O Lobo
Parte 1
Ethan abriu lentamente os olhos, levando um momento a mais para perceber onde estava. Cerberus estava mordiscando a tira de couro enquanto Anastasia tinha parte de seu corpo apoiado ao peito do moreno e com a cabeça descansando em seu ombro. Ele tinha as costas encostadas às diversas almofadas e travesseiros, o que lhe proporcionou uma noite confortável.
Um pequeno sorriso contornou seus lábios, à medida que suas mãos passavam em uma carícia pelas longas mechas de Anastasia, fazendo-o suspirar e sentir-se tolo por isso. Estava agindo como o poeta de quem tanto rira na noite anterior e isso o fazia se sentir ridículo.
— Bom dia. — Sua voz soou rouca enquanto voltava seus olhos para a mulher em seus braços que deixara um baixo murmúrio escapar, piscando preguiçosamente os volumosos cílios negros. — Que tal café da manhã?
— Seria ótimo. — A voz de tom baixo e preguiçoso o fez sorrir enquanto Anastasia sentava-se, passando as mãos pelos cabelos, tentando arrumá-los.
— Vou deixar que você se arrume enquanto preparo nosso café. — Ele levantou-se, pegando Cerberus e levando-o consigo. — Vamos iniciar seu treinamento, rapazinho. Começando por onde você deve fazer suas sujeirinhas.
Um calor espalhou-se por seu peito ao ouvir Anastasia rir enquanto ele saía para o corredor. A casa estava silenciosa, apenas os dois e por alguns momentos Ethan sentiu-se feliz por isso. Poderia aproveitar da companhia de Anastasia sem ninguém por perto, sem as fofocas cochichadas que ele sabia que passariam a ser ouvidas pelos cantos da casa, sem Beatrice como uma constante lembrança do que quase fizera impulsivamente, levado por sua tristeza e cochichos ouvidos durante anos.
— O cheiro está ótimo. — Anastasia surgiu, arrumando uma mecha teimosa de seu cabelo de volta ao coque enquanto se aproximava da mesa. Ela sorriu quando Ethan lhe ofereceu a mão, puxando-a de encontro a seu corpo e beijando-lhe suavemente os lábios. O corpo da morena sacudiu-se levemente em uma risada enquanto ela voltava os olhos para ele. — Precisa de ajuda?
— Não, estou quase terminando, pequena. — Ele sorriu ao vê-la de soslaio aproximando-se de Cerberus, servindo um pires com leite ao pequeno e animado cão, que deixou seu brinquedo de lado. — A tempestade não foi tão feroz como pensei. Quer me ajudar com os cães?
Anastasia concordou com um aceno enquanto servia xícaras de café aos dois e Ethan levava os pratos com ovos mexidos para a mesa, sentando-se ao lado dela. Não demorou para que a conversa agradável surgisse, fazendo-o sentir como se pudesse ficar preso naquele momento perfeito para sempre.
🌼
Ethan sorriu, sentando-se à mesa e encarando o bule no fogo. Anastasia estava na biblioteca, esperando por ele enquanto alimentava e cuidava de Cerberus, com um romance que leriam juntos em suas mãos.
Haviam sido belos, doces e, para ele, curtos dez dias. O tempo parecia desacelerar quando ele estava com Anastasia, perdendo-se em sua voz doce e nos olhos belos cheios de candura, assim como também parecia passar rápido demais.
— Parece distante. — A voz de tom melodioso o fez sorrir antes mesmo de sentir o toque suave dos lábios dela em seu pescoço, os braços delicados envolvendo-o em um abraço carinhoso. — Em que está pensando?
— Nada demais. — Ele envolveu sua mão, fazendo com que ela desse a volta, ficando de frente para si. — Sente-se aqui.
Ethan apontou para seu colo, sorrindo quando Anastasia timidamente aproximou-se. Ele lhe envolveu a cintura, puxando-a para seu colo e afundando o rosto em seu pescoço, espalhando beijos leves ali.
Estava entregando-se a ela sem pensar muito nas consequências, deixando-se levar como que por uma correnteza sem saber ao certo o que encontraria ao final. Se seria uma queda que o destruiria ou uma praia à beira de uma clareira florida. Apenas permitia-se aproveitar esses momentos com ela como se nada mais importasse.
— Arnhem! — o pigarrear não muito distante o fez virar o rosto repentinamente em um misto de irritação e surpresa, vendo Thomas parado à porta da cozinha com seu equipamento de trabalho em mãos. — Desculpe atrapalhar, mas senti o cheiro do café. Não esperava que estivesse acompanhado.
O tom sério do britânico fez com que Anastasia corasse, irritando Ethan que permitiu que ela se afastasse, arrumando o vestido e encarando o chão.
