23 - Advertências mentais
Mas quando não for o seu dia, sua semana, seu mês ou até mesmo o seu ano, eu estarei lá por você quando a chuva começar a cair.
I'll Be There For You - The Rembrandts
Fábio encarava a cunhada ansioso por uma resposta. Diana não soube o que dizer ou fazer, pensou que talvez não seria ético e se lembrou de seu professor da faculdade que ensinou como regra número um da advocacia: nunca advogar para parentes. Não havia nada que proibisse a tal prática e ela sabia que isso atestaria o fim de qualquer vínculo mesmo que quase inexistente com a irmã – o que ela já não fazia mais questão alguma – e talvez até mesmo com os sobrinhos. Ela olhou para Gael como se perguntasse o que fazer, pois aquele pedido do cunhado a pegou de surpresa. O tatuador também não sabia, então fez o que achava melhor naquela situação e se despediu para que os dois pudessem tratar de seus assuntos pessoais e profissionais.
– Diana, acho melhor eu ir embora. Vocês devem ter muito pra conversar e agora você tem uma companhia pra caso... você sabe... tenha alguém lá em cima – Gael torceu os lábios e sorriu em seguida.
– Obrigada por tudo, Gael – o abraçou e cochichou em seu ouvido – Você é essencial.
– A gente se vê amanhã, umas onze eu passo aqui pra ver a questão da fechadura, mas se precisar de qualquer coisa pode me chamar – ele sorriu e tentou não se concentrar no arrepio que tomou seu pescoço ao ouvi-la tão de perto.
Diana observou Gael subir em sua moto e se afastar do prédio. Convidou seu cunhado para subir, que não escondeu o estranhamento ao ver a mulher que era sempre tão elegante e fria abraçando e sorrindo para um rapaz como aquele tatuado que havia acabado de virar a esquina. Ela destrancou a porta e respirou aliviada por Maurício não estar lá, acabando com a desconfiança dele ter ido de Uber. Apontou para o sofá, convidando Fábio a se sentar.
– Eu posso te oferecer um café ou então podemos dividir esse lanche – ela ergueu a sacola de papel pardo.
– Eu estou bem – ele forçou um sorriso e negou gentilmente – Realmente só quero conversar com você e ver a questão do divórcio.
– Eu não sei se devo aceitar, Fábio – foi sincera.
– Diana, eu conheço todos os defeitos da Fernanda. Todos. Mas eu juro que jamais pensei que ela chegaria ao ponto de trair nós dois. Você é irmã dela! Nós estávamos juntos há quinze anos!
– Eu não esperava também – suspirou – Mas eu não quero focar nisso com você, não agora.
– Eu preciso saber de tudo. Ela me enganou tão bem... eu preciso saber com quem eu dividi a minha vida por tanto tempo.
– Foram três anos – Diana decidiu contar, afinal ele também merecia saber – Três anos que fomos enganados.
– Eu não acredito! – ele bateu as mãos no sofá – Agora mais do que nunca eu preciso desse divórcio! Eu não quero olhar mais na cara dela!
– Você tem todo o direito de se divorciar, assim como eu já terminei meu noivado com o Maurício. Mas eu não sei se eu sou a pessoa mais indicada para te ajudar nisso. Eu não sei se seria capaz...
– Eu não estou pedindo para a mulher traída me ajudar, eu quero te contratar como advogada, Diana, e eu sei que você é capaz. Quero pagar os seus honorários, fazer tudo conforme deve ser. Eu só quero acabar com tudo isso.
– Você está de cabeça quente, eu estava da mesma forma quando descobri. Por um lado, eu quero sim aceitar esse caso para ver a Fernanda cair, mas eu estaria agindo por impulso. O que eu posso te aconselhar agora é a dar uns dias para ter certeza do que quer. Tem certeza que quer se envolver em um divórcio litigioso? É um processo muito mais longo e burocrático do que o consensual, vai ser encaminhado para o Ministério Público por conta das crianças... Vai ser um desgaste emocional muito grande para você.
– Eu não quero esperar demais. Você sabe como eu estou me sentindo. Além de mim, só você sabe. Eu preciso acabar com isso.
– Uma semana – Diana pediu – Se em uma semana você quiser dar segmento com o divórcio litigioso, eu aceito ser sua advogada. Caso vocês optem pelo divórcio consensual, vocês poderão contratar um advogado em conjunto e eu já deixo claro que não serei eu.
