como foram as horas de viagem anteriores ao palanquim? Não se lembrava de nada e em sua mente, lá no fundo, uma voz dizia que estava se enganando, que ela estava esquecendo a verdade. Lágrimas pediram permissão para saírem e escorrerem pela sua face, mas não iria permitir isso. Respirou fundo e esticou as pernas no chão por baixo da mesa enquanto inclinava a cabeça, observando o teto de madeira verde musgo.
Como poderia se distrair? Seus olhos correram pelas paredes quadriculadas com papéis de arroz, tão frágeis e delicadas. Seu artesanato era lindo e ao mesmo tempo sutil. Contou os pequenos quadrados até chegar à sombra de seu irmão que seguia parado no corredor.
Era alto e forte. Suas costas largas eram o local que mais costumava se esconder quando mais nova. Suas mãos sempre tão quentes davam leves batidas no topo de sua cabeça quando ele passava perto dela dizendo "pequena princesa" e então sorria se afastando. Dedos longos e machucados pelos treinos de arquearia, era ótimo e sua mira certeira, em competições com o irmão mais velho perdia de propósito para não ferir o ego do príncipe-herdeiro por respeito à hierarquia. Caçava escondido com seu erudito particular, um homem de muito sucesso com pouca idade. Seu cabelo agora estava preso como um príncipe prenderia: um coque no topo de sua cabeça, bem ao centro, preso pela bandana preta e um pouco transparente em sua testa, mas antes caía semi-presos por um rabo de cavalo que amarrava apenas a metade superior de seu cabelo para trás, sua franja caindo sobre seu rosto sempre que se movimentava.
Balançou a cabeça para que assim seus pensamentos fossem chacoalhados e seu irmão levado para longe, como sempre esteve ao voltar para o campo. Nenhuma carta, nenhuma mensagem, por mais que escrevesse para ambos os irmãos, e a família em si, Sejong nunca a respondera. Já seu irmão mais velho, o príncipe-herdeiro Do-Yoon sempre a mandava cartas, longas e cheias de detalhes, falava sobre o tempo: Como as flores haviam desabrochado na primavera e como a neve parecia mágica no inverno. Contava histórias que ouvia nos arredores do palácio, atualizava a irmã sobre a saúde de sua mãe, a Rainha Park, e a convidava para vários chás. Junto com a carta enviava um desenho de um local em que esteve e que chamara sua atenção. Às vezes chegava a mandar pequenos presentes como ornamentos, papéis de carta desenhados à mão, tecidos coloridos para a costureira fazer novos vestidos, outras vezes chegava a mandar presentes caros, como perfumes, sabonetes e maquiagens.
Pela primeira vez desde que chegara ao palácio pensou no seu irmão Do-Yoon e sentiu muitas saudades, o procuraria amanhã e finalmente o abraçaria, indo contra toda a etiqueta real, para isso precisaria escolher bem suas vestes do dia seguinte. Se pondo de pé, correu para as cômodas de um marrom avermelhado. Deslizou os dedos nas flores cravadas e tingidas, sorrindo pela beleza dos móveis.
Por mais que fosse princesa, sua casa no campo pertencia à família Park, de sua mãe, então não esbanjava tanto poder e riqueza quanto o palácio, já que sua mãe em si era filha do Ministro da Economia. Era grande, mas nada parecido com a casa de seu pai, o Rei.
Ao abrir a primeira gaveta se deparou com 3 jaquetas sobre suas respectivas saias. As cores vibrantes mudavam, mas seguiam o mesmo padrão de sempre: Azul claro e escuro, rosa claro e escuro, roxo claro e escuro. Às vezes algumas cores se misturavam como azul celeste com rosa, roxo com rosa. Eram lindos e leves. A seda de qualidade que apenas a realeza poderia vestir. Os bordados continham flores ou borboletas, já o tecido em si poderia ser liso ou estampado, seguindo as mesmas flores, borboletas ou listras.