— Olá, Thomas. — O britânico aproximou-se, encarando a morena como se a estudasse antes de voltar seus olhos para Ethan, que suspirou baixinho. — Anastasia, esse é Thomas Hiddlesworth. Thomas, essa é Anastasia, minha... — Ethan pensou por um momento antes de sorrir, vendo-a voltar seus olhos para si — minha noiva.
Os olhos de Anastasia brilharam antes que ela os voltasse para Thomas, que esticava a mão em sua direção, cumprimentando-a ainda com o olhar desconfiado.
— É um prazer. — Havia um tom frio na voz do jovem de cabelos negros antes que ele voltasse seu olhar para Ethan. — Temos assuntos a tratar. Quer fazer isso agora ou mais tarde?
— Acho que preciso trabalhar, pequena. — O sorriso de Ethan esmaeceu antes que ele pegasse as mãos da morena, beijando-as. — Espere-me na biblioteca. Assim que terminar retornarei para você e nossa leitura.
Ele manteve os olhos sobre ela, vendo-a se afastar ainda com o sorriso a brincar em seus lábios.
— Ela não é sua noiva. Acabou de inventar isso. O que está tramando? — Thomas deixou seu equipamento ao lado da mesa, sentando-se de frente para Ethan.
— É claro que é. Eu apenas me dei conta disso agora. — Ele voltou seus olhos para o britânico, que ainda mantinha o olhar cético. — Você vai continuar com isso não importa o quão irritado eu fique?
— Sim. — Thomas permitiu que um pequeno sorriso surgisse antes de levantar-se e começar a preparar o café. — Agora, responda-me senhor Klein, como isso aconteceu?
— Não sei. — Ethan voltou seus olhos para a porta, encarando-a. — Acredita em amor à primeira vista, Thomas?
— Não. Acho tolice. — O britânico voltou seus olhos para Ethan, apoiando parte de seu corpo ao fogão. — Porquê?
— Foi o que me aconteceu. Meu coração perdeu o ritmo quando a vi pela primeira vez, com os lábios rosados e as longas mechas cor de chocolate a lhe emoldurarem o rosto delicado. — Ethan sorriu, apoiando o rosto em uma das mãos ao voltar-se para encarar Thomas. — Me rendi a ela quando ela piscou aqueles belos e doces olhos de corça para mim, me apaixonei após uma noite de conversas descontraídas. E ela mal sabe quem sou...
— Bem, como eu disse. Não acredito em amor à primeira vista... — Ethan voltou os olhos irritados para Thomas, o sorriso zombeteiro em seus lábios dando lugar a uma expressão amigável. — Mas acredito em amor à primeira conversa. Você pode ter se apaixonado por ela após uma conversa longa, após um dia ou uma noite.
Ethan sorriu, deixando um curto silêncio se instaurar enquanto Thomas cuidava do café.
— Porém, devo avisar-lhe que manterei minha desconfiança quanto a ela. Pelo menos por um curto período. — O britânico olhou-o por cima do ombro, vendo Ethan dar ombros.
— Apenas não a importune. — O moreno levantou-se, pegando uma bandeja e arrumando-a com xícaras de café quente e biscoitos. — Tem algo mais a me dizer?
— Sim. Beatrice irá se tornar insuportável após isso, recomendo que tome medidas para protegê-la ou alertá-la. — Thomas bebericou o café, fazendo uma expressão de desgosto. — Fora isso, nada demais. Os outros chegam com o Christopher em cerca de duas semanas ou menos.
— Ótimo, cuide de tudo. Por hora, vou aproveitar meu tempo livre com minha noiva. — Ethan exibiu um largo sorriso, saindo com a bandeja em mãos para a biblioteca.
❄️
Anastasia viu de soslaio Thomas passar por si, notando o olhar curioso dele sobre ela, sempre vigilante e desconfiado. Em parte, ela sentia-se feliz de saber que Ethan era tão querido por seu amigo, mas não podia evitar se sentir mal por gerar tamanha desconfiança ao britânico.
— Senhorita. — Thomas aproximou-se, o tom frio de sempre enquanto voltava seus olhos para o filhote em meio a saia. — O sen- Ethan pediu que eu lhe mostrasse a estufa.
— Estufa? — Anastasia o encarou confusa por um momento, seguindo-o até o exterior da casa, arrumando a pesada manta em seus ombros.
Apesar do sol de brilho acolhedor e da neve que começava a derreter, o frio ainda era intenso. Anastasia seguiu Thomas por entre uma pequena trilha, cercada do que durante as outras estações deviam ser arbustos até a construção praticamente escondida. Através da estrutura de vidro estava um local com verde abundante, repleto de flores coloridas e árvores de pequeno porte em grandes vasos de cerâmica.