Fábio concordou e apertou sua mão. Diana não tinha certeza se seria correto e no fundo torceu para eles decidirem pelo divórcio consensual, pois não sabia se estava disposta a passar por todo o estresse de ter que conviver com aquela situação por tanto tempo. E seu cunhado também não merecia toda a dor de cabeça que um litigioso traria, apesar de estar quase certa de que esse seria o caminho escolhido por ele.
Diana perguntou o que ele faria dali pra frente e ele contou que já estava hospedado em um Hotel, mas que procuraria um apartamento para alugar. Ela também questionou o que ele pretendia em relação aos filhos e seu cunhado respondeu que por mais que estivesse odiando sua esposa naquele momento, não seria capaz de proibir as crianças de conviver com a mãe.
Depois de uma longa conversa onde trocaram frustrações quanto àquela traição, Fábio se despediu e seguiu para o Hotel. Diana finalmente comeu o hambúrguer que ganhou de Bento e tomou um longo banho para tirar todo o peso que aquela noite a trouxe. Diferentemente do que pensou, conseguiu dormir a noite inteira. Acordou tarde naquele sábado de feriado com seu interfone tocando e seguiu sonolenta pelo corredor até atendê-lo.
Por um momento teve medo de ser Maurício pedindo para conversar pois a última coisa que gostaria naquele momento era vê-lo, mas sorriu ao ouvir a voz de Gael do outro lado do fone. Havia se esquecido de que tinham marcado de ir comprar uma fechadura nova. Liberou o acesso do portão e aguardou até o elevador parar em seu andar. O rapaz não escondeu o sorriso ao ver Diana o esperando na porta ainda de pijamas.
– Não dá nem pra fingir que você não acordou agora – ele riu.
– Me desculpe, acabei perdendo a hora! Vou me arrumar rapidinho! – deixou a porta aberta e se apressou até o quarto.
– Não precisa correr, eu não tenho pressa.
Gael entrou e se sentou no sofá para aguardá-la. Diana não demorou ao retornar para a sala com os cabelos soltos, sem maquiagem e com uma roupa bonita, porém simples. O tatuador sorriu ao ver que dessa vez ela decidiu colocar seus óculos ao invés das lentes. Os dois seguiram até o carro na garagem e no caminho até a loja ele tentava convencê-la de que na próxima vez eles deveriam ir de moto, já ela afirmava que toda a emoção em cima de duas rodas já havia sido vivida da última vez.
– Aquele dia não conta, você estava tensa demais, mal aproveitou o rolê de moto.
– Que rolê, Gael? Eu estava seguindo aquele idiota, a gente gastou muito dinheiro naquela cantina só para eu o ver beijando a minha irmã, nem consegui aproveitar a beleza do lugar.
– E ainda me fez fingir que era seu amante – balançou a cabeça negativamente com um sorriso nos lábios – Ficamos malvistos no Morumbi.
– Me desculpe por isso, foi a única coisa que pensei na hora.
– Tudo bem, eu gostei de ser seu amante por um dia.
Gael falou sem pensar e as bochechas de Diana deram uma leve ruborizada ao ouvi-lo dizer aquilo. O tatuador era somente seu amigo, mas ela mentiria a si mesma se dissesse que não se lembrava com bastante frequência daquele beijo que tirou seu fôlego. Ao mesmo tempo que estar na presença do rapaz lhe fazia bem e a deixava à vontade consigo mesma, também a deixava em estado de alerta. A advogada punia-se mentalmente a cada movimento mais próximo, além de repreender as tentativas falhas de se afastar, como no dia em que roçou seus lábios contra os dele, ansiando por um beijo.
Percebendo a quietude repentina da mulher, Gael mudou de assunto com a maior naturalidade que conseguiu. Assim como Diana, ele também ansiou por aquele beijo no meio da sala de estar. Desejou repetir o que fizeram naquela noite no karaokê, mas não era o melhor momento e só por isso ele se esforçou para afastá-la. A advogada havia se tornado sua melhor amiga e mesmo com todas as insinuações de Bento, sua mãe e seus colegas do estúdio, era apenas isso que eles eram e continuariam a ser.