Primeiro tirou um conjunto que chamou muito a sua atenção: A jaqueta era branca com uma faixa rosa bebê que fazia o contorno dos cortes, a fita que amarrava era vibrante e aveludada, combinando com a cor da saia que era de um rosa mais vivo, mas nada chamativo. A barra das mangas tinham flores vermelhas bordadas. Correu até a cama e deixou o conjunto aberto sobre as novas cobertas.
Voltando à cômoda, abriu a segunda gaveta descobrindo mais 3 vestes, se apaixonando pelo conjunto azul. A jaqueta era lisa em seu torso de um azul céu de verão, suas mangas eram estampadas por inteiro com grandes rosas brancas que se você passasse os dedos sentiria certo relevo. A saia tinha três tons de azul, indo do mais claro para o mais escuro que seria igual à cor da jaqueta. Pôs a saia diante de seu corpo e rodopiou.
Quando haviam costurado novas vestes? De certo modo havia realmente mudado, agora tinha o corpo de uma mulher e muitos já comentavam como ela estava madura e que seu rosto era lindo, dono de uma beleza real. Ela apenas sorria diante os elogios, sentia que não eram verdadeiros, apenas a paparicavam pelo seu status.
Diante da segunda gaveta, achou um que sequer parecia ter estado lá na primeira vez que vira as roupas, como não havia visto? Sua jaqueta tinha o torço bege com flores rosas e folhas cinzas estampadas, suas mangas compridas eram roxas, mas seus punhos brancos. A saia era rosa como as flores, brilhava sempre que a luz refletia sobre o tecido e então sorriu, decidida que aquele seria perfeito para andar pelo palácio. Caso o destino pusesse seu pai, o Rei, em seu caminho, estaria digna de se curvar.
Correu com a jaqueta diante de seu corpo para o espelho mais próximo e ficou vendo sua imagem um pouco distorcida, era capaz de observar apenas do seu pescoço até sua cintura por ele ser redondo e não era grande o suficiente, mas sentia que era o certo.
- Vá dormir, princesa. – A voz dura de seu irmão ecoou pelo corredor e correu até ela dentro quarto, a assustando e a fazendo abraçar a jaqueta de modo involuntário. – Agora. – Ele encerrou o diálogo no exato momento que ela iria resmungar para ele que não estava com sono ou se sentindo cansada, sendo calada antes mesmo de expor sua opinião, deixando claro que seu irmão conhecia seu lado teimoso como a palma de sua mão.
- Vá dormir, princesa... Por que anda tão livremente pelo palácio, princesa? Você não muda, princesa... – Resmungava enquanto dobrava suas roupas como a babá havia ensinado, já que ela tinha o costume de brincar com as peças desde que era uma criança.
- Estou te ouvindo. – Sejong disse cruzando os braços e ela arregalou os olhos, percebendo que realmente estava resmungando alto demais.
- Não é culpa minha se você decidiu me vigiar. – Disse fechando a última gaveta e passando a soprar as diversas velas que ainda se mantinham acesas, deixando as da porta de entrada por último para ver a figura de seu irmão e se sentir protegida, mas nunca admitiria isso. – Vai ficar aqui a noite inteira? – Perguntou à beira da porta, mas apenas recebeu como resposta o silêncio, ele sequer se moveu. Soltando os cabelos na expectativa dele mudar de ideia e a dar pelo menos boa noite, viu que esperou em vão, se inclinando para apagar uma das velas. Olhou novamente para a porta e nada. – Boa noite, príncipe. – Disse se inclinando para a segunda vela e a assoprando.
Caminhou até sua cama e tirou a túnica, deixando que caísse no chão. Pisou em seu colchão e afrouxou o cinto de suas roupas íntimas. Ajoelhada, puxou as cobertas e viu que a luz do luar era capaz de entrar pelo papel de arroz e sorriu ao sentir a noite caindo sobre seu leito. Permaneceu naquela posição por longos minutos, pensando em como sentia falta e desejava viver aqui, junto de seus irmãos e da Rainha, estava cansada de ter que ficar longe, no campo, quase no meio do nada, sozinha como se fosse uma assombração.