— É... linda. — Anastasia correu os olhos ao redor, mantendo Cerberus em seus braços, mesmo que ele estivesse ansioso por correr em meio à grama. Thomas a guiou até um banco próximo de diversas flores como lírios, peônias, rosas e violetas miúdas.
— Fique à vontade senhorita. — Thomas afastou-se, vendo-a se sentar no chão e deixando que o filhote corresse por entre a grama, mantendo os olhos atentos a ele e aos arredores.
Havia um caminho de pedra por entre a grama sempre bem cuidada. O clima no interior era devidamente controlado por Thomas, sendo sempre propício para o crescimento de suas mais diversas plantas. Desde as flores do jardim principal até seu pequeno pomar em vasos e sua horta. O chão do jardim era tomado pela vegetação rasteira e pelas pedras que guiavam até um pequeno pátio onde estava o banco.
— Você parece ter gostado disso... — Anastasia riu ao ver Cerberus ficar de barriga para cima, esfregando suas costas no chão enquanto ela lhe fazia carinho.
Por um momento ela permitiu que sua mente vagueasse, fazendo-a pensar nos últimos dias. Entregava-se a felicidade sem se importar muito com o fato de logo as coisas poderiam ruir. Ethan poderia cansar-se dela, poderia descobrir que ela, na verdade, fugira de seu marido, poderia descobrir que não era a primeira vez que deixava Benjamin no meio da noite, partindo para o mais longe que conseguia.
Porém, estava sentindo-se tão bem, tão segura e, ao mesmo tempo, tão cansada, que decidira apenas entregar-se e aproveitar enquanto as coisas estavam boas. Passara a vida temendo cada ação, o desfecho que elas trariam para si, destruindo-a, passara tantos anos restringindo-se que agora já não mais se importava, apenas permitia-se aproveitar.
E tudo com Ethan seguia de forma tão fluida e natural. As demonstrações de afeto eram sempre tão espontâneas e doces, sempre recheadas de ternura e cuidado, mesmo que indiscretas aos olhos de outros e isso não mais a incomodava.
— É um lugar belíssimo. — Ela levantou-se ao ver Thomas passar, aproximando-se de um arbusto de rosas de tonalidade coral.
— Obrigado. — O britânico a encarou por um momento antes de voltar sua atenção para as rosas. — Esse lugar é como a obra de minha vida. Minha paixão.
— Explica por que são tão belas. — Anastasia sorriu, olhando ao redor e passando os dedos delicadamente por um lírio.
— Permite que eu lhe faça uma pergunta? — Thomas parou, limpando as mãos na lateral da calça enquanto Anastasia concordava com um aceno. — Por que o Ethan? Por que não o dono desse lugar, por exemplo?
— Não tenho interesse em posses. Meu marido passou toda a nossa vida juntos buscando uma fonte de riquezas. Viciou-se em jogos, que o levou para as bebidas, tornando-o um homem irritadiço. Quando percebeu que nada conseguiríamos onde estávamos, tratou de vender tudo o que tínhamos e comprar a carroça que se tornou meu lar nos últimos meses com ele. No fim, sua busca por uma riqueza rápida foi o que o levou à morte. — Anastasia levantou os olhos para Thomas, exibindo um pequeno sorriso. — Não quero posses, não me importo com elas. O afeto e o cuidado que Ethan tem por mim já me basta. É mais do que tive por toda a minha vida. E se só tivermos isso e um ao outro, já estarei completa, senhor Thomas.
O britânico a encarou por alguns momentos, mantendo os olhos fixos nos dela. Havia ali um brilho, algo que ele vira apenas um par de vezes em sua vida e, para ele, aquilo era o bastante.
— Me chame apenas de Thomas, por favor. — Ele exibiu um pequeno e cordial sorriso para Anastasia, que o encarou surpresa. — Aceita um chá?
Ela sorriu, seguindo-o para fora da estufa até ver Ethan dirigindo-se para o canil e desviar-se, desculpando-se e indo até o moreno.
— A Kiona iria gostar dela... — Thomas sorriu, vendo Ethan envolver Anastasia, puxando-a contra si e sorrindo antes de entrar no canil.
❄️
— Eu juro que se essas sementes tiverem estragado vou fazer o Ethan engoli-las. — Thomas entrou irritado no quarto de hóspedes, procurando com os olhos os baús que Ethan havia trago de sua última viagem. — Aqui estão.
O britânico alternou os olhos entre os dois baús idênticos antes de decidir qual abriria primeiro e aproximar-se dele.
— Vestidos? — ele puxou um dos conjuntos, colocando-o sobre a cama e esticando a saia à sua frente. — Deve ser o pedido de desculpas do Capitão do Sunday. Mas essas roupas são pequenas demais para qualquer mulher daqui.