Diana parou o carro no estacionamento da grande loja de materiais de construção e apesar de precisarem apenas de uma fechadura nova, andaram por toda o galpão enquanto conversavam sobre assuntos banais. Foram parados algumas vezes por vendedores que perguntavam se o casal precisava de ajuda e negavam timidamente com um sorriso.
Após encontrarem o que precisavam, voltaram para o carro e ela estava pronta para dirigir de volta para casa quando Gael teve outra ideia. Já havia percebido que Diana não era muito fã de cozinhar e que ela sequer teve tempo de tomar café da manhã, então a convenceu de almoçarem juntos em um shopping bem próximo dali. Ela estava com tanta fome que não negou, então de repente estavam caminhando entre os corredores cheios de loja em direção à praça de alimentação.
– Nossa, eu estava faminta – ela relaxou na cadeira do restaurante de massas da praça de alimentação – Obrigada por essa ideia, eu ia acabar almoçando só ovo frito.
– Não é tão bom quanto o daquele restaurante, mas dá pra matar a fome – sorriu.
– Gael, eu nem me lembro do gosto daquela comida! E outra, pelo menos aqui vem uma porção decente – retribuiu o sorriso e voltou a dar uma garfada.
– Nem acredito que com tantas opções gostosas você escolheu esse molho verde e estranho – ele riu – Mas gosto é gosto né?!
– Eu juro que é gostoso, experimenta!
Diana enrolou um pouco do fettuccine ao molho pesto em seu garfo e ofereceu para o rapaz, que aceitou após recuar sutilmente ao vê-la se aproximar. Gael franziu o nariz e disse não ser gostoso, afirmando que seu nhoque recheado de queijo ao molho de quatro queijos era muito melhor. A mulher afirmou que era queijo demais em um só prato e ele fez o mesmo, levando seu garfo à boca dela. Naquele momento eles pareceram um casal, mas nenhum dos dois estava prestando atenção o suficiente para perceber.
– Ok, você venceu, o seu é melhor – ela sorriu – Acho que a única coisa que eu vou sentir falta daquele traste na minha vida é que não vou mais sair para almoçar.
– E por que não?
– Eu não gosto de almoçar sozinha – encolheu os ombros – Por mais que as escolhas dele eram sempre diferentes das minhas e eu não gostava na maioria das vezes, pelo menos eu tinha uma companhia.
– Mas pelo menos você vai poder comer o que gosta agora...
– Sozinha... – suspirou – Mas isso não importa! Estou melhor sem ele, mesmo que eu precise comer trancada na minha sala todos os dias!
Diana realmente se sentia melhor sem Maurício. Estava chateada, com raiva, odiando aquele homem e a forma como desperdiçou sua vida ao lado dele por sete anos, mas não estava arrependida do que fez. Tudo bem que na noite anterior surtou, chorou e se culpou por tudo, mas era mais uma mágoa própria por perceber que não se gostava daquela maneira que todos acreditavam ser real. Gael percebeu o momento em que o olhar dela se perdeu e começou a se afundar num limbo de culpa e voltou a chamar sua atenção para conversas bobas e sem sentido, apenas para fazê-la esquecer de tudo que a fazia mal.
O caminho até a casa de Diana era curto e Gael fez questão de colocar uma música animada no rádio, até mesmo a fazendo cantar junto dele, por mais baixo que fosse. Assim que subiram até o quinto andar, ele pegou as ferramentas e começou a trocar a fechadura. Automaticamente ela se lembrou de tudo, por mais que ele tentasse mudar de assunto.
– Será que meus pais não receberam as flores? – ela perguntou ao se sentar no chão, próxima da porta onde ele trocava a maçaneta.
– Ontem o bar estava lotado então não consegui conversar com o motoboy que eu paguei, mas assim que ele chegou, fez um sinal positivo lá da porta pra mim. Acho que eles receberam sim.
– Ela já deveria ter me ligado, não deveria? Sei lá, eu tenho certeza que se a sua mãe soubesse que sua namorada te traiu, ela te contaria na mesma hora.
– Você não tem ideia do que a minha mãe seria capaz – ele riu – Com certeza ela ia tirar satisfação com a traidora, ia vir me contar no mesmo segundo e na hora seguinte já estaria procurando uma nova namorada pra mim.
– Dona Cida parece ser uma mãe incrível – encostou a cabeça na parede e o encarou.