Puxando a coberta para o seu colo, pegou algumas mexas de seu cabelo e ficou as penteando com os dedos, às vezes enrolando, outras trançando... Ainda não estava acostumada com o tamanho dele, sempre foi grande, mas grande assim? Por que será que tinha a sensação de incômodo? Como se seu cabelo tivesse sido curto ontem e crescido da noite para o dia? Olhou as mechas uma a uma, como se caçasse uma surpresa entre os fios, e então, quando seus dedos chegaram à nuca, ela achou: Uma mecha curta, rente à nuca, que se destoava dentre todo o seu cabelo.
Segurando um grito, voltou a se levantar e correu até o espelho, mas estava escuro demais para se enxergar. Apalpava aquele cotoco assustada com o coração a mil. Por que ela estava certa quanto ao tamanho do cabelo? Por que sabia que estava curto? Uma princesa não podia cortar o cabelo! Era uma desonra! E se descobrissem isso? Será que So-Yong já sabia? Seus dedos deslizavam pela pequena mecha inúmeras vezes, desejando que aquilo fosse uma ilusão causada pelo seu cansaço ou trauma recente, e uma hora seus dedos deslizariam ali e continuariam deslizando pelo seu comprimento normal... Mas não! Continuava curto porque estava curto!
Parando de andar de um lado para o outro, olhou para a luz da lua que brilhava tranquilamente e sem querer viu a forma de um gato surgir do lado de fora de seu quarto. Aquele caminhar... Andando nas pontas dos pés, se aproximou de onde o felino sentou e ela se agachou, para analisar de perto se aquela sombra realmente existia ou se era outra crise de imaginação aguda. Assim que tocou a parede, o gato desapareceu e ela gritou baixinho, levando as mãos à boca para abafar o som de seu irmão.
Caindo sentada para trás, piscou os olhos diversas vezes buscando entender tudo aquilo.
Não sabia como ou quando, mas havia caído no sono e So-Yong a balançava suavemente no braço para que acordasse. Sua mão passou pela testa da princesa em busca de uma mulher saudável e longe da gripe que a assolara por dois dias.
- Princesa? Como se sente? – Se afastando ajoelhada assim que Hee-Ah abriu os olhos e mexeu os braços, So-Yong se levantou ao sair do tablado. Olhou ao redor e viu a roupa posta no cabideiro de madeira, passando a alisar o tecido com dois rolos de madeira que ficavam na cômoda ao lado.
- Me sinto melhor. – Seu estômago roncou alto e as duas se olharam surpresas pelo som e riram da situação. – E com fome.
- Pelo visto ontem não conseguiu comer... – Hee-Ah olhou para a mesa e se lembrou da comida, arrependida de ter feito uma desfeita àquele banquete. A comida estava tão saborosa e ela não deu o valor que deveria ter dado, principalmente enquanto estavam sofrendo com a seca.
- Sim... – Sussurrou envergonhada. Levantando da cama, ajeitou as vestes de seu corpo e So-Yong se apressou à porta, deixando que 3 damas da corte se aproximassem para que pudessem vesti-la e graças à grande agilidade das moças, em um instante a princesa já estava pronta para enfrentar o dia.
Encaminhada ao banquinho de madeira baixo, So-Yong se preparou para pentear o cabelo de Hee-Ah e um arrepio percorreu sua espinha ao se lembrar da pequena mecha. Segurou uma mão na outra sobre seu colo, esperando impacientemente para que a dama de companhia se pronunciasse de qualquer maneira, e assim que isso aconteceu a princesa quase desfaleceu.
- Eu soube que o príncipe Sejong passou a noite montando guarda na sua porta. – Ela sorriu timidamente.
- Ele passou? – Hee-Ah virou seu corpo de súbito, esquecendo o medo de segundos atrás ao imaginar seu irmão a protegendo a noite inteira, e So-Yong a observou cerrando levemente os olhos, o que fez a princesa se ajeitar ereta novamente. Aquele olhar julgador fez com que o calor em suas bochechas se aflorasse e provavelmente estaria vermelha. As costas de sua mão direita apalpou suas duas faces e sentiu que estava quente.