Os lábios do britânico se contraíram em uma expressão irritada. Tinha que dar créditos pela esperteza do velho homem, ele sabia que Ethan não abriria os baús e não veria que o pedido de desculpas era a carga confiscada de algum nobre que velho capitão não conseguira vender.
— Velho esperto. — Thomas correu os olhos pelos tecidos com bordados delicados e anáguas de tecido macio. A voz doce chamando pelo pequeno cão o fez voltar os olhos para a porta, pensando por um momento. — Bem, não cabe em nenhuma mulher da comunidade, exceto uma...
Thomas arrumou as peças dentro do baú, abrindo o próximo e encontrando suas sementes e mais alguns utensílios para a casa. Ele pegou o pequeno saco com os grãos antes de sair do quarto à procura de Anastasia. A morena estava na cozinha, alimentando Cerberus.
— Senhorita. — Thomas se aproximou, exibindo um pequeno sorriso quando ela se levantou, encarando-o com curiosidade. — Encontrei algo que pode ser de bom uso da senhorita, visto que perdeu sua bagagem durante sua viagem até aqui. Ethan parece ter se esquecido da existência de um baú com algumas roupas, creio que elas sirvam na senhorita.
— É muito gentil de sua parte, Thomas, mas eu estou bem com essas roupas. — O britânico a encarou, levantando uma das sobrancelhas em uma expressão cética, conseguindo um sorriso sem jeito da morena. — Tudo bem, talvez possamos dar uma olhada.
Ele concordou com um aceno, aproximando-se do fogão e servindo uma xícara de chá quente para ambos enquanto aguardavam que Cerberus terminasse sua bagunçada refeição.
— O Ethan, normalmente seria mais atencioso a esse detalhe, mas como tem estado muito atarefado com os filhotes e os corcéis nem deve ter se dado conta disso. — Thomas sorriu quando ela pegou o pequeno cão em sua mão e começou a segui-lo pelo corredor antes de subirem as escadas. — Creio que a senhorita irá desfrutar dessas peças. Acha que precisa de ajuda com algo?
— São... lindos. — Anastasia pegou uma saia azul escura em suas mãos, o tecido cintilante e macio com bordados de fios brancos e prateados. — São peças caras. Não posso aceitar, Thomas. O dono delas sem dúvida não ficará feliz de ver uma estranha maltrapilha usando vestidos tão elegantes.
— Não apenas pode, como deve. — Thomas sorriu. Desde o primeiro momento havia entendido o que as palavras de Ethan queriam dizer. 'Ela mal sabe quem sou', Anastasia não fazia ideia de que o dono daquela imponente casa e propriedade era Ethan. — E lhe garanto que o dono delas ficará mais que feliz em ver a senhorita às usando. Esse baú pertence ao Ethan, o capitão do navio o presenteou após um incidente.
Anastasia encarou Thomas surpresa antes de alternar seus olhos entre ele e os vestidos.
— Eu... — ele riu ao ver a hesitação dela, aproximando-se da cama e afagando Cerberus.
— Existe algo que possa fazer para que a senhorita aceite sem arrependimentos? — ele voltou seus olhos para ela, vendo-a pensar por alguns instantes antes de olhar na direção do quarto principal antes de voltar sua atenção para Thomas, negando com um aceno. — Porque a senhorita não escolhe um desses belos vestidos enquanto eu providencio água para o quarto principal.
Anastasia concordou com um aceno e um suspiro enquanto Thomas se limitava a sair do quarto, indo prontamente cumprir sua nova tarefa.
Ethan havia deixado ordens claras de fazer e providenciar qualquer coisa que Anastasia precisasse. Porém, a jovem nunca lhe pedia nada, sempre resolvendo tudo ao seu alcance sozinha e se por um acaso não o podia, recorria a Ethan, pacientemente esperando até que ele estivesse livre para ajudá-la.
Ainda assim, algumas vezes o olhar atento de Thomas a via em seus pequenos 'apuros' e apesar das várias falas dela de não querer o incomodar, ele se prontificava a ajudá-la. Esse era um desses momentos.
A única coisa que havia no quarto principal para que ela dividisse sua atenção entre ele e os vestidos, era a banheira.
— O que está fazendo? — Ethan passou pelo britânico, vendo-o levantar os baldes cheios de água límpida.
— A senhorita expressou o singelo e tímido desejo de um banho quente. — Ethan concordou com um aceno, afastando-se um passo. — Quase esqueci-me. Precisarei de sua ajuda com as sacas de serragem para as plantas. Poderá me ajudar?
— Claro. Irei terminar com os cavalos e o encontro na estufa. — Ethan o encarou sobre o ombro, vendo-o concordar com um aceno antes de se afastarem. Subindo as escadas, Thomas podia ouvir Anastasia conversar com Cerberus, escolhendo com cuidado o vestido, procurando por algum modelo mais simples e isso fez o britânico sorrir.
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