– Ela é meio sem noção, mas eu não troco aquela velha doida por nada nesse mundo.
– Queria que meus pais fossem assim... Não a parte de me arrumar um novo namorado, mas que se importassem...
– Você acha que eles já sabem?
– Sinceramente, eu estou torcendo para o seu motoboy ter errado a casa.
Diana suspirou e Gael percebeu a tristeza mais uma vez tomar aquele rosto cansado. Terminou de trocar a fechadura e a entregou as duas novas chaves, a fazendo respirar aliviada por saber que Maurício poderia até passar da portaria, mas não entraria mais em seu apartamento. Os dois olharam as horas quase simultaneamente e por mais que ele estivesse adorando a companhia da mulher, ainda precisava ir para sua casa para se arrumar antes de trabalhar na noite.
– Bom, se quiser aparecer pelo bar, será muito bem-vinda – ele sorriu – Só não me vai ficar sentada sozinha na calçada, por favor.
– Hoje eu acho que vou ficar por aqui mesmo, curtindo o meu desânimo do sábado à noite – deu de ombros.
– Chama a Rita pra ficar com você... sabe, uma noite das garotas, assistindo filme de terror... – riu – Aposto que com ela você não vai ficar desanimada.
– Você acha que ela aceitaria perder uma noite de sábado comigo? – Diana tentou não demonstrar tanta empolgação, mas aquela parecia uma ótima ideia.
– A Rita te adora! Tenho certeza que sim.
Gael aproveitou e ligou por vídeo para a irmã. Diana fez o convite através do celular do amigo e Rita ficou muito empolgada, já fazendo planos para aquela noite e para o dia seguinte. A chamada foi encerrada e o sorriso antes tímido da advogada agora era livre.
– Obrigada por tudo, mais uma vez – ela manteve o sorriso aberto.
– Eu estou sempre às ordens – ele retribuiu.
– Se me permite ser sincera, eu não sei o que seria de mim nesses dias sem você e sua família... Principalmente sem você.
Gael se surpreendeu com os braços frios da advogada contornando sua cintura em um abraço apertado. Diana contrariou todas as suas advertências mentais em se manter distante dele e de repente estava ouvindo o coração apressado no peito tatuado escondido por uma camiseta e uma jaqueta de couro. Ele a abraçou e acariciou seus cabelos escuros, sentindo o leve perfume que exalava da pele da mulher.
Diana ergueu a cabeça e o olhou nos olhos com aquele par de íris tão diferentes por detrás das lentes dos óculos. Gael poderia deixar todas os modos de lado e acabar com aquela vontade que vinha o tentando dia após dia, mas não o faria. Não só por ela ser sua amiga, mas também por saber que ela estava carente e que se arrependeria caso o beijasse apenas um dia após o final de seu noivado.
– Acho melhor eu ir embora – ele sussurrou encarando seus olhos – Eu vou acabar me atrasando.
– Você tem razão – suspirou aliviada por ele ainda ter o autocontrole que ela sequer conseguia regular nos últimos tempos – Não quero ser responsável pelo seu atraso.
– Qualquer coisa pode me mandar mensagem. E nem se preocupem com algo pra comer, eu mando uns lanches pra vocês.
Gael sorriu e deu um beijo em sua testa antes de se desfazer dos braços frios que contornavam sua cintura. Entrou no elevador e encostou na parede de olhos fechados, revivendo aquele momento mais uma vez. "O que tá acontecendo comigo?", ele se perguntou mentalmente. A porta se abriu e ele seguiu até sua moto convencido a se concentrar em qualquer outra coisa que não fossem os olhos de Diana.
Da janela da sala, Diana observava a moto se afastar. Ela não entendia como aquele homem a fazia perder o controle sobre seus atos, mas gostava de como era estar perto dele. O tatuador foi capaz de fazê-la refletir sobre tanta coisa em tão pouco tempo que ela se perguntava se o que sentia era de fato apenas gratidão por tudo ou se havia algo a mais escondido lá no fundo, naquela parte que ela só conseguia acessar quando estava perto de Gael.
Olá meus amores, como estão?!
Esses dois percebendo aos poucos (e bem aos poucos mesmo) que sentem algo diferente um pelo outro é tudo pra mim kk
Enfim, desculpem o sumiço, espero que estejam gostando do rumo da história e nós nos vemos em breve!
Beijinhos ♥
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