- Até o momento foi informado na cozinha que ele seguia adormecido e que não era para o despertarem. – Um sorriso involuntário brilhou em seus lábios, assim como em seus olhos, e num passe de mágica Hee-Ah estava mais viva do que nunca, sequer parecia ter passado tão mal. – Ele seria um ótimo rei.
- So-Yong. – A princesa a repreendeu e então abaixou o tom de sua voz. – As paredes têm ouvidos, não diga um disparate como esse, ou será punida pela Rainha-Mãe.
- Perdão. – A dama se curvou e Hee-Ah ergueu a mão como se nada daquilo tivesse acontecido. Não seria capaz de ver So-Yong sendo punida, e não poderia se envolver para salvá-la sem criar um mau desentendimento com a Rainha-Mãe...
- Tudo certo com o penteado? – A princesa perguntou, sentindo a trança se movendo em suas costas, pesada pela quantidade de cabelo.
- Sim. – So-Yong se aproximou, agora com o pó e o rouge em mãos, passando a aplicar a maquiagem de leve em seu rosto, para que a princesa parecesse mais saudável acabando com possíveis boatos pelo reino. Imagina uma princesa chegar ao palácio e em dois dias morrer? Seria como uma punição sobre eles.
- So-Yong, nós temos um gato?
- Um gato, minha senhora?
- Sim, um animal pequeno, pelugem cinza e escura, grandes olhos redondos que te observam fixamente... – A imagem do gato que havia visto ontem era clara em sua mente, mas em momento algum o gato tinha se revelado aos olhos da princesa, ela só viu sua sombra. Como sabia que a gata era daquele jeito? Como sabia que era uma gata fêmea?
- Não que eu saiba, minha senhora. – So-Yong guardou a maquiagem e então mostrou o pequeno espelho e Hee-Ah se viu pela primeira vez depois de muito tempo e isso a fez esquecer-se de tudo relacionado à gata.
Seus olhos eram pequenos e redondos, de expressão calma e delicada. Suas sobrancelhas eram cheias e sem falhas, bem cuidadas e de aparência natural, não afetavam sua expressão como uma sobrancelha arqueada era capaz. Seu nariz tinha a ponte fina e era redondinho na ponta. Seus lábios carnudos pareciam naturalmente fazer um bico por serem estreitos.
Essa sou eu? Mas eu não era assim...? Espera, se essa não sou eu, quem eu sou? E por que eu não seria esse reflexo? A confusão foi tão grande em sua mente que não era mais capaz de dizer seu nome, como se ele tivesse evaporado de sua lembrança ou pior, nunca tivesse existido. Uma pessoa sem nome sequer existe? Por que a imagem refletida em sua mão não é a imagem que costumava ver? Esperava ver um rosto longo e fino, olhos estreitos e evasivos, como se não quisessem demonstrar sentimentos. A boca era a única coisa que gostava nela, o lábio inferior grosso e o superior fino e muito bem delineado, ficava bonito quando passava batom vermelho... Mas fazia muito tempo que não usava maquiagem, desde... Desde o que mesmo? Era uma coisa importante.
- Senhora? Está bem? – So-Yong retirou o espelho de suas mãos e voltou a averiguar sua temperatura, balançando a cabeça e murmurando que não estava febril. – Vamos, deve ser o estômago vazio, precisa se alimentar. Ficou gripada subitamente e precisa recuperar suas forças e só a comida pode fazer isso. Vou pedir um chá de ervas também. – Se afastando rapidamente, deu as coordenadas e então as outras damas saíram do quarto, apressadas para organizar o café. - Venha, senhora, o café será servido no pavilhão Aeryeonjeong.
Ambas se levantaram e So-Yong ajeitou a barra da saia de Hee-Ah, que se encontrava perdida em sua própria mente, caminhando automaticamente a comando de sua dama. Ao sair dos seus aposentos na casa da rainha, sua mãe, caminhariam morro acima até chegar ao Jardim Secreto, onde a biblioteca ficava diante do lago, vários pavilhões para estudo e descanso haviam sido construídos para os nobres.
Sendo seguida por suas damas da corte, Hee-Ah caminhava lentamente como se tudo ao seu redor pertencesse a outro mundo. Sentia-se flutuando nas nuvens a cada novo passo dado. Observava a arquitetura e sentia que poderia explodir pela beleza do local. O céu estava claro e havia pouquíssimas nuvens, o que indicava que a seca continuaria. Os funcionários do palácio paravam de andar para cumprimentar a princesa com as curvaturas habituais.
So-Yong tentou manter a conversa no começo, mas desistiu ao ver que sua princesa estava distante e pensativa. A sensação em seu peito era a de que carregava um segredo pesadíssimo e sequer era capaz de se lembrar dele. Certa angústia crescia em seu peito e tudo que ela queria fazer era chorar, por horas, talvez dias.
Observava a copa das árvores que começavam a ressecar pela falta da água, mas o calor não conseguia atravessar suas folhas, deixando o ambiente fresco e pacífico. Os únicos sons possíveis eram os passos de todos que iam até o lago com a princesa, os pássaros que cantavam e o farfalhar das folhas. Nunca fora tão grata ao silêncio e à natureza que simplesmente a abraçavam, pedia por calma naquela hora.
Não sabia o que fazer. Se contasse isso a alguém, iriam a considerar louca e voltariam a mandá-la para o campo, longe da sua alteza, para não criar rumores da sua saúde mental. Se fosse sozinha ao médico ele poderia falar para alguém e espalhar um rumor de que a princesa estava louca.
Louca? Sabia que não estava louca, mas algo estava acontecendo com ela e a cada novo segundo que vivia sentia que poderia estar vivendo em outro lugar, como se devesse estar em outro lugar, um lugar que sua memória havia se afeiçoado e era distante daquela realidade que seus olhos observavam.
Outra parte dela sabia que estava no lugar certo, vivendo como sempre viveu. Seu passado ainda a seguia com todas as histórias que havia vivido e todas as palavras que já havia trocado com todos ao seu redor. Conhecia aquele caminho desde que nascera, correra por essa terra, caíra e chorara. Seus irmãos cuidaram dela naquele jardim secreto, assim como ensinaram e se divertiram, mas tudo parecia um passado muito distante agora. Tão distante que sequer parecia o dela.
Ao ver a grande biblioteca, seu coração se apertou de felicidade e memórias a varreram para longe da agonia que massacrava seu espírito. Era a princesa Hee-Ah desde que abrira seus olhos nesse mundo e não tem como ser outra pessoa. Sua mão direita subiu para a sua nuca em busca da pequena mecha que não teria sido presa na trança, e mesmo ao tatear sua pele e seu cabelo por alguns minutos, não encontrou nada.
- Está com dor na nuca? – So-Yong se aproximou e então Hee-Ah sorriu.
- Não, obrigada. – Desceu sua mão e a pousou no antebraço de sua amiga e acariciou com o dedão rapidamente, torcendo para que aquele toque tenha sido o suficiente para acalmar sua dama.
Finalmente posta diante do seu café da manhã, a princesa fechou os olhos e buscou ouvir o palácio, sentir o cheiro da comida e a sensação do dia quente e ao mesmo tempo fresco pela natureza em sua pele. Estava viva, ali e agora. Era ela e apenas ela, sempre fora e sempre seria. Princesa Hee-Ah, a primeira filha do Rei de Joseon, irmã mais nova dos príncipes.
Sentiu seu coração se tranquilizar em seu peito e como se nada tivesse acontecido até agora, aos poucos os sentimentos foram sumindo e por um instante se perguntou o que a estava agoniando tanto...
- Princesa? – A voz calma de seu irmão a chamou e seus olhos se abriram.